Capitulo 4 - Caminho
Samanta
Acordei cedo e já preparei minhas coisas para passar o fim de semana, faz muitos anos que não vou até nossa casa de campo, então estou super empolgada.
Ontem à noite, Liz me passou o contato de sua amiga, para eu entrar em contato para ela me mandar a localização. Pensei em mandar uma mensagem pedindo desculpa por como falei com ela ontem, mas resolvi falar com ela pessoalmente.
— Bom dia, mãe — Beijo sua testa antes de me sentar ao seu lado na mesa de café da manhã — Pessoal ainda está dormindo?
— Bom dia, meu amor — Me puxa para um abraço — Ainda estou me acostumando a ter a família toda ao redor da mesa, isso é tão incrível — Solta uma risadinha — Seu pai já saiu para abastecer o carro, e sua irmã e o noivo ainda estão dormindo.
— Marcos dormiu aqui?
— Sim, assim é melhor para eles não terem que vir para cá logo cedo.
— Na minha época não era permitido trazer ninguém para dormir aqui — Digo com um enorme bico.
— Você nunca tentou — Solta uma gargalhada — Você não pode me acusar de te impedir de trazer alguma garota aqui porque você nunca me apresentou alguma namorada, diferente da sua irmã que está noiva.
— Então só posso trazer alguém para dormir aqui se eu estiver noiva?
— Não — Responde antes de bebericar seu café — Apenas que seja algo sério e não alguém de uma noite só.
— Ok, dona Rosa, já entendi seu recado.
— Que bom! — Exclama — Antes de você sair, precisa pegar a cadeirinha para Nico na garagem.
— Ah! Tem isso também — Não tenho noção nenhuma do que precisa para uma criança — Mas a mãe dele não tem cadeirinha não?
— Não, Clarinha não tem carro, então não tem o porquê ela ter uma cadeirinha em casa, nós temos aqui porque normalmente Nicolas sai com a gente.
— Entendi.
Tomamos o resto do café em silêncio, apenas apreciando a companhia uma da outra. Fazia anos que eu não me permitia ter esses momentos de paz e tranquilidade, e estou amando ter.
Quando saiu de casa minha irmã nem acordou ainda, sinal de que vão se atrasar para sair, mas cumpro meu combinado com Clara e saio na hora.
Vou até a garagem e acho a cadeirinha que está em um canto dela, instalo no banco de trás da minha Range Rober Evoque branca, modelo 2025, e depois saiu para buscá-los.
Ainda estou esperando minha BMW M4 chegar, a encomendei assim que cheguei no Brasil, mas pela configuração dela, preciso esperar alguns meses até ficar pronta.
O apartamento de Clara não fica longe de nossa casa, apenas algumas quadras de distância, então logo estou estacionando o carro na frente. Parece ser um prédio simples, mas seguro, o que é muito importante.
Abro o aplicativo de mensagens e escrevo para ela.
Eu: Cheguei
Clara: Já vamos descer
Dois minutos depois, vejo Clara sair de seu prédio cheia de bolsa e uma mala, e seu filho ao seu lado com uma boia na mão e vários brinquedos.
Seria bem cômico a cena, se isso não me obrigasse a descer do carro e ajudá-los. Desço do carro e vou até ela.
— Deixa que eu levo isso — Pego a mala maior e algumas bolsas que percebo ser mais pesadas.
— Obrigada — Fala sem jeito.
— Bom dia, tia Sam — Nico me cumprimenta — Seria bom uma ajudinha aqui também — Fala quase derrubando tudo.
— Mas você é o homem da casa, precisa ajudar a sua mãe, e eu vou ajudar ela e depois te ajudo — Sorriu com sua cara emburrada.
— Não sei se gosto de ser o homem da casa — Resmunga.
Vou até o porta-malas e guardo as coisas ali e volto para ajudá-lo. Sorte que meu carro é bem espaçoso, caso contrário não teria como colocar nem metade do que eles estão levando. Será que vão morar na casa de campo?
— Bom dia — Clara me cumprimenta depois que fecho o porta-malas.
— Bom dia — Retribuo — Cheguei muito cedo? Meus pais acham que vão se atrasar, sendo que quando sai de casa o casal perfeito nem tinham saído da cama ainda.
A mais nova auxilia seu filho a entrar no carro o prendendo corretamente na cadeirinha. Aproveito para prestar atenção nela, ela está com um vestidinho solto, que valoriza bem suas curvas.
Clara, assim como o filho, são descendentes de asiáticos, pelo que Liz me contou um dia desses, seus pais vieram da china ainda pequenos para o Brasil, e se conheceram ainda novos. Então explica os olhos puxados e as características, pele branca e seus cabelos pretos.
Me arrisco a dizer que ela é uma das mulheres mais lindas que já vi, apesar de parecer muito delicada em sua fisionomia, magra, pequena e simples, mas quando abre a boca mostra que ninguém mexe com ela.
Paro de encará-la e sigo para meu lugar no carro, e segundos depois ela está entrando também e sentando-se ao meu lado, o que com certeza não foi uma boa ideia sendo que seu vestido subiu um pouco quando ela sentou e suas coxas estão bem a mostra.
— Você não chegou cedo, e prefiro sair por esse horário do que pegar trânsito mais tarde — Fala enquanto coloca o sinto de segurança.
— Todos prontos? —Pergunto olhando o pequeno pelo retrovisor enquanto coloco meus óculos de sol.
— Siiiiimmmmm — Nicolas grita com as mãos para o alto.
— Então, partiu casa de campo.
Depois que dou partida no carro, dou play na música que estava tocando antes de eu chegar, e a voz de Backstreet Boys soa pelo carro. O tempo pode passar, mas para mim eles continuam sendo a melhor banda existente.
O caminho até a casa demora em torno de duas horas e meia, e depois de alguns minutos percebo um certo garotinho dormindo no banco de trás, com a cabecinha apoiada no encosto da cadeirinha e de boca aberta.
Capaz dele acordar todo dolorido por estar todo torto, mas dizem que crianças são quase de borracha nesse quesito, que dormem assim e acordam sem nenhum pingo de dor.
— Vamos ouvir essa banda a viagem toda? — Clara interrompe meus pensamentos.
— Você não gosta?
Desvio os olhos da estrada por um breve momento para olhá-la, porém me arrependo no mesmo instante. O sol da manhã está incrivelmente pegando em seu rosto, dando um ar ainda mais tranquilo para ela. Ela realmente é muito bonita.
— Não é muito a minha praia.
— E qual é a sua praia?
Se vamos passar duas horas dentro desse carro, que pelo menos seja confortável para as duas.
— Billie Eilish.
— Quem? — Digo um pouco mais alto que o necessário.
— Você não conhece? — Se diverte com minha cara.
— Deveria? — Apoio meu cotovelo na porta do carro, como estamos em estrada reta e segura, posso ficar mais relaxada.
— Claro que sim — Solta uma risada — Ela é a sensação entre os jovens.
— Aí que está o problema, eu não sou mais jovem.
— Ah, isso é verdade, né — Vira o rosto em minha direção e encara meu corpo todo quando vê que não estou mais na posição concentrada totalmente na estrada — Além de gigante, você é uma pré-histórica, tinha me esquecido disso.
— Você está tirando onda com minha cara?
Me viro novamente para ela e a encontro com os olhos novamente em mim, dessa vez me analisando mais, se essa garota não fosse hétero, até diria que está de olho em mim.
— Eu não tenho culpa se você esqueceu de crescer, baixinha — Continuo falando quando vejo que ela não responde, apenas ri, deixando o clima mais ameno.
— Eu não sou baixinha — Me olha incrédula.
— Realmente não é — Concordo com ela — Eu que comi fermento demais.
— Tá vendo aí? Eu sempre tenho razão — Cruza os braços.
— Nem sempre — Volto a provocá-la — Mas já que entramos nesse assunto, queria te pedir desculpas por como falei com você ontem, você tinha razão, podemos ser amigas.
— E o que te faz pensar que quero uma amizade? — Me devolve na mesma moeda.
— Nada me faz pensar isso, mas seria bom se você quisesse, já que parece ser uma garota legal, só preciso que saiba que eu sou muito ruim nesse lance de amizade, meu único amigo é o mesmo de quando eu era adolescente, então você já pode ver o que esperar de mim.
— Você quer que eu entre em uma amizade em que você já está me avisando que é uma péssima amiga? — Gargalha, e percebo que a risada dela é contagiante.
— Acho que é bem isso que estou querendo dizer — Não consigo ficar séria ao lado dela e quando vejo já estou sorrindo.
— Ok, se eu me ferrar nessa amizade não poderei nem reclamar, já que estou sendo avisada.
— Verdade, não vai poder me culpar de nada — Digo sínica.
A garota ao meu lado realmente parece ser uma pessoa boa, então não vou perder nada tendo uma amizade com ela, ainda mais que ela frequenta nossa casa sempre, isso pode até ser divertido e assim posso estar mais próxima da minha irmã.
— Tudo bem, então me conte mais sobre você e eu decido se quero ser sua amiga ou não — Fala.
— E o que você quer saber?
— Qualquer coisa, até o presente momento só sei que você é campeã da natação, que tem gostos musicais péssimos e que não é uma boa amiga, é assim que quer me garantir que devo entrar nessa amizade?
— Não concordo com a parte do meu gosto musical ser péssimo — Retruco — Mas vamos lá. Meu nome é Samanta, tenho 33 anos, estou aposentada do esporte e voltei a morar com meus pais, no meu tempo vago gosto bastante de ler ou conhecer lugares novos, apesar de eu quase não ter tempo livre porque quase sempre estou trabalhando.
— Querida Samanta — Ela diz calmamente — Não estamos em uma entrevista de emprego — Sua risada ecoa pelo carro novamente — Estou vendo que realmente vou ter que te ensinar como ser uma amiga.
— Eu avisei — Levanto a mão direita do volante em sinal de rendição.
— Tá, vamos lá, novamente — Se ajeita na poltrona do carro e fica um pouco de lado, para me olhar melhor — O que você gosta de ler?
— Essa é fácil — Relaxo com o início da conversa — Romance sáfico.
— Interessante — A encaro quando ouça sua entonação de voz, um pouco mais arrastada — E qual seu livro favorito?
— Aí você me pegou, eu nunca consigo escolher apenas um, mas um que li recentemente e gostei muito foi de Amor Fati, adoro os livros das G.B.Baldassari.
— É mais de uma pessoa?
— Sim, são duas escritoras que são um casal e os livros delas são bons de ler.
— Você me recomendaria ler esse?
— Se você gostar desse tema de leitura, sim — Tento ler suas expressões, mas estão neutras — Você gosta de ler?
— Bastante, mas com Nico, o meu tempo fica bem reduzido, então quase não tenho tempo para meus lazeres.
Apesar de não conseguir decifrar se essa garota tem chances de ser lésbica ou bissexual, eu estou gostando do caminho da conversa, e por incrível que pareça, estou confortável com ela.
— Você se importaria se eu perguntar sobre o pai do Nico? — Arrisco entrar nesse tópico — Se tiver algum problema, não precisamos falar disso.
— Não é mais um problema falar sobre isso, mas normalmente não falo muito — Suspira — Eu tinha 18 anos quando conheci o Rafael, e de início ele era um cara legal, me conquistou e se mostrou atencioso, mas ele não era muito adepto ao sex* seguro — Suas bochechas coram.
— Isso é mais comum do que imaginamos, muitos homens são assim — Aperto minhas mãos no volante.
— Sim — Posso ver que está envergonhada — Mas não dou toda culpa a ele, eu deveria ter parado quando ele se recusou a usar camisinha, eu também teria que ter pensado nas consequências.
— Concordo, mas agora não dá de ficar procurando culpados, já aconteceu — Inconscientemente estendo minha mão segurando a sua.
— Sim — Sussurra — Mas depois de um mês que nos envolvemos eu fiquei gravida, e para a surpresa de um total de zero pessoas, ele me acusou de estar querendo dar o golpe da barriga, foi um momento bem intenso, porque ele queria que eu tirasse a criança, mas eu não conseguiria viver sabendo que abortei meu filho, e depois de uma gestação conturbada, ele assumiu a criança na certidão, mas não assumiu o papel de pai.
As vezes imaginamos que só em novelas, filmes ou livros as mulheres são abandonadas grávidas, mas quando isso acontece bem na nossa frente, parece que a revolta fica ainda maior. É desesperador saber que isso acontece tanto ainda.
Clara encara nossas mãos ainda juntas e começa a fazer um carinho singelo nas costas da minha.
— Depois do nascimento foi sempre Nicolas e eu — Levanta o olhar em minha direção novamente — Ele não conhece o pai.
— E seus pais?
— O que têm eles?
— Sei que você tem minha família como sua, e isso é bem legal, mas seus pais não criam problemas com isso?
— Não, acho que para eles não há problema nenhum desde que eu não precise da ajuda deles para criar meu filho — Não consigo evitar olha-la espantada — A gente se dá bem, não é isso, mas quando descobriram que eu teria um filho sem estar casada, foi a maior decepção deles e me deixaram ficar na casa deles até o Nico nascer, mas sempre me deixaram muito claro que a obrigação de cria-lo seria completamente minha, então sua irmã me ajudou muito nessa época e também a sair da casa deles depois.
— Eles não gostam de estar com Nicolas? — Pergunto o que ronda minha mente.
— Gostam — Explica — Mas não gostam da responsabilidade de criar uma criança “bastarda”, e também a cultura deles ainda é muito diferente da nossa, então Nico os vê em alguns fins de semana, mas não com muita frequência.
— Mas eles moram no Brasil desde pequenos, a cultura deles deveriam ser a mesma que a nossa já.
— Porém os pais deles ainda eram muito rígidos com a cultura chinesa, então não é a mesma coisa.
— E você tem contato com eles além de quando precisa levar seu filho para vê-los?
— Pessoalmente não, mas meu pai me liga normalmente.
Pelo seu jeito de falar, não é o tipo de ligação que se espera entre pais e filha, isso explica ela ser tão próxima da minha família.
— Mas deu de falar de mim — Tenta amenizar o clima — O que realmente te fez voltar? Sabemos que não foi sua família.
— De certa forma foi — Aproveito que ela parou o carinho em minha mão e a recolho, estou tendo contato físico demais com ela para o meu gosto — Nada mais me prendia lá. Pode não parecer, mas minha família sempre me fez falta, mas eu tinha uma carreira para me dedicar, e isso exigiu eu me manter longe sendo que aqui não teria tantas oportunidades de estar em equipes qualificadas e poder representar meu país, mas quando perdi isso, não vi mais motivos para me estar longe.
— E sua vida lá? Amigos ou alguém que pudesse ter lá? — Morde o canto do lábio como se estivesse aflita com a possibilidade de eu não querer aprofundar o assunto.
— Esqueceu que te falei que não tenho amigos? — A provoco — E eu não tinha mais ninguém lá, terminei meu relacionamento algum tempo atras já.
— Namoraram muito tempo?
— Não acompanhou as notícias pela internet? Saiu em todos os lugares.
— Eu não tenho tempo nem para ler meus livros que gosto, você ainda acha que eu acompanharia a vida de alguém que nem conheço pela internet?
— Nem perdeu nada — Dou de ombros — Ela me enfiou em umas roubadas, então foi melhor o término.
— Ela? — Seus olhos estão curiosos.
— Sim, eu namoro garotas — A respondo — Achei que Liz já tivesse comentado isso.
— Você se surpreenderia ao saber que eu e Liz nunca falamos sobre você?
— Não — Respondo mais decepcionada do que achei que ficaria, no fundo gostaria que a mais nova soubesse um pouco mais sobre mim sem eu precisar falar nada — Espero que não seja um problema para você eu ser lésbica.
— Por que seria? — Me encara confusa.
— Porque muitas mulheres acham que só porque somos lésbicas vamos dar em cima, que não sabemos respeitar as pessoas, e isso é uma merd*.
— Eu não tenho problema com isso, até porque sou bissexual, seria muita hipocrisia da minha parte ser homofóbica com você.
Bingo, consegui a informação que queria. Mas o que essa informação vai mudar na minha vida? Mas por algum motivo gosto de saber disso.
— Você também é do lado colorido da vida, então?
— Sim, já beijei algumas garotas.
— Mas nunca namorou uma?
— Na verdade — Suas bochechas voltam a corar — Eu nunca namorei. Depois que engravidei eu foquei totalmente em ser mãe, e eu não cheguei a namorar o pai de Nicolas.
— Você tem quantos anos?
— 23.
— Você ainda é nova, daqui a pouco encontrará a pessoa certa que vai te tirar do foco de ser “só” mãe.
— Quem sabe.
A conversa seguiu leve e descontraída, apesar do início conturbado, acho que conseguimos manter um ritmo bom de conversa.
Depois de uma hora e meia, parei para comprar algo para bebermos e seguimos viagem.
Chegamos na casa perto do meio-dia. Clara se encarregou de acordar o filho enquanto eu vou descarregando o carro e abrindo a casa.
— Samanta — Me chama quando chego no primeiro degrau da varanda com duas malas em mãos, me viro para ouvi-la — Acho que quero ser sua amiga.
Fim do capítulo
Espero que a Leitura tenha te feito uma boa companhia.
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