Capitulo 2 - A volta para casa
Samanta
Malas para desfazer, coisas para arrumar, um quarto para deixar um pouquinho mais com cara de meu e uma chuva forte lá fora, normalmente março é um mês bastante chuvoso aqui no Brasil.
Cheguei ontem na casa dos meus pais, que agora preciso me acostumar a chamar de minha, e o caminho do aeroporto até aqui, me fez lembrar muito de quando eu tinha 15 anos, a nostalgia do início de um sonho, das competições, da vontade de aprender, e hoje parece que não há mais o que esperar, tudo que eu poderia ter vivido na natação, já vivi, e agora preciso aceitar que essa parte da minha vida já passou.
Uma das coisas boas disso tudo, é que meu quarto é grande o suficiente para eu ter meu espaço pessoal, não preciso socializar tanto quando estiver em casa.
— Filha — Minha mãe bate na parta e coloca a cabeça para dentro e entra quando me vê — Você precisa de ajuda?
— Acho que não — Analiso a situação ao meu redor e percebo que faltam apenas algumas caixas — Falta apenas colocar minhas medalhas e troféus na estante e arrumar meus livros. O resto já está organizado.
— Ok, então eu vou aproveitar para dar uma saidinha rápida, se você quiser comer algum lanche tem pronto na cozinha, é só pegar. A Liz chega daqui a pouco também.
— Tudo bem, mãe — Volto a pendurar minhas coisas.
A estante que pedi que minha mãe providenciasse é perfeita para expor meus prêmios, do jeitinho que imaginei. Uma parede inteira do meu quarto foi reservada para ela, e ali consegui colocar tudo.
No lado esquerdo da estante, que fica próximo a porta, está os troféus junto com minhas medalhas e alguns objetos que me trazem lembranças das competições, como algumas tocas de natação que usei nelas.
Ao lado direito está a parte dos meus livros, é um hobby que tenho desde criança, e por amar livros, hoje tenho muitos.
E no meio, coloquei alguns porta-retratos com fotos aleatórias, mas importantes para mim.
Quando vejo tudo pronto, recolho as caixas de papelão e as levo até a garagem, que foi onde minha mãe pediu para deixar, assim ela manda para a reciclagem.
Olho para o relógio e percebo que são 17:12h e ouço minha barriga roncar, dando sinal de vida e mostrando que precisa de alimento, então volto da garagem e vou direto para a cozinha.
Antes de comer, preciso lavar as mãos e não me importo de fazer isso na pia da cozinha mesmo, mas quase morro do coração quando olho para a porta que dá para o jardim e vejo uma criança parada no lado de fora me olhando, calada e séria. Acho que foi o pior susto da minha vida.
— Oi — Quebra o silêncio.
Agora que o susto passou e eu consigo respirar melhor, presto mais atenção naquela miniatura de ser humano e vejo que ela está quase imóvel, vestido com uma capa de chuva amarela, e botas de borracha vermelha nos pés. Seu rostinho é muito bonito, os olhinhos puxados revelando sua descendência asiática.
— Quem é você e o que faz aí parado igual uma assombração? — Pergunto.
— Minha madrinha foi buscar uma toalha e mandou eu ficar aqui parado esperando para não molhar a casa, e como sou uma criança obediente estou aqui — Explica.
— Madrinha? Quem?
— A madrinha Liz, ela mora nessa casa — Revira os olhinhos — E você quem é? O que faz na cozinha dos meus avós?
— Eu moro aqui — Respondo como se estivesse falando com um adulto.
— Não mora não — Diz convicto — Só mora a madrinha Liz, a vovó Rosa e o vovô Alberto, então você não mora aqui.
— Agora eu moro.
— Por quê?
Qual o problema desse garoto, hem? Eu não tenho que ficar dando satisfação da minha vida para uma criança, que tem no máximo quatro anos, do porquê moro na casa dos MEUS pais.
— Você é a moça das fotos? — O garotinho tem a cabecinha virada um pouco para o lado me analisando — A foto grande na sala da vovó.
Então me lembro do quadro enorme que há na sala de estar dessa casa, em que estou dentro da piscina comemorando uma das medalhas na olimpíada de Toquio. Na foto é possível ver minha felicidade pelo sorriso enorme estampado em meu rosto, e estou com a mão direita um pouco levantada socando o ar para comemorar mais uma prova.
— Sim, sou eu mesmo — Digo orgulhosa.
— Então você é a irmã fantasma da minha madrinha — Diz como se tivesse descoberto um grande mistério.
— Irmã fantasma? — Esse garoto está me deixando cada vez mais confusa.
— Sim, minha mamãe disse que a moça da foto nunca aparece nessa casa, que mais parecia um fantasma do que uma irmã e a madrinha também falou.
Nesse momento, ouço passos atras de mim e vejo minha irmã vindo apressada com uma toalha na mão, quase nem percebendo que eu estava aqui.
— Ei — Chamo atenção dela — Eu não sou um fantasma.
— Mas parece ser um — Responde com a mão no peito depois do susto que levou — Tá ficando louca? O que faz aí parada e falando de fantasmas?
— Esse rapazinho que disse que você e a mãe dele falaram que eu sou um fantasma nessa casa — Explico como se fosse a coisa mais sensata a se dizer.
— Talvez seja pela quantidade de vezes que era possível te ver nessa casa.
Minha irmã arrasta o tapete que tem próximo á porta para que o menino possa entrar e não molhar o chão. Ela tira a capa de chuva dele revelando seus cabelos pretos e lisos, e depois tira as botas de borracha lhe oferecendo um chinelo para que ele não coloque os pés no chão, e antes de terminar, pega a toalha e o seca nos poucos lugares que estão molhados, como rosto e mãos.
— Eu só não morava perto, não tinha como vim sempre — Tento justificar.
— Vim nunca, você quer dizer — Ela recolhe a capa e a bota e coloca pelo lado de fora da casa novamente e deixa o menino entrar livremente.
— Eu sou o Nico — O garotinho vem até mim e me estende a mãozinha.
— Oi Nico, eu sou a Samanta — Resolvo interagir com ele de uma forma menos rabugenta.
— A madrinha disse que você nada igual um peixinho — Ele diz com naturalidade e noto minha irmã arrumando a mesa para o café.
— Sim, eu nado igual um peixinho — Sorriu para ele.
— A senhora pode me ensinar? — Diz com um sorriso em seus lábios.
— Se sua mãe permitir.
Quando paro para analisar, é a primeira vez que vejo minha irmã tão responsável por algo, já que ela está sempre tão ocupada com coisas inúteis, e jamais a vi colocar uma xícara de café para alguém, nem para o noivo.
— Principe, vá lavar as mãos e lavar o rosto antes que o café fique pronto.
— Ok, já volto.
Ele sai correndo em direção ao banheiro, parece bem familiarizado com a casa e com a rotina.
Vou até o balcão e pego uma xícara para mim, lembro o real motivo de eu ter vindo até aqui. E como falei, minha irmã não pegaria para mim também.
— Quem é essa criança? É o menino que a mãe comentou sobre ser filho da sua amiga?
— Sim, ele é o filho da Clarinha, você vai encontrar eles bastante aqui por casa, é melhor ir se acostumando.
— Não preciso me acostumar, sendo que irei trabalhar a maior parte do tempo e o restante provavelmente ficarei no quarto.
— E ainda reclama do apelido que Clara te deu.
— Então foi ela que teve a ideia do apelido?
— Ela não precisa de muita criatividade, sendo que você nunca está presente.
— Mas agora estou — Falo com um grande bico em meus lábios.
— As vezes nem parece que você tem a idade que tem — Revira os olhos — Sam, agora que você está em casa novamente, aproveite isso tudo, eu quero poder ter mais tempo com a minha irmã mais velha.
Ela sabe me convencer quando quer, usando esse tom de voz de quem está pedindo algo muito importante. Eu perdi muitas coisas por conta da minha carreira, ganhei grandes prêmios, mas perdi momentos com minha família, inclusive o crescimento da minha irmã.
— Vou pensar no seu caso — Brinco — Sendo que nem uma xícara você pegou para mim, só para o pequeno.
— Não lembrava de você ser tão dramática — Ri — Mas Sam, falando sério, o Nico vem bastante aqui em casa e a Clarinha também, então espero que você não os trate mal, eles não merecem.
— Por que eu os trataria mal?
— Porque você é expert em se isolar e deixar todos fora da sua vida, e sinto em lhe informar, mas nessa casa, sempre terá uma criança correndo pela casa e uma mulher que não é da família entrando pela porta normalmente, não seja rude quando encontrar eles.
— Não sei que visão você tem de mim, Liz — A encaro — Mas não sou esse monstro que você acha.
— Não estou dizendo isso, só sei que pode ser difícil para você ter que mudar toda sua vida e se acostumar com uma casa barulhenta.
Não tenho tempo de responder, sendo que o pequeno barulhento voltou correndo para a cozinha.
— Madrinha — Fala apressado — Eu quero fazer xixi, mas a vovó colocou em mim essa calça que eu não consigo abrir sozinho.
Explica, parando na frente da minha irmã com a camiseta levantada até a metade da sua barriguinha, deixando Liz ver sua calça com botão.
— Rápido, dinda — Choraminga — Meu piu-piu vai explodir.
Quando a mais nova consegue abrir a calça ele sai em disparada novamente, e sinto que os dias nessa casa serão sempre assim, tumultuados.
******
— Achei que ia demorar mais tempo para eu conseguir te tirar do casulo — Meu amigo me abraça assim que cheguei no barzinho que combinei com ele.
— Pode acreditar, que eu repensei umas três vezes depois que aceitei seu convite.
— Eu acredito, afinal, te conheço muito bem.
Pedro foi o único amigo que não perdi contato depois que sai do país, mas devo confessar que não foi por esforço da minha parte que essa amizade permaneceu, sempre foi ele que entrou em contato e me procurou, e reconheço que ele sempre foi uma das pessoas mais importantes da minha vida mesmo eu não sabendo demonstrar isso.
Começamos a nadar juntos quando tínhamos 12 anos, e nossa proximidade começou ali, assim como eu, ele é alto e tem o porte necessário para ser um bom nadador, mas ele não quis investir na carreira como eu. Para ele era mais um hobby do que um futuro.
Pedro é gay e me ajudou muito no meu processo de descoberta, me ouviu muitas vezes em minhas crises de identidade e sempre esteve ao meu lado, chegou a viajar para os EUA para ficar comigo no hospital.
— É muito bom te ter de volta, agora posso estar pertinho de você sempre — Fala me abraçando.
As vezes ele é bem pegajoso, e as vezes isso me incomoda.
— Pedro — Chamo sua atenção dentro do abraço sufocante dele — Meu espaço pessoal.
Ele me solta na mesma hora, esse é nosso código para quando ele está passando dos limites no quesito toque físico.
Por mais que ele seja muito carinhoso e que goste de demonstrar isso através do toque, sempre respeitou meu espaço, e acho que isso que faz nossa amizade durar tantos anos.
Meu melhor amigo chama atenção por onde passa, tanto de homens quanto de mulheres. Tem uma barba baixa que dá um charme especial, seus cabelos são curtos, mas com a parte de cima um pouco desalinhada, olhos azuis e um sorriso charmoso. Além disso, ele é estiloso, normalmente está vestido com uma camisa de botão estampada e bermudas jeans, e em seus pés um tênis baixo. Ou seja, chama atenção pela sua bela presença.
— Você já pediu algo?
— Ainda não, estava te esperando — Fala enquanto nos sentamos a mesa — Mas se você demorasse mais um pouquinho, eu iria ter que ir falar com aquele gato que está de olho em mim do bar.
— Você não fez eu vir até aqui para ir atrás de macho e me deixar sozinha, né?
— Claro que não, Sam — Diz sínico — Mas realmente achei que você iria me dar bolo, então não poderia perder tempo.
— Você nunca perde.
Rimos e começamos a jogar conversa fora, é sempre bom passar tempo com ele, sempre nos divertimos muito.
— E a louca largou do seu pé? — Se refere a minha ex, Sophia.
— Não sei se largou do meu pé ou se está apenas armando mais algum barraco para me colocar na mídia novamente — Não gosto nem de lembrar das armadilhas que aquela mulher me armou.
Sophia é o tipo de mulher que te encanta de primeira, sabe ter um bom papo e é linda, mas quando você começa a conviver com ela descobre a pessoa horrível que é, e depois que decidi terminar nosso relacionamento, ela não se conformou e quando via já estávamos envolvidas em mais um escândalo.
Quando ela soube que eu voltaria para o Brasil, apareceu no meu prédio e causou o maior barraco porque seu nome estava bloqueado na portaria, e mais uma vez meu nome foi parar em todos os sites de fofoca ao lado do dela.
— O lado bom de estar aqui, além da família e amigos, é saber que estou á muitos quilômetros de distância dela — Respiro aliviada.
— Isso se ela não der um jeito de aparecer aqui.
— Nem brinca com uma coisa dessa.
— Mas se ela aparecer eu a coloco no lugar dela — Diz, protetor.
— E como está o seu coração? Não me contou mais nada sobre seus lances.
— Meu coração está batendo, graças a Deus.
— Dissimulada — Ele toma um gole de sua bebida enquanto me encara com os olhos semicerrados — Quero saber das fofocas.
— Não tenho nada para falar, minha vida amorosa anda mais parada que água de poço — Reviro os olhos.
— Ixi, estou vendo que vou ter o trabalho de te arrumar uma namorada.
— Eu não quero namorada, estou bem assim como estou —Bufo.
— Nem um beijinho na boca?
— Eu não preciso namorar para beijar na boca — Vejo meu amigo levantar uma sobrancelha.
— Quem te viu, quem te vê — Solta uma gargalhada — Querendo dar uns pega sem se apegar.
— Deixe de besteira — Bebo um grande gole da minha bebida para evitar os pensamentos da minha vida pacata.
Fim do capítulo
O que vocês acham que vai acontecer pela frente Hem??????
Não esqueçam de deixar seus comentários.
Espero que a leitura tenha te feito uma boa companhia. Até breve.
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