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Dois Reinos por Natalia S Silva

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Palavras: 6528
Acessos: 574   |  Postado em: 25/08/2025

Capitulo 16

Maeryn 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Eu estava ali, no alto da escadaria, tentando manter o corpo calmo e o rosto impassível. Usava um vestido escuro, sem adornos, como se minha pele já gritasse o bastante sob ele. Meus olhos procuravam apenas uma coisa.

 

E quando a vi cruzar os portões de Valmont, coberta de fuligem, com o manto pesando nos ombros, as feições duras de quem matou e venceu, meu coração quase saiu do peito. Ela estava viva. E mais do que isso, ela era força em carne e osso, com o sol batendo no rosto e o mundo girando ao redor dela como se fosse o centro.

 

Mas eu não podia correr. Não podia descer aquelas escadas. As damas ao meu redor, os olhos dos nobres, os conselheiros... todos estavam ali. Assistindo. Esperando.

 

Meu sorriso foi discreto, contido. Mas meus olhos... meus olhos disseram tudo que minha boca não pôde: "Eu te esperei. Eu te senti. E estou aqui."

 

Mas então, tudo mudou.

 

Korgun irrompeu no salão como um vendaval, os passos duros, a voz alta, os olhos acesos de fúria e verdade. E não demorou para que as palavras pesadas começassem a cair como marteladas no mármore frio da corte.

 

Meu pai apareceu do lado oposto do salão, vindo dos corredores privados, com as vestes ainda desorganizadas e a expressão de quem já sabia, antes mesmo de ouvir.

 

Eu o conhecia.

 

Vi o peso no seu andar. Vi como evitava olhar para mim. Porque ele sabia que parte daquelas verdades o atingiriam também.

 

O Conselho foi reunido imediatamente. Nenhum protocolo. Nenhuma permissão formal. A urgência era um grito. Guardas se alinharam, nobres foram chamados às pressas, outros vieram sem serem convidados, como ratos tentando descobrir se seus nomes estavam entre os condenados.

 

Eu me mantive à margem, mas não saí. Permaneci em pé, junto às colunas laterais, entre tecelãs e damas, conselheiras menores. Eu era filha do rei, mas naquele momento, era apenas uma espectadora com o coração em carne viva.

 

Alric e Varka abriram os mapas e documentos no centro da grande mesa de pedra. O som do couro desenrolando preencheu o salão com um tipo de ameaça que não vinha de espadas, vinha de provas. Marcas de tinta. Selos reais. Nomes.

 

 

(Alric) — Eles conspiravam — começou Alric, a voz clara, firme. — Não apenas contra Skarn, mas contra Valmont. Contra o próprio rei.

 

 

Meu pai, sentado ao trono, ouviu tudo sem interromper. Cada detalhe. Cada apontamento. Vi a cor sumir de seu rosto. Vi seus dedos fecharem com força sobre o apoio do trono, como se quisessem se agarrar a algo que não podia mais ser salvo.

 

Ragan apontou para um mapa com uma trilha desenhada por trás de fortificações menores.

 

 

(Ragan) — Esses eram os caminhos usados para driblar os olhares do rei. Por onde passavam suprimentos, ouro e homens. — Ele ergueu um pergaminho lacrado. — Este, selado por Lorde Themund, detalha a entrega de quatrocentos homens ao leste, por “ordem indireta”. Aqui, a assinatura de outro, Varnus, irmão da rainha falecida. Ambos estão nesta corte.

 

 

O salão explodiu.

 

Alguns se levantaram gritando, outros tentaram desmentir aos berros, como se a negação gritada fosse mais forte que a tinta em pergaminho. Vi Lorde Themund empalidecer como cera, e Varnus olhar ao redor como um animal encurralado. Alguns aliados fingiam surpresa, outros recuavam discretamente. Covardes.

 

Meu pai ergueu a mão. Silêncio.

 

 

(Aldren) — Chamem os guardas — disse, com a voz mais gélida que já ouvi. — Prendam todos cujos nomes constam nesses documentos. Os que fugirem, serão caçados como inimigos do trono.

 

 

O eco dessa ordem foi como um trovão.

 

Homens de armadura invadiram o salão pela lateral. Com rapidez, sem hesitação, agarraram Lorde Themund antes que ele pudesse reagir. Um dos outros tentou correr foi derrubado com uma lança atravessando o chão diante dele. Varnus não resistiu. Apenas se ajoelhou e murmurou: “Eu fiz pelo bem do reino…”

 

Meu pai não o olhou.

 

 

(Aldren) — Pelo bem do reino, você o entregaria aos inimigos?

 

 

O rei não chorou. Mas havia algo morrendo dentro dele.

 

Alric permaneceu calado. Varka observava tudo com os olhos sombrios, como se calculasse quantos mais ainda se escondiam por trás das colunas. Ela não sorriu. Nem quando os culpados foram levados sob vaias. Nem quando os documentos foram levados à sala real para registro.

 

Ela não precisava sorrir. Ela era o que restava quando a justiça era feita com sangue e aço.

 

E eu… eu estava ali. Parada. Como uma estátua no meio de um vendaval.

 

Eu queria correr até ela. Eu queria envolvê-la, dizer que ela tinha vencido, que eu sentia orgulho, que eu não suportei a espera... Mas tudo ali era faca. Tudo era tensão. Eu não era apenas Maeryn. Eu era filha do rei. E ela era a guerreira que revelara a podridão de meia corte.

 

Quando as portas do salão se fecharam, e os gritos dos traidores se perderam no corredor, o rei permaneceu imóvel por um longo tempo. Depois, ergueu os olhos, não para Alric, não para Corwin.

 

Mas para Korgun e seus filhos.

 

 

(Aldren) — Vocês fizeram o que ninguém aqui teve coragem de fazer — disse, e sua voz não era de carinho. Era dura. Amarga. — Mas isso... isso terá consequências.

 

 

Varka apenas assentiu. Fria. Imóvel.

Eu não sabia se ele falava de alianças, ou de mim.

 

A sessão foi encerrada com promessas de reorganização, punições, julgamentos públicos. Mas todos ali sabiam, a guerra havia entrado nas paredes do castelo. E agora, ninguém estava seguro.

 

 

O palácio estava quieto demais naquela noite. Não era o silêncio natural da madrugada, mas o tipo de quietude tensa que se instala depois de algo quebrar. Como se todos estivessem andando em pontas de pés por entre cacos invisíveis, tentando não fazer barulho, não chamar atenção.

 

Três noites haviam passado desde que Varka saiu para a caçada com seu pai e os nossos homens, desde então, nenhuma palavra foi trocada entre nós.

 

Não por falta de desejo. Mas por tudo o que nos separava.

 

A tensão política estava em todos os corredores. Conselheiros se fechavam em reuniões urgentes. Nobres evitavam se cruzar. 

 

E eu… eu sangrava por dentro. De saudade. De dúvida. De medo. Porque mesmo com ela tão próxima, mesmo com Varka ali, no castelo, viva, respirando, andando pelos corredores... era como se estivesse a léguas de distância. 

 

Até que naquela noite, no início da terceira noite separadas, ela apareceu.

 

A batida na porta foi seca, contida. Um som que fez meu coração parar por um segundo antes de disparar como se algo em mim acordasse de um longo inverno. Sabia que viria.

 

 

(Maeryn) — Entre — disse, já sabendo quem era.

 

 

E ali estava ela.

Os cabelos soltos, ligeiramente úmidos, como se a brisa da noite os tivesse tocado. O rosto sério, mas com algo nos olhos, um cansaço tão fundo que parecia vir de séculos. A túnica simples deixava à mostra parte dos ferimentos, e mesmo assim, ela estava ereta como uma muralha. Bela como uma ameaça.

 

Por um instante, nenhuma de nós falou. Só nos olhamos. Três noites de separação pesavam entre nós como mil guerras.

 

 

(Maeryn) — Achei que não viria — murmurei, recuando um passo para deixá-la entrar.

 

 

(Varka) — Eu não conseguiria não vir. — disse ela. A voz rouca. Baixa. Quase falhando no final.

 

 

Fechei a porta com cuidado. Os sons do corredor sumiram. Fiquei ali, com as costas encostadas na madeira, tentando entender se aquilo era real. Se finalmente ela estava aqui.

 

 

(Maeryn) — Está ferida ainda. — Fui até ela com as mãos já se movendo por instinto, tocando de leve o braço enfaixado. — Não devia estar andando assim.

 

 

(Varka) — Já fui ferida antes, Maeryn.

 

 

(Maeryn) — Mas agora está comigo. E comigo, você será cuidada.

 

 

O olhar dela vacilou. Por um segundo, ela parecia querer recuar. Mas não o fez. Eu a tomei pela mão, e levei até a cadeira junto ao fogo. Sentei ao seu lado e trouxe a pequena caixa com os unguentos e panos limpos.

 

 

(Maeryn) — Preciso limpar isso. A infecção pode subir.

 

 

Ela não resistiu quando comecei a desenfaixar com cuidado. O corte no braço ainda estava feio, escurecido, com bordas duras.

 

 

(Maeryn) — Deveria ter deixado o curandeiro tratar disso quando chegou. — murmurei, enquanto limpava com vinho e pressionava um pano fresco.

 

 

(Varka) — Estava ocupada demais perseguindo traidores.

 

 

(Maeryn) — Você sempre acha que precisa carregar tudo sozinha — sussurrei.

 

 

Ela riu. Um som seco, fraco, mas ainda assim, Varka.

 

 

(Varka) — Não é escolha. É hábito.

 

 

Silêncio por um momento. Só o estalo do fogo entre nós. Continuei limpando os ferimentos, agora em seu flanco, onde o tecido da túnica estava colado à pele.

 

 

(Maeryn) — Pode tirar — disse baixinho, com o olhar fixo no ferimento. — Vai doer menos.

 

 

Ela puxou a túnica devagar, expondo o corpo magro, musculoso, marcado pela guerra. Minhas mãos tocaram sua pele com o cuidado de quem segura algo que ama e teme perder.

Enquanto passava o unguento, ela falou.

 

 

(Varka) — Os nomes que encontramos… são mais do que imaginávamos. Alguns ainda estão no castelo. Outros fugiram. Alric quer agir rápido, mas o rei hesita. Ele está acuado. Desgastado.

 

 

(Maeryn) — Meu pai tem medo de parecer fraco. Mas essa hesitação vai ser lida como fraqueza de qualquer forma.

 

 

(Varka) — Eu sei.

 

 

(Maeryn) — E quanto a Skarn? Korgun quer guerra?

 

 

(Varka) — Korgun quer justiça. Mas justiça com o sangue de nobres, mesmo culpados, nunca é recebida com bons olhos. Ele quer que Valmont se limpe sozinha. Se não, ele fará por vocês.

 

 

Assenti, sem desviar os olhos do ferimento. O pano molhado tremia levemente entre meus dedos.

 

 

(Maeryn) — E você, Varka? O que pensa? O que você quer? 

 

 

Ela demorou para responder. Quando falou, a voz veio baixa, como se estivesse confessando algo que escondia até de si mesma.

 

 

(Varka) — Eu quero que isso acabe. Que esse jogo podre termine. Que possamos lutar por algo que valha... e depois disso... que eu possa parar de fugir de tudo o que me importa.

 

 

Levantei os olhos para ela. Nossos rostos estavam tão próximos. A luz do fogo tocava os traços dela como se quisesse memorizá-los em ouro.

 

 

(Maeryn) — Eu te esperei tanto durante esses dias...

 

 

(Varka) — Eu sei…

 

 

Terminamos os curativos em silêncio, mas o espaço entre nós já estava quente demais. Tenso demais. E ainda assim, não cruzamos essa última linha. Havia tempo. Agora, havia tempo.

 

Bati na porta e pedi que trouxessem o jantar ali mesmo. Não queria descer aos salões. Não queria que as damas vissem meu sorriso. Não queria que ninguém soubesse que ela estava comigo. Era uma noite só nossa.

 

Serviram-nos pão fresco, um guisado quente de carne e raízes, e vinho escuro e espesso.

 

Comemos devagar, sentadas no tapete diante do fogo. Ela me contava o que viu na marcha de volta, os rostos dos soldados, os mapas. E eu lhe falei dos cochichos no conselho, dos lordes que sumiram, das cartas que chegaram.

 

 

E aos poucos, as palavras foram dando lugar ao silêncio confortável. Ao cansaço partilhado. Ao calor de estarmos finalmente perto.

 

Quando o prato dela ficou vazio, ela se recostou contra a poltrona com um suspiro longo.

 

 

(Varka) — Sabe o que é estranho?

 

 

(Maeryn) — O quê?

 

 

(Varka) — Mesmo com tudo... traição, guerra, sangue... — ela virou o rosto em minha direção — ...nada disso me apavora tanto quanto a ideia de não estar aqui agora. Com você.

 

 

Senti a garganta fechar. Meu corpo inteiro se moveu um centímetro, como se quisesse se lançar a ela, mas me contive.

 

O quarto estava mergulhado numa penumbra azulada, iluminado apenas pelas chamas tênues da lareira. O som da lenha estalando era como uma respiração calma, ritmada, que preenchia os espaços entre as palavras que não dissemos.

 

Varka ainda me olhava. Os olhos dela... claros, intensos, traziam aquele brilho denso, selvagem, mas havia também uma fragilidade ali, como se ela estivesse desarmada pela primeira vez. Ela respirou fundo, os lábios entreabertos, e eu podia ver o movimento sutil do peito subir e descer, como se cada inspiração exigisse coragem.

 

 

(Varka) — Diga alguma coisa — sussurrou, quase inaudível. — Ou me beije antes que eu perca o pouco de razão que ainda me resta.

 

 

Não precisei pensar. O corpo já sabia. Me movi, lenta, como se temesse quebrar o feitiço. Cruzei a pequena distância entre nós e parei a poucos dedos de seu rosto. Senti o calor dela me atingir, o cheiro familiar da sua pele, um misto de couro, madeira, com algo mais profundo, quase mineral, como terra molhada depois da chuva. Fechei os olhos e inspirei fundo. Era como voltar para casa.

 

 

(Maeryn) — Você demorou — murmurei, a voz falhando.

 

 

Ela não respondeu. As mãos vieram até meu rosto, quentes e firmes, os dedos ásperos pela batalha. Tocaram minha pele com reverência, como se não acreditassem que eu era real. Nossos lábios se encontraram num beijo sem pressa, mas carregado de tudo o que não dissemos nos últimos dias. Não havia espaço para dúvidas, apenas um desejo antigo, renascido com força, urgente e ainda assim gentil.

 

Ela me puxou pela cintura, e nossos corpos se colaram com um encaixe que parecia feito pelos deuses. Meu coração batia tão alto que eu podia ouvi-lo nos ouvidos. As mãos de Varka deslizaram pelas minhas costas, sentindo cada curva, cada suspiro, como se quisesse decorar meu corpo com os dedos. Quando a língua dela tocou a minha, um gemido escapou de mim, involuntário, rasgando o silêncio do quarto.

 

Nos afastamos apenas o suficiente para respirar, nossas testas unidas. O calor entre nós era quase insuportável, mas não queríamos nos afastar.

 

 

(Varka) — Cada dia longe de você foi como um pedaço de mim se partindo — confessou, e havia dor real naquela voz grave e rouca. — Pensei que não voltaria. Pensei que... tenho medo de um dia não me querer mais…

 

 

Acariciei sua bochecha com o dorso dos dedos, os olhos queimando.

 

 

(Maeryn) — Eu te esperei cada minuto. E cada vez que alguém falava seu nome eu fingia não estremecer. Eu te quis até quando não podia.

 

 

Ela soltou um som entre o riso e o lamento, me beijando de novo, mais fundo, mais voraz. As mãos seguraram minha túnica e a puxaram para cima, devagar, revelando minha pele centímetro por centímetro, como se ela estivesse despindo uma oferenda sagrada. Tremi sob o toque, não de frio, mas de antecipação.

 

Toquei o peito dela, sentindo as cicatrizes ainda em cura. Os ferimentos da última batalha deixaram marcas, mas ali, naquela hora, elas só a tornavam mais bela. Varka era feita de força, mas era a dor que a tornava humana. Inclinei-me e beijei uma cicatriz sobre a costela, sentindo o arrepio percorrer o corpo dela.

 

 

(Maeryn) — Cada marca sua conta uma história. E todas elas me trouxeram até aqui.

 

 

Ela me deitou sobre a cama com cuidado, como se eu fosse mais preciosa que qualquer relíquia. Deitei sobre os lençóis frios, mas o corpo dela logo me cobriu, e todo o calor que me faltava se acendeu. Seu corpo era uma promessa de fogo, de proteção, de pertencimento.

 

Os beijos dela desciam por meu pescoço, lentos, molhados, marcando minha pele com prazer. Os dedos encontraram minha cintura, os quadris, explorando sem pressa, e por um momento perdi a noção de tempo. Só existíamos nós. Os sussurros dela no meu ouvido me deixavam em chamas.

 

Ela dizia meu nome como se fosse oração, um sussurro rouco entre os dentes. Cada sílaba pronunciada com desejo, com necessidade.

 

 

(Maeryn) — Varka...

 

 

Ela gem*u baixo em resposta, roçando os lábios sobre meu colo. Sua boca descia entre beijos e carícias, alternando entre ternura e intensidade. A cada toque, eu me arqueava, os músculos se contraíam, como se todo meu corpo estivesse sendo redescoberto.

 

As mãos dela seguravam minhas coxas com firmeza, os dedos cravados na pele como garras, não de dor, mas de urgência. O som da nossa respiração se misturava, quente, abafado, como o rugido de uma tempestade se formando.

 

Quando ela me penetrou com os dedos, com delicadeza, firmeza, senti meu mundo estremecer. Um suspiro longo escapou de mim, os olhos fechados, o corpo entregue. Ela me observava, os olhos famintos, a boca entreaberta. Como se ver meu prazer fosse o próprio deleite dela.

 

 

(Varka) — Você é minha. — A voz dela carregava algo primitivo, possessivo, que me fez estremecer por dentro.

 

 

Segurei os ombros dela, puxando-a para cima, nossos corpos colados mais uma vez. Ajoelhei-me sobre ela, invertendo a posição, e a olhei como se quisesse memorizar cada linha, cada sombra, cada suspiro.

 

 

(Maeryn) — Agora deixa eu te mostrar o que isso significa.

 

 

Beijei seu pescoço, sua clavícula, cada centímetro de pele. O gosto dela, salgado, quente, vivo, era um vício que eu havia esquecido que tinha. E enquanto minha boca a explorava, meus dedos faziam o mesmo, tocando, apertando, provocando.

 

Ela sussurrava palavras que eu não compreendia, talvez nem ela soubesse o que dizia. Era o idioma do desejo, do reencontro, da dor que virava prazer. Seus gemidos enchiam o quarto como música, como uma canção ancestral que apenas nós conhecíamos.

 

Fizemos amor como quem volta da guerra. Com fome. Com saudade. Com necessidade de se fundir ao outro para não desaparecer. Não havia pressa, mas havia urgência. Não havia perfeição, mas havia entrega. Gritamos um no nome da outra, suamos, trememos, rimos entre gemidos e suspiros.

 

Quando enfim desabei ao lado dela, o coração ainda galopando no peito, nossos corpos colados, cobertos de suor e desejo, soube que nada mais importava. Nem o sangue. Nem a guerra. Nem os traidores.

 

Ela virou o rosto e me olhou. Tocou meus lábios com os dela, num beijo calmo, quase adormecido.

 

 

(Varka) — Se for para morrer amanhã... 

quero que esta noite seja o último sonho que terei.

 

 

(Maeryn) — Não vamos morrer — sussurrei. — Ainda temos promessas demais para cumprir.

 

 

E nos abraçamos ali, envoltas pelo calor da lareira e pelo silêncio cúmplice de quem se reencontrou no fim do mundo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Varka 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O dia chegou com um frio seco, cortante como lâmina. Não era comum naqueles dias, quase primavera, e talvez fosse apenas impressão minha, um reflexo do que se aproximava. Ainda na cama, com Maeryn adormecida ao meu lado, os primeiros toques dos sinos me despertaram para a realidade. O eco era diferente, não de celebração ou cerimônia, mas de convocação.

Algo solene. Definitivo.

 

Desviei o olhar do corpo dela, da tranquilidade em seu rosto, e vesti minhas roupas em silêncio. A túnica de couro espesso, o cinto com minha adaga, os braceletes com os símbolos de Skarn, não por vaidade, mas porque algo em mim dizia que seria necessário. Eu já sabia. Desde a noite anterior, havia escutado os rumores sussurrados entre corredores e guardas tensos.

O rei Aldren enfim tomara sua decisão. E o nome dessa decisão era sangue.

 

Ao sair do quarto, avisei a Maeryn com voz baixa:

 

 

(Varka) — Estaremos no pátio. O rei vai falar. Leve seu manto, o vento está gelado.

 

 

Ela me olhou ainda sonolenta, mas assentiu. Não perguntei se viria. Eu sabia que viria. Maeryn nunca recuava diante do que precisava ver.

 

 

 

 

O pátio central do castelo de Valmont estava lotado. Plebeus, soldados, servos, nobres, todos haviam sido chamados. O frio só não congelava mais do que o silêncio. Não havia música, nem tambores. Apenas o ranger de botas na pedra, o farfalhar dos mantos, e o som abafado de murmúrios nervosos. O céu, nublado, parecia cúmplice do que viria, coberto por nuvens cinzentas e pesadas, como se o próprio dia hesitasse em nascer por completo.

 

Eu me posicionei ao lado de Ragan, que já me aguardava com expressão carregada. Ao lado dele, Alric observava a multidão, o cenho franzido, como se tentasse identificar rostos traidores ali, entre o povo. Vi Corwin se aproximando do outro lado do pátio, o punho firme na espada. Aquilo não era uma reunião diplomática. Era uma demonstração de força.

 

E ali estava ele. Meu pai.

 

O velho Korgun. Vestido em pele de urso negro, o elmo sob o braço, a cicatriz no rosto mais nítida do que nunca. Ele não disse nada ao se aproximar, apenas me lançou um olhar breve, afiado. Eu reconhecia aquele olhar. Era dele a mão que pressionava Aldren nos bastidores. Era dele a sede por justiça, ou vingança.

 

E então, o rei apareceu.

 

Aldren de Valmont. A armadura polida, a capa com o símbolo da águia dourada, a expressão dura como rocha. Ao lado dele, o alto-sacerdote, vestido de branco. E atrás, em correntes, os acusados.

 

Traidores.

 

Cavaleiros, senhores de terras, antigos conselheiros. Alguns com os rostos empalidecidos de medo, outros tentando manter a dignidade, com os queixos erguidos. Todos agora iguais na vergonha, no destino.

 

Vi Maeryn se aproximar. Estava pálida, a expressão tensa, os olhos fixos em Aldren. Ela parou ao meu lado sem dizer uma palavra. Sua respiração era contida, como se o peito temesse expandir diante daquilo.

 

O rei deu um passo à frente. Sua voz soou firme, sem tremores.

 

 

(Aldren) — Reunimo-nos hoje não para ouvir conselhos, mas para executar justiça.

 

 

O pátio inteiro silenciou. Nem o vento ousava soprar.

 

 

(Aldren) — Nomes que confiávamos. Homens que sentaram à nossa mesa, que beberam nosso vinho e juraram fidelidade à nossa casa... traíram-nos. Venderam informações aos nossos inimigos, sabotaram nossas tropas, colocaram seus próprios interesses acima do bem do reino.

 

 

Ele fez uma pausa, olhando para os prisioneiros.

 

 

(Aldren) — E por isso, não serão julgados em segredo. Não terão o luxo da escuridão. Hoje, Valmont assiste. O povo assiste. E que se lembrem... não há clemência para os que viram as costas ao seu sangue.

 

 

Um murmúrio percorreu a multidão. Eu senti Maeryn estremecer ao meu lado. Ela conhecia alguns daqueles homens. Cresceu vendo-os nos salões do castelo, escutando seus conselhos. Diplomacia, para ela, era alma. Mas ali não havia tratados. Só havia sentença.

 

E ela estava escrita em pedra.

 

Teyrion deu um passo à frente. Ao seu lado, Corwin também. Ambos entregaram as ordens escritas ao carrasco. Um homem grande, de capuz negro, que já empunhava a enorme lâmina com facilidade desconcertante. O altar havia sido preparado ao centro, entre tochas altas. 

Um a um, os traidores foram chamados.

 

O primeiro, Lorde Faren, antigo comandante da guarda leste. Tremia tanto que mal conseguia andar. Os joelhos fraquejavam. Foi forçado a se ajoelhar sobre a pedra. O sacerdote murmurou as palavras finais, e Aldren não hesitou:

 

 

(Aldren) — Pela sua traição, pelo sangue que custou... morra.

 

 

A espada desceu com um som seco, um estalo que cortou o ar. A multidão se encolheu. Um gemido coletivo percorreu o espaço. Maeryn fechou os olhos. Eu não.

 

Observei tudo. Porque traidores merecem o peso da lâmina. E porque há coisas que não se pode permitir esquecer.

 

O segundo, o terceiro, o quarto. A espada seguiu implacável. Cada cabeça caída era mais um pedaço da velha ordem desfeita. Nobres que se achavam intocáveis, reduzidos a corpos no chão. O cheiro de sangue logo se misturou ao frio, um aroma de ferro e terra que se impregnava nas narinas.

 

A certa altura, o sexto prisioneiro começou a gritar. Implorava misericórdia, dizia-se enganado. Chorava, pedia pelos filhos. Olhei para Maeryn. Vi a luta dentro dela. A dor. O horror. Mas também vi a compreensão. Ela entendia, mesmo que seu coração diplomaticamente treinado sangrasse por isso.

 

Aldren se aproximou do povo. A capa balançando ao vento, os olhos inflamados.

 

 

(Aldren) — Escutem bem! — bradou. — Ninguém está acima da justiça. Nem nobres, nem conselheiros, nem reis. Traiu o reino, paga com a vida.

 

 

Ele voltou para o altar, e seu olhar cruzou com o da filha, por um breve instante. Era como se dissesse: isto é o necessário.

 

Ela sabia. Não gostava, mas sabia.

 

Depois da décima execução, os corpos começaram a ser removidos. Os servos limpavam o sangue em silêncio, esfregando a pedra com água quente, mas o vermelho não saía. Aquela mancha não se apagaria tão cedo.

 

O povo começou a se dispersar. Murmúrios. Medo. Alívio. Justiça.

 

Maeryn continuava ali, imóvel. Toquei seu braço. Ela se virou para mim, os olhos marejados, mas não derramavam lágrimas.

 

 

(Maeryn) — Era preciso?

 

 

(Varka) — Era inevitável.

 

 

Ela engoliu em seco, depois assentiu. Ficamos em silêncio por um momento, vendo o altar vazio.

 

 

(Varka) — Este foi o preço de não ouvir os sinais.

 

 

Ela me olhou, longa e profundamente.

 

 

(Maeryn) — Então que sirva de aviso... a todos nós.

 

 

E saímos dali com passos pesados. Atrás de nós, o pátio ainda respirava sangue e medo.

 

Mas também, talvez, esperança. Porque às vezes, a justiça precisa da lâmina para que a paz se sustente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A paz.

Tão esperada, tão sangrenta, tão silenciosa. Quando ela enfim chegou, não foi com trombetas nem com canções. Chegou como chega o inverno ao norte: lenta, definitiva, depois de muito se perder no caminho.

 

Os corpos dos traidores já estavam enterrados. Os inimigos expulsos para além das fronteiras. As feridas físicas começavam a cicatrizar, e as espirituais… bem, essas levariam tempo.

Mas havia calmaria nos olhos dos soldados.

Sorrisos contidos nas cozinhas.

Risos tímidos nos pátios de treinamento.

 

A guerra, ao menos por ora, havia terminado.

 

Meu pai decidiu partir ainda naquela semana. Disse que já havia ficado demais. Ele nunca foi homem de paredes de pedra. Preferia as montanhas abertas, o frio real do norte em vez do vento tímido de Valmont. Quando me falou de sua partida, não fez perguntas. Só me olhou, como quem já sabe as respostas.

 

 

(Korgun) — Já vi o suficiente. Ragan é forte. E você… — ele fez uma pausa, e em seus olhos havia algo entre orgulho e receio — …você sabe o que está fazendo.

 

 

(Varka) — Sei.

 

 

Ele assentiu. Um gesto seco, direto. Deixamos para trás todas as palavras sentimentais. Ele nunca soube muito bem usá-las. E eu não as queria agora.

 

Ragan também partiria. Ao lado de Elsera, agora sua esposa, vestida com peles de Skarn e joias de Valmont, uma união que ninguém teria previsto meses antes, mas que agora fazia sentido. Eles seguiriam para o norte, para que ela conhecesse o que seria, talvez, seu novo lar. Mas o destino dos dois ainda não estava selado.

Entre Valmont e Skarn, o amor deles teria que escolher.

 

E eu…

 

Eu precisava escolher também.

 

O convite para um último banquete veio dos salões da corte, como era esperado. Mas eu recusei.

Não haveria festa para minha despedida. Nenhum brinde, nenhuma última dança com a princesa de olhos verdes.

Eu não suportaria.

Preferi partir ao meio da tarde, quando os salões estivessem vazios e os olhos estivessem ocupados com vinho e música.

 

A carruagem de meu pai e a comitiva já estavam preparadas nos portões do castelo. Meus cavalos estavam selados, e meu povo já aguardava, guerreiros e servos, alguns feridos, outros em silêncio, mas todos prontos para voltar para casa.

 

Olhei uma última vez para as torres de Valmont. O céu estava escurecendo, nuvens pesadas se formavam no horizonte, como se até o clima soubesse que aquela partida não era uma celebração, mas uma ruptura.

 

E então pensei nela.

 

 

Como deixá-la?

Depois de tudo.

 

Depois de dividir sangue, cama, silêncio e dor.

Depois de noites em que nossas mãos se procuravam mesmo adormecidas. Depois de sorrisos entre salões, olhares no meio dos conselhos, beijos roubados nos corredores.

Como deixá-la aqui, neste castelo de muralhas douradas e corredores cheios de eco?

 

Mas eu sabia.

Ela não viria comigo.

 

Não por falta de amor.

Mas porque o amor, às vezes, não basta.

 

O rei, seu pai, jamais permitiria que ela partisse com uma bárbara, uma general de Skarn. Por mais que fôssemos aliados agora, por mais que as bandeiras estivessem lado a lado nos mastros, havia uma distância que nem tratados podiam cobrir.

 

E Maeryn…

Ela carregava medo. Não de mim. Mas do que viria se nos escolhesse.

 

Ela me amava, disso eu nunca duvidei.

Mas amar, para ela, significava ficar.

Ficar por seu povo. Por sua família.

Pela paz que ela ajudara a conquistar com cada conselho sussurrado, cada palavra dita no tempo certo.

 

Eu era movimento.

Ela era raiz.

 

Por isso, não bati em sua porta.

Não pedi que viesse.

Não chorei.

 

Monteei meu cavalo, ajeitei o manto nos ombros e respirei fundo, sentindo o vento tocar meu rosto com um arrepio que não era apenas do frio.

 

Quando me virei para dar a ordem de partida, ouvi passos apressados atrás de mim.

 

Maeryn.

 

Vestia um manto escuro, o capuz caído sobre os ombros. Os cabelos soltos dançavam no vento. Os olhos… ah, os olhos. Estavam brilhando, mas não havia lágrimas.

 

Ela parou a poucos passos de mim. O mundo pareceu se calar por um instante.

 

 

(Maeryn) — Vai mesmo?

 

 

Assenti.

 

 

(Varka) — Se eu ficar mais um dia… não terei forças pra partir.

 

 

(Maeryn) — E se eu pedir pra você ficar?

 

 

A pergunta me rasgou por dentro. Quis dizer sim. Quis desmontar do cavalo, correr para ela, jurar que ficaria para sempre.

Mas eu não era feita para ser lembrança presa em torres.

Eu era feita para andar com a tempestade.

 

 

(Varka) — Então me pedirá para não ser quem eu sou.

 

 

Ela estremeceu, mordendo o lábio inferior.

 

 

(Maeryn) — Eu te amo.

 

 

Fechei os olhos, como se isso doesse mais que a própria guerra. Desci do cavalo devagar e a alcancei. Segurei seu rosto entre minhas mãos. Beijei sua testa, depois suas pálpebras, o nariz, os lábios. Beijei como se nunca mais fosse tocar nela.

Porque talvez não fosse mesmo.

 

 

(Varka) — Eu também. Mas não posso ficar. Não aqui.

 

 

Ela assentiu. Como quem entende o que o coração não aceita.

 

 

(Maeryn) — Vai me esquecer?

 

 

(Varka) — Nunca.

 

 

(Maeryn) — Então me escreve.

 

 

(Varka) — Escrevo. 

 

 

Ela sorriu, triste, mas com aquele brilho orgulhoso nos olhos. Aquele que sempre fez meu peito doer de amor e de respeito.

 

A abracei uma última vez, sentindo seu corpo contra o meu, quente, real, vivo. E depois soltei.

Sem olhar de novo.

 

Monteei o cavalo, ergui o punho no ar.

A comitiva se pôs em marcha.

 

Partimos.

E atrás de mim, deixei a mulher que amava.

 

A tarde escureceu de vez.

O céu finalmente chorava.

 

Mas Skarn me chamava de volta.

E eu voltava.

Mais cheia do que vim.

E mais vazia do que jamais estive.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O caminho de volta foi longo, mas familiar.

As planícies que se abriam como um oceano gélido, as florestas retorcidas que guardavam o silêncio dos mortos, os rios de degelo que corriam com pressa, como se também quisessem voltar para casa. A cada passo, meu corpo se aproximava de Skarn, mas minha alma parecia parar em Valmont, diante de uma torre que não veria mais por um bom tempo.

 

A comitiva se manteve em silêncio na maior parte da viagem. Era como se todos sentissem o que eu carregava no peito. Ou talvez fossem apenas bons o suficiente para não perguntar.

 

E então, um dia, depois de cruzarmos a última dobra das montanhas cinzentas, eu vi.

 

Skarn.

 

Ali estava ela, minha terra.

 

A fortaleza de pedra esculpida com as próprias mãos de nossos antepassados, os salões abertos que resistiam ao vento, os portões altos, guardados por chamas eternas. Era o mesmo lugar de sempre… e ainda assim, algo havia mudado.

Como se o reino também estivesse voltando para si, tentando se lembrar do que era antes da guerra.

 

O portão se abriu e fomos recebidos por gritos de saudação, lanças erguidas e vozes que diziam o nome do meu pai como se fosse música antiga. Mas meus olhos não estavam nos rostos que aclamavam, procuravam por outros três.

 

Dravak. Jorun. Kael.

 

Eles vieram ao meu encontro como se o tempo entre nós tivesse sido nada.

 

Dravak foi o primeiro a me envolver num abraço bruto, seu riso rouco ecoando.

 

 

(Dravak) — Demorou, irmã! Achei que tivesse decidido dominar Valmont e ficar por lá!

 

 

(Varka) — Tivemos nossos motivos.

 

 

(Jorun) — Bonitos, pelo que ouvi… — disse Jorun com aquele sorriso torto e a voz carregada de veneno suave.

 

 

Kael, o mais jovem, apenas me encarou por um instante, olhos claros, postura séria como sempre e depois me abraçou em silêncio. Como quem entende tudo, mas escolhe não dizer nada.

 

Ficamos ali, juntos por um momento, como éramos antes que o mundo nos ferisse.

Os cinco filhos do urso.

Os filhos do norte.

 

Mas logo a saudação virou dever. Fui conduzida ao salão principal, mais reconstruído do que imaginei. Os pilares partidos já estavam restaurados, os brasões limpos, as tapeçarias novas ainda cheiravam à lã crua. Os aldeões haviam voltado. O comércio recomeçava. Vi mulheres moldando cerâmica, homens treinando jovens guerreiros, crianças correndo sem medo nas escadas de pedra.

 

Um reino se reconstruindo.

 

Skarn não apenas sobrevivera.

Skarn florescia.

 

Me contaram das aldeias retomadas, dos campos que voltavam a produzir. Das defesas reforçadas, dos acordos respeitados. Até mesmo a taverna, aquela mesma onde Dravak já perdeu uma aposta idiota e Jorun arrancou dois dentes de um mercador insolente, já estava aberta. Com cheiro de fumaça, cerveja amarga e vida.

 

E então eu a vi.

 

Rinna.

 

Estava junto ao velho Korrid, o ferreiro, avaliando o peso de uma nova arma. Vestia um gibão de couro, as mangas arregaçadas, os cabelos presos no alto da cabeça. Forte como sempre. Bela como sempre.

 

Quando me viu, não sorriu. Apenas assentiu, o rosto sério.

 

Ela já havia voltado do Vale onde sua mãe vivia, para onde levou Maeryn a pedido meu.

Foi lá que a escondeu no início da segunda batalha, quando ainda não sabíamos em quem confiar. Quando o perigo se escondia em cada sombra e até os nomes eram armas.

 

Ela voltou…

Mas Maeryn não.

 

E aquilo ardeu. Mesmo que eu tentasse não olhar por muito tempo.

 

Fingi que não notei.

Ignorei a lembrança, engoli o gosto.

Porque se eu começasse a pensar nela agora… eu não pararia.

 

E não podia me permitir isso.

 

 

 

 

Os dias passaram.

 

A primavera se aproximava, mesmo que o norte a recebesse com atraso.

O gelo começou a derreter nas bordas dos rios, os troncos endurecidos das árvores ganharam contornos de verde pálido, e o vento já não cortava como faca, apenas sussurrava promessas de calor.

 

A cada manhã, os salões ficavam mais cheios, os risos mais frequentes.

Mas em mim, o vazio só crescia.

 

O frio ia embora.

E eu congelava por dentro.

 

Era como se o fim da guerra tivesse levado consigo meu propósito.

A espada ainda estava afiada. Meus músculos ainda lembravam a dança da batalha.

Mas a alma… a alma andava por corredores sozinha.

Ouvia risos e respondia com silêncios.

Recebia cartas e não respondia.

Dormia menos do que deveria e sonhava mais do que podia.

 

Quase toda noite, antes de adormecer, meus dedos tocavam o lugar vazio em minha cama.

E toda manhã, ao acordar, olhava a janela como quem espera um milagre surgir entre as montanhas.

 

Ela não vinha.

 

Maeryn não vinha.

 

E isso era insuportável.

 

Tentei me ocupar. Treinei soldados, revisei mapas de defesa, participei dos conselhos, discursei para aldeões, bati espadas com meus irmãos, cacei com Kael na floresta alta…

Mas tudo era pálido.

Nada era ela.

 

O riso dela. A voz dela dizendo meu nome em voz baixa. As mãos dela, firmes mesmo quando tremiam.

A forma como ela brigava comigo nas reuniões e me puxava para perto no silêncio do quarto.

 

Eu dizia para mim mesma que era melhor assim. Que cada uma tinha um dever. Que ela servia ao reino dela e eu ao meu.

Mas as palavras eram frágeis.

Não preenchiam o espaço que ela deixou.

 

Numa tarde, sentei sozinha no salão vazio. As tochas ainda acesas. A mesa posta, mas ninguém viera comer comigo naquele dia. Todos ocupados. Todos seguindo.

 

E eu ali.

 

 

Segurando o cálice de vinho sem vontade.

Olhando para a porta.

Esperando o impossível.

 

 

(Varka) — Você ficou. — Sussurrei para o nada. Para a ausência.

 

 

E por dentro, torci para que um dia… ela venha.

Ou que eu… tenha forças para buscá-la.

 

Mas naquele dia, tudo que me restou foi a certeza cortante de que a primavera havia chegado ao mundo, mas não ao meu coração.

 

 

Fim do capítulo


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