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Dois Reinos por Natalia S Silva

Ver comentários: 3

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Palavras: 7123
Acessos: 646   |  Postado em: 25/08/2025

Capitulo 17

Maeryn 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Depois que eles partiram, Valmont ficou grande demais para mim.

 

O pátio, que antes fervilhava de vozes e passos, agora parecia ecoar o vazio. Cada corredor que antes eu cruzava com pressa, com o manto esvoaçando atrás de mim, tornou-se uma travessia lenta, como se as pedras reconhecessem minha ausência de ânimo e pisassem de volta. O silêncio era ensurdecedor. Ele não gritava, sussurrava. E sussurrava o nome dela. Sempre ela.

 

Varka.

 

Ela partiu numa tarde escura, sem deixar palavras de despedida além do beijo que ainda queimava na minha pele. Eu vi sua figura se afastando entre os cavalos, os mantos de Skarn esvoaçando como asas. Fiquei parada até que não pudesse mais vê-la, até que o frio da ausência me obrigasse a voltar para dentro.

 

Mas algo de mim foi com ela.

 

Nos primeiros dias, não chorei.

Fingi que estava tudo bem.

Participei das reuniões, andei pelos jardins, visitei os órfãos na casa do sul, dei ordens, respondi cartas.

Fiz tudo com a precisão de uma princesa treinada.

Mas à noite…

 

À noite, eu desmoronava.

 

Sozinha em meus aposentos, tirava as roupas com pressa, como se me despir fosse apagar sua lembrança da minha pele. Mas não adiantava.

Fechava os olhos e ainda sentia suas mãos em minhas costas, seus dedos nos meus quadris, sua respiração contra meu pescoço.

 

E chorava.

 

Deitada na cama onde a gente havia dividido suspiros e silêncios, apertava o travesseiro contra o peito e soluçava até a exaustão me vencer.

Às vezes, chamava seu nome em voz baixa. Como se fosse possível. Como se ela estivesse ali, do outro lado da porta, esperando apenas um sussurro meu para voltar.

 

Mas a porta continuava fechada.

E ela… ela se foi.

 

Meus irmãos tentavam me cercar, com o cuidado de quem lida com uma lâmina recém-forjada.

Alric aparecia nas manhãs com duas xícaras de chá forte e nenhuma pergunta. Só sentava comigo à varanda e me contava pequenas histórias do reino, me arrancando sorrisos cansados.

Corwin fingia não saber que eu sofria. Em vez disso, me convidava para duelos de palavras ou para cavalgadas até os campos do sul, onde o vento era mais limpo.

Até mesmo Teyrion, sempre tão distraído com as cortes e as moças, veio me ver uma noite com um livro antigo, dizendo que talvez me fizesse dormir.

 

Eles não diziam o nome dela.

Mas sabiam.

Sabiam do buraco que ela deixara.

 

Às vezes, eu os amava por isso.

Às vezes, os odiava.

Porque estavam aqui. E ela, não.

 

Meu pai…

 

Ele não dizia nada.

Mas me observava.

 

Nos jantares, quando eu achava que ninguém olhava, via seu rosto voltado na minha direção. Havia algo em seus olhos que eu não sabia nomear. Não era reprovação. Não era ódio.

Mas também não era apoio.

 

Talvez fosse só cansaço.

 

Ou talvez ele visse o que eu me recusava a admitir: que minha alma havia se partido, e que eu ainda não sabia se seria capaz de reconstruí-la sozinha.

 

 

 

 

A primavera chegou de verdade uma semana depois da partida.

 

E foi violenta.

 

Os campos explodiram em cores. Flores se abriram em todos os cantos, nas muralhas, nos jardins, até nas frestas entre as pedras do castelo. O ar ficou quente, perfumado, vivo. As fontes voltaram a correr com força. As crianças jogavam água nos pátios e corriam descalças. As moças riam alto ao estenderem roupas ao sol. O povo parecia ter se esquecido da guerra.

 

Mas eu…

Eu só queria o inverno de volta.

 

O calor me sufocava.

A luz me cegava.

O perfume das flores me dava náuseas.

 

Porque tudo ao meu redor gritava “renascimento” e dentro de mim, tudo ainda morria um pouco a cada dia.

 

Tentei me convencer de que passaria. Que era só questão de tempo. Que o coração aprende a bater mesmo depois de ter sido partido.

 

Mas às vezes acordava com o gosto de ferro na boca, e demorava segundos inteiros até lembrar que não era sangue, era apenas saudade.

 

 

 

 

Uma tarde, encontrei uma carta.

Escondida entre os livros da biblioteca, presa entre as páginas de um tratado sobre alianças do norte. Como se alguém tivesse deixado ali para eu encontrar. A letra era dela.

 

Varka.

 

“Lua cheia. Estou cumprindo minha promessa. Escrevendo. Mas não sei se essa carta vai chegar. E se chegar… não sei se deve ser lida.

Skarn está viva. Mas eu não estou inteira. Você ficou com a parte que fazia tudo isso fazer sentido.”

 

Parei de ler.

Fechei os olhos.

E chorei como não havia chorado ainda.

 

Não de dor.

Mas de amor.

De saudade.

De raiva por não tê-la impedido de partir.

E de medo. Um medo escuro e viscoso, de nunca mais revê-la. De que os dias passassem, as guerras viessem e fossem, e que eu envelhecesse sem sentir de novo aquele toque.

 

Guardei a carta como se fosse relíquia.

E decidi que eu escreveria de volta.

 

 

 

 

À noite, sento na minha varanda e olho para o céu.

Conto as estrelas como se alguma delas fosse Varka me observando de longe.

Penso nas terras de Skarn. No frio que ela ama. Nos irmãos que a cercam.

E no quanto deve doer para ela também.

 

Afinal, ela me prometeu.

Prometeu em gestos que me amava.

Prometeu cartas.

Prometeu saudade.

 

E eu…

Eu ainda espero.

 

Mesmo que o reino floresça.

Mesmo que meu pai me peça para sorrir.

Mesmo que meus irmãos tentem preencher os vazios.

 

Porque há coisas que não se enterram.

Há ausências que viram parte da pele.

E há amores que não cabem dentro da memória.

 

Ela partiu.

E eu fiquei.

Mas continuo chamando.

Mesmo que seja só no pensamento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os dias haviam se tornado uma névoa.

 

Eu vivia, mas não vivia. Respirava, comia, respondia quando falavam comigo, mas havia algo em mim que simplesmente deixara de existir.

Talvez tivesse ido com ela.

Talvez estivesse enterrado sob o peso da saudade.

Talvez nunca tivesse sido real.

 

As manhãs vinham, e eu mal percebia. Os vestidos eram colocados em mim pelas criadas, os cabelos trançados com flores e fitas, mas eu mal via o próprio reflexo.

Os corredores do castelo pareciam mais longos, como se me testassem. Como se quisessem ver até onde eu aguentava caminhar sem cair.

 

E então, numa manhã qualquer, dessas mornas, em que o céu parece um véu translúcido e o ar cheira a lenha recém-acendida, o castelo acordou em alvoroço.

 

Gritos.

Passos correndo.

Comitivas sendo preparadas.

Carroças, cavalos, bandeiras desdobradas ao vento.

Criados carregando baús. Guerreiros ajustando espadas. Cavalariços limpando selas com as mãos trêmulas de pressa.

 

Eu observei da sacada, os olhos semicerrados contra a luz. A princípio, achei que fosse mais uma visita, um tratado, uma aliança, nada com o que eu precisasse me importar. Voltei a sentar na cadeira de vime, o livro aberto no colo, embora eu já não soubesse mais o que lia.

 

Até que Alric apareceu. Parado à porta do salão, me observando. Não disse nada.

Apenas me olhou. Longamente.

 

Foi então que meu pai veio.

 

Caminhou até mim com seus passos pesados, firmes como sempre, o manto esvoaçando atrás dele, os olhos ainda carregando aquele mesmo misto de silêncio e expectativa que eu não sabia nomear.

 

 

(Aldren) — Maeryn — disse apenas. — Vamos sair. Um passeio. Você está precisando respirar outro ar.

 

 

Ar.

Como se o ar curasse ausência.

Como se as árvores do caminho pudessem me arrancar da dor.

 

Assenti.

Sem palavra. Sem emoção.

 

Acompanhei a comitiva quase em transe. Vesti um vestido simples, sem as camadas e brilhos que sempre me cercavam, sem joias, sem flores. Não pedi nada. Apenas me deixei conduzir.

 

Fui colocada na charrete com meu pai. Era uma carruagem grande, espaçosa, com janelas abertas que deixavam o vento entrar. Mas eu não olhava para fora. As rodas rodavam, o chão passava sob nós, e eu olhava para o nada, para minhas mãos entrelaçadas no colo, para a bainha do vestido, para os nós da madeira.

 

O rei tentava conversar, vez ou outra.

 

Contava histórias antigas, da infância dele, das andanças que fizera antes de se tornar o que era. Falava de batalhas, de vinhos, de rios distantes. Às vezes falava de mim, de quando eu era pequena e escondia gatos nos corredores do castelo.

Eu ouvia.

Mas não ouvia.

 

Minha cabeça estava em outro lugar.

Ou talvez em lugar nenhum.

 

Paramos em vilarejos ao longo da estrada. Pequenas pousadas ou acampamentos improvisados com tendas e fogueiras. Comeram carne assada em espetos, beberam vinho, os soldados cantaram. Eu ficava em silêncio, sentada ao lado de meu pai, comendo devagar o que me davam, sem distinguir sabores.

 

Os dias passaram como névoa grossa.

A cada manhã, me vestiam com novas roupas, mais adequadas à poeira da estrada. Os criados falavam comigo com cautela, como se eu fosse feita de vidro.

E talvez eu fosse.

 

Perguntei uma vez para onde íamos.

Ele sorriu, desviando o olhar.

 

 

(Aldren) — Um lugar onde o vento sopra diferente — respondeu. — Você vai entender quando chegar.

 

 

Entender o quê?

Eu nem entendia a mim mesma.

 

 

 

No terceiro dia, a paisagem começou a mudar. O calor era mais seco, as árvores mais espaçadas, o céu mais amplo, como se o mundo estivesse se abrindo aos poucos. As flores mudaram de cor, os pássaros de canto. As pedras nos caminhos ficaram mais irregulares, o solo mais vermelho.

Mas eu não olhava.

Via de relance, entre um piscar e outro, sem absorver.

 

Numa das noites, parei um pouco longe do acampamento. Sentei num tronco cortado, olhando o campo escuro. As estrelas brilhavam com força, muito mais do que em Valmont, onde as tochas e o fogo das torres obscureciam o céu.

 

Ali, as estrelas pareciam gritar.

E eu chorei.

 

Sem som.

Sem escândalo.

Só deixei as lágrimas escorrerem, silenciosas, mornas como o vinho barato das estalagens.

Porque a estrada não apagava nada.

A ausência dela ainda era maior do que qualquer céu.

 

 

 

No quinto dia, algo mudou.

Notei primeiro pelo comportamento de meus irmãos. Estavam mais contidos, mais atentos. As conversas que antes eram soltas se tornaram cochichos. O rei trocava bilhetes com Alric. Corwin mantinha a mão sobre a espada mesmo ao cavar com um garfo a carne do jantar.

 

A carruagem desacelerou em algumas subidas. E de uma delas, quando decidi enfim levantar os olhos, vi ao longe o contorno de torres que não reconheci de imediato.

 

 

(Maeryn) — Onde estamos? — perguntei, pela primeira vez com alguma firmeza.

 

 

Meu pai me olhou. Seus olhos, por um instante suavizaram.

Não respondeu.

 

 

(Maeryn) — Pai? — insisti.

 

 

Ele tocou minha mão.

 

 

(Aldren) — Um castelo. Próximo à fronteira do norte. Um lugar tranquilo. Achei que merecíamos um tempo longe da corte de Valmont.

 

 

Fronteira do norte.

 

Meu coração falhou uma batida.

 

Havia algo escondido nas palavras dele.

Algo que se revelava só nas entrelinhas.

 

Mas antes que eu pudesse insistir, as trombetas soaram.

 

Estávamos chegando. As carroças alinhavam-se, os soldados assumiam suas posições, e eu...

Eu sentia a pele formigar.

Como se algo, muito além do que eu compreendia, estivesse prestes a acontecer.

 

E, pela primeira vez em meses, meus olhos se abriram.

O coração, enfraquecido, deu um único salto.

 

Como se...

Como se soubesse algo que minha mente ainda não ousava esperar.

 

 

 

 

 

 

 

Foi aos poucos. Como o despertar de um sonho antigo, como névoas se abrindo diante dos olhos ainda pesados de sono.

A princípio, não reconheci.

Tudo estava... diferente.

 

As torres não eram mais sombrias como as lembranças que eu carregava, estavam limpas, erguidas em tons claros, tecidos escarlates e negros pendendo orgulhosos de suas ameias. As muralhas antes fendidas estavam agora retas e reforçadas, com a pedra polida como se recém-cortada das montanhas. Os portões tinham um novo brasão pintado sobre o antigo, ainda Skarn, mas com linhas mais sutis, mais elegantes.

 

E havia flores.

Dezenas delas.

Canteiros extensos margeavam a estrada que levava à entrada do castelo. Tulipas escuras, flores do campo em tons de laranja queimado, violetas rasteiras misturadas a ramos selvagens. Não combinavam com a imagem árida e fria que Skarn me deixara na memória.

 

E o gelo...

O gelo havia sumido.

 

Havia grama. Campos abertos e vivos, o verde forte se espalhando como tinta nova sob a primavera.

Pássaros dançavam sobre o vento.

Gente caminhava. Crianças corriam.

 

A princípio, não entendi.

Pensei que fosse apenas mais um castelo qualquer. Um desses assentamentos de fronteira que se refazem com o fim da guerra.

Mas então vi a estátua.

 

Erguida no centro da praça antes do portão interno.

Alto, orgulhoso, envolto por espirais de metal que lembravam as runas bárbaras. Era um guerreiro.

Com um machado nas costas.

E um lobo esculpido aos pés.

 

Meu peito falhou.

As mãos estremeceram no colo.

 

E então eu soube.

 

Skarn.

 

Estávamos em Skarn.

 

Deixei escapar um sussurro, quase sem som, quase sem fôlego.

 

 

(Maeryn) — Não...

 

 

Minhas mãos voaram à janela da carruagem. Quase quebrei a madeira para ter uma visão mais nítida, como se quisesse rasgar o mundo ao meio para ter certeza do que via. Meus olhos buscavam cada canto, cada sinal que confirmasse o que meu coração já gritava.

 

Sim.

Aquelas torres eram as mesmas.

O portão central, agora reformado, era o mesmo onde Varka havia me segurado antes da batalha.

Aquela muralha lateral, onde estacionei o olhar e prendi a respiração, era a mesma em que ela se ferira.

 

O ar me faltou.

 

E me enchi de raiva.

Raiva e esperança.

Misturados como vinho e sangue.

 

Voltei-me para meu pai, que me observava com uma serenidade cuidadosamente calculada.

 

 

(Maeryn) — Você me enganou — acusei, a voz embargada. — Disse que íamos passear.

 

 

Ele não respondeu de imediato. Só apoiou os braços sobre os joelhos, como quem se prepara para uma conversa longa.

 

 

(Aldren) — Você precisava vir — disse, por fim. — E eu quis fazer uma surpresa…

 

 

Meu peito subia e descia rápido.

Tentei falar, mas as palavras pareciam não encontrar ordem. Tudo estava em desordem dentro de mim. A dor, o desejo, a ausência, a lembrança da pele dela contra a minha...

 

A ideia de que ela talvez estivesse ali.

Perto.

 

Viva.

Respirando o mesmo ar.

 

Senti a pele arder.

 

 

 

 

A carruagem atravessou os portões com solenidade. Uma tropa inteira alinhou-se de cada lado da estrada principal, guerreiros com trajes mistos, alguns com armaduras bárbaras tradicionais, outros com insígnias de Valmont bordadas no tecido. Uma união visível. Quase simbólica.

 

Cavalos enfeitados, tambores tocando ritmos tribais que eu me lembrava de ter ouvido no grande salão durante o último banquete.

 

Eu não sabia onde olhar.

Não sabia o que sentir.

Tinha medo.

 

Parte de mim queria saltar da carruagem e correr, procurar por ela. Invadir portas, virar mesas, gritar seu nome.

Mas a outra...

A outra estava paralisada. Congelada por meses de dor, pela dúvida constante, pela falta de cartas, de sinais, de promessas.

 

E se ela tivesse me esquecido?

 

O rei saiu primeiro.

Depois meus irmãos, um a um, suas expressões fechadas, respeitosas. Sabiam onde estavam, sabiam o que significava.

 

Eu fui a última.

 

Desci os degraus com cuidado, os olhos vasculhando cada canto.

Os campos.

As portas do castelo.

Os rostos das mulheres, dos guardas, dos jovens soldados.

 

Mas ela não estava ali.

 

Minha respiração fraquejou.

 

E então, um nome.

Sussurrado por uma voz feminina.

 

 

(Rinna) — Maeryn...

 

 

Virei.

O coração parou.

 

Rinna.

A mulher de cabelos ruivos do prostíbulo, que um dia me salvara com seu silêncio, que me escondera no vale, longe dos olhos do inimigo.

 

Ela estava diferente. Os cabelos mais curtos, a postura mais altiva, um colar de prata adornando o pescoço. Mas o olhar era o mesmo.

 

Ela se aproximou com respeito, sem pressa.

E sorriu. Aquele sorriso.

 

 

(Rinna) — Ela não sabe que você veio.

 

 

O mundo girou.

 

 

(Maeryn) — Onde ela está? — perguntei, num fio de voz.

 

 

(Rinna) — No campo sul. Inspeção de colheita com os anciãos. Volta ao entardecer.

 

 

Entardecer.

Pensei em esperar.

Pensei em correr até lá.

Pensei em tudo.

 

Mas meu corpo não se moveu.

 

 

 

Passei o resto da tarde andando por Skarn.

Fingindo não esperar.

Fingindo não sentir.

Fingindo não perceber os olhares pra mim, olhares diferentes, já não eram como da última vez, quando havia desprezo.

 

Mas cada pedra, cada corredor, cada muralha me sussurrava o nome dela.

Havia tanto dela naquele lugar.

Havia tanto de mim.

 

 

Era como se o castelo me conhecesse também, como se lembrasse dos passos tímidos que dei ali pela primeira vez, do jeito como me escondi sob os mantos, do sangue que lavei com as mãos trêmulas, do calor do corpo dela contra o meu quando o mundo parecia prestes a acabar.

 

Tudo ali parecia suspenso em uma lembrança que não era apenas minha, como se Skarn também esperasse por mim. Por nós.

 

Foi quando minha irmã Elsera me encontrou.

 

 

(Elsera) — Acha mesmo que vai escapar de mim assim, calada, se escondendo como um rato nos corredores? — disse com aquele sorriso cheio de luz que ela raramente deixava escapar.

 

 

Eu a encarei, surpresa, sem forças para disfarçar o nó na garganta.

 

 

(Maeryn) — Eu não estou me escondendo — menti.

 

 

(Elsera) — Está, sim — ela respondeu, se aproximando e tocando meu rosto com delicadeza. — Mas não esta noite.

Hoje... hoje você precisa se preparar.

 

 

(Maeryn) — Preparar?

 

 

(Elsera) — O banquete. Os chefes das casas do norte, os anciãos, os nobres de Valmont. Todos estarão lá. Varka também.

 

 

O nome dela caiu como um trovão dentro de mim.

Varka.

Varka estará lá.

 

Engoli em seco.

 

 

(Elsera) — Não quero forçar nada — Elsera disse, mais suave — mas se vai vê-la, que seja com a cabeça erguida. Você ainda é uma princesa de Valmont. E ela… é a senhora de Skarn. E vocês... bem, vocês são muito mais do que qualquer título pode dar nome.

 

 

Ela me puxou, não me dando tempo para protestar.

 

Deixei que me levassem.

Entreguei o corpo às mãos ágeis das criadas, que me despiram como se eu fosse um vaso antigo que precisava de restauração. Elas não disseram muito, mas vi os olhares. Sabiam quem eu era. Sabiam de nós.

Elas sabiam.

 

A água estava quente. Quase quente demais. Mas não reclamei.

Me deixei afundar, até o pescoço, os cabelos soltos como raízes flutuando na água perfumada.

 

Fechei os olhos.

 

Vi os dela.

 

A lembrança de suas mãos em minha pele. De seu cheiro. Da maneira como sua voz ficava mais grave quando falava baixo, como se o mundo pudesse nos ouvir.

 

Me perdi nisso.

Na água.

Na dor.

Na esperança.

 

Vesti roupas das quais pouco me lembro. Tecidos macios, de seda e linho, um vestido longo em tons profundos, quase vinho, preso por cintos bordados em prata e uma capa leve, aberta aos ombros. Não prestei atenção nos detalhes. Era como se eu estivesse sendo vestida para algo sagrado, sem entender o ritual.

 

Me sentia bonita.

Mas também… me sentia vulnerável.

 

A noite caiu devagar. A cidade abaixo das janelas de Skarn se iluminava com tochas e pequenos braseiros. As vozes começavam a se reunir na distância, sons de instrumentos que eu reconhecia vagamente. Tambores. Flautas agudas do sul. E os passos pesados dos soldados que guardavam o grande salão.

 

Quando ouvi a porta do quarto se abrir, me virei de sobressalto.

 

Meu pai.

 

Vestido como nos velhos tempos. Manto bordado de ouro, espada embainhada, o cabelo preso como nos conselhos formais. Estava sério, não tenso, mas solene. Como se ele também soubesse que aquela noite não era uma noite qualquer.

 

 

(Aldren) — Maeryn — ele disse com voz firme — posso?

 

 

Assenti, e ele entrou, estendendo-me o braço.

Eu hesitei. Mas depois apoiei minha mão no braço dele.

 

 

(Aldren) — Está muito bonita — disse com um raro sorriso.

 

 

(Maeryn) — E nervosa — sussurrei.

 

 

(Aldren) — Faz parte.

 

 

Descemos as escadas em silêncio. Meus irmãos já estavam no salão inferior, em trajes formais, conversando em voz baixa. Quando me viram, endireitaram a postura. Alric me lançou um olhar protetor, como se quisesse dizer “estamos aqui”. Corwin sorriu de leve. Até Teyrion, sério como sempre, assentiu em meu caminho.

 

Tudo parecia suspenso.

 

Seguimos pelo corredor principal, e percebi que não estávamos indo em direção ao salão de banquetes comum. Estávamos indo para o antigo salão da corte. Mas agora, reformado, iluminado por centenas de velas, tapeçarias novas e um arco de flores cobrindo a entrada.

 

Meu coração bateu forte.

Mais do que antes.

Mais do que deveria.

 

 

(Maeryn) — Pai... — sussurrei.

 

 

Ele apenas me apertou o braço.

 

 

(Aldren) — Acalme-se Maeryn. 

 

 

Meus pés ficaram gelados. Mas continuei a andar.

Quando cruzamos o arco, o salão inteiro se voltou para mim.

As pessoas se reuniam lado a lado, dando-nos espaço para passar, entre elas, num corredor iluminado.

Silêncio.

 

Varka estava lá.

Ela estava no centro do salão, não no trono, mas diante dele. Não usava armadura nem trajes de guerra, usava uma túnica escura, justa ao corpo, com ombreiras sutis, colares tribais e os cabelos negros soltos sobre os ombros. Seus olhos encontraram os meus no exato instante em que entrei, e tudo desapareceu.

As tochas, os rostos, o som.

 

Só havia ela.

 

E meu mundo inteiro caiu de joelhos.

 

Ela não disse nada. Apenas deu um passo.

 

E eu…

Eu queria correr.

Queria gritar.

 

Mas caminhei.

 

Até ela.

 

Até seu olhar me tomar por inteira.

 

E naquele instante, eu soube.

 

Não era um banquete.

Era uma cerimônia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Varka

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O sol já havia mergulhado por completo atrás das colinas do sul quando deixei os campos dourados da colheita. O cheiro de grãos, de suor e terra ainda grudava na pele como um segundo manto, e o tilintar das foices ainda dançava nos meus ouvidos mesmo horas depois. O vento soprava quente e arrastado por entre as planícies, carregando poeira e promessas, e meus olhos se demoravam no céu enquanto meu cavalo galopava firme de volta à fortaleza de Skarn.

 

Eu gostava de estar nos campos. Ali o mundo era simples. Colher, plantar, proteger. Os homens e mulheres me tratavam com respeito sincero, não com temor ou cerimônia. E longe da corte, longe das pedras frias da muralha, longe da memória de olhos verdes e cabelos cor de âmbar, minha mente conseguia respirar. Por um instante, ao menos.

 

Mas ao alcançar o pátio da fortaleza, vi que minha liberdade chegava ao fim. Kael me esperava como uma sombra ansiosa. Não usava armadura, mas ainda assim carregava aquela autoridade ríspida que herdara de Korgun, ou talvez forjara para si mesmo nos anos de guerra. Tão logo meus pés tocaram o chão, ele veio até mim com passos rápidos e um cenho franzido que já dizia tudo.

 

 

(Kael) — Finalmente — rosnou ele, agarrando meu antebraço com força suficiente para me fazer girar sobre os calcanhares. — Não temos tempo. Nosso pai exige sua presença no salão. Agora.

 

 

(Varka) — Kael — tentei intervir, mas ele não me deu chance.

 

 

(Kael) — Temos visitas. Importantes. E um banquete. Você está imunda — cuspiu com a praticidade de sempre. — Vai se lavar. Roupas foram preparadas. Te espero na porta. E não ouse fugir.

 

 

Fui praticamente arrastada pelos corredores como uma prisioneira de luxo. Os soldados ergueram as sobrancelhas ao me verem passar, as servas desviaram os olhos. Não havia espaço para perguntas. Nem para respirar. Quando chegamos ao meu quarto, Kael apenas apontou a porta e cruzou os braços, fazendo questão de me lembrar que esperaria ali o tempo que fosse necessário.

 

Sozinha, fechei a porta com força, o coração pulsando. Visitas importantes. Banquete. Meu pai. Tudo soava errado. Eu sentia o cheiro da armadilha antes mesmo de despir minha túnica empoeirada.

 

O banho foi rápido, mas inevitável. A água morna ajudou a aliviar a tensão dos músculos, mas não silenciou a inquietação que me tomava. Meus dedos tremiam levemente quando vesti as roupas deixadas para mim. Não eram roupas comuns. Uma túnica negra de linho grosso, com bordados prateados nas mangas largas, preso por um cinto largo de couro e fivelas de prata. Pesado, imponente. Como se eu fosse subir num campo de batalha ou... para um altar.

 

Soltei os cabelos, ainda úmidos, sobre os ombros. Quando abri a porta, Kael apenas assentiu e virou-se de imediato, guiando-me pelos corredores da fortaleza como se eu não soubesse cada pedra daquele lugar. Os passos ecoavam com força, e havia um silêncio estranho nas galerias, como o sussurro antes de uma tempestade.

 

Foi só quando descemos os últimos degraus em direção ao salão da corte que meu instinto gritou.

 

Luzes demais. Vozes demais. Cheiros de perfumes que não pertenciam a Skarn.

 

Meus pés vacilaram por um instante ao alcançar o limiar do salão. Estava cheio. Uma multidão me esperava. Guerreiros, donzelas, anciãos. Mas o que realmente me fez prender a respiração foram os rostos que saltaram entre os demais.

 

Valmont.

 

Ali, entre os assentos de honra, vi Alric, com seu porte altivo, o queixo erguido como sempre. Ao seu lado, Corwin, com os olhos de falcão sondando o ambiente. Teyrion também estava ali, com seu ar solene e postura irretocável. E havia outros, embaixadores, cavaleiros, figuras das quais eu conhecia o brasão, mesmo que não os nomes.

 

O coração disparou no peito como um tambor de guerra.

 

Teria caído de joelhos se não fosse a mão de Korgun, surgindo ao meu lado com o peso de uma muralha.

 

 

(Korgun) — Venha — disse ele, firme, e sua mão se fechou ao redor do meu braço. — Temos uma cerimônia a concluir.

 

 

Cerimônia.

 

A palavra me cortou como uma lâmina afiada. Virei o rosto para encará-lo, mas ele evitava meu olhar, os olhos fixos no trono ao fundo do salão. O Trono de Skarn. 

Fui levada. Não havia outra palavra. Como um peão no jogo dele.

 

A multidão abriu espaço. Os olhos me seguiam. Alguns com reverência. Outros com expectativa. Mas muitos, especialmente os de Valmont com surpresa. E curiosidade.

 

Korgun me conduziu até o trono elevado, onde dois assentos haviam sido preparados. Um para ele. Outro... para mim?

 

Mas antes que eu pudesse perguntar, ele se voltou para o povo reunido.

 

 

(Korgun) — Hoje, Skarn e Valmont selam uma nova era de alianças. — Sua voz soou alta e poderosa, cortando o ar com autoridade. — A guerra nos ensinou a força da união. Agora é hora de consolidá-la mais uma vez.

 

 

Tive que morder a língua para não cuspir palavras de fúria. União? A que custo? A troco de quê?

 

 

(Korgun) — Apresento minha filha, Varka de Skarn. Herdeira do trono, forjada em batalha, fiel à sua linhagem e ao seu povo.

 

 

A plateia respondeu com murmúrios, alguns aplausos. Meus olhos buscavam desesperadamente o de Kael, mas ele permanecia na lateral, tenso como se soubesse exatamente o que estava prestes a acontecer e não pudesse impedi-lo.

 

E então... vi ela.

 

No fundo do salão, entre os rostos de Valmont, uma silhueta que quase me fez vacilar. Maeryn.

 

Ela estava ali.

 

Meus pulmões falharam por um segundo.

 

Não era imaginação. Não era fantasma.

 

Ela usava um vestido vinho escuro, que colava ao corpo como pele. Seus cabelos estavam presos em um coque baixo, e os olhos... meus deuses, os olhos estavam cravados em mim.

 

O mundo desabou dentro de mim e ninguém percebeu.

 

Me mantive firme. Rígida. Não por força, mas por pura necessidade de não cair ali mesmo, de joelhos, implorando respostas.

 

Meu pai seguiu falando. Palavras sobre paz. Sobre acordos. Sobre tratados de terras e compromissos de sangue. E então, pronunciou os nomes.

 

As palavras do meu pai ecoaram pelo salão, e pela primeira vez em muito tempo, senti meu coração parar, mas não de medo.

 

 

(Korgun) — Proponho a união entre minha filha, Varka de Skarn, e a princesa Maeryn de Valmont.

 

 

Por um segundo, tudo ficou em silêncio. Aquelas palavras flutuaram no ar como neve tardia, como algo quase impossível, belo demais para ser verdade. Meus olhos correram imediatamente pelo salão, cruzando rostos e brasões, até encontrarem o que meu corpo inteiro procurava sem perceber: os olhos dela.

 

Maeryn.

 

Ela estava lá. Vestida de vinho profundo, os cabelos presos num coque que deixava nu o pescoço que tantas vezes beijei com pressa, com sede, com saudade. E seus olhos estavam em mim, já marejados, arregalados pela surpresa, mas também com aquele brilho que só existia quando ela sorria de verdade.

 

E ela sorriu.

Lento. Profundo. Quebrando a distância de semanas, talvez meses, talvez eras.

 

O mundo ao redor voltou a girar, mas de forma leve, como se os deuses tivessem finalmente decidido nos devolver algo que jamais deveriam ter tirado.

 

Não me contive. Dei um passo à frente, ignorando toda a formalidade que restava em mim. Maeryn veio também. Seus passos firmes atravessaram o salão sem hesitação, e quando estávamos frente a frente, tudo que existia era isso: nós duas. Pela primeira vez, sem sombras, sem medo, sem segredos.

 

 

(Varka) — Você sabia? — perguntei, baixinho.

 

 

Ela riu, e os olhos brilharam como sol em cima de água.

 

 

(Maeryn) — Não. Mas se soubesse, teria corrido até aqui antes do anúncio.

 

 

Minha garganta se apertou, e precisei conter as lágrimas que já ameaçavam cair. Eu, filha de Korgun, guerreira de Skarn, treinada para não tremer nem diante do aço, estava tremendo ali, diante dela. De alegria.

 

 

(Varka) — Eu achei que não te veria de novo — sussurrei, a voz falhando como uma flecha mal lançada.

 

 

(Maeryn) — Eu sonhei com você todas as noites — respondeu ela, com aquele jeito de quem fala a verdade como se fosse um segredo. — E agora você está aqui. E é comigo.

 

 

O sacerdote se aproximou, a cerimônia precisava seguir. Mas tudo ao redor parecia mais suave. Como se até as paredes de pedra tivessem se rendido à ternura daquele momento. As tochas ardiam mais vivas. Os mantos pareciam mais leves. Até meu pai, ali ao lado do altar, tinha nos olhos uma expressão que eu não via desde a infância: contentamento.

 

Kael olhava para mim com um meio sorriso no rosto, e Alric, ao fundo, parecia satisfeito, mesmo que fosse difícil saber o que se escondia por trás daquelas feições sempre controladas. Corwin assentia levemente, e vi Ragan, meu irmão mais novo, bater discretamente no peito com o punho fechado, um gesto de respeito.

 

Mas eu só via ela.

 

Nossas mãos foram entrelaçadas com uma faixa de tecido vermelho escuro, bordado com símbolos antigos, representando a união de nossas linhagens. Os murmúrios do sacerdote dançavam entre nós como uma benção ancestral.

 

 

(Sacerdote) — Vocês se escolhem, não por obrigação, mas por desejo?

 

 

(Nós) — Sim — dissemos ao mesmo tempo. E nossas vozes, mesmo baixas, pareceram estremecer o chão sob nossos pés.

 

 

(Sacerdote) — Prometem caminhar lado a lado, mesmo quando os caminhos forem escuros?

 

 

(Nós) — Sim.

 

 

(Sacerdote) — E compartilham não só seus reinos, mas suas almas, suas vontades e seus destinos?

 

 

(Maeryn) — Sempre — disse ela, antes que eu pudesse responder. E meus olhos se fecharam por um segundo, tentando conter a onda de emoção que me invadia.

 

 

Quando o sacerdote nos declarou unidas diante de todos, um rugido de alegria tomou o salão. A multidão explodiu em aplausos, brados, brindes erguidos no ar. A música começou de imediato, tambores e flautas, cordas e vozes. Um banquete havia sido preparado, mas mesmo que não houvesse comida ou música alguma, nada poderia ofuscar o que sentíamos naquele instante.

 

Maeryn se virou para mim com aquele sorriso largo que eu tanto conhecia.

 

 

(Maeryn) — Será que agora posso te beijar sem culpa? — perguntou ela, provocando com o olhar.

 

 

(Varka) — Você nunca precisou de permissão — respondi, antes de puxá-la pela cintura.

 

 

O beijo foi como fogo e bálsamo ao mesmo tempo. Longo, apaixonado, cheio da urgência de quem sobreviveu a mil batalhas e agora, finalmente, podia descansar. As pessoas aplaudiram de novo, algumas riram, outras choraram. E naquele momento, Skarn e Valmont se uniram de verdade, não por tratados, mas por nós.

 

Fomos conduzidas ao salão de festa como rainhas e amantes, mãos entrelaçadas, sorrisos bobos no rosto. Maeryn se recostava em mim como se quisesse ter certeza de que eu era real. E eu a tocava o tempo todo, como se temesse que ela sumisse ao menor descuido.

 

Comemos pouco, brindamos muito. Rimos alto. Os irmãos de Maeryn contavam histórias constrangedoras dela quando criança, e Ragan rebatia com minhas próprias desventuras em Skarn. Até Korgun, meu pai, ergueu um cálice e disse:

 

 

(Korgun) — Hoje, os deuses se alegram. Pois duas guerreiras que não nasceram para se curvar, escolheram se amar.

 

 

Foi a coisa mais doce que já o ouvi dizer. Maeryn se emocionou. Eu… só conseguia olhá-la. Como se fosse a primeira vez. Como se fosse a última. Como se fosse tudo.

 

A noite avançou em festa, e mesmo quando os músicos cansaram e os convidados já estavam embriagados, nossas famílias comemoravam, riam unida como se sempre tivessem sido um povo só. Era como se aquela aliança tivesse nascido com raízes antigas, como se os reinos não fossem mais dois, mas um. O salão parecia girar em luz dourada, em ecos de brindes e gargalhadas, enquanto os olhos de Maeryn buscavam os meus com fome.

 

E eu já não conseguia mais fingir.

 

O calor da bebida não fazia metade do estrago que fazia a presença dela. Sentada à mesa de honra, com o vestido delicado, a pele clara iluminada pela luz das tochas, Maeryn parecia uma visão irreal, e minha. A risada dela me cortava. A maneira como deslizava os dedos pela borda do cálice me fazia prender o ar. Cada vez que ela sorria para algum lorde ou lady, meu corpo estremecia em impulso bruto. Cada vez que olhava pra mim, era como se me chamasse com a alma.

 

Eu queria fugir. Tirá-la dali. Correr pra um canto qualquer e amá-la com toda a saudade. Rasgar a noite em desejo.

 

Inclinei-me para o ouvido dela, enquanto os convidados tentavam cantar alguma canção de guerra de Skarn em uníssono desastroso.

 

 

(Varka) — Vamos sair. Agora.

 

 

Ela não disse uma palavra. Apenas se virou para mim e assentiu, como se já esperasse. Como se também ardesse por isso.

 

Nos levantamos discretas, embora os olhares nos perseguissem como sombras. Ainda que as pessoas soubessem o que éramos agora, esposas, amantes, unidas, havia algo na forma como nos afastamos que gritava segredo, urgência, algo mais primitivo. Ragan piscou ao nos ver cruzar o salão, Alric ergueu a taça, meio rindo. Mas nenhum nos deteve.

 

Maeryn segurou minha mão na penumbra dos corredores, e corremos pelas passagens da fortaleza como duas fugitivas. O tecido do vestido dela se arrastava pelo chão, e eu segurava a bainha da minha capa com força, tentando não rasgar o mundo ao redor. Cada passo ecoava como um trovão abafado. Ríamos baixinho, entre respirações aceleradas.

 

 

(Maeryn) — Eles vão perceber… — ela sussurrou, mas não parou.

 

 

(Varka) — Que percebam — rebati, empurrando a porta do meu quarto e ele estava diferente.

 

 

Agora, poucas horas depois de ter estado ali, parecia outro ambiente. Um aposento luxuoso, amplo, com cortinas pesadas de veludo vinho, candelabros acesos e uma lareira ainda viva, lançando sombras douradas nas paredes. O quarto tinha o perfume das flores espalhadas pelos cantos, dos óleos de banho e dos lençóis limpos. Tudo havia sido meticulosamente organizado para nossa noite, almofadas macias, vinho à espera, tapeçarias bordadas com cenas de união.

 

Mas nada daquilo importava.

 

Fechei a porta com força, trancando o mundo do lado de fora.

 

Ela ainda ofegava, os cabelos levemente soltos pela corrida, o busto subindo e descendo rápido demais sob o tecido justo. Maeryn sorriu, e aquele sorriso era puro desafio, puro alívio.

 

 

(Maeryn) — Não aguentava mais — ela disse, vindo até mim. — A noite inteira… te vendo ali… me matando devagar.

 

 

Segurei o rosto dela com as duas mãos, como quem segura água prestes a escapar, e a beijei com fúria. Com fome. Com a ausência acumulada de meses de guerra, de feridas, de distância. A boca dela se abriu com facilidade contra a minha, e ela gem*u baixo, o som mais doce que já ouvi.

 

Acertei a amarra do vestido dela com dedos impacientes. Os laços se desfizeram, um a um, revelando a pele clara, quente, viva. Ela me ajudou, puxando as mangas, arfando quando meus lábios tocaram sua clavícula.

 

 

(Maeryn) — Você está com sede de mim, Varka — ela murmurou, arqueando-se ao meu toque. — Bebe tudo.

 

 

E eu bebi. Com a boca, com as mãos, com os olhos.

 

A leveza do vestido caiu por seus quadris e logo ela estava ali, nua para mim como em sonho, mas sólida, quente, minha. Me ajoelhei aos pés dela, a cabeça encostada no ventre, e ela passou os dedos pelos meus cabelos, sussurrando meu nome como um feitiço.

 

 

(Varka) — Você é minha — eu disse, com voz rouca.

 

 

(Maeryn) — Sempre fui — ela respondeu, inclinando-se para me puxar de volta para cima.

 

 

As roupas em meu corpo pareceram incômodos, fardos inúteis. Ela me despiu com pressa igual, os dedos trêmulos, e quando sua pele encontrou a minha sem mais nada entre nós, o tempo parou.

 

Ela me deitou na cama como se quisesse estudar meu corpo com reverência, mas eu não deixei. Invertemos posições, e agora era eu por cima, e ela se contorcendo sob minhas mãos. Agarrei seus pulsos, os ergui acima da cabeça e a olhei nos olhos.

 

 

(Varka) — Está pronta?

 

 

Ela sorriu, os olhos cheios de faíscas.

 

 

(Maeryn) — Estou entregue.

 

 

E ali, naquela cama bordada de luxo, nenhuma de nós lembrava de sangue real, de títulos, de tronos. Eu a tomei como uma mulher toma aquilo que é dela, com força, com reverência, com precisão. Beijei seu pescoço com intensidade demais. Meus dentes marcaram sua pele. Ela arfou, mas não recuou. Queria aquilo. Queria o peso da minha mão firme em sua cintura, queria a força com que puxei seus cabelos para ver seus olhos de novo.

 

Maeryn me tocava como se estivesse reaprendendo meu corpo, mas era seu, sempre foi. Ela me dizia isso com os dedos, com a boca, com os gemidos abafados contra minha garganta.

 

 

(Maeryn) — Mais forte — ela pediu, as unhas arranhando minhas costas. — Quero sentir até amanhã.

 

 

E eu não me contive.

 

Segurei-a firme, no pescoço, nas coxas, nos quadris. Nossos corpos se encaixavam como peças de um mesmo destino. O ritmo foi intenso, selvagem às vezes, mas nunca sem carinho. Entre o desejo bruto, havia beijos longos, sussurros, risadas breves e soluços contidos de prazer.

 

Fizemos amor como duas mulheres que sobreviveram ao impossível. Como duas princesas cansadas da guerra, mas famintas uma da outra. Como se o mundo lá fora não existisse.

 

Quando enfim caímos exaustas sobre os lençóis revirados, eu ainda a abraçava como se pudesse protegê-la de tudo. Ela se aninhou contra mim, os cabelos espalhados pelo meu peito, e por um tempo ficamos em silêncio, apenas sentindo o calor e o som das respirações.

 

 

(Maeryn) — Ainda parece um sonho — ela disse, com a voz baixa.

 

 

(Varka) — Não é — respondi, beijando o topo da cabeça dela. — Você está aqui. Comigo. Casada comigo. Nada mais vai nos separar.

 

 

Ela olhou pra mim e sorriu com os olhos brilhando.

 

 

(Maeryn) — Promete?

 

 

(Varka) — Prometo. Mesmo se o mundo acabar.

 

 

Ela fechou os olhos, rendida. Eu a vi adormecer nos

meus braços, e pela primeira vez em tanto tempo, não temi o amanhã. Porque ali, naquela noite, Maeryn era minha, inteira, entregue, amada. E nada, nem guerra, nem reinos, nem o tempo, podia mudar isso.

E sabia, que devia aquilo aos nossos pais, errados, orgulhosos, mas que nos amavam e passaram por cima de muita coisa para nos verem felizes.

 

 

 

 

 

 

 

 

Fim

Fim do capítulo

Notas finais:

Último capítulo, desculpem a demora, espero que tenham gostado e por favor, comentem, assim saberei se devo postar o restante das histórias que tenho pronta. 

Beijos e obrigada a todas.


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Comentários para 17 - Capitulo 17:
Marta Andrade dos Santos
Marta Andrade dos Santos

Em: 09/09/2025

Parabéns! gostei do início ao  fim.

Esperando pela próxima história. 

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HelOliveira
HelOliveira

Em: 29/08/2025

Autora desde o primeiro capítulo me apaixonei por essa história, e sempre imaginava qual seria a forma para elas ficarem juntas, é essa união feita pelos pais e as famílias juntas foi maravilhoso.... parabéns e muito obrigada 

Por favor nos de o prazer de ler mais histórias sua

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castanheiro
castanheiro

Em: 28/08/2025

Parabéns autora, sua história tem um misto de tudo que nos prende. Não esperava que o final feliz seria promovido pelos pais. E ter a possibilidade de ler a versão de cada personagem faz aceitar a personalidade de cada uma e no fim ficar num duelo sobre quem a sua preferida. 

Continue escrevendo e nos surpreendendo com as histórias. 

Bjs

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