Fiquei de molho quase uma semana, por conta daquela virose que peguei, todo meu trabalho teria ficado atrasado, se não tivesse uma equipe maravilhosa comigo.

O tempo estava correndo, o trabalho na editora aumentando cada vez mais, estávamos treinando um grupo de jovens que entraria para nossa equipe. Quase dois anos que Sara nos deixara, a saudade era grande, não doía tanto pensar nela, mas em certas ocasiões era impossível não deixar de imaginá-la conosco.

Lara estava se mudando para Campos, abriria uma clínica na cidade, estava bem animada, e eu também, não ficaria mais longe da minha irmã, ter a família por perto era bom. Albert e Deise estavam negociando uma casa perto da nossa, essa para eles passarem férias e ou finais de semana, estava alegando que eu passara muito tempo sem ir visitá-los e levar sua neta, não estavam de todo errados, mas com minha rotina de trabalho e escola de Izzie, era difícil.

Pamela também estava bem presente, de certa forma a amizade dela preenchia um vazio em nossas vidas, suas visitas sempre acabam em risadas e muita diversão.

Quase sempre que podíamos, saíamos para levar Izzie e Lucy para passear, vez ou outra, jantar fora, um final de semana ou outro combinávamos alguma coisa. E não seria diferente nesse que entrara, primeira semana de outubro acabara, tinha prometido levar minha pequena, no teleférico da cidade, ficava no Parque Capivari, um dos principais pontos turísticos de Campos do Jordão.

Particularmente evitava ir lá, morria de medo de altura, mas Sara adorava aquela adrenalina e Izzie parece ter puxado isso dela, o que eu poderia fazer além de ceder?

Acordei naquela manhã de domingo com muita preguiça, me espreguicei no instante e que a porta se abriu e por ela entrando dois furacões, Izzie gritando e Lucy latindo.

– Mas que invasão é essa no meu quarto? – sentei recebendo minha filhota nos braços. – Bom dia, meu amor, como você está?

– To bem, mamãe... – me abraçou forte – to com fome.

– Lógico que você está, quando não amanhece faminta? – sorri da careta que ela fez.

– “Nois vai passear?” – falou brincando com meu cabelo.

– Nós vamos, amor – a corrigi – depois de tomarmos café.

– Obaa... – pulou na cama, Lucy tava fazendo festa querendo subir, mas logo Izzie correu para a sala, inspirei fundo e levantei.

Tomei banho e dei banho na minha sapequinha, que não parava, depois seguimos para a cozinha, preparei nosso café, ela comia animada, Lucy também devorando a comidinha dela. Me servi de mais um café, peguei o celular e mandei mensagem.

“Bom dia, professora Pam, tudo bem?” – sorri, logo o digitando apareceu.

“Bom dia, Bia, estou ótima e você?”

“Bem também, agradeço por perguntar” – ela manou um emoji, sorri – “Queria saber se gostaria de ir passear conosco, hoje vai ser bem legal, vamos no teleférico.”

“Poxa, que bacana, gostaria muito, mas já tenho compromisso pra hoje...” 

Fiquei triste com aquela mensagem, mandei uma carinha triste, ela sorriu, respondi.

“Tudo bem, quem sabe na próxima?” – fiquei ansiosa pela resposta.

“Está marcado, só combinar!”

“Certo, não vou tomar mais o seu tempo, mas vou cobrar, hein?

“Pode mandar mensagem quando quiser, jamais tomaria meu tempo.” – sorri feliz com aquela resposta.

“Certo, senhorita, tenho que ir, ou alguém vai derrubar a casa.” – mandei um emoji fazendo careta.

Ela respondeu rindo, nos despedimos, e fiquei com aquela sensação de vazio no peito. Saímos e curtimos a manhã, era a primeira vez de Lucy, ela estava eufórica, a vista era maravilhosa, passamos a manhã toda lá em cima, depois que descemos, almoçamos e fomos para a sorveteria, Izzie estava querendo tomar sorvete de “moiango”.

Quando parei o carro, fez festa, o combinado era pegar o sorvete e irmos pra casa, ela me dera uma canseira danada aquele dia. Estava lotado, peguei Lucy no colo, o dia estava bem quente, assim que entramos ela disse ao meu lado.

– Mamãe, olha a tia Pamm...

Sorri pela euforia dela, também fiquei animada, mas o sorriso se fechou, quando a vi acompanhada, um rapaz estava ao seu lado, segurava sua mão, conversavam intimamente, sorriam de alguma coisa, Izzie soltou de minha mão e correu para ela, que ao vê-la, abriu um sorriso lindo e os braços a recebendo em seu colo.

– Oi, meu anjinho, surpresa te ver aqui... – olhou em volta, e abriu um sorriso ainda maior ao me ver, tentei esboçar um que parecesse sincero, mas quase não consegui, me aproximei. – Olá, Bia, tudo bem?

– Sim, e você?

– Estou bem, também... – olhei para seu amigo, ela acompanhou meu olhar e nos apresentou – esse é o Murilo – estendi a mão, dizendo.

– Beatriz, muito prazer.

– Prazer, Beatriz, finalmente te conheço – olhei confusa para ele que disse – Pam fala tanto de vocês que é como se já a conhecesse.

– Sério? – Esbocei um sorriso, fiquei surpresa, olhei para Pamela que desviou os olhos dos meus.

– Sim, seríssimo, nos acompanha? – indicou a mesa, mas recusei.

– Desculpa, estamos de passagem, essas duas me esgotaram hoje.

– Como foi a subida? – Pam perguntou interessada.

– Sinceramente, só prestei atenção quando chegamos, morro de medo de altura, – ela sorriu da careta que fiz – mas tinha prometido a Izzie que a levaria lá, ela eu sei que aproveitou o tempo todo, pela algazarra que fez.

– Imagino, quando levamos as crianças em passeios assim, elas ficam animadíssimas – sorriu, me olhou e depois desviou os olhos para o rapaz ao lado, por segundos tinha esquecido dele.

– Bom, não quero atrapalhar vocês, vamos Izzie?

– Nunca atrapalha, sabe disso... – ela disse parecendo sincera.

– Por mim, tudo bem, se vocês ficassem, mas não podem. – O rapaz sorriu, pelo menos era simpático, forcei um sorriso e disse apenas.

– Quem sabe na próxima? – Ele concordou, olhei para Pam. – Nos vemos por aí?

– Sim, com certeza...

Sorri, nos despedimos, pegamos o sorvete de Izzie e fomos embora. Quando chegamos em casa, Lara estava saindo do banho.

– Achei que fosse vir na semana que vem? – me deu um beijo estralado no rosto, agarrou Izzie e deu um abraço forte nela, dizendo.

– Tenho uma reunião amanhã de manhã na Prefeitura, resolvi vir hoje pra não correr com as coisas pela manhã, vocês estavam onde?

– Tia Lara, nós fomos no “tefelerico” e foi muito legal.

– Jura, e onde é isso exatamente? –  Brincou com a pequena que saiu contando quase tudo pra tia, fui até a cozinha beber água, estava por lá perdida em pensamento quando minha irmã surgiu perguntando.

– Por que dessa cara feia?

– Não tenho outra... – respondi de mau-humor.

– Nossa, que bicho mordeu você? – veio em minha direção sorrindo, odiava aquele pouco caso dela.

– Nenhum, só estou cansada.

– Sabe que ficarei infernizando você até me contar o que aconteceu.

– Sei, você é muito chata.

– Obrigada... – fez reverência, inspirei fundo.

– Vou dar um banho em Izzie antes que ela durma toda suada, depois conversamos.

– Irei até preparar um café, espero ansiosa.

– Debochada.

Revirei os olhos e ela gargalhou, segui para sala, Izzie estava deitada no sofá, quase cochilando, a peguei no colo e seguimos para o banheiro, depois de dar banho nela e a colocar na cama adormecida, tomei um banho e voltei para a sala, minha irmã estava no notebook, mas o fechou assim que cheguei.

– E então, por que está nervosa assim?

– Estou chateada, aconteceu algo que me incomodou bem mais do que esperava.

– E o que aconteceu? – me olhava ansiosa.

– Hoje de manhã, quando fui passear com Izzie, convidei Pamela para ir conosco, mas ela não quis ir porque tinha um compromisso, fiquei triste, achei que ela quisesse passar o domingo conosco.

– Compreensível, mas porque isso chateou você?

– Isso não me chateou, sei que ela tem uma vida e coisas para fazer, o que me chateou foi vê-la de mão dada na sorveteria conversando toda íntima com um mauricinho.

Fechei a cara me jogando no sofá ao seu lado, que a princípio me olhava sem entender nada, segundos depois desatou a rir, amarrei mais a cara, e não parou até que fiz menção de levantar e ela me segurar.

– Está com ciúmes, Bia, não acredito. – Olhei incrédula para ela.

– Até parece, de onde tirou isso.

– Por favor, suas ações falam por si.

– Não estou com ciúmes da Pamela, até parece – reverei os olhos – nem temos compromisso nenhum, não diga bobagens.

– Se você diz, mas não é pra mim que está mentindo... – continuou sorrindo, e me olhando de canto de olhos, fechei os meus para fugir dela, e segundo depois disse.

– Não é ciúmes, ela é minha amiga, como posso ficar chateada se nem temos um compromisso?

– Quem pode explicar o que vai no coração, Bia? 

Olhei para minha irmã, depois para o quadro de Sara com Izzie em nossa frente, ela seguiu meu olhar, disse triste.

– Eu amo a Sara, como posso ter ficado tão incomodada vendo a Pamela com aquele cara?

– Bia, minha querida – ela se sensibilizou – você pode amar duas pessoas ao mesmo tempo, de formas diferentes, mas só você conseguirá determinar qual o tipo de amor cada uma leva no seu coração.

– Por que as coisas têm que ser tão complicadas para mim?

– Vai ver é porque você é quem gosta de complicar as coisas, meu amor.

Olhei para ela, não estava tão distante da verdade, em todas as minhas relações com mulheres, as coisas entre nós se complicavam, com Sara deu tudo certo, até aquela fatalidade nos tirar ela, e agora essa explosão de confusão na minha cabeça, não era ciúmes o que eu estava sentindo, apenas um incômodo de ter visto Pamela com outra pessoa. Pensei que ela fosse lésbica, será que me enganei? Nunca conversamos sobre esse assunto diretamente, uma vez ela disse que tinha namorado a professora que trabalha com ela, ou não?

Mas, e aquele beijo que ela me deu quando Izzie ficou doente, nunca consegui apagar aquela sensação, e também nunca mais falamos sobre aquele dia, pensando bem, ela não quis falar e eu só deixei levar, deveria ter insistido mais, quem sabe as coisas seriam diferentes. Inspirei fundo, acabei cochilando em meio as minhas divagações.

Fim do capítulo