Capitulo 41
CAPÍTULO QUARENTA E UM
O chão pareceu sumir sob os pés de, Ágata. Ela ficou sem saber o que dizer, a mente em um turbilhão. Sua genitora estava longe de ser a mãe do ano, mas esconder criminosos em sua própria casa? Era inaceitável, impensável. Mas seria aquilo tudo verdade? Afinal, o que ela realmente sabia sobre a vida da mãe e de sua família? Ela só a havia visitado uma vez, e a experiência não fora nada agradável. Durante a semana que passara lá, sua mãe saía mais do que ficava com ela. Ágata lembrava-se de, na época, sentir que a mãe escondia algo, enquanto ela ficava com suas tias, as irmãs da mãe. Na verdade, tinha a sensação de que a mãe morava em outra casa, uma vida paralela que ela jamais alcançara.
Marcela, percebendo a confusão que se formava na mente de Chiara, tentou se justificar, mas só piorou a situação, jogando mais lenha na fogueira da incerteza.
— Você conhece bem a sua mãe? Pense bem no que vai responder.— Marcela disse, a voz tensa.
— Eu não quero parecer desagradável com desconfianças, mas se isso vier à tona, você pode prejudicar minha vida e a da Alex.
Ágata não podia acreditar no que estava ouvindo. Desde quando ela havia se tornado uma persona non grata? Só podia estar ficando louca. Até poucos minutos atrás, Marcela, estava beijando-a, e isso para não falar de outras partes onde sua boca havia estado. Uma dor aguda apertou o peito de Chiara, uma queimação que a fez massagear o local, mas a dor só piorava, e junto veio a avassaladora vontade de chorar.
— Ai, meu Deus, o que estava acontecendo? — ela pensou, sentindo-se impotente. Não podia permanecer ali, parada, sendo acusada sem nem saber do que estava sendo julgada.
— Isso o quê? Pode ser mais clara?
Ágata pediu, a voz embargada, já pronta para sair dali e voltar para sua casa, para o refúgio do que era familiar.
Marcela, no entanto, não se importou com o tom da voz de Chiara, nem tampouco pareceu notar o tremor em seu corpo ou os olhos que ameaçavam se diluir em lágrimas. A frieza de Marcela a deixava ainda mais confusa, uma barreira invisível se erguendo entre elas.
— Isso, o fato de sua mãe estar metida com as facções do Rio de Janeiro e ser parente do criminoso mais procurado pela polícia. Eu só quero saber o quanto você conhece a sua mãe.r
A acusação pairou no ar, pesada e injusta.
— Marcela, você está desconfiando de mim?—Agata perguntou, a voz quase um sussurro de incredulidade. — Está achando que eu estou mentindo? Por que diabos eu mentiria para você?— A mágoa era um gosto amargo em sua boca.
— Eu não desconfio de você, só quero entender as coisas e o quanto conhece da vida da sua mãe, dos seus parentes lá do Rio —Marcela tentou explicar, a voz um pouco mais suave, mas ainda carregada de preocupação.
— Nesse momento, Valesca está levantando a ficha de todos lá e vai ter o maior prazer em esfregar na minha cara tudo que descobrir sobre sua mãe.
— Eu não sei da vida da minha mãe, nunca soube— Ágata respondeu, a frustração transbordando. — Somos praticamente estranhas. Eu fui criada por meu pai e as babás ao longo da vida.— A verdade, dita em voz alta, soava ainda mais dolorosa.
— Eu não estou desconfiando de você, mas não quero ser pega de surpresa — Marcela insistiu, a voz voltando a um tom mais firme. — Não quero que um colega ou mesmo a Valesca me acuse de que você se aproximou de mim para passar informação ao tráfico. — Sua voz, embora fria, não condizia com os olhos cheios de carinho, que buscavam os de Ágata, procurando ler seu rosto, suas emoções, como se quisesse encontrar uma resposta que a acalmasse.
— Só o fato de me interrogar já diz muita coisa. — Ágata a retrucou, o coração apertado pela injustiça percebida. — Não sei o que sua amiguinha descobriu, mas eu não estou envolvida e não acredito que minha mãe também esteja. Papai teria comentado.
— Acho que nem mesmo seu pai sabe, ou então escondeu de vocês para não decepcionar você e seu irmão. — Marcela ponderou, e aquela voz, sim, essa era a voz da mulher por quem Ágata
largaria tudo para ir aonde o destino as empurrasse. Não a Marcela fria, que fazia perguntas como se afirmasse sua culpa. Ágata tentou ver as coisas com clareza; em tudo que Marcela havia falado, havia um quê de verdade. Se seu pai soubesse de algo, ele não diria, até para não estragar o pouco de amor que sentiam pela mãe. Resolveu tomar uma atitude, ela precisava ouvir seu pai.
—Eu estou indo embora— declarou, a decisão endurecendo sua voz. — Vou tirar essa história a limpo. Se o que diz for verdade, eu mesma vou ao Rio olhar esse homem de perto, já que você não pode.—
Ela se levantou com a certeza de ter tomado a decisão correta, entrou rápido, passando sem parar, mesmo quando Dona Montserrat a chamou. Ágata ouvia os gritos de Marcela pedindo para esperar. — Chiara, espera, espera por mim, vamos conversar.— Marcela correu e foi parada pela mãe que tentava entender o que houve.
— O que está acontecendo, filha? Por que essa gritaria toda?.
—Chiara….— a resposta veio com um suspiro trêmulo, os olhos seguindo a silhueta dela sumindo pela porta do quarto. — Ela tá tentando ir embora. A essas horas.
— Mas porque? Qual o motivo?— a pergunta veio rápida, dona Montserrat estava realmente preocupada com o estado emocional da filha de seu grande amigo.
— Eu contei para ela sobre o envolvimento da mãe dela e perguntei o quanto ela conhecia a Mercedes, foi só isso.
Chiara ouviu a mãe de Marcela perguntar a filha o que estava acontecendo, e passos apressados. O resto da conversa se perdeu no ar, não dava para ouvir a resposta. Ágata entrou no quarto e juntou o pouco de roupa que levara para o fim de semana, colocando de qualquer jeito dentro da mochila. Jogou-a nas costas e estava terminando de ajustar a alça quando Marcela, as irmãs e a mãe entraram no quarto, todas falando ao mesmo tempo, uma cacofonia de preocupação.
— Não vá, Ágata, já está escuro. Você não sabe, mas essas estradas voltando para a cidade são mais perigosas do que vindo para o sertão. Tem sempre os irresponsáveis alcoolizados voltando de alguma festa, sem contar com os assaltos. Espera até amanhã—Eve disse, segurando sua mão gentilmente, a voz cheia de apelo.
— Eve está certa filha, não vou deixar você sair assim tarde da noite, amanhã Marcela leva você.— dona Montserrat interviu.
— Eu sei que estou parecendo uma garotinha mimada que foge e faz birra quando alguma situação a desagrada, mas não é isso. — Explicou, a voz embargada pela emoção. — Marcela me fez perguntas e me acusou de coisas que até há bem pouco tempo eu não imaginei, nem nos meus piores pesadelos. Eu tenho que ir para casa saber a verdade da boca do meu pai.— Ágata respirava com dificuldade tentando evitar as lágrimas rolarem livremente como ameaçavam fazer.
Marcela se aproximou, mas não a tocou. E Ágata achou melhor assim; dessa forma, ela não descarregava nela as emoções conflitantes que estava sentindo, a raiva e a dor misturadas com o desejo de ser compreendida.
— Eu não te acusei, só queria saber até onde você conhecia sua mãe, para não cairmos em ciladas se ela estiver envolvida.
— Eu falei a verdade, não conheço a vida da Mercedes lá no Rio de janeiro.
— Eu acredito em você, mas ase Valesca desconfiar que a casa onde Mercedes fica quando vem, é do se pai, vai querer usar isso contra você.— Marcela falava sem alterar o tom da voz.
, —Principalmente filha, quando amanhecer e perceber que você não viajou. Ela vai dar um jeito de vasculhar tudo para descobrir se o pai da Ágata está envolvido ou não.
— Ágata teve que concordar com ela; fazia sentido o que Mãe e filha estavam dizendo, por mais que doesse.
— Eu não sei o que pode estar acontecendo. A última vez que vi minha mãe foi no dia em que nos conhecemos Marcela, ela disse que veio resolver uns problemas antigos com o papai, e foi embora no mesmo dia.
Dona Montserrat mais uma vez falou com a voz suave, mas carregada de uma verdade antiga.
— Seu pai ligou contando que a Mercedes veio se despedir. Eles já estavam separados bem antes de você nascer. Ela queria te levar e deixar o Greg porque ele já era bem grandinho. Mas seu pai não concordou, por isso que ela vinha duas vezes ao ano. Gregório esperava que vocês, quando fossem entendendo as coisas, escolhessem com quem queriam morar.
— Ainda assim, Dona Montserrat, eu preciso saber o que o papai não contou. Ágata insistiu, a mente fervilhando de novas perguntas.
— Se eles já estavam separados, por que ela sempre vinha quando ficamos adultos? Isso não faz sentido.
Marcela, então, a abraçou, alisando seus cabelos, e olhando dentro dos olhos de Ágata, pediu baixinho, quase um sussurro que era apenas para ela: —Guarde essa mochila. Assim que começar a nascer o dia, voltamos para sua casa.
— Eu vou só, você fica com Alex, que não deve estar entendendo nada— Ágata respondeu, já, mais tranquila, a tensão diminuindo um pouco com o toque de Marcela.
— Ágata está certa, filha. Se você preferir, vai deixar ela e volta para a fazenda— sua mãe sugeriu, e vendo que não iriam mais discutir, puxou Eve para sair do quarto, deixando-as a sós. Marcela aproveitou para tirar a mochila das costas de Chiara, colocando-a outra vez no guarda-roupa, e a puxou para deitar junto com ela.
— Nem pense que vai se livrar de mim assim tão fácil, meu amor. Eu vou junto até sua casa, depois resolvo o que fazer. — Marcela falava cheirando o pescoço da italiana, que sentia suas forças e resistência a abandonarem.
— E a Alex? No momento ela precisa mais da sua presença do que eu.— tentou argumentar sem chances de prosseguir, pois Marcela prendeu seus lábios num beijo calmo.
— Eu sei. Na hora em que fomos deitar, eu vou ter uma conversa séria com ela. Agora venha, vamos lá para a varanda se reunir com a família, ouvir Chicão falando de almas e espíritos que vagam por essas bandas, tem café, cobertor e histórias de arrepiar. Prometo que nenhuma é pior que a vida real.
Ágata hesitou por um instante. Mas o cheiro de terra molhada e café coado recém-passado lhe alcançou as narinas, e o som de risos abafados lá fora amoleceu o que restava da rigidez. Sentiu Marcela puxar para um abraço e assim caminharam para o alpendre em passos lentos, atravessando a casa até a varanda.
Lá fora, a noite parecia viva. O céu aberto, cravejado de estrelas, derramava um frio manso sobre todos. Alguém havia acendido uma pequena fogueira improvisada no meio do terreiro; as chamas dançavam baixinho, lançando sombras inquietas nas paredes e nos rostos reunidos em volta. Dona Montserrat estendia uma manta enorme cobrindo as crianças, deitadas em colchões estirados no chão, enquanto as gêmeas, sentadas no chão com uma almofada no colo, sorriam de canto, os olhos trocando olhares cúmplices com a outra falando de coisas que só elas sabiam.
— Ah, a gente estava justamente esperando vocês chegarem — disse Chicão, com uma careta teatral sentado em um banco de madeira, segurando uma caneca de café fumegante. — Sem você, menina Ágata, nem vale contar da mulher de branco que aparece nas estradas pedindo socorro aos motoristas, quando eles descem a mulher desaparece.
Risos nervosos pipocaram, abafados pelas mãos geladas nas bocas. Ágata se sentou devagar entre as pernas de Marcela, puxando os joelhos para perto do peito. Uma caneca quente foi colocada em suas mãos antes que ela pedisse. O calor escorria pelos dedos como um afago.
E ali, sob o manto das estrelas, envoltos pelo cheiro de lenha, café e lembranças, deixaram que as vozes ao redor tecessem histórias de fantasmas, almas penadas e amores que resistiam até depois da morte.
E por um instante raro, mesmo entre sombras do passado e da noite, todos pareciam em paz.
Fim do capítulo
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