Olivia

Quando me dou conta do que acabou de acontecer, não tenho muito tempo para pensar no assunto, sendo que a campainha volta a tocar.

Não escondo minha surpresa quando abro a porta e minha filha entra como um furacão, encaro Pietra parada do lado de fora.

- O que houve? – Questiono.

- Nada – Dá de ombros – Apenas lembrei que tenho um compromisso com um cliente amanhã cedo e precisei trazer ela de volta.

Respiro fundo, para não mandar minha ex para o quinto dos infernos, Aurora provavelmente está chateada por saber que a outra mãe não dá a mínima para ela.

- E por que eu acho que essa é mais de uma das suas desculpas esfarrapadas? – A encaro seriamente.

- Olha, eu não tenho tempo para discussões, você pense o que quiser – Ela tenta olhar por cima do meu ombro – E me desculpa atrapalhar seu jantarzinho com sua namoradinha.

Ela só pode estar de brincadeira, não posso acreditar que mais uma vez ela usou a filha para me atingir.

- Você é uma coitada se acha que trazendo Aurora de volta vai atrapalhar algo em minha vida – Meus olhos queimam de tanta raiva – Muito pelo contrário, eu fico mais tranquila com ela em casa e não com uma mãe desnaturada como você.

Pietra apenas me olha de cima abaixo, como sempre faz querendo me mostrar que não está prestando atenção no que eu falo e que não se abate com o que falo.

- Ela está entregue – Começa se afastar – Até mais, gata.

Não me deixa responder a sua afronta, segue rápido para o carro. Fecho a porta e volto para a sala e encontro apenas Giovana recolhendo as taças de vinho para levar até a cozinha.

Não preciso perguntar nada, ela entende meu olhar preocupado.

- Ela subiu – Responde.

Olho para a escada, na esperança de encontrar minha filha ali ainda, na esperança de ver em seus olhinhos que não está tão chateada, mas ao mesmo tempo me vem a lembrança do que aconteceu a minutos atrás. Não sei se tenho cabeça para lidar com isso agora, mas também preciso ser adulta.

- Giovana... – A chamo e seus olhos logo encontram os meus, mas nada consigo falar.

- Não se preocupe, ela precisa mais de você – A moça de olhos claros parece entender meu caso.

Não falo mais nada, apenas subo as escadas o mais rápido que consigo e logo encontro a porta do quarto da minha filha fechada. Bato duas vezes e giro a maçaneta, quando entro me deparo com Aurora deitada em sua cama chorando, me parte o coração.

- Filha – A chamo ao me sentar ao seu lado – Quer conversar?

- Por que ela sempre faz isso? – Diz entre o choro.

Me acomodo melhor na cama e Aurora deita sua cabecinha em meu colo, começo um leve carinho e limpo alguma de suas lagrimas, me preparando para acalmar minha pequena.

- Ela disse que tinha um compromisso – Não sei por onde começar, pois minha vontade é dizer que ela tem razão em tudo que está pensando sobre sua mãe.

- E quem acredita nisso? – Limpa as lágrimas que caem apressadamente – Ela só fez isso por ciúmes.

- Você quer me contar o que aconteceu? – Falo calma.

- Estávamos jantando e ela começou a me perguntar da senhora, como sempre – Revira os olhos – Eu não quis falar nada, mudei de assunto várias vezes, ela me perguntou se Giovana passa muito tempo aqui e eu entendi aonde ela queria chegar.

Minha filha se levanta e fica sentada de frente para mim, tenho vontade de acolhê-la em meus braços, mas sei que ela precisa pôr pra fora tudo que aconteceu e o que está sentindo.

- Eu não queria falar nada mama, me desculpa – Chora ainda mais forte e esconde o rosto com as mãos.

- Você não precisa se desculpar, meu anjo – A trago para meus braços – O que ela quis saber?

- O que vocês fariam hoje à noite – Me encara novamente – Eu tentei mudar de assunto, mas ela insistiu, então eu acabei deixando escapar que vocês iriam somente jantar aqui em casa, que nem era grande coisa. Me perdoa, mama.

- Meu amor – Afago seus cabelos ruivos – Você não precisa se desculpar, você não fez nada de errado e nem mentiu, a gente apenas jantou. 

- Mas a minha mãe fez questão de atrapalhar – Respira fundo – Ela só quis me trazer de volta para atrapalhar vocês, ela nem tem compromisso e nem queria ficar comigo, a chata estava lá.

- A namorada dela? – Pergunto para ter certeza de quem ela se referia.

- Sim.

- E ela te perguntou essas coisas na frente dela? – Me preparo para sua resposta.

- Não, ela estava no banho – Responde baixo – Mama – Me chama.

- Diga, meu amor.

- Ela atrapalhou vocês?

Nesse momento meu rosto ficou quente, provavelmente minha filha notou que estou envergonhada porque lança um sorriso tímido, e ao mesmo tempo que fico feliz em vê-la sorrindo me preocupo com o que terei que responder.

- Não – Tento soar o mais convincente possível.

- Então o encontro não deu certo?

- Encontro? – A encaro com os olhos arregalados.

- É mana, o seu encontro com a Giovana, você falou que iria cozinhar para vocês.

- Mas não era um encontro.

- Chame como você quiser, mas não deu certo? – Minha filha pergunta impaciente.

- Filha, você está cansada e precisa descansar, foram fortes emoções e não tem que se preocupar comigo e com a Giovana.

- Mas não estou preocupada, estou curiosa – Sorri travessa e volta para meu colo – Me conta.

- Você está muito atrevida para sua idade mocinha – Faço carinho em seus cabelos – Por que quer tanto saber sobre esse jantar?

- Por muito tempo vejo minha mãe sair com várias pessoas e que são todas chatas e a senhora nunca se permitiu conhecer alguém e acho que a senhora merece ser feliz, é sempre tão sozinha e sempre está só cuidando da gente, você precisa ter um outro alguém na vida, não só eu e o Theo.

- Desde quando você virou tão adulta assim? – Falo em um sussurro, com o coração batendo forte com suas palavras.

- A Giovana parece ser uma pessoa boa e ela gosta da gente – Coça os olhos – Isso já é um bom começo.

- Se for para ser, será.

Minha menina fecha os olhos mais pesadamente, continuo com a caricia em seus cabelos porque sei que ela vai dormir logo e é exatamente o que acontece. A ajeito na cama e a cubro, dou um beijo de boa noite em sua testa e a abençoo. 

Suas palavras batem fundo dentro de mim, nunca achei que ouviria isso da minha própria filha. É muito triste ver como Pietra a trata, o quanto perde da evolução e do crescimento de Aurora, mas enquanto ela não aproveita, eu tento fazer meu máximo, e dou toda atenção e amor que minha menina precisa. Mas hoje quem foi surpreendida fui eu.

Sigo para meu quarto e vou até meu closet para trocar minha roupa, colocar meu pijama de dormir e logo vou para cama.

Confesso que hoje foi uma montanha russa de acontecimentos e sentimentos, o que tanto evitei, aconteceu. É claro que já havia notado os olhares de Giovana e o desejo que ela tem por mim, e sei que ela sabe que sinto o mesmo, mas infelizmente não posso me deixar levar por desejo. Ela é uma garota com um grande futuro pela frente, e eu sou apenas uma mãe que precisa cuidar dos filhos e seguir a vida, ela não vai querer essa vida por muito tempo, vai querer se aventurar e viver as coisas que pessoas da idade dela querem.

Sinto meu celular vibrar e a tela se acender, uma nova mensagem foi recebida. É dela.

Gio: Por mais que você fuja amanhã, quero que saiba que foi o melhor beijo que já tive. Bom descanso!

Meu coração dispara, pois sei que também foi o melhor beijo que já tive, e sei também que algo dentro de mim deseja muito que se repita, mas não posso, não posso me envolver e envolver minha família nisso tudo, sabendo que daqui um tempo nós ou ela podemos sair machucadas.

            O dia amanhece um pouco quente, uma bela manhã de primavera, me arrumo para buscar Theo na casa dos meus pais, e depois vamos passear no shopping, ontem prometi que passaríamos o dia todo hoje juntos, já que hoje ele está se sentindo melhor.

            Aurora não tardou se arrumar para ir comigo. Saímos por volta das 10 horas da manhã, e tive a sorte de não encontrar Giovana pela casa, isso me livrou de pensar em como agiria se nos víssemos.

            Almoçamos no Shopping e agora estamos passeando. Na verdade, Theo está andando no carro elétrico que alugamos por 30 minutos. Ao passar na frente da loja Acuo, noto alguns pijamas muito bonitos e algumas lingeries também.

            - Filha – Chamo a atenção de Aurora – Você olha o Theo enquanto eu entro nessa loja?

            - O que você vai comprar, mama? – O garoto para com o carrinho bem próximo a mim.

            - Não sei ainda, vou dar uma olhada nos pijamas – Passo a mão pelos seus cabelos.

            - Eu quero comprar esse pijama para a Gigi – Sigo com o olhar para o manequim que ele aponta, que estava do lado oposto dos quais eu estava analisando – A gente falou que compraria um para ela igual o meu, e esse é bem parecido.

            E realmente é bem parecido com o que ele estava na noite de cinema. Penso duas vezes se devo deixá-lo presenteá-la, pode ser que ela não goste, mas me lembro que ontem foi seu aniversário, e meu filho gosta muito dela, então seria legal dar um presente.

            - Ok, vou comprar – Me distancio para entrar na loja – Você fica aqui com a Aurora, não vão muito longe.

            - Tudo bem, mama – Ele parte com o carrinho.

            Compro o presente de Giovana e peço para embrulhá-lo, e escolho um novo para mim, e alguns pares de lingerie, preciso renovar as minhas.

            Não demoramos muito para deixar o shopping e irmos para o Parque das Nações, o dia está bonito e é importante para as crianças se divertirem.

            Escolho um espaço embaixo de uma arvore, com sombra, e que tem o parquinho de areia perto, assim Theo pode brincar e eu posso ler o livro que sempre carrego em minha bolsa. 

            Aurora segue com o irmão para o parquinho, me deixando sozinha. Ela já é grande para os brinquedos, mas não se importa de auxiliar o pequeno e estar perto dele.

            Me concentro na minha leitura, mas logo ouço a voz de meu filho gritando, imediatamente olho em sua direção.

            - Gigi – O vejo correndo em direção a moça de olhos claros – Que legal que você está aqui também.

            Meu filho realmente está gritando, por isso posso ouvi-lo, mas quando chega perto dela, a conversa fica no tom normal e não consigo mais saber do que falam, só vejo que o garoto sorri com alguma fala dela e depois aponta em minha direção, e não tarda em nossos olhares se encontrarem.

            Após alguns minutos de interação, meu filho segue novamente para o parquinho e a garota vem em minha direção.

            - Boa tarde – Me cumprimenta.

            - Boa tarde – Falo simples.

            - Não esperava encontrar vocês aqui – Se senta ao meu lado se escorando na arvore.

Ela veste shorts de corrida, regata ajustada e tênis; seu rosto estava levemente avermelhado e suado, e sua respiração ofegante indica que tinha acabou de correr.  Minha mente pervertida não tardou em imaginá-la em outras situações. Ofegante. Suada. 

            Balanço a cabeça para espantar tais pensamentos.

            - Resolvemos vir de última hora – Tento não a encarar novamente.

            Ficamos em silêncio, não chega a ser um silêncio incomodo, mas é constrangedor. Não sei o que devo dizer, não sei o que quero dizer. A única coisa que sei no momento, é que estar perto dela me deixa nervosa, não consigo mais pensar direito e nem agir normalmente como uma pessoa da minha idade.

            - Você recebeu minha mensagem? – Questiona.

            - Sim – Falo em um sussurro.

            - Só quero que saiba que é a verdade.

            Não sei o que responder, mas olho em seus olhos, e os encontro em uma tonalidade tão clara, que nunca havia reparados assim, provavelmente causado pela luz do sol.

            - Giovana... 

            - Eu sei que você dará alguma desculpa Olivia – Me interrompe quando começo a falar – Sei que vai vir com o papinho que foi um erro, que sou sua aluna, que sou muito jovem e qualquer outra que você queira inventar.

         - Não é desculpa – Falo mais firme – São todas as realidades, realmente foi um erro.

            - Um erro muito bom, por sinal – Agora quem evita me encarar é ela, mas carrega uma voz magoada.

            - Mesmo assim um erro, e que não pode se repetir.

            - Você não pode ou você não quer? – Ergue seu olhar.

        Mais uma vez não tenho o que responder, qualquer umas das respostas que eu desse seria mentira, não posso dizer que não posso porque nada oficialmente me impede, mas também não posso dizer que não quero, porque desde ontem, aquele beijo não sai da minha cabeça.

            - Você não entende! – Solto um longo suspiro.

            - Qual é Olivia, nem parece que somos duas adultas, foi apenas um beijo, não quer dizer que vamos nos casar amanhã ou que vou me meter na sua vida, apenas quis dizer que eu não me importaria se acontecesse novamente – Fala direta.

            - Você fala como se fosse fácil – Digo irritada.

            - E não é? – Se aproxima um pouco e seu perfume logo segue pelas minhas narinas – Por um acaso você é comprometida e não me falou?

            - Você sabe muito bem que não sou – A encaro com raiva – Ou você acha que sou o tipo de que trai quando está comprometida? 

            - Não foi isso que eu quis dizer – Passa seu dedo indicador levemente por cima da minha mão em um sutil carinho – Só estou dizendo que não há nada que nos impeça.

            - Giovana – Tento controlar minha respiração – Vai por mim, chegará o momento que você mesma não vai querer levar isso adiante, para você é fácil querer uma aventura, mas eu não penso assim, eu tenho família para cuidar, e não posso simplesmente me envolver com você que já está tão próxima dos meus filhos.

            - Eu adoro seus filhos, isso não seria problema nenhum – Arrisca tentar segurar minha mãe, mas eu puxo antes que ela complete o ato, aqui não é local para isso – Olha, não quero te obrigar a nada, mas posso ver em seus olhos que quer isso tanto quanto eu e não vou desistir até que diga com todas as letras que não quer me beijar novamente. 

            Nós nos olhamos nos olhos por um longo tempo, em minha mente parecia até que foram por horas, mas sei que não passou de alguns instantes.

            - Vamos, Olivia – Me desafia – Diga olhando na minha cara que não gostou do que aconteceu e que não quer mais que isso se repita, diga e eu nunca mais tento nada, irei respeitar sua vontade.

            Por mais que eu queira dizer algo, nenhuma palavra sai pela minha boca, não sei se estou paralisada, hipnotizada por esses lindos olhos ou se apenas não consigo dizer o que ela me pede. Nós sabemos qual é a verdade, e que não conseguirei mentir olhando em sua face.

            - Mama – Ouço o grito de Theo antes de sentir seu corpo colidir com o meu – A gente já pode entregar o presente da Gigi?

            Demoro alguns segundos até assimilar o que meu filho fala, me divido entre ele e os olhos azuis, opto por responder ele. Obviamente.

            - Acho que seria melhor em casa, meu amor – O ajeito em meu colo – Assim ela consegue abrir melhor.

            - Presente? – A mais nova nos olha sem entender.

            - Sim, a gente comprou hoje no shopping – Ele sorri – Vamos para casa? Quero entregar logo.

            - Vamos sim – A observo se levantar junto com a gente – Você aceita uma carona?

            - Se não for atrapalhar vocês – Fala sem jeito.

            Quando entramos em nossa casa, meu filho correu com o pacote de presente e se jogou em cima do sofá, esperando Giovana chegar perto para entregar. Ele está eufórico.

            - Quando eu vi, logo pensei em você Gigi – Estende o embrulho em sua direção – Mama me disse hoje que ontem era seu aniversário, parabéns.

            Ele vai em sua direção e deixa um beijo estalado em sua bochecha, a fazendo sorrir com o ato.

            - Muito obrigada, pequeno – Ela começa abrir – Mas realmente não precisava.

            Ela não segura a gargalhada quando vê o pijama igual ao de Theo.

            - Que maneiro, você realmente encontrou um igual ao que você tem – Ela o puxa para o seu colo.

            - Agora podemos participar da noite do cinema com nossos pijamas, vai ser muito legal.

            - Fecha a boca se não a baba vai cair, mama – Ouço o sussurro da minha filha e sua risada – Vou ir tomar banho.

            Não a repreendo, porque realmente noto que estou sorrindo sozinha com a cena. Posso querer enganar a mim mesma, mas pelo jeito não consigo enganar mais ninguém que Giovana realmente mexe comigo. 

            Por muitos anos foi só eu e as crianças, e ver alguém entrando entre nós, ganhando espaço na vida deles, me deixa com medo, confusa e ao mesmo tempo extremamente feliz em ver aquela cena. Como ela trata bem meus filhos, como é paciente com Aurora, como brinca com Theo. 

            Isso realmente está ficando perigoso, não sei mais o que pensar. O que ela me falou no parque ainda está em minha cabeça, a forma como me desafiou, ela sabe que a desejo e eu sei que ela não vai desistir.

            Que Deus me ajude.

Fim do capítulo