Inevitável
Quadra Coberta – 12h40
O som do microfone chiou levemente antes que a coordenadora pegasse de volta a palavra. Os últimos alunos ainda estavam sentando, devolvendo os brindes extras às mochilas, alguns tirando selfies discretas.
— Agradecemos imensamente à deputada Verena Castilho e à equipe da Alesp pela presença e pelas reflexões tão importantes nesse dia — disse a coordenadora, com voz firme. — É uma honra poder contar com a parceria institucional de vocês em uma semana tão significativa para a juventude.
A diretora, logo ao lado, completou:
— Esperamos que esta seja a primeira de muitas visitas. Nossa comunidade fica profundamente grata.
Palmas se espalharam, com respeito. Algumas mais entusiasmadas — outras, protocolarmente educadas. O som ecoou pela quadra, encerrando a roda de conversa.
Verena deu dois passos à frente, pegou o microfone das mãos da coordenadora com gentileza e profissionalismo.
— O agradecimento é todo nosso — disse, com a voz mais firme do que parecia possível depois do que acabara de acontecer. — A escola pública é o verdadeiro coração da democracia. E vocês têm, aqui, um corpo docente e uma equipe pedagógica que são exemplo. Que esse diálogo não termine hoje. Estamos à disposição.
Olhou para a diretora com um sorriso comedido e firme, e estendeu a mão. Um aperto institucional, elegante. As câmeras da equipe de comunicação da Alesp capturaram o gesto. Era o que importava: imagem, respeito, articulação. A política visível.
Do lado, Rafaela mantinha a postura. Séria, profissional, o crachá pendendo sobre o terno claro. Mas seu olhar, vez ou outra, voltava pra Valentina, ainda visível perto de uma das colunas da quadra, amparada por Carol. E depois para Verena — que fazia de tudo para manter os olhos nos adultos, nos parceiros, nos registros.
A escola abriu caminho. Os professores orientaram os alunos a permanecerem sentados enquanto a comitiva se retirava, em ordem.
Dona Dalva, na porta de acesso à lateral da quadra, já estava a postos para abrir o caminho interno.
— Podem seguir, por aqui, por favor — disse, com aquele tom prático e amável de sempre.
O grupo da Alesp foi conduzido pela coordenadora em direção à sala dos professores, onde seria servido um rápido coffee break antes da saída oficial. O fotógrafo da equipe ainda capturava imagens do deslocamento.
Verena andava com os passos calculados. Ombros firmes, blazer alinhado, o cabelo solto impecável com a onda caindo levemente sobre o lado esquerdo. Uma mulher pública que sabia o peso de cada movimento.
Mas por dentro, o caos.
Sentia a caneta que faltava no bolso. Sentia o calor residual de um toque que não deveria ter acontecido. Sentia o olhar da menina — e o próprio.
Jéssica a acompanhava com a pasta de documentos em mãos, sempre meio metro atrás, como sombra.
— Deputada — murmurou ela, ao se aproximar do lado — temos os materiais impressos sobre o projeto Juventude Participativa prontos na sala dos professores. A diretoria solicitou alguns exemplares.
Verena assentiu, engolindo seco. Tentando lembrar onde estava.
— Certo. Vamos fazer a entrega formal — respondeu, como se fosse a única coisa que ainda a mantinha em pé: o protocolo.
Rafaela caminhava à frente, conferindo o tempo no relógio.
— Quinze minutos, no máximo — avisou a equipe. — Temos que estar na Alesp no máximo às 14h.
Eles entraram na pequena sala dos professores. A mesa central havia sido adaptada com salgadinhos, sucos, biscoitos sortidos e até um bolo simples, com cobertura de chocolate.
Sônia se aproximou, oferecendo um copo de suco.
— Espero que tenha valido a visita, deputada.
Verena pegou o copo. Sorriu.
— Valeu mais do que a senhora imagina.
Não era só retórica.
Era verdade.
Porque naquele colégio de bairro simples, naquele canto abafado da cidade, ela tinha vivido o que talvez jamais conseguiria esquecer.
E fingir que nada estava acontecendo… era o verdadeiro ato político do dia.
Corredor lateral da escola — 12h55
A fila para deixar a quadra se dissolveu lentamente, com os alunos sendo orientados pelos professores a voltarem às salas, antes de serem liberados por turmas. Mas Valentina não conseguia se mover direito. O corpo ia por reflexo, empurrado pela onda dos colegas, mas a mente… a mente estava em outro lugar.
O brinde da Alesp estava apertado com força contra o peito, como se fosse um escudo. Ou um lembrete de que aquilo tinha mesmo acontecido.
Ela ainda sentia o toque.
Aquela mão quente na cintura.
A voz sussurrada mais doce do que qualquer memória que guardava.
— Ei… — disse Carol, puxando a amiga pelo braço com delicadeza, já do lado de fora da quadra. — Respira. Pelo amor de Deus, Valen. Respira.
Valentina assentiu, sem conseguir falar. O rosto ardia, os olhos marejados, mas ela se recusava a chorar ali. Os alunos do 2º C se espalhavam em grupos, comentando alto, rindo das fotos, das falas da roda, das piadas da Verena.
— Mano… a deputada é muito gata — alguém cochichou, logo atrás.
— Você viu a hora que ela passou e o Pedro falou “me chama de PEC” e ela riu?
— Quero morrer, velho…
— Ela é muito chique, você sentiu o perfume?
Valentina andava devagar, tentando se afastar da movimentação. O corredor lateral parecia mais estreito do que nunca. Carol, ao lado, ainda com o celular na mão, olhava de vez em quando pra ele, como se quisesse conferir se tinha mesmo acontecido.
— Valen — ela começou, mas interrompeu o próprio raciocínio. Piscou, atônita. — Sério, eu ainda não tô acreditando!
Valentina não respondeu.
O silêncio foi resposta suficiente.
—Ela segurou sua cintura... Tipo, cacete... aquilo foi… intenso.
Valentina parou de andar. Encostou-se na parede, perto da porta de uma das salas vazias. Estava pálida.
— Eu vou vomitar.
— Não vai não — Carol segurou firme seu braço. — Vai respirar comigo. Vem.
A amiga a guiou até um dos bancos de concreto que ficavam perto da cantina. O local estava vazio — os alunos tinham sido mandados para as salas. Era um raro momento de silêncio no caos escolar.
Valentina sentou. As mãos tremiam. A ecobag tremia junto.
— Eu não devia ter vindo. Eu devia ter saído da fila. Eu devia…
— Devia nada. Você precisava disso. Olha pra mim — Carol se agachou na frente da amiga. — Eu sei que você acha que tá tudo errado, que Deus vai te castigar, que sua mãe vai descobrir, que sua vida vai acabar. Mas… Valen, calma. Você não fez nada errado. A Verena é casada, isso complica um pouco mas...
Valentina olhou pros lados, nervosa, como se alguém pudesse ter escutado.
— Fala baixo, pelo amor de Deus.
— Ninguém tá ouvindo. E mesmo se tivesse… dane-se. Sabe quantos meninos dariam tudo pra viver um segundo do que você viveu hoje?
A resposta não veio. Só um suspiro trêmulo. Um soluço contido.
— Você tá em choque. Eu também tô — Carol confessou. — Eu achei que era exagero seu. Tipo, gostar de uma mulher mais velha, casada, uma deputada… achei que era só coisa da sua cabeça. Mas… eu vi, Valentina. Eu vi o jeito que ela olhou pra você o tempo todo. O jeito que ela te tocou. A cara da assessora dela quando ela te chamou de novo. Aquilo foi…
— Loucura.
— Real.
As duas ficaram em silêncio.
O único som era o barulho distante dos alunos reclamando de não poderem sair e o vento leve que passava entre as grades da escola, balançando as folhas de uma árvore ali perto.
— Eu não sei o que fazer — Valentina murmurou.
— A gente respira. A gente digere. E a gente vê o que vem depois.
Valentina olhou pro céu. Um azul claro, quase insultante de tão sereno. Internamente, era o oposto. Um furacão.
— Foi só uma caneta — ela disse, tentando se convencer.
Carol deu uma risadinha irônica.
— Foi a caneta mais erótica que eu já vi na vida.
Valentina quis rir, mas estava fraca demais pra isso.
Ela só fechou os olhos por um instante. E pela primeira vez em muito tempo, não foi pra pedir perdão.
Foi pra lembrar.
Do toque. Do sorriso. Da voz.
E de como, por um instante, o mundo parou — e elas duas, finalmente, existiram.
Gabinete 312 — Alesp — 13h30
A porta se fechou com um clique seco. Verena nem chegou a sentar. Largou a pasta na cadeira ao lado da própria mesa e passou a mão nos cabelos, tentando controlar o fluxo de pensamentos que ainda giravam como um furacão.
Rafaela, por outro lado, não disse nada. Foi até a bancada lateral, pegou uma garrafa de água, girou a tampa com força demais e serviu dois copos. Colocou um na mesa com força contida.
— Aqui. Bebe. Talvez te ajude a lembrar onde você tá.
Verena arqueou uma sobrancelha, exausta.
— Rafaela, por favor. Agora não.
— Agora sim, Verena. Agora exatamente. Porque se eu não falar agora, eu vou sair por aquela porta e não volto mais.
Verena olhou pra ela, séria. A outra também não sorria.
— Você quer falar da roda de conversa? Porque se for sobre as perguntas, o improviso…
— Eu quero falar da porr* da caneta. — Rafaela apontou com o dedo. — Dos olhares que todo mundo viu. Do jeito que você tirou a foto com ela. Aquela foto, Verena.
Silêncio.
— Você tem ideia do que tá fazendo?
— Foi só uma foto — rebateu, seca.
— Uma foto. — Rafaela riu, amarga. — Então, por que não colocou a mão no ombro, como todos os outros? Por que chamou a menina de volta, com plateia, depois de tudo? Por que deu uma caneta gravada com seu nome, Verena?
— Porque ela foi estagiária aqui, porque se dedicou, porque…
— Porque você tá envolvida emocionalmente até o pescoço e não consegue mais esconder. Porque perdeu o controle.
— Rafaela…
— Não me interrompe. — Ela apontou o dedo. — Você acha que foi sutil? Os olhares. O jeito que você ficou vidrada naquela menina. A porr* da caneta, Verena. Você mandou ela voltar. Com todo mundo vendo. Tocou na cintura. Fez graça. Sabe o que foi aquilo? Um desastre esperando pra acontecer.
Verena ficou imóvel por um segundo. Depois, caminhou até a janela. A cidade ao fundo, abafada pela vidraça espessa.
— Eu não fiz nada ilegal.
— Mas fez tudo o resto. Fez o suficiente pra qualquer pessoa com dois olhos perceber. A Jéssica percebeu.
Verena apertou o maxilar. Um relance. Frio.
— A Jéssica… tem aparecido muito, né?
— Não muda de assunto.
— Não estou mudando. Só acho curioso que você esteja tão preocupada comigo, mas cheia de conversinhas com uma mulher que passa mais tempo no nosso gabinete do que alguns assessores.
Rafaela estreitou os olhos. A mão tremeu, mas ela não recuou.
— Não mistura as coisas. Eu não sou você. Eu não me apaixonei por uma garota que ainda nem terminou o ensino médio.
O golpe doeu.
Mas Verena não demonstrou. Só sentou-se enfim, devagar, como quem desistia.
— Não confunde sua frustração com julgamento moral. Eu não preciso da sua benção pra existir.
— Mas vai precisar de um advogado se continuar se comportando como se nada tivesse acontecendo. Porque hoje você escancarou.
— Eu não me escondo, Rafaela. Nunca precisei.
— Não? Então admite. Admite que você não consegue olhar pra ela sem se perder. Que tava contando os segundos pra ver aquela garota de novo.
Verena respirou fundo. Não recuou um milímetro.
— Eu olho porque ela merece ser vista. Porque, ao contrário de muita gente, ela nunca tentou me derrubar.
Rafaela riu com amargura.
— Porr* Verena, você... Você ouve as merd*s que você fala? Ela mal saiu das fraldas, é óbvio que ela não é uma ameaça. E isso justifica o que você fez?
— Justifica eu me permitir sentir alguma coisa em meio a esse mar de podre que é esse lugar.
As duas ficaram frente a frente. Uma guerra fria entre o afeto e a raiva.
— Eu sou sua amiga, Verena. Mas hoje… você me decepcionou.
— Eu não vim até aqui pra agradar ninguém.
— Então parabéns. Tá indo muito bem.
Verena se virou, pegou a caneta reserva e começou a rabiscar no bloco sobre a mesa — como se a conversa já tivesse acabado.
Rafaela entendeu o gesto. Mas ainda assim, soltou, antes de sair:
— A Jéssica viu. E ela não é do tipo que esquece.
Verena parou a caneta. Não respondeu. Nem precisava. O silêncio dela… já era uma resposta perigosa.
A porta se fechou atrás de Rafaela com um estrondo abafado.
E Verena continuou ali. Imóvel. Caneta na mão. Ainda com o cheiro de Valentina nos dedos.
Ipiranga – Casa da Família Moraes de Souza – Sexta-feira, 14h10
A luz do início da tarde entrava pela janela da cozinha, filtrada pela cortina florida. O cheiro de chá de camomila se misturava com o som suave da televisão ligada na sala. Isadora dormia no sofá, coberta até o queixo, o nariz entupido emitindo pequenos roncos infantis. Ana Paula saía em silêncio com uma xícara nas mãos quando viu a filha entrando pela porta, com a mochila caída num dos ombros e o olhar… longe.
— Oi, filha. — Sorriu, baixando o tom. —Tava pensando em você agorinha. Como foi?
Valentina tirou os tênis no tapete da porta, um gesto automático. Passou pela mãe com um beijo leve no rosto.
— Foi bom. — respondeu, sem força.
— E a apresentação? Quero saber de tudinho. E o pessoal da Alesp foi mesmo?
Valentina assentiu com um sorriso murcho, puxando a ecobag da Alesp de dentro da mochila. Entregou nas mãos da mãe como quem cumpre um protocolo.
— Olha, trouxeram brindes. Todo mundo ganhou uma dessas. Tem bloquinho, caneta, essas coisas.
Ana Paula abriu, curiosa.
— Olha só que coisa mais chique! Nossa, é bem feita mesmo… — Pegou o bloquinho e folheou. — Tinha bastante gente? A comunidade participou?
— Bastante. A quadra tava cheia. Tinha até gente da rua lá.
— E você? Conseguiu falar? Teve coragem?
Valentina balançou a cabeça.
— Não. Fiquei só ouvindo. Mas foi legal…
Ana Paula sorriu, sentando-se à mesa com a filha.
— A Carol me mandou uma foto da turma no palco. Você tava linda.
Valentina forçou outro sorriso.
— É…
Mas por dentro, era outra coisa. A mente não largava o instante do toque. A mão na cintura. A voz suave dizendo “sorria... pra mim”. O perfume que ainda estava ali, grudado no uniforme. E a caneta.
A caneta que agora repousava no fundo da mochila, enrolada num papel de bala que Carol colocou de zoeira antes de dizer:
“Vê se tem cheiro de Chanel. Se tiver, aí ferrou.”
Tinha.
Não só cheiro, tinha peso. Peso de algo que não era pra existir.
— Você parece cansada, filha — disse Ana Paula, tocando o braço dela com leveza. — Quer que eu esquente um prato pra você?
— Não, mãe. Vou só tomar banho… mais tarde eu como.
— Tá tudo bem?
Valentina hesitou. Depois assentiu.
— Tá sim.
Mas não estava. E nem saberia explicar. O peito ardia com uma saudade que mal tinha começado, com uma dor que não fazia sentido. Tudo nela gritava pra voltar no tempo. Voltar pro instante em que o mundo parou. Em que o olhar da Verena era só dela.
E agora? O que fazer com aquilo?
Levantou-se em silêncio e seguiu pro quarto. No caminho, apertou a alça da mochila. Lá dentro, a caneta com o nome dela. A única que não estava no nos brindes.
Verena Castilho.
Ela nunca quis tanto alguém.
E nunca teve tanto medo disso.
Quarto da Valentina – 14h50
A porta se fechou com um leve clique atrás dela. O sol da tarde desenhava listras na parede, filtrado pela persiana torta. Valentina largou a mochila no chão com descuido e se jogou na cama como quem precisava respirar sem testemunhas.
Ficou ali por um instante, de olhos fechados.
O silêncio da casa era quebrado apenas pela TV baixa na sala e os passinhos arrastados da mãe, indo e vindo com cuidado para não acordar Isadora. Mas ali, no pequeno quarto da adolescente, havia um furacão prestes a explodir.
Valentina virou-se de lado, abrindo a mochila com mãos trêmulas. Tirou primeiro o bloquinho, o chaveiro da Alesp, a ecobag... até que finalmente sentiu os dedos tocarem o que procuravam. A caneta.
Devagar, como quem segura algo sagrado, ela a puxou.
Era linda. Dourada, pesada, brilhando com sofisticação. E ali, gravado em letras elegantes, estava o nome que não saía da cabeça dela desde o primeiro dia que pisara na Alesp.
Verena Castilho.
Valentina suspirou. Um suspiro longo, cheio de coisas não ditas.
Encostou a caneta no rosto, bem de leve, passando pela bochecha como se sentisse o toque da outra ali. O mesmo toque da cintura. O mesmo perfume.
Fechou os olhos.
Quantas vezes Verena segurou aquela caneta? Quantas reuniões ela assinou com aquele objeto? Quantas vezes ela a apertou nos dedos, girou entre os dedos, mordeu a tampa talvez — será que fazia isso?
Valentina encostou a caneta nos lábios. E então sorriu. Daquele jeito que só a gente sabe sorrir quando o mundo está desmoronando e a gente ama, ama tanto que até dói.
— Isso não é normal… — murmurou baixinho, rindo sozinha, com os olhos marejados.
Mas não largou.
Pelo contrário: abraçou a caneta com as duas mãos, deitou de lado e ficou ali, com o rosto encostado nela, como quem abraça um segredo.
O coração disparava.
Ela sabia que era errado. Que aquilo era impossível. Mas nunca tinha sentido algo assim. Nunca. Nem nos filmes. Nem nos livros. E muito menos nas pregações do culto.
Verena era mais do que tudo isso.
Verena era… tudo.
E agora ela estava ali. Ou, pelo menos, um pedaço dela.
Na palma da mão.
Quarto da Valentina – 15h07
O celular vibrou duas vezes sobre o lençol.
Valentina hesitou antes de pegar. Ainda segurava a caneta, agora apoiada no peito, como se fosse um relicário.
Bloqueou e desbloqueou a tela. E lá estava.
Carol Oliveira:
VALEN PELO AMOR
vc PRECISA mandar uma msg pra ela agora
tipo agora MESMO
Valentina franziu o cenho, os olhos ainda vermelhos.
Valen
Sobre o quê?
O dia?
Carol respondeu em menos de um segundo.
Carol
NÃO, MANO
Sobre a CANETA
vc agradeceu???
Valentina se sentou na cama, as pernas cruzadas como quem ia entrar num ritual sagrado.
Valen
Não sei... acho que não
Na hora eu tava... sei lá
Fora de mim
Carol
VOCÊ TAVA FORA DO CORPO
E a alma tava beijando ela no astral
Mas sério agora, manda uma mensagem no insta
Um “obrigada pelo brinde especial” bem educado
Só pra ela saber que vc é uma fofa e tem gratidão, sabe?
Valentina fechou os olhos e respirou fundo. O estômago revirou. Só de pensar em escrever algo direto pra Verena… o coração batia no pescoço.
Desbloqueou o Instagram.
@verenacastilho.ofc
Perfil verificado. A última publicação era um card institucional sobre a visita à escola, com uma foto geral do evento. Ela viu a si mesma lá no fundo. Minúscula. Mas estava lá. E do lado… Carol, claro, fazendo o número dois com os dedos.
Valentina tocou no aviãozinho do direct. Os dedos tremiam.
Digitou. Apagou. Respirou. Recomeçou.
Mensagem para @verenacastilho.ofc
Oi, deputada. Aqui é a Valentina.
Eu só queria agradecer pelo brinde especial. A caneta.
Foi um gesto muito gentil. Me marcou muito.
Obrigada por tudo hoje.
Ficou olhando pra tela. O coração pedindo pra não enviar. Mas a culpa dizendo que devia.
Apertou "enviar".
A bolha da mensagem foi. Azul. Silenciosa.
E aí… o desespero começou.
Valen
CAROL EU ENVIEI
EU TÔ TREMENDO TODA
PQ EU FIZ ISSO?
Carol
PQ VC É INCRÍVEL E MERECE SER NOTADA
Agora respira, ela vai amar
Vai que ela responde?
Valentina quase jogou o celular pela janela.
Mas no fundo… também queria que respondesse.
Muito mais do que devia.
Apartamento de Verena e Silvia — Jardins — 19h42
O cheiro veio antes da chave na porta.
Verena girou o trinco devagar, tentando não fazer barulho — o corpo inteiro reclamava de cansaço. O sapato parecia ter cravado a alma e o blazer social, que tanto a empoderava nas fotos e debates, agora parecia pesar como chumbo.
Largou a pasta no aparador. Tirou os sapatos ali mesmo, ficando só de meia. O silêncio da casa foi quebrado por uma voz familiar, doce e prática.
— Tô na cozinha.
Verena forçou um sorriso.
— E eu jurando que ia te surpreender com uma entrada discreta.
Silvia apareceu no vão entre a bancada e a sala, usando um avental preto com detalhes dourados, o cabelo preso num coque meio desfeito e uma colher de pau na mão.
— Depois de dez anos com você? Até o barulho da chave eu reconheço.
Ela sorriu. — E sua cara de exausta também.
Verena soltou um suspiro quase infantil, abrindo os braços.
— Me abraça ou me interna?
Silvia riu, cruzando a cozinha até alcançá-la. Abraçou com firmeza, como quem segura a estrutura de um prédio prestes a desabar.
— Tá viva. Já é um avanço.
— Mal. Mas viva — murmurou Verena, encostando o rosto no ombro da esposa. Ficaram assim por uns segundos. Respiração mansa. Corpos finalmente encontrando sossego.
Silvia soltou devagar.
— Vai tomar um banho. Eu tô terminando aqui. Fiz algo mais leve, do jeito que você gosta nos dias de caos.
— Você é um milagre — murmurou Verena, indo em direção ao corredor, já tirando o blazer pelo caminho.
— Tenta não esquecer a toalha dessa vez! — Silvia gritou, já voltando a mexer a panela.
Verena riu, sem olhar pra trás:
— Não prometo nada.
Mais tarde — 20h18
Ela voltou pra sala de cabelo molhado, já com uma calça de moletom cinza e camiseta branca, secando a nuca com a toalha.
Na mesa, uma sopa cremosa de abóbora com gengibre, um pão artesanal cortado em fatias e suco de uva natural. Tudo disposto com capricho, mas sem ostentação.
Silvia colocou o último guardanapo de tecido ao lado do prato dela e sentou-se com naturalidade, como se estivessem ali todos os dias naquele ritmo, e não tentando reconstruir algo entre os cacos.
— E aí, como foi?
Verena deu um gole na água primeiro. Depois um suspiro.
— Intenso. Mas deu certo. As apresentações foram bonitas… os alunos participaram. No final, teve até brinde.
— Você levou as ecobags? — Silvia perguntou, servindo a si mesma.
— Claro. E caneta também. Inclusive... — ela hesitou um segundo, como se o nome “Valentina” tivesse batido à porta da mente — “especialmente caneta”.
Silvia a observou por um segundo a mais do que o necessário. Mas não perguntou.
— Fico feliz meu bem. É bom quando os dias ruins acabam com alguma coisa boa.
Verena assentiu, a colher girando no prato, mas a mente ainda longe.
No celular, virado para baixo na estante, uma notificação esperava.
Instagram Direct — nova mensagem de @vemoraes
Oi, deputada. Aqui é a Valentina. Eu só queria agradecer pelo brinde especial. A caneta. Foi um gesto muito gentil. Me marcou muito. Obrigada por tudo hoje.
Mas Verena ainda não sabia.
Ainda.
Quarto de Verena e Silvia — 22h47
Luzes baixas. Travesseiros arrumados. Um abajur aceso no criado-mudo. Silvia mexia no celular, deitada de lado, óculos de leitura na ponta do nariz. Verena estava recostada na cabeceira, braços atrás da cabeça, cabelo quase seco, olhar perdido no teto.
O som ambiente era só o sutil zumbido da cidade entrando pela janela semiaberta.
Silvia quebrou o silêncio com delicadeza.
— Liguei hoje na clínica.
Verena virou o rosto pra ela.
— Aquela no Paraíso?
Silvia assentiu, sem tirar os olhos da tela.
— Me passaram uma médica ótima. Doutora Beatriz Rezende. Tem boa fama. Eles estão com agenda pra visitas iniciais na semana que vem.
— Visitas iniciais… — Verena repetiu, como quem experimenta o gosto da palavra.
— É só pra conhecer o espaço. Saber como funciona, tirar dúvidas. Nenhum compromisso.
Ela desligou o celular e tirou os óculos.
— Mas seria importante irmos juntas, se for algo que você ainda cogita.
Verena demorou uns segundos pra responder.
— Cogito.
A palavra saiu firme, mas mansa.
— E não é por você, Silvia. Ou melhor, não só por você.
Silvia sorriu, surpresa pela franqueza.
— Eu sei. E só de ouvir isso já me faz bem.
Ela se aproximou, ajeitando o travesseiro.
— Então posso marcar pra terça?
Verena hesitou um segundo, depois assentiu.
— Terça, sim. À tarde.
Silvia tocou de leve a mão da esposa.
— Vai dar certo.
Verena não respondeu. Mas deixou a mão ali.
Quarto de Verena e Silvia — 23h19
Silvia estava deitada de lado, o corpo já virado em direção à esposa, que permanecia meio largada na cama, o braço apoiado atrás da cabeça. A conversa sobre a clínica tinha deixado um rastro de leveza no ar. Uma rara brisa de esperança.
— Você percebeu que, se tudo der certo, eu vou ter que dividir você com alguém? — Silvia sussurrou, os olhos cheios de brilho, mas também com aquele humor característico.
Verena sorriu de canto, virando-se de frente pra ela.
— Já divido você com o escritório. Tô no lucro se o bebê puxar você… e não a minha teimosia.
Silvia riu, jogando um travesseiro nela.
Verena segurou o braço da esposa, puxando-a pra cima do próprio corpo com facilidade.
— Aí eu vou ter que me apressar antes que você fique grávida e queira dormir cedo todos os dias — sussurrou perto da boca da outra, com aquele tom rouco e malicioso que conhecia bem o efeito.
— Ridícula… — Silvia disse, rindo, mas já se entregando. Os lábios se encontraram num beijo lento, cheio de familiaridade, enquanto as mãos se redescobriam, as pernas se entrelaçavam devagar.
Verena, mesmo exausta, decidiu que não importava o cansaço, nem o que sua mente repetia em looping. Era sua esposa ali. Seu amor de tantos anos. E ela ainda a desejava. Não podia deixar escapar.
— Se prepara que hoje eu tô insuportavelmente charmosa — murmurou, beijando o pescoço dela.
— Com essas piadas ruins? — Silvia provocou, rindo entre beijos.
— É parte do pacote Castilho. Reclama, mas você se apaixona mais.
Silvia estava entregue, mãos passeando por baixo do tecido da camiseta de Verena, quando subitamente parou.
— Amor… eu preciso ir no banheiro.
Verena franziu o cenho, os olhos semicerrados num drama cômico.
— Agora? Jura? Você não quer tentar só mais cinco minutinhos?
— Impossível. É físico, Vê — disse Silvia, tentando levantar com dificuldade enquanto ainda recebia beijos insistentes.
— Traição do próprio corpo — resmungou a deputada, rolando de lado e cobrindo o rosto com o travesseiro. — Você me paga.
Silvia riu alto, indo em direção ao banheiro.
Sozinha no quarto, Verena ficou por alguns segundos encarando o teto. Os cabelos um pouco bagunçados, o coração acelerado por outro motivo.
Esticou o braço, pegou o celular.
Desbloqueou com o rosto.
E então viu a notificação.
@vemoraes.
A mensagem que estava lá desde antes.
Abriu.
“Oi, deputada. Aqui é a Valentina. Eu só queria agradecer pelo brinde especial. A caneta. Foi um gesto muito gentil. Me marcou muito. Obrigada por tudo hoje.”
Verena leu uma vez. Duas. Depois encostou o aparelho no peito, sem saber o que fazer com aquilo.
Sentia o coração bater diferente. E o toque dela… ainda ali, na memória da pele.
Do banheiro, Silvia chamou:
— Já tô voltando. Se quiser tentar me convencer de novo…
Verena deu um leve sorriso, mas o olhar não se afastava do celular.
— Tô aqui. Só pensando na minha melhor piada até agora.
Bloqueou o aparelho, deixando-o virado pra baixo no criado-mudo.
Fechou os olhos por um segundo.
Era uma mulher casada. Amada. Quase mãe.
Mas ali, no escuro, com o rosto ainda quente da lembrança …ela sabia: a menina não era só uma lembrança. Era uma presença. E estava cada vez mais viva dentro dela.
Quarto de Verena e Silvia — 23h25
Silvia saiu do banheiro apagando a luz atrás de si, os pés descalços e o coque meio solto. Voltou pra cama com um sorrisinho cúmplice, pronta pra retomar de onde tinham parado antes da urgência fisiológica atrapalhar o clima. Verena deitada do mesmo jeito, o lençol cobrindo só metade das costas, o celular de lado, esquecendo de tudo.
Silvia sorriu ao vê-la ali, largada, exausta.
— Agora sim, missão cumprida. Onde estávamos mesmo? — murmurou em tom provocativo, subindo na cama com jeito e se aproximando por trás, espalhando beijos suaves pela nuca da esposa, mãos deslizando pela cintura nua.
Verena sorriu de leve, deixando-se virar, mas os olhos demoraram a se fixar nela. O beijo veio, mas não era o mesmo de minutos atrás. Estava lá, calmo, quente — mas diferente. Verena correspondeu, claro. Mas Silvia sentiu. No toque, na demora da resposta, no jeito contido do gesto. Como quem ainda tentava estar presente, mas a cabeça já tinha ido embora.
Não disse nada.
Fez outro carinho. Um traço com o dedo no contorno do queixo da esposa. Verena mordeu de leve a parte interna da bochecha e, por um breve instante, pareceu voltar pra si.
— Desculpa — murmurou, baixinho, encostando a testa na dela. — Acho que eu...
— Shhh... — Silvia cortou com ternura, levando os dedos aos lábios da esposa. — Tá tudo bem. Eu sei.
Ela encostou o rosto na curva do pescoço de Verena e ficou ali, só respirando junto.
— Vou apagar a luz, tá? — sussurrou depois de um tempo, com um beijo no ombro dela.
Verena assentiu, quase envergonhada, mas deixou que Silvia a envolvesse com o lençol antes de se virar pra apagar o abajur. A escuridão suave tomou conta do quarto, só a fresta da porta deixava escapar uma luz tênue do corredor.
Silvia logo adormeceu, corpo encaixado no da esposa. Verena permaneceu acordada. Devagar, puxou o celular de novo, os olhos se adaptando à claridade da tela.
A mensagem de Valentina ainda estava ali.
“... Me marcou muito. Obrigada por tudo hoje.”
Verena engoliu seco, o peito apertado. As palavras de resposta vieram. E sumiram. Sentia um calor nas têmporas. Coração disparado.
Ela sabia que responder seria ultrapassar uma linha. Mas… e se ela já tivesse ultrapassado no instante em que segurou aquela cintura?
Digitou:
“Fico feliz que tenha sido especial pra você. Foi pra mim também.”
Enviou.
Fechou os olhos.
Bloqueou a tela antes de se arrepender. Antes que a culpa, o medo, ou o que quer que fosse… vencesse. Se virou de novo, encostando-se ao travesseiro. O coração acelerado.
A respiração curta. Os olhos ainda abertos.
Fisicamente estava ali.
Mas por dentro, por dentro… já não sabia mais onde estava.
Fim de semana subsequente — Sábado e domingo
O sábado nasceu arrastado.
Valentina acordou cedo, ainda com a lembrança viva da roda de conversa. O corpo parecia mais leve, mas a mente… não. Carregava o peso de tudo o que não foi dito, do toque de Verena, dos olhos fixos nos seus como se houvesse tempo — como se ainda houvesse chance.
Mas nada… nada prepararia seu coração pra acordar e ver aquilo. A mensagem.
Simples. Quente. Quase proibida.
Fico feliz que tenha sido especial pra você. Foi pra mim também.
O dedo gelou na tela. O peito quase parou.
Ela encostou o celular no peito e fechou os olhos.
Doía. Aquilo doía mais do que qualquer silêncio.
Passou o sábado como quem flutua. Nem fome teve. Ajudou a mãe, brincou com a irmã, fez tudo em modo automático. Mas dentro dela… era como se algo estivesse vivo demais.
O domingo seguiu no mesmo tom: introspectivo, cauteloso.
Valentina tentou escrever algo de volta. Apagou mil vezes.
Passou o dia escutando música evangélica, como se isso fosse ajudar.
Foi no culto à noite. Chorou durante a oração.
Disse pra si mesma que era só uma fase. Que ia passar.
Mas o nome da Verena continuava latejando por dentro.
E Carol, claro, percebeu. Percebeu o silêncio. Percebeu o olhar perdido. E percebeu também uma oportunidade. Naquela noite, no celular, entrou no perfil da deputada por pura curiosidade. Verena havia postado um story institucional, uma repostagem de um banner.
“Simpósio Educação em Debate: Autoridade, Juventude e Caminhos para o Futuro Faculdade São Jorge — Quinta, 19h”
Carol clicou no perfil da faculdade. O evento era aberto. Gratuito. Valentina adorava aquele tema, sempre falava disso. Um plano se formou. Ela só precisava de um pequeno empurrão. Nada demais. Uma mentirinha do bem.
E foi ali, na virada de domingo pra segunda, que decidiu: Valentina iria naquele simpósio. Nem que fosse arrastada. O mais difícil seria convencê-la. Mas o mais perigoso… era saber que, no fundo, ela mesma não tinha certeza se estava fazendo aquilo pelo bem da amiga — ou por pura intuição.
Clínica Fertiliza Paraíso — Terça-feira, 15h12
Bairro Paraíso — São Paulo
A recepção era clara, quase estéril, com móveis de linhas modernas e um perfume leve de lavanda no ar-condicionado. As paredes brancas recebiam quadros com imagens de recém-nascidos sorridentes e frases como “A vida começa aqui”. Um toque sutil de música instrumental completava o ambiente pensado para acalmar.
Verena entrou ao lado de Silvia, vestida com uma camisa social azul clara, mangas dobradas até o antebraço, e calça de alfaiataria preta. O cabelo solto, caindo com elegância, contrastava com a rigidez no maxilar. Silvia, de vestido midi e bolsa de couro discreta, foi direto ao balcão.
— Boa tarde. Silvia Alencar, agendado com a doutora Beatriz Rezende.
A recepcionista, sorridente, digitou alguns comandos.
— Claro, senhora Silvia. A doutora está finalizando um atendimento, mas logo chama vocês. Podem aguardar ali, por favor.
As duas se sentaram lado a lado. Verena cruzou as pernas, apoiou os braços no encosto da cadeira da esposa e olhou ao redor. Seus olhos pousaram por um instante em um casal homoafetivo — duas mulheres, uma grávida, outra acariciando a barriga com expressão de alívio e afeto. Verena desviou o olhar.
Silvia tocou de leve a mão da esposa.
— Tudo bem?
— Só… observando — respondeu, baixo.
Minutos depois, uma médica de jaleco branco e expressão serena apareceu na porta interna.
— Silvia Alencar?
As duas se levantaram.
— Doutora Beatriz Rezende. Muito prazer — disse ela, com um aperto de mão firme e cordial.
Seguiram por um corredor silencioso até uma sala com iluminação indireta, cadeiras confortáveis, uma mesa com papéis organizados e uma prateleira de livros médicos. Havia um tablet apoiado em suporte, usado como recurso visual. Beatriz pediu que se sentassem.
— Antes de tudo, queria agradecer pela visita. Sei que esse primeiro passo costuma ser o mais delicado. Mas fiquem tranquilas, minha função aqui é explicar, ouvir e, se desejarem, planejar com vocês.
Verena deu um leve aceno. Silvia sorriu, mais confortável.
— Como é a dinâmica dessa consulta? — perguntou a advogada.
— Hoje, a ideia é fazer uma anamnese geral: histórico médico de vocês, possíveis restrições, preferências em relação ao processo. E também apresentar os caminhos disponíveis. O mais comum entre casais homoafetivos femininos é a inseminação intrauterina com sêmen de doador. Mas há outras opções, como a FIV compartilhada, onde uma das parceiras fornece os óvulos e a outra gestará.
— E há diferença nos índices de sucesso entre elas? — Verena perguntou, profissional.
— Sim. A inseminação artificial, por ser menos invasiva, tem um índice de sucesso menor por tentativa — entre 10% a 20%, dependendo da idade da receptora. Já a FIV, que é a fertilização in vitro, tem chances maiores — algo entre 45% e 60% por tentativa — mas exige hormonioterapia, punção dos óvulos, e tem custo mais elevado.
Beatriz virou o tablet, mostrando uma imagem com o comparativo dos métodos.
— Também é possível trazer um doador conhecido, caso optem por isso. Mas há regras específicas — inclusive jurídicas — que podemos discutir mais adiante, se for o caso.
Verena escutava tudo com atenção, sem reação explícita. Silvia, por outro lado, parecia absorver cada informação como quem vinha se preparando há muito.
— E em relação a exames? — perguntou Silvia.
— Podemos adiantar alguns ainda hoje, se quiserem: exames hormonais, sorologias, ultrassonografia transvagin*l para avaliação da reserva ovariana. Mas sem pressa. Vocês podem sair daqui com tudo anotado e pensar com calma.
Verena respirou fundo.
— E se não tivermos certeza ainda… isso é um problema?
Beatriz sorriu, compreensiva.
— Não. Na verdade, é o mais comum. Esse processo exige tempo. Paciência. E disposição emocional. Minha sugestão é que façam essa visita como o que ela é: o primeiro passo. Vocês não estão comprometidas com nada além da própria vontade de conhecer.
Silêncio por um momento. Silvia olhou para Verena, buscando algo no olhar. Mas a expressão da deputada permanecia neutra, impecável.
— Podemos fazer os exames básicos, sim — disse Silvia, por fim.
Verena assentiu com um gesto mínimo.
Beatriz pegou um bloco.
— Vou pedir que passem no laboratório aqui ao lado para coleta de sangue. E, se possível, marcamos o ultrassom para semana que vem. Vocês preferem voltar juntas ou cada uma faz em horários diferentes?
Silvia ia responder, mas olhou para Verena, que finalmente falou:
— Podemos voltar juntas.
Beatriz sorriu.
— Ótimo. Qualquer dúvida, estou à disposição. O processo de vocês é só de vocês. E ninguém melhor do que vocês duas pra entender quando é o momento certo.
As duas se levantaram. Silvia apertou a mão da médica com gratidão. Verena, com firmeza e respeito.
Na saída, enquanto desciam as escadas para o térreo da clínica, Verena comentou, quase num sussurro:
— Parece tudo tão simples, né?
Silvia não respondeu de imediato. Apenas caminhou ao lado dela.
— Talvez não seja simples. Mas a gente aprende no caminho.
Verena olhou pra frente, a testa levemente franzida.
Ainda que não dissesse em voz alta, ela sabia: o que mais lhe causava medo não era o futuro que vinham desenhando juntas.
Era o passado que ela mesma ainda não conseguia apagar.
Clínica Fertiliza Paraíso — Quinta-feira, 15h44
Setor de exames laboratoriais
O laboratório ficava no prédio anexo da própria clínica, com entrada envidraçada e discreta. Logo na recepção, um letreiro em fonte cursiva indicava: "Setor de Diagnóstico e Coleta — Fertiliza". O espaço era moderno, limpo, minimalista — e silencioso.
Silvia entrou de mãos dadas com Verena, os dedos entrelaçados num gesto raro. A esposa até tentou fingir que era apenas por gentileza, mas Silvia sabia bem: Verena apertava a mão com mais força do que o necessário.
— Bom dia — disse Silvia à atendente. — Exames agendados em nome de Silvia Alencar e Verena Castilho.
A funcionária sorriu, pediu os documentos e, em seguida, ofereceu as fichas de consentimento.
— Já já a enfermeira chama vocês. Podem aguardar ali, por favor.
As duas se sentaram. Silvia cruzou as pernas com elegância, observando as instruções no mural. Verena, por sua vez, olhava fixamente pra frente, o maxilar contraído, a perna balançando num leve tique nervoso.
— Vai doer? — murmurou, meio cínica.
— É exame de sangue, Verena — Silvia respondeu com um sorriso calmo. — Não vai arrancar seu braço.
— É que… faz tempo que eu não faço. Desde a campanha passada.
Silvia segurou o riso, mas não deixou passar.
— Isso explica por que você ficou tão branca quando ouviu a palavra sorologia.
Verena revirou os olhos com leveza, mas não retrucou. Estava inquieta. O lugar, os cheiros, a espera, tudo parecia deixá-la mais vulnerável do que gostaria.
Minutos depois, a porta lateral se abriu. Uma enfermeira de jaleco branco chamou com simpatia:
— Silvia e Verena? Vamos?
Verena se levantou com o típico andar firme de sempre — mas Silvia, que conhecia cada detalhe, notou como os ombros dela estavam mais tensos que o normal. Foram levadas até uma pequena sala de coleta, com duas poltronas confortáveis lado a lado, luz branca difusa e instrumental todo organizado sobre uma bandeja de aço inox.
— Quem prefere começar? — perguntou a enfermeira, calçando as luvas.
Verena deu um passo à frente, sem pensar.
— Pode ser comigo.
Sentou-se com cuidado. Silvia apenas sorriu e ficou ao lado, observando.
— Pode apoiar o braço aqui, por favor.
Verena esticou o braço esquerdo, mas manteve os olhos fixos no teto. A enfermeira amarrou o garrote, pediu para ela abrir e fechar a mão algumas vezes.
— Tem alguma preferência por braço? — perguntou.
— Não, pode ser qualquer um. Só... quero acabar logo. — respondeu, com um sorriso nervoso.
A enfermeira riu.
— Fica tranquila, deputada. Já tirei sangue de senador e ninguém morreu.
Verena forçou uma risada.
Quando a agulha entrou, não reclamou. Mas Silvia viu o olhar dela piscar uma vez a mais. E como a mão livre se agarrou ao braço da poltrona.
— Tudo certo — disse a enfermeira. — Foi rápido.
— Pareceu uma eternidade — murmurou Verena.
— Isso porque ainda tem a ultrassonografia depois — Silvia cutucou, maliciosa.
— Sil…
— Brincadeira. Vai dar tudo certo.
A enfermeira terminou, colocou o curativo no local e chamou Silvia para a outra poltrona. O processo com ela foi mais leve. Conversou sobre o tempo, perguntou sobre o trabalho, respondeu com calma a todas as instruções.
Verena, já recomposta, observava em silêncio. Com a mão onde ainda sentia o curativo sob a manga da camisa, olhava de lado pra esposa com uma expressão que misturava admiração e dúvida. Era assim tão fácil pra Silvia?
Ao fim da coleta, a enfermeira entregou os papéis de confirmação.
— Os exames ficam prontos em até três dias úteis. E a ultrassonografia de vocês está agendada pra próxima terça, às 15h.
Silvia agradeceu. Verena apenas assentiu com um leve aceno de cabeça.
Na saída, ainda no corredor, Verena comentou com a voz baixa:
— Acho que agora entendo quando dizem que planejar um filho é mais difícil que criar.
Silvia riu de leve.
— Depende do filho.
Verena não respondeu. Olhou pela janela de vidro, o movimento das pessoas na calçada, o céu nublado de fim de manhã.
Ela estava fazendo tudo certo. Tudo racional. Tudo o que era esperado.
Mas, por dentro, alguma coisa ainda pulsava num ritmo que não combinava com a razão.
Escola Estadual Professor Luiz Roberto Pinheiro - Quarta-feira — Intervalo – 10h47
O sol batia direto no pátio e fazia a garrafinha d’água de Valentina parecer quente na mão. Encostada na mureta do jardim, ela olhava para o chão, distraída, enquanto Carol se aproximava com passos apressados e um brilho nos olhos.
— Pronto. Achei o rolê. — anunciou, como se estivesse oferecendo um bilhete premiado.
Valentina ergueu o olhar, sonolento.
— Que rolê?
— Um simpósio universitário — respondeu, sentando-se ao lado. — Faculdade São Jorge. Tema bom, entrada liberada, amanhã à noite. Aquele tipo de evento que você sempre quis ir, lembra?
Valentina arqueou a sobrancelha.
— E por que a gente iria?
Carol deu de ombros, mordendo um biscoito de chocolate.
— Ah Valen, não é você que sempre fica falando de Enem e faculdade? Achei que você ia curtir o tema: juventude, política, futuro… essas coisas de gente séria.
— Huum — Valentina franziu a testa.
— Vai ser legal. Uma colega da minha prima estuda lá também, faz direito. Vi ela postando no story.
Valentina ainda desconfiava.
— E você quer que eu vá por quê?
— Porque eu te conheço. Você tá precisando sair um pouco da sua cabeça. Vai fazer bem. E a gente nem precisa ficar até o fim, só dá uma passada vê como é e vai embora. Minha mãe já topou levar e buscar a gente.
— Carol…
— E antes que você invente desculpa: sua mãe vai deixar, tenho certeza. É faculdade, coisa séria. A gente se arruma direitinho, fala com jeitinho… dá certo.
Valentina mordeu o lábio, dividida entre a vontade de dizer não e o impulso de dizer sim pra alguma coisa que não soubesse explicar.
— Tá bom… eu… eu penso.
— Pensa rápido então amiga, já fala com a sua mãe hoje.
Valentina estreitou os olhos.
— Você tá muito animada.
— É que faz tempo que eu não vejo você animada.
Valentina ainda hesitou. Mas acabou assentindo.
Carol sorriu. E não disse nada sobre quem seria uma das debatedoras da noite.
Casa dos Moraes - Quarta-feira à noite 20h43
A janta ainda estava quente sobre a mesa quando Valentina largou o garfo mais cedo do que o habitual. Disse que não estava com tanta fome — o que, para Ana Paula e o marido, já acendia um alerta.
Agora, Isadora brincava no tapetinho da sala com um quebra-cabeça velho, e Carlos assistia ao jornal no volume baixo.
Valentina enxugava os talheres devagar, como se ensaiasse alguma coisa. Olhou a mãe. Respirou. Tentou parecer natural.
— Mãe... a Carol me chamou pra ir com ela num simpósio amanhã.
— Simpósio? — Ana Paula franziu levemente a testa.
— É numa faculdade no centro. Faculdade São Jorge. Vai ser às sete da noite.
— Sete da noite? — a expressão dela mudou de leve, agora mais atenta.
Valentina sabia que era o ponto delicado. Se falasse com pressa, soaria insegura. Se desse muitos detalhes, pareceria ensaiado.
— É um evento aberto, de educação. Vai ter umas palestras... debates.
— E quem vai? — Ana Paula cruzou os braços devagar, se encostando na pia.
— Eu e a Carol. A mãe dela vai levar a gente de carro e buscar também. É só uma horinha, a gente assiste e volta.
Carlos virou o rosto da TV, acompanhando a conversa sem interromper.
— E por que isso não pode ser de dia? — Ana Paula ainda não estava convencida.
— Porque é um evento noturno, mãe. Tem a agenda dos professores, dos palestrantes.
— E quem são esses palestrantes?
Valentina hesitou por um segundo. Não sabia direito quem iria. Mas também não podia inventar demais.
— Um pessoal da área da educação. Uma prima da Carol tem uma amiga que estuda lá também. Achei que seria uma boa ideia ir... pra conhecer o ambiente da faculdade também.
Ana Paula a encarou por mais alguns segundos. Depois, suspirou.
— E você quer mesmo ir? Filha, eu não gostei muito desse horário não. Que horas vocês vão voltar?
— Mãaae. A mãe da Carol vai me buscar e me trazer em casa. Eu não vou andar na rua. — Valentina tentou sorrir.
Carlos fez um ruído baixo com a garganta, mas não disse nada. Ana Paula ainda parecia em dúvida. Mas havia algo nos olhos da filha… um brilho que ela não via há dias. Um traço de entusiasmo. De vontade.
— E a Carol... vai ficar o tempo todo com você?
— Vai. Ela não ia me deixar sozinha nunca.
— Vocês voltam direto pra casa?
Valentina assentiu.
A mãe ficou em silêncio mais um momento, depois pegou o pano de prato e virou-se de costas.
— Só se prometer que não vai inventar nada. Sem parar em lugar nenhum. Sem sair do lado da Carol. E me liga na hora que sair de lá.
Valentina não sabia se ria ou se chorava.
— Prometo.
Ana Paula olhou por cima do ombro, com aquele ar de “eu não fui convencida, mas vou deixar”.
— E vai com roupa discreta. Nada de querer se exibir em faculdade.
— Mãe...
— Eu conheço você, Valentina. Acha que não sei quando você tá escondendo alguma coisa?
Valentina corou.
Mas não respondeu.
Não estava mentindo, mas sentia que a amiga sim, estava aprontando algo.
Porque, de fato, estava.
E agora… não havia mais volta.
Casa da Carol – Ipiranga - Quinta-feira — 13h12
O sol ainda era cruel quando Valentina virou a esquina da Rua Frei Jaboatão, os passos rápidos e a respiração ligeiramente acelerada. Já conhecia bem o portão branco com a pintura descascando, a sombra da árvore que sempre refrescava a calçada, e o cheiro doce vindo da janela da cozinha.
Carol já a esperava, sentada no degrauzinho da entrada com uma sandália velha de dedo e o cabelo preso num coque bagunçado.
— Pensei que fosse derreter pelo caminho — disse, abrindo o portão. — Entra logo, vai. Tem suco gelado e biscoito te esperando. Luxo de quinta-feira.
Valentina riu baixo, entrando. Mesmo conhecendo a casa, ainda andava com certo cuidado. Deixou os tênis perto da porta e pendurou a mochila no encosto da cadeira, no cantinho da cozinha.
— Tô toda suada. Posso tomar banho antes?
— Claro que pode, né? O banheiro é praticamente seu também. A toalha tá no lugar de sempre.
Valentina seguiu direto pro banho, e Carol ficou na cozinha preparando um lanche simples: suco de manga recém-tirado da geladeira, uns biscoitos de polvilho e dois pães com margarina. A TV da sala estava desligada. O único som era o barulho do ventilador girando preguiçoso no canto.
Quando Valentina voltou, com os cabelos úmidos presos num coque alto e o rosto limpo, usava uma camiseta velha e um short simples. Sentou-se à mesa, e a amiga empurrou o copo de suco na direção dela.
— Senta e come. Depois a gente resolve a roupa.
— Tô achando tudo isso muito elaborado pra um simpósio — disse Valentina, desconfiada.
— Você tá agindo como se fosse festa.
— Ué. Não posso querer que a minha melhor amiga se sinta linda por uma noite?
Valentina corou e abaixou os olhos. Pegou o pão, sem graça.
— Você sabe que eu não sou dessas, né?
— “Dessas” o quê?
— De maquiagem, de se arrumar assim. Nunca fui... não sei nem se sei.
— E é exatamente por isso que eu existo — retrucou Carol, toda confiante. — Eu dou conta. Você vai ver.
Valentina riu, mas com aquele riso tímido de quem ainda não acreditava. Quando terminaram o lanche, foram pro quarto e Carol espalhou algumas roupas na cama, analisando cada peça com olhar crítico.
— Vai com aquela blusinha azul de manga mais soltinha, sabe? E a calça jeans escura. Nada de vestido, relaxa.
Valentina pegou a blusa com cuidado.
— Você acha que não vai chamar atenção demais?
— Valen... você mal aparece. Tá tudo certo. Vai parecer só uma estudante bonita e discreta. Que é o que você é, aliás.
A garota sorriu, ainda um pouco desconfortável, mas grata pelo cuidado da amiga.
— A sua mãe não vai achar ruim de levar e buscar a gente essa hora?
— Claro que não. Falei que era evento da escola. Ela nem ligou. Disse que vai passar no mercado no caminho.
Valentina assentiu, mais aliviada. Sentia-se meio boba por ainda precisar de autorização pra tudo — mas também sabia que, se dependesse da mãe dela, jamais teria pisado em uma faculdade à noite.
— E vai muita gente? — perguntou, com certa hesitação.
— Não sei, mas deve encher. Faculdade sempre bomba em evento noturno.
Valentina engoliu em seco. O coração deu um pulinho sem motivo claro.
Talvez não fosse só ansiedade.
Talvez fosse alguma coisa... que ela não sabia nomear ainda.
Quarto da Carol - Quinta-feira — 17h29
O ventilador barulhento no canto soprava um vento quente, mas era o suficiente pra espantar o suor. Carol passava o rímel com a mão firme, olhando o próprio reflexo no espelho colado no guarda-roupa. Valentina já estava pronta, sentada na beirada da cama, as mãos entrelaçadas sobre o colo e o pé balançando de leve no ritmo da ansiedade.
Vestia a blusa azul escolhida pela amiga, uma calça jeans escura bem discreta, e o cabelo preso num coque meio frouxo. No rosto, só um hidratante leve — depois de muita insistência da amiga, aceitou passar um gloss transparente.
— Não exagera, Carol... parece que eu tô indo pra uma festa — resmungou, tentando disfarçar o nervosismo.
— Você tá indo ser maravilhosa numa faculdade — retrucou, sem tirar os olhos do espelho.
— Confia em mim. Você tá linda. O tipo de linda que não precisa de maquiagem pesada, só de uma amiga com bom gosto.
Do corredor, veio a voz alta da mãe de Carol no viva-voz:
— ...então compra logo o papel toalha, João! E vê se não esquece o fermento igual da outra vez, pelo amor de Deus... Tô saindo com as meninas agora, tchau!
— Mããããe, não esquece de tirar o carregador da tomada, hein! — gritou Carol, ainda com o pincel de rímel na mão.
— Tirei! Já vou pegar o carro! — veio a resposta, alta, como sempre.
Valentina respirou fundo. O celular vibrava no bolso, mas ela não teve coragem de olhar. O espelho refletia sua expressão tensa — mais do que gostaria de admitir.
— Carol...
— Hm?
— Você jura que... que não é nada demais esse evento?
A amiga parou. Ajeitou o coque no topo da cabeça e se virou com um sorriso.
— Juro. Você confia em mim, não confia?
Valentina hesitou. Mas assentiu.
— Confio.
Carol segurou as mãos dela por um instante, apertando com firmeza.
— Então vamos. Tá tudo certo.
Pegaram as mochilas, e no último instante, Carol lançou um olhar rápido pra amiga. Os olhos de Valentina estavam brilhando, e o nervosismo ainda morava ali — mas havia também um tipo de coragem.
Elas desceram a escada correndo, e o portão rangeu como sempre. A mãe de Carol já esperava com a janela do carro aberta, batom rosa e óculos grandes, o celular ainda colado no ouvido. Estava falando com alguma prima sobre o batizado do neto da outra cunhada.
— Entra, meninas! Vamos logo que esse trânsito tá de matar!
Valentina entrou no banco de trás. Carol ao lado. O carro deu partida.
E o mundo… começou a se mover numa direção que nenhuma das duas imaginava.
Quinta-feira — 18h20
Rua Bento Freitas, 412 – República, São Paulo – Centro de São Paulo
O carro parou em frente ao prédio iluminado com refletores discretos na fachada de concreto cru, modernista. As letras em inox brilhavam na entrada principal: Faculdade São Jorge – Bloco A – Educação e Humanidades. Do outro lado da rua, um food truck estacionado vendia hambúrguer artesanal e refrigerante em copos de plástico. Mais adiante, duas lanchonetes e uma banca de jornal já fechada.
Carol viu a mãe virar-se para trás no banco, com um sorriso:
— Pronto, minhas intelectuais favoritas! Agora é só brilhar. Filha, quando eu tiver saindo de casa eu te ligo tá bem?
— Tá bom mãe! — disse Carol, já abrindo a porta.
— E me manda a localização na hora que acabar, tá bom?
Valentina assentiu, tentando sorrir, mas o estômago parecia um novelo. Quando saiu do carro, sentiu o ar da noite bater no rosto. Não era frio — mas havia umidade. Um típico começo de primavera em São Paulo.
O campus era mais bonito do que imaginava. Pequeno, mas bem cuidado. Ao redor da entrada, alguns canteiros com ervas e lavandas davam um cheiro suave ao ar. Jovens andavam de um lado pro outro com mochilas, celulares nas mãos, fones de ouvido, grupos rindo, gente fumando perto da entrada lateral. Algumas estudantes usavam crachás pendurados no pescoço. Um segurança de colete azul escuro falava algo pelo rádio.
— É aqui — disse Carol, animada. — O evento é no auditório do terceiro andar.
Subiram os três lances de escada por dentro do prédio. O piso era claro, polido, as paredes cheias de painéis de divulgação e cartazes com frases como "Educar é um ato político" e "Semana de Pensamento Crítico: Juventude, Escolas e Desigualdades no Brasil”. Um banner maior trazia o nome do simpósio com a programação do dia, mas Valentina evitou olhar.
No terceiro andar, o auditório estava com as portas abertas. Um corredor lateral dava acesso ao hall, todo envidraçado, com vista parcial da rua iluminada lá embaixo. Um banner alto, em fundo vinho e letras brancas, estampava o título do evento:
“Simpósio Educação em Debate: Autoridade, Juventude e Caminhos para o Futuro”, onde uma pequena mesa exibia crachás impressos e uma pilha de pastinhas brancas com a identidade visual do evento.
— A gente não precisa se inscrever? — perguntou Valentina, olhando a placa “Auditório Pe. José Roberto Fernandes – Bloco A”.
— Já me inscrevi online por nós duas — respondeu Carol, como quem diz “confia em mim”.
— Vamos pegar uma dessas pastinhas? — perguntou ainda, já estendendo a mão.
Valentina assentiu. Pegou a dela e abriu devagar, tentando absorver onde estava. Dentro havia uma caneta simples, o cronograma impresso em papel sulfite dobrado, e um folder colorido com fotos de eventos anteriores. Olhou ao redor. Alguém tirava selfie. Outro grupo ria de uma piada interna.
— Fica tranquila — sussurrou Carol, percebendo o desconforto da amiga. — É normal se sentir meio perdida da primeira vez. Faculdade é outro mundo, né?
Valentina apertou a pastinha contra o peito e murmurou algo parecido com um "aham".
Entraram no auditório.
A sala era ampla, com poltronas estofadas em azul-escuro dispostas em semicírculo. O palco de madeira clara estava elevado, com uma longa mesa de debate ao fundo, três microfones ajustados, e uma tela de projeção ao centro. Um técnico fazia os últimos ajustes nos cabos. Ao lado do palco, um púlpito pequeno com o brasão da faculdade gravado em acrílico.
— Vamos sentar mais pro fundo? — sugeriu Carol, já apontando para a lateral esquerda.
Valentina seguiu. As duas se acomodaram, deixando um assento vazio entre elas e a parede.
A iluminação era difusa, agradável. Mas tudo ali parecia… diferente. Profundo demais. Formal demais. Como se tivessem atravessado uma fronteira invisível entre o mundo delas e o de gente grande.
— Tá nervosa? — perguntou Carol com um meio sorriso, enquanto abria o folheto.
Valentina riu, tímida.
— Não sei se é nervoso ou se é só... me sentindo meio fora do lugar.
Carol apertou a mão dela por cima da pastinha.
— Vai passar. Daqui a pouco você se sente parte.
Valentina respirou fundo. Tentava acreditar. Mas os olhares ao redor, os sussurros, o clima acadêmico — tudo parecia gritar que ela não pertencia. E ela ainda nem imaginava o que viria.
Auditório Pe. José Roberto Fernandes — 18h30
As luzes baixaram levemente, sinalizando que o evento estava prestes a começar. Mas ainda não era o anúncio oficial. No sistema de som, uma batida eletrônica preenchia o espaço com um remix instrumental de uma música conhecida — algo como "Trem Bala", mas num arranjo moderno, com sintetizadores e piano digital mesclados. As típicas versões que tocam em vídeos institucionais e aberturas de eventos como esse, tentando parecer jovem, mas ainda mantendo um certo tom “acadêmico”.
Valentina franziu o cenho. Reconheceu a melodia, mas aquilo soava… estranho. Fora de lugar. E, ao mesmo tempo, parecia combinar com todo o resto ali: o telão exibindo fotos antigas de eventos, frases de efeito sobre educação (“transformar vidas”, “protagonismo juvenil”, “escola como ponte”) e um carrossel de nomes dos debatedores que logo entrariam.
Carol se inclinou pra sussurrar:
— É sempre assim. Colocam uma trilha pra tentar parecer dinâmico. Fica brega, mas rende boas postagens.
Valentina esboçou um sorriso, mas manteve os olhos no palco.
Dois jovens com crachá de "Comissão Organizadora" abriram as portas laterais internas, orientando com gestos discretos. Os primeiros convidados começaram a entrar pela lateral do palco: uma mulher de blazer branco, um homem mais velho de óculos grossos, e uma jovem negra de tranças longas, com camiseta do DCE. Todos andavam com aquela compostura de quem está acostumado com eventos assim. Trocavam apertos de mão, sorrisos formais. Sentaram-se nas cadeiras atrás da mesa de debate.
Valentina tentou ler os alguns nomes que apareciam no telão, mas a fonte era pequena demais.
— Acho que aquele Henrique ali é o professor que vai falar sobre evasão escolar — murmurou Carol. — Ele é meio famosinho no YouTube. Vive postando reels com frases de impacto.
Valentina apenas assentiu, o olhar fixo. A sensação de não pertencer voltava com força. Queria estar entusiasmada, mas tudo soava distante. Como se estivesse vendo um filme que não era pra ela.
Estacionamento – Faculdade São Jorge - 18h25
O carro preto importado deslizou pelo portão principal, o motor grave ecoando sob a cobertura metálica. O movimento suave das rodas passando pelas faixas amarelas até parar em uma vaga próxima ao bloco do auditório.
Verena desligou o motor, soltou o cinto e, num movimento rápido, começou a vasculhar o interior do carro.
— Cadê essa carteira? — resmungou, puxando a pasta do banco traseiro e abrindo o zíper com pressa. — Eu tinha colocado aqui.
Silvia, no banco do passageiro, ainda com o cinto afivelado, observava a cena pelo canto do olho.
Puxou levemente o retrovisor central, inclinando a cabeça para retocar o batom nude. A luz interna acendeu com o gesto, refletindo o brilho discreto do gloss.
— Você já olhou na porta? — perguntou com calma, como quem já sabia a resposta.
— Não tá lá — respondeu Verena, sem parar de revirar os compartimentos. — Aposto que ficou em cima da mesa, na sala…
Silvia segurou o riso. Fechou o espelhinho, ajustou o retrovisor na posição original e soltou o cinto.
— Não ficou nada em cima da mesa. — Pegou a bolsa, inclinou-se levemente para frente, e em menos de dois segundos puxou a carteira de couro preta de dentro do porta-luvas. — Achei.
Verena a olhou com a expressão de quem não sabe se agradece ou reclama.
— Como você fez isso? Eu já tinha olhado aí.
— Ah, amor… — Silvia pousou a carteira no console central e sorriu de leve. — Você olha procurando um problema. Eu olho procurando a solução.
Verena balançou a cabeça, mas não conteve um meio sorriso.
Pegou a carteira, fechou a pasta e saiu do carro. Silvia a seguiu, ainda ajeitando o coque com um toque preciso dos dedos.
O som dos saltos dela no piso de concreto ecoou pelo estacionamento, acompanhando o ritmo mais acelerado dos passos da esposa.
No ar, aquele contraste tão familiar entre as duas: a objetividade irritada de uma e o charme tranquilo da outra.
Entrada Principal – Faculdade São Jorge - 18h30
O estacionamento coberto levava direto à lateral do bloco principal. À frente, a fachada de vidro refletia as luzes ainda acesas do campus, enquanto o letreiro metálico “Faculdade São Jorge” reluzia sob a iluminação direcionada.
Verena trancou o carro no controle remoto, colocou a pasta sob o braço e estendeu a mão livre para Silvia. A esposa entrelaçou os dedos aos dela com naturalidade, como quem já conhece o script.
Caminharam lado a lado pelo corredor de piso liso, onde os saltos discretos de Silvia e o som firme dos sapatos sociais de Verena se misturavam num compasso quase sincronizado. Silvia, no entanto, tinha um detalhe que fazia diferença: sorria para quem passava, mesmo que fosse um estudante apressado carregando apostilas.
— O prédio parece novo — comentou ela, olhando a arquitetura. — Aposto que é obra de arquiteto recém-formado, daqueles que ainda acreditam que concreto aparente é poesia.
Verena arqueou a sobrancelha, o canto da boca erguendo num meio sorriso.
— Você sabe que isso vai cair no ouvido de alguém e virar pauta, né?
— Só se você me apresentar como “a esposa que critica a obra dos outros” — rebateu Silvia, baixinho, mas com a ironia elegante que sabia que a esposa apreciava.
À medida que se aproximavam da entrada principal, alguns olhares se voltavam para elas. Um segurança acenou, reconhecendo Verena, e abriu a porta de vidro com um gesto cordial.
Silvia manteve o queixo erguido, os passos seguros, o olhar sereno. A esposa culta, discreta, mas claramente parte de algo maior. A imagem perfeita para acompanhar uma política em eventos como esse.
Verena, por sua vez, mantinha a postura habitual: firme, polida, mas com o olhar atento, como se catalogasse cada detalhe ao redor.
Por baixo da máscara de tranquilidade, sentia o peso do dia — mas sabia que a entrada precisava ser impecável.
Ao cruzarem o hall iluminado, um membro da equipe da organização se aproximou com um crachá.
— Deputada Verena Castilho? Seja bem-vinda. A sala dos debatedores é no terceiro andar, primeira sala à direita.
Silvia agradeceu com um aceno sutil, enquanto Verena apenas sorriu de maneira protocolar, ajustando a pasta na mão. Seguiram, ainda de mãos dadas, entrando oficialmente no território onde, naquela noite, a política encontraria o mundo acadêmico novamente.
Corredor Interno – Faculdade São Jorge - 18h35
O corredor que levava à sala dos debatedores era revestido com piso claro e iluminação neutra, projetando um clima formal, quase clínico. O som dos passos ecoava suave pelas paredes, acompanhado de murmúrios distantes vindos do auditório.
Verena caminhava com a postura ereta, como quem já domina aquele território — mesmo que fosse a primeira vez ali.
Usava uma camisa social branca de corte impecável, o tecido de algodão egípcio tão bem passado que refletia levemente a luz. As mangas estavam fechadas até os punhos, sustentando o ar austero que ela cultivava em eventos formais.
A calça de alfaiataria preta caía reta até o início dos sapatos sociais de couro preto polido, discretos, mas com o brilho que denunciava manutenção cuidadosa.
O blazer, do mesmo tom da calça, estava dobrado sobre o antebraço esquerdo, deixando à mostra o relógio de pulseira de aço no pulso.
Ao seu lado, Silvia parecia feita sob medida para o papel de esposa culta de uma política.
Vestia um tubinho azul-marinho de tecido estruturado, sem estampas, que abraçava a silhueta de forma elegante, terminando logo acima do joelho.
Nos pés, scarpins nude de salto médio, que alongavam a postura sem chamar atenção excessiva.
O coque baixo estava perfeitamente preso, revelando a nuca e valorizando os brincos de pérola discreta. A maquiagem era sutil: batom nude rosado, delineador leve, máscara de cílios — o suficiente para destacar os traços sem destoar da sobriedade do evento.
A advogada segurava a própria bolsa — também nude, de couro, sem logomarcas aparentes — na mão esquerda, enquanto a direita continuava entrelaçada à de Verena, até o instante em que um assistente de camisa polo e crachá se aproximou.
— Deputada Castilho? — disse, com um sorriso respeitoso. — É um prazer recebê-la. A sala dos debatedores é logo ali.
Verena assentiu, soltando a mão da esposa apenas para aceitar o crachá que lhe era oferecido. Silvia, sempre atenta, pegou discretamente o blazer da esposa para que ela pudesse prender o crachá à camisa sem amassar o tecido.
Seguiram o assistente até uma porta de madeira com placa dourada: Sala de Espera – Debatedores.
Sala de Espera – Debatedores - 18h38
A porta se abriu revelando um ambiente amplo, mas aconchegante.
O carpete cinza abafava os passos, e as paredes brancas eram decoradas com dois quadros modernos de linhas abstratas. A iluminação era suave, pensada para não cansar os olhos.
No centro, uma mesa de apoio exibia garrafas de água mineral, copos de acrílico empilhados e um prato com biscoitos amanteigados. Ao fundo, um cabideiro acomodava alguns casacos e pastas de couro.
Dois debatedores já estavam sentados em poltronas individuais, folheando anotações. Um deles ergueu o olhar por sobre os óculos ao ver a porta se abrir.
Outro, uma mulher de vestido escuro, sorriu educadamente para Verena e Silvia.
Verena entrou primeiro, segurando a pasta contra o corpo com a mão esquerda. A postura era impecável: passos firmes, expressão controlada, olhar que percorria o ambiente sem se deter em ninguém por muito tempo.
O crachá pendia sobre a camisa branca, balançando levemente a cada movimento.
Silvia, logo atrás, devolveu todos os olhares com a dose exata de simpatia. Sorriu para os presentes, fez um leve aceno com a cabeça e se aproximou de uma cadeira próxima à parede, pousando a bolsa sobre o colo.
— Com licença — disse Verena, numa voz baixa e precisa, antes de se acomodar em uma cadeira lateral, cruzando a perna esquerda sobre a direita.
Silvia, ao perceber que a esposa não tocaria nos biscoitos ou na água, levantou-se, pegou uma garrafa pequena e um copo, e colocou sobre a mesa lateral mais próxima da cadeira dela. O gesto foi simples, mas carregava a intimidade de quem conhece cada detalhe dos hábitos alheios.
Um organizador, de prancheta na mão, entrou na sala, consultou a lista e anunciou:
— Iniciamos em quinze minutos. Vamos chamá-los ao palco pela ordem que está na pasta de vocês.
Verena assentiu sem desviar o olhar dos próprios documentos. Silvia, ao lado, cruzou as pernas e se recostou, observando discretamente todos os presentes, como quem lê um livro aberto.
Aquela era a coreografia silenciosa que elas conheciam bem: Verena, a figura pública. Silvia, a presença discreta, mas impossível de ignorar.
Sala de Espera – Debatedores - 18h48
Silvia inclinou-se discretamente para mais perto da esposa, observando a forma como a pasta dela estava recheada de anotações, algumas soltas, outras presas com clipes.
— Deixa eu — disse baixinho, puxando um dos papéis que estava ligeiramente amassado no canto. Alisou-o com a palma da mão, encaixou na sequência correta e devolveu na pasta, sem que Verena precisasse pedir.
Em seguida, ajeitou a gola da camisa branca dela, que tinha virado um milímetro para dentro do colarinho. O toque foi rápido, mas preciso — e Verena, mesmo mantendo a expressão neutra, soltou um breve suspiro.
— Agora sim — murmurou Silvia, voltando à própria cadeira.
Do lado oposto, um funcionário da organização entrou com um pequeno rádio preso na cintura, checando a prancheta.
— Pessoal, atenção: vamos começar a encaminhar para o palco. — Ele olhou para cada debatedor. — Vamos chamando em ordem. Quando ouvirem o nome, acompanhem a equipe até a lateral do auditório.
Atrás dele, outra organizadora, com um crachá maior escrito STAFF, entrou para orientar os acompanhantes.
— Senhores acompanhantes, vamos direcioná-los agora para as fileiras reservadas na plateia — informou com um sorriso profissional. — É logo na parte central, bem de frente para o palco.
Silvia levantou-se, pegou a bolsa e ajeitou o coque com um toque leve da mão.
Deu dois passos até parar diante da esposa.
— Vai arrasar, como sempre — disse com aquele tom baixo e seguro, como quem afirma um fato, não uma possibilidade.
Verena ergueu os olhos por cima da pasta, encontrando o olhar firme de Silvia.
A advogada inclinou-se discretamente, apoiando a mão no braço da cadeira da esposa.
— Eu te amo — sussurrou, como parte de um ritual antigo.
Um selinho rápido, contido, quase protocolar, mas carregado de familiaridade, selou a frase.
Verena assentiu, contendo um sorriso, e ajeitou a pasta no colo.
Silvia recuou um passo, mantendo o semblante tranquilo, e voltou a segurar a bolsa.
— Vou garantir um bom lugar na plateia. — E, virando-se para seguir com os outros acompanhantes, ainda lançou um último olhar de incentivo.
Acompanhada por dois membros da produção, desapareceu pelo corredor lateral.
A porta se fechou atrás deles, abafando o som do lado de fora e deixando a sala de espera mais silenciosa.
Os últimos minutos antes da entrada.
Sala de Espera – Bastidores do Auditório – Faculdade São Jorge - 18h55
O silêncio da sala de espera já não era absoluto.
Por trás da porta dupla, dava pra ouvir a vibração abafada das vozes da plateia, microfones sendo testados e o arranhar metálico de cadeiras sendo ajustadas.
Um membro da produção entrou com um fone de ouvido preso à gola e uma prancheta em mãos.
— Deputada Castilho? — chamou, olhando para Verena. — Em dois minutos a gente chama a senhora para posicionamento na lateral do palco.
Verena assentiu, levantando-se com a pasta segura na mão esquerda. O blazer, agora vestido, caía perfeitamente sobre os ombros. Ela respirou fundo, ajeitou os óculos e passou um dedo pela borda da gola da camisa — um gesto quase automático, de quem se certifica de que está impecável.
— O microfone vai ser de lapela, ok? — explicou o produtor. — Vamos fixar na lateral do blazer. A senhora vai ser a terceira a entrar, logo depois da professora Ana Monteiro.
— Entendido — respondeu Verena, com o tom baixo e controlado.
A porta se abriu, revelando um corredor estreito com piso antiderrapante e iluminação mais baixa. No final, a cortina preta que separava os bastidores do palco estava entreaberta, deixando escapar feixes de luz quente e o som nítido do mestre de cerimônias cumprimentando o público.
Um técnico se aproximou com o microfone de lapela e o transmissor preso a uma pequena caixa preta.
— Posso? — perguntou, esperando a autorização. Ao sinal afirmativo, prendeu o clip discretamente na parte interna do blazer, ajustou a posição e verificou o áudio com outro membro da equipe pelo rádio.
— Lapela testada. Áudio limpo. — O técnico recuou um passo. — Quando ouvir seu nome, caminhe até a marca branca no chão do palco e cumprimente os outros debatedores.
Verena soltou o ar devagar.
Do outro lado da cortina, a professora Ana era chamada e atravessava a passarela curta até a mesa central. Os aplausos ecoaram, e o mestre de cerimônias continuou:
O produtor fez um sinal com a mão.
— É agora.
Verena ajeitou a pasta contra o corpo, passou pela abertura da cortina e sentiu a luz quente dos refletores bater no rosto.
O som dos aplausos a envolveu.
O olhar seguiu firme até a marca branca no piso, enquanto ao fundo, na penumbra da plateia, ela conseguia distinguir um vulto conhecido: Silvia, sentada ereta na fileira reservada, acompanhando cada passo.
Verena cumprimentou os demais debatedores, sentou-se à mesa e ajustou o microfone. O evento, oficialmente, começava.
Auditório Pe. José Roberto Fernandes – Faculdade São Jorge - 19h05
O palco estava montado com uma mesa retangular coberta por toalha preta, três microfones fixos, um arranjo discreto de flores no centro e garrafas d’água com copos à frente de cada assento.
Ao fundo, um telão exibia a arte oficial do simpósio.
O mestre de cerimônias, de terno escuro e postura impecável, segurava o microfone sem fio no centro do palco.
— Senhoras e senhores, boa noite. — Pausa breve para o som de cadeiras sendo ajustadas. — É com grande satisfação que damos início ao nosso simpósio desta noite, que contará com três convidados ilustres, para discutirmos o papel da educação na formação cidadã.
Primeiro, anunciou:
— Convido ao palco o professor Henrique Duarte, educador, palestrante e criador de um dos maiores canais educacionais no YouTube, com mais de dois milhões de inscritos…
A cortina lateral se abriu e o professor entrou sob aplausos entusiasmados.
Camisa social clara, blazer azul marinho, óculos de aro grosso. Ele acenou com naturalidade, sorrindo para alguns estudantes que o filmavam discretamente com o celular.
Cumprimentou a plateia, os organizadores, e se sentou na ponta esquerda da mesa.
— Convido agora a professora Ana Monteiro, doutora em Ciências Sociais e docente da Universidade São Jorge, pesquisadora na área de políticas públicas e inclusão escolar…
A professora entrou com passos seguros, usando um vestido midi preto e um colar simples de prata. Cumprimentou o colega e o público, sentando-se no centro da mesa.
O mestre de cerimônias manteve o tom formal.
— E para completar nossa mesa, convidamos a deputada estadual Verena Castilho, advogada, ativista de direitos civis e presidente da Comissão de Juventude da Assembleia Legislativa…
A cortina se abriu novamente.
Valentina sentiu o estômago se revirar.
O nome ecoou na cabeça antes que os aplausos preenchessem o auditório.
O coração acelerou tanto que ela precisou prender a respiração por um segundo.
Verena atravessou o palco com o blazer escuro sobre a camisa branca impecável, pasta firme na mão, o olhar controlado. Cumprimentou os colegas de mesa e o mestre de cerimônias, ocupando a ponta direita.
Carol, ao lado, percebeu a cor sumindo do rosto da amiga. As mãos dela estavam tensas, agarradas à barra do moletom que vestiu pela baixa temperatura do ar-condicionado.
— Respira… — murmurou, baixa, mas com um peso de culpa na voz.
O mestre de cerimônias prosseguiu:
— Para iniciar, convidamos o professor Henrique Duarte a fazer uma breve apresentação, seguida da professora Ana Monteiro, e por fim, da deputada Verena Castilho. Após as falas iniciais, abriremos para o debate cruzado.
Enquanto Henrique ajeitava o microfone e começava a falar, a atenção de Valentina estava dividida: ouvia só fragmentos da voz dele, porque o resto do corpo parecia ocupado demais em sentir que Verena estava ali, a poucos metros, viva, real, e ao alcance dos olhos.
Auditório Pe. José Roberto Fernandes – Faculdade São Jorge - 19h25
O professor Henrique Duarte encerrava a sua fala inicial com o tom confiante de quem já sabia manejar um público. A lapela fixada discretamente no blazer transmitia sua voz com clareza, permitindo que ele gesticulasse sem se preocupar com o microfone.
Ao lado, a professora Ana revisava mentalmente seus pontos, a caneta azul passando de um dedo a outro. Verena, na ponta direita da mesa, mantinha a postura impecável, a pasta fechada diante de si. Girava levemente a tampa da caneta que tinha nas mãos — um gesto quase imperceptível para quem não a conhecia, mas que denunciava a tensão contida.
Enquanto o professor se despedia da fala, Verena aproveitou para varrer a plateia com os olhos, discretamente. Lançou um olhar atencioso para Silvia na primeira fileira central, sentada entre outros acompanhantes e convidados especiais.
O coque impecável, o vestido azul-marinho bem assentado, o scarpin nude cruzando uma perna sobre a outra. Ela mantinha um sorriso leve, típico de quem sabe que está sendo observada — e retribuiu com um aceno mínimo, só perceptível para a esposa.
O mestre de cerimônias agradeceu Henrique e convidou a professora a fazer sua exposição inicial.
No canto lateral da plateia, Valentina mal registrava o que era dito.
Segurava a pastinha com o cronograma no colo, mas não percebia que a amassava com força entre as mãos. O papel começava a ceder nas bordas, vincado sob a pressão dos dedos. O corpo inclinado levemente para frente, os pés fixos no chão como se precisasse se ancorar ali.
Carol olhava de lado a cada dois segundos. A expressão da amiga era de puro desalinho interno: olhos fixos em um ponto indefinido, respiração curta, ombros tensos.
O arrependimento pesava.
— Valen… — murmurou, inclinando-se. — Tá passando mal?
Valentina não respondeu. Só apertou a pasta mais uma vez.
— Eu… eu devia ter te falado — completou Carol, baixinho, quase se desculpando.
No palco, Ana Monteiro falava com clareza e segurança, alternando dados e exemplos. O microfone fixado no tecido nobre do vestido captava cada sílaba, projetando sua voz pelo auditório. Verena mantinha o semblante atento, mas a mão continuava a girar a tampa da caneta.
O mestre de cerimônias anunciou, ao final da fala da professora:
— Agora, com a palavra, a deputada estadual Verena Castilho.
O som dos aplausos foi educado, porém firme. Valentina sentiu um arrepio subir pela espinha. No momento em que a voz de Verena preencheu o auditório, a pressão no peito ficou quase insuportável.
Carol pousou a mão sobre o braço da amiga.
— Respira… — sussurrou, mesmo sem saber se ela estava ouvindo.
Auditório Pe. José Roberto Fernandes – Faculdade São Jorge - 19h39
O mestre de cerimônias fez um gesto convidando Verena a se levantar. Ela colocou a caneta sobre a mesa com precisão milimétrica, pegou a pasta e se ergueu com aquela postura que parecia natural, mas era treinada ao milímetro.
O blazer ajustado acompanhou o movimento, o microfone de lapela preso no forro interno do lado esquerdo captando até o som do pano roçando. Antes de se afastar, inclinou levemente a cabeça em direção à professora Ana Monteiro e ao professor Henrique Duarte, em sinal de cortesia.
Deu dois passos, posicionou-se no centro da mesa e apoiou a pasta discretamente sobre a lateral do púlpito baixo — instalado ali apenas para apoiar papéis, já que o áudio vinha direto da lapela. Ajustou o gancho do microfone com um toque rápido na base, o suficiente para garantir que não havia deslocado o clipe durante o movimento.
— Boa noite a todas e a todos — começou, a voz firme, levemente mais grave do que no habitual, projetada com segurança pela acústica controlada do auditório.
Fez uma pausa estratégica de dois segundos. Olhou de relance para o público e, como se fosse um gesto automático, os olhos param em Silvia novamente. Um aceno quase imperceptível com o canto dos lábios.
Continuou:
— Quero, antes de tudo, agradecer à Faculdade São Jorge pelo convite, e à coordenação deste simpósio por abrir espaço para uma conversa tão urgente quanto necessária.
Enquanto falava, a mão direita descansava sobre a borda do púlpito, a esquerda pontuava com gestos contidos, cadenciados, sem exageros. O olhar ia alternando entre pontos estratégicos da plateia — nunca parando muito tempo em um só, como manda a técnica — mas, de tempos em tempos, passava rápido demais pela fileira lateral esquerda.
Era onde Valentina estava. E cada vez que o olhar cruzava com aquele setor, por mais breve que fosse, a menina encolhia ainda mais os ombros, como se quisesse desaparecer na cadeira.
Carol, ao lado, percebia cada micro-reação e mordia o lábio, sentindo o peso da culpa.
Verena seguia, articulando com clareza:
— Discutir cidadania no espaço universitário não é um privilégio, é uma necessidade. A juventude tem o direito — e eu diria, a obrigação — de ocupar esses debates, de questionar, de provocar transformações reais.
O polegar direito passou pelo aro dos óculos, ajustando-os no rosto antes de continuar. O tom subia e descia em variações calculadas: mais baixo para provocar atenção, mais alto para marcar um ponto-chave.
— Não existe democracia plena quando a juventude é silenciada. E não existe desenvolvimento sustentável quando se nega a educação crítica, quando se cortam recursos da ciência, quando se trata cultura como um acessório descartável.
Os aplausos vieram pontuais, interrompendo a fala por alguns segundos. Verena sorriu de leve, esperou que cessassem, e prosseguiu sem perder o fio.
Na plateia, Valentina sentia o corpo inteiro quente, não apenas pelo nervosismo, mas pela lembrança ainda pulsante do que tinha acontecido poucos dias antes. O som da voz de Verena, tão próximo e ao mesmo tempo distante, parecia amplificar cada batida do próprio coração.
Silvia, observava a esposa com o ar orgulhoso de quem a conhecia no auge do controle. Não fazia ideia de que, naquela noite, a calma e a precisão da deputada escondiam um turbilhão que não tinha nada a ver com política.
Os aplausos se dissolveram em murmúrios educados. Verena aguardou. Nunca atropelava o retorno ao silêncio; aprendera que segundos de pausa valem mais que pressa.
— E quando falamos de cidadania, não é sobre slogans — retomou, o timbre medido, o corpo inclinado levemente para frente, como quem compartilha algo pessoal. — É sobre cada escolha que fazemos todos os dias. No voto, no trabalho, no estudo, na forma como tratamos o outro.
Girou o rosto lentamente para varrer a plateia com o olhar — e foi ali, quase no fim desse arco, que viu. Terceira fileira lateral esquerda.
O contato visual durou menos de um segundo. Mas foi o suficiente para que o corpo reagisse antes da mente: um breve enrijecer dos ombros, a respiração que falhou no meio de uma palavra, o polegar que apertou com mais força o aro dos óculos antes de soltá-lo.
Valentina, por sua vez, não piscou. Sentiu como se o ar tivesse mudado de temperatura — e talvez tivesse, só para ela. A pastinha de plástico em seu colo já estava deformada pelos dedos que apertavam a borda sem perceber.
Carol notou. Não apenas a palidez, mas a imobilidade súbita. Lançou um olhar de lado, rápido, calculando se devia ou não se inclinar e perguntar se a amiga estava bem.
Verena, no palco, retomou o fluxo como se nada tivesse acontecido.
— Esse compromisso não é só com o nosso tempo, mas com as próximas gerações. É o que vai definir se teremos uma sociedade mais justa, ou se estaremos sempre corrigindo os mesmos erros.
Do setor reservado, Silvia assistia sem notar a fissura na armadura da esposa. Para ela, aquele gesto de ajustar os óculos era só mais um tique elegante.
Auditório Pe. José Roberto Fernandes – Faculdade São Jorge - 19h44
A projeção atrás de Verena exibia um slide minimalista: apenas o título Educação e Democracia: Desafios e Perspectivas.
Ela não lia, mas sabia cada palavra. As mãos, abertas sobre a mesa de acrílico, se moviam no ritmo certo das pausas e ênfases.
— E é por isso que precisamos repensar como a educação está sendo tratada na formulação de políticas públicas — continuou, alternando o peso entre uma perna e outra, de modo quase imperceptível. — Não é gasto. É investimento. E o retorno vem multiplicado… quando damos condições para que cada aluno desenvolva o seu potencial.
O professor do YouTube, sentado à direita, assentia com leveza. A professora ao lado mantinha um sorriso educado, cruzando anotações no bloco. No canto, um auxiliar técnico verificava discretamente os níveis de áudio dos microfones.
Na plateia, o público seguia atento, alguns com celulares em mãos registrando pequenos trechos. Carol, porém, não via nada disso. Seus olhos iam da amiga à pasta deformada em seu colo. O polegar de Valentina roçava a borda do plástico num movimento mecânico, denunciando que o corpo estava ali, mas a mente… presa no palco.
— …e é aí que entra a responsabilidade de todos nós — concluiu Verena, sustentando o olhar na fileira central, antes de recuar um passo e alinhar a postura. — Seja como educadores, estudantes ou cidadãos conscientes, é nosso dever garantir que ninguém seja deixado para trás.
Aplausos novamente. Não tão longos quanto os primeiros, mas o suficiente para que ela pudesse inspirar fundo, fechar levemente os olhos e se recompor antes de voltar à mesa dos debatedores.
Sentou-se. Ajeitou a pasta de anotações à frente, mas seus dedos tocaram a borda metálica da cadeira, quase como se precisassem de algo sólido para lembrá-la de onde estava. Só então ergueu o queixo e olhou para a plateia uma última vez — e lá estava de novo. Valentina, imóvel. Não piscava.
Verena desviou rápido, apoiando os cotovelos na mesa. Sabia que mais uma fração de segundo e a armadura começaria a rachar.
Auditório Pe. José Roberto Fernandes — Faculdade São Jorge - 19h53
O mediador voltou ao púlpito, aguardando o fim dos aplausos, e consultou o cronograma à mão.
— Agradeço as falas iniciais, muito inspiradoras. Agora, como prevê nosso formato, vamos abrir para um breve debate cruzado entre nossos convidados. Cada debatedor pode fazer uma pergunta a outro membro da mesa, a respeito dos desafios ou soluções apresentadas.
O clima do auditório mudou de imediato. O ar pareceu ficar mais denso, menos protocolar. A plateia se ajeitou nas cadeiras; alguns tiraram o celular para gravar.
Henrique, sentado à esquerda de Verena, foi o primeiro a falar. Levou o microfone de lapela próximo à boca e olhou diretamente para ela:
— Deputada Verena, a senhora destacou a importância de garantir o direito ao lugar de fala no ambiente escolar. Mas, na prática, como assegurar esse espaço quando a própria política muitas vezes entra em conflito direto com o cotidiano das escolas?
Verena segurou a pasta com firmeza sobre o colo, ajustou levemente o corpo na poltrona e respondeu com segurança — ainda que houvesse um leve timbre metálico na voz, denunciando tensão:
— Professor Henrique, essa é justamente a encruzilhada em que estamos. A política, marcada por disputas e urgências, chega às escolas travestida de projeto pedagógico. E, muitas vezes, a escola acaba sendo o campo de batalha. O que proponho é um esforço conjunto: políticas públicas que protejam o espaço pedagógico e coragem institucional para resistir às interferências indevidas. É difícil, sim. E, em certos casos, recai sobre o professor sozinho a tarefa de proteger esse espaço. Mas precisamos criar estruturas para que ninguém enfrente essa luta isolado.
A resposta veio articulada, firme. Silvia, sentada na fileira reservada, se inclinou levemente para frente, satisfeita com o desempenho da esposa.
Em seguida, Ana, à direita de Verena, foi quem tomou a palavra. Virou-se para Henrique, o tom afável, mas crítico:
— Professor, o senhor defendeu o protagonismo juvenil como um caminho para maior participação nas decisões escolares. Mas, considerando a realidade dos estudantes mais vulneráveis, como evitar que essa ideia acabe se transformando em mais uma forma de cobrança ou peso para quem já enfrenta tantas dificuldades?
O debate cruzado seguiu. O público reagia com murmúrios, algumas cabeças assentindo, outras tirando fotos, gravando trechos para os stories. O clima era de tensão produtiva.
Verena ouviu cada pergunta, mas o olhar de vez em quando fugia. Sentia-se atravessada por um campo magnético vindo do fundo do auditório. Valentina continuava imóvel, agora lutando para conter as lágrimas. O peito subia e descia rápido, o rosto corado.
Carol, aflita, sussurrou:
— Valen… você quer sair? A gente pode ir no banheiro, lavar o rosto…
Mas Valentina não se mexeu.
O debate seguiu, perguntas e respostas cruzando o palco.
No final, o mediador retomou:
— Excelente troca, obrigado a todos. Agora abrimos para perguntas do público. Lembrando que as perguntas devem ser curtas, direcionadas a um dos debatedores. Alunos já se posicionavam na fila do microfone do corredor central.
A tensão crescia. Verena respirava fundo, sem saber se torcia para ninguém olhar para ela, ou se, secretamente, desejava que uma pergunta a fizesse olhar novamente para o fundo da sala.
No fundo, Valentina lutava para não desabar. Carol segurava a mão da amiga, agora com medo real de que algo escapasse de seu controle. O simpósio, para todos ali, era apenas um evento. Mas para aquelas três — era o epicentro de um terremoto silencioso.
Auditório Pe. José Roberto Fernandes — Faculdade São Jorge - 20h34
O mediador fez um gesto com a mão, chamando o primeiro inscrito da fila de perguntas. Um rapaz magro, de postura firme, vestindo jaqueta jeans surrada e camiseta preta com o símbolo do DCE estampado no peito, aproximou-se do microfone no corredor central.
Ajeitou a altura, pigarreou uma única vez e fixou o olhar no palco.
— Boa noite. Minha pergunta é para a deputada Verena Castilho.
O murmúrio que se seguiu correu como uma onda discreta pelas fileiras. Quem conhecia o clima de auditório sabia: vinha bomba.
Verena manteve o semblante controlado, mas o enrijecer dos ombros denunciou que sentira o golpe antes mesmo de ele vir.
— Deputada — começou ele, sem rodeios —, a senhora fala muito em “espaço de escuta”, mas, sinceramente… não acha um pouco hipócrita defender a pluralidade na escola enquanto o seu partido vota sistematicamente contra pautas que ampliam direitos para a juventude? Não é contraditório subir aqui e pedir “acolhimento” quando, na prática, a política tem sido tão excludente?
O silêncio caiu pesado.
No fundo, alguém soltou um “ixi…” abafado. Mais perto da frente, um riso nervoso escapou e morreu rápido. O mediador manteve um sorriso protocolar, como quem aguarda a explosão inevitável. Os outros debatedores trocaram olhares tensos — não por discordarem, mas por reconhecerem a precisão do golpe.
Verena inspirou fundo, controlando o movimento do peito. Ajustou a postura na poltrona e encarou o rapaz sem piscar. Só então, a resposta veio — a voz mais seca do que ela gostaria, mas calibrada o suficiente para manter a autoridade:
— Acho ótimo que existam perguntas como essa. Democracia se faz com desconforto também. Eu não fujo de contradições. O que eu defendo — dentro e fora do partido — é que cada jovem seja tratado com respeito, tenha direitos garantidos e que as decisões coletivas passem, sempre, pelo debate. Quando discordo, registro meu voto. Quando concordo, defendo no plenário. Hoje, não estou aqui representando um bloco partidário, mas como deputada eleita e como educadora. E pode ter certeza: o acolhimento que peço é o que pratico.
Parte da plateia respondeu com aplausos firmes, outra parte apenas murmurou, como se digerisse a resposta.
No fundo, Carol desviou o olhar para o lado e percebeu que Valentina estava pálida. Os olhos marejados, a respiração curta.
— Valen… — sussurrou, inclinando-se para ela. — Vamos sair agora.
Valentina se levantou de súbito, fazendo a pasta com o cronograma escorregar e cair no chão com um estalo seco. Sentiu o olhar de metade do público, mas já não tinha forças pra se importar. Trombou na bolsa caída e saiu quase correndo pelo corredor lateral, a mão no peito, os olhos borrando tudo.
No palco, Verena acompanhou cada passo — não conseguiu evitar. Tentou não virar o rosto, mas o movimento foi quase automático. Os dedos apertaram o microfone, os lábios se contraíram numa linha quase imperceptível. Se Rafaela estivesse ali, bastaria um olhar para decifrar o que aquilo significava.
Carol foi atrás da amiga, pedindo licença com um aceno rápido e murmurando desculpas enquanto atravessava as cadeiras, ignorando olhares curiosos. O nervosismo dela só não era maior do que o arrependimento.
Verena, por um instante, esqueceu todo o resto: a mesa, as câmeras, até Silvia na plateia.
No ringue invisível daquela noite, era Valentina quem caía pelas cordas.
E Verena…
…quase foi atrás.
Auditório Pe. José Roberto Fernandes — Faculdade São Jorge - 20h43
O silêncio após a saída de Valentina durou pouco. O mediador, sem comentar o ocorrido, indicou o próximo inscrito ao microfone no centro do corredor.
Verena manteve-se ereta, os dedos entrelaçados sobre a mesa, a voz do rapaz chegando aos seus ouvidos como se viesse debaixo d’água. O microfone fixo à lapela da camisa pesava mais do que deveria. As luzes quentes do auditório criavam um ralo incômodo, e a gola começava a colar levemente na pele.
Enquanto ele expunha sua questão, ela ajeitou discretamente o corpo na cadeira, buscando um ponto fixo para não olhar para a lateral do auditório. Mas o impulso era automático.
Lá no fundo, a cadeira de Valentina permanecia vazia, a pasta plástica azul — com o cronograma do simpósio — repousando sobre o assento, como um vestígio do que acabara de acontecer.
Corredor lateral
Carol alcançou a amiga encostada à parede, perto da porta de saída de emergência. Valentina mantinha os braços cruzados sobre o próprio corpo, o queixo baixo, respirando rápido. Os sons do auditório vinham abafados, misturados ao eco dos passos apressados de alguém que passava para o banheiro.
— Valen… — chamou baixo, como se temesse que falar alto fosse quebrá-la ainda mais. — Respira comigo, tá? Respira.
A menina balançou a cabeça, o rosto quente, mas não chorava. Fixava o olhar no chão, como se segurar o pranto fosse seu último ato de resistência.
Lá dentro, Silvia observava o palco, o semblante atento. Percebia que a esposa respondia de forma mais contida do que nas falas iniciais. Não sabia por quê, mas anotou mentalmente para perguntar no carro.
Ela também notou, de relance, que duas jovens no fundo haviam saído às pressas — mas logo voltou a se concentrar na mesa.
Verena respondeu à pergunta seguinte com objetividade excessiva, o tom mais técnico que o habitual, como quem precisa se agarrar ao discurso para não se distrair. Entre uma fala e outra, ajustou levemente o microfone no blazer, um gesto que qualquer um interpretaria como rotina, mas que serviu para disfarçar a vontade quase física de olhar para o corredor por onde Valentina saíra.
Sabia que não a veria. Mesmo assim, o corpo insistia.
O debate seguiu. O professor Henrique dirigiu uma questão à professora Ana, que respondeu com desenvoltura. O público reagia com murmúrios, algumas cabeças assentindo, outras registrando vídeos curtos.
Para Verena, cada minuto no palco era um exercício de contenção. Para Valentina, no corredor, cada segundo era uma batalha silenciosa para não desabar.
E, embora separadas por paredes e portas, as duas sentiam que o simpósio havia deixado de ser apenas um evento acadêmico, mas tornara-se um campo minado, onde cada respiração custava mais do que gostariam de admitir.
Auditório Pe. José Roberto Fernandes — Faculdade São Jorge - 20h54
O mediador voltou ao púlpito, o cronograma dobrado na mão, aguardando o último comentário da professora Ana.
— Muito obrigado aos nossos convidados — anunciou, sorrindo para a mesa. — Foi um debate de alto nível e certamente vamos levar muitos pontos para reflexão.
Os aplausos começaram tímidos e cresceram rápido, preenchendo o auditório com o som seco de palmas que ecoavam nas paredes. Algumas pessoas se levantaram antes mesmo do encerramento formal, ajeitando mochilas no ombro. O mediador agradeceu novamente, anunciou a abertura do coffee break e se despediu.
O som de cadeiras arrastando encheu o espaço. Zíperes eram puxados, garrafas de água fechadas às pressas. A movimentação começou.
No corredor lateral, Valentina respirava fundo, tentando conter a tontura. Estava encostada na parede, a mochila ainda dentro do auditório, na cadeira onde antes segurava a pasta com o cronograma. Carol, ao lado, olhava para a porta fechada com a mão no braço da amiga.
— Vamos esperar um pouco… — murmurou, sem saber se era um conselho ou uma súplica.
Do palco, Verena recolhia alguns papéis da mesa. Guardava as anotações com gestos mecânicos, mas os olhos — quando se distraía — varriam o fundo do auditório, como se procurassem algo que não podia procurar.
Silvia, sentada nas fileiras reservadas, levantou-se junto com os outros convidados especiais. Desceu os degraus com calma, parou para cumprimentar rapidamente o professor Henrique, e só então voltou o olhar para a esposa. Verena sustentou um sorriso breve, frio, e devolveu um aceno, como quem precisa se concentrar no que está à frente.
Do lado de fora, o burburinho do público aumentava. Valentina e Carol ouviram passos atrás da porta — gente saindo em blocos, risadas misturadas com comentários sobre o debate.
— A gente pega as mochilas e vai embora, tá? — disse Carol, com um tom que tentava ser leve.
As duas entraram de novo no auditório já esvaziado pela metade. O som dos saltos de Silvia ecoou pelo corredor central, passando por elas. Por um instante, Valentina sentiu o mundo afunilar: à frente, no palco, Verena, de pé, ajustando a pasta; ao lado, Silvia, indo ao encontro da esposa.
Verena, que até então parecia absorta, ergueu o rosto no momento exato em que as duas meninas cruzaram o corredor. O olhar prendeu, como se um ímã tivesse puxado. Não foi uma reação ostensiva, mas suficiente para travar o gesto de fechar a pasta.
Valentina desviou rápido, sentindo o sangue correr quente nas orelhas. Apressou o passo até sua cadeira, fingindo buscar algo no chão. Carol se abaixou junto, pegou a mochila e, com um “vamos”, puxou a amiga para fora.
No palco, Verena fechou a pasta de qualquer jeito, ciente de que Silvia a observava — e, mais ainda, de que aquela noite tinha acabado, mas o que estava por vir talvez fosse bem mais difícil de encerrar.
Auditório Pe. José Roberto Fernandes — Faculdade São Jorge - 20h58
Um assistente de produção atravessou discretamente o palco, aproximando-se de cada debatedor para recolher o microfone de lapela.
— Obrigado, deputada — murmurou o rapaz, inclinando-se para soltar o pequeno transmissor preso na parte interna do blazer de Verena.
Ela manteve o sorriso educado para o público, mas os olhos, já fora do alcance das câmeras, se voltaram por instantes para o corredor lateral. Nenhum sinal de Valentina. Apenas um buraco invisível onde antes havia presença.
Seguiu com os demais convidados pelo caminho que dava acesso ao hall principal. As portas se abriram para um ambiente de conversas entrecortadas, cheiro de café recém-passado e o aroma doce do bolo de fubá. Mesas altas, guardanapos dobrados com esmero e um amontoado de convidados segurando xícaras e copos plásticos.
Silvia estava de pé perto de uma mesa, conversando com dois homens de terno claro e uma mulher de vestido sóbrio. Ao ver a esposa, ergueu a sobrancelha num gesto quase imperceptível — aquele que misturava orgulho e um lembrete silencioso de “mantenha-se elegante”.
— Parabéns pela fala — disse um senhor da organização, apertando a mão de Verena. — Foi firme, mas com a medida certa de diplomacia.
— A gente tenta — respondeu, com um leve sorriso que ocultava o turbilhão interno.
Enquanto ouvia elogios e recebia cartões de visita, o olhar dela escapava, instintivo, para a porta de saída do hall. A cada movimento de pessoas saindo, uma faísca de expectativa acendia… e apagava. A pasta dela estava segura nas mãos, mas os pensamentos estavam longe, correndo atrás de alguém que não voltaria mais naquela noite.
Silvia aproximou-se, apoiando a mão leve no braço da esposa:
— Vamos ficar mais um pouco, cumprimentar o pessoal. — O tom era de costume, mas havia um traço de comando.
Verena assentiu. Caminhou com ela pela sala, distribuindo sorrisos e cumprimentos como quem oferece brindes automáticos. As frases saíam polidas — “Muito obrigada”, “Foi um prazer”, “Precisamos conversar melhor sobre isso” — mas dentro dela, só havia uma cena repetida: Valentina se levantando às pressas, sumindo pelo corredor, deixando no ar um rastro que ela não sabia se queria seguir ou apagar.
Corredor do 3º andar — Faculdade São Jorge - 21h07
— Aff, não pega nada aqui… — Carol girou o celular na mão, tentando um canto diferente junto à parede. Nada. O visor mostrava apenas “Sem serviço” no canto superior.
Valentina, ainda pálida, segurava a mochila no colo, sentada na beirada de um dos bancos próximos ao banheiro. As pernas balançavam no ar, como se o movimento pudesse dissipar a tensão acumulada desde o auditório.
— Valen, fica aqui, tá? — Carol se abaixou levemente para falar baixo, num tom de quem tenta manter o controle da situação. — Eu vou descer pra ver se consigo sinal e ligo pra minha mãe. Aqui em cima tem mais gente circulando, você não vai ficar sozinha.
Valentina assentiu, sem muita convicção, os olhos fixos no chão polido. Carol tocou o ombro da amiga de leve antes de se afastar pelo corredor, o som dos passos sumindo nas escadas.
No silêncio que ficou, Valentina soltou um suspiro. Abraçou a mochila por alguns segundos, até perceber a ausência familiar do plástico frio no bolso lateral. A garrafinha de água. O pensamento veio rápido: deve ter caído quando tropecei naquela hora…
Mordeu o lábio inferior, levantando-se devagar. Se fosse rápida, poderia ir até as cadeiras onde estavam e voltar antes que Carol retornasse.
Enquanto isso, no hall do coffee break, Verena mantinha o sorriso controlado enquanto conversava com dois convidados. Silvia, impecável ao seu lado, segurava uma xícara de café com uma das mãos e ouvia outro grupo comentar o evento.
O celular no bolso interno do blazer vibrou duas vezes seguidas. O toque abafado fez Verena erguer discretamente o dedo para interromper o senhor que falava à sua frente.
— Com licença — disse, já deslizando o aparelho para fora. O visor mostrava um número conhecido, da assessoria. Ela trocou um olhar rápido com Silvia.
— É trabalho — avisou, num tom baixo, quase cúmplice. — Eu já volto.
Silvia apenas assentiu, voltando a conversa com o grupo.
Verena atravessou o hall em passos firmes, afastando-se do burburinho até encontrar a porta lateral que levava aos bastidores. Assim que o som das conversas ficou para trás, atendeu a ligação.
— Castilho.
Do outro lado, a voz da assessora disparava detalhes de um documento que precisava de resposta urgente. Verena ouviu, respondendo com frases curtas e objetivas. Caminhava enquanto falava, contornando a primeira curva do corredor, sem se dar conta de que Valentina, vinda na direção contrária, acelerava o passo com a mochila nas costas e os olhos varrendo o chão.
A colisão foi inevitável. O impacto foi seco, um tropeço de corpos e respirações que se prenderam no ar. A pasta que Verena segurava bateu contra o ombro da jovem, a mochila da menina deslizou pela alça, caindo junto com ela no chão frio do corredor.
— Ai, desculpa… — Valentina se apressou em dizer, a voz trêmula, enquanto tentava se recompor.
Verena, ainda com o telefone na mão, parou no mesmo instante. O mundo pareceu ficar suspenso. Ela baixou os olhos e encontrou aquele rosto — pálido, ofegante, tão próximo que podia ver a sombra de cada cílio.
— Valentina… — o nome saiu quase num sussurro, sem permissão.
A ligação seguia viva no ouvido, a voz distante de alguém falando sobre prazos e assinaturas, mas para Verena, tudo já estava mudo. Ela se abaixou, estendendo a mão para ajudar a garota a se levantar.
O toque foi breve, mas suficiente para acender aquele arrepio elétrico que viajou da pele ao estômago das duas. Valentina, de pé outra vez, segurava a mochila contra o peito como se fosse um escudo. O olhar se recusava a parar no da mulher a sua frente, mas a respiração rápida denunciava o efeito do encontro.
Foi quando um rapaz magro, crachá no pescoço e um maço de papéis no braço, surgiu da porta lateral. Ao ver Valentina ali, franziu o cenho e se aproximou com passos apressados:
— Moça, aqui é área restrita, só para convidados e staff.
Verena respondeu sem pensar:
— Ela está comigo.
O rapaz olhou de uma para a outra, hesitou, mas acabou assentindo.
— Ah… tudo bem, então. — E seguiu adiante.
O silêncio voltou, mas agora parecia mais pesado. Valentina endireitou a postura, tentando encontrar algo para dizer e ao mesmo tempo desejando que nada fosse dito.
Verena respirou fundo, mas não o suficiente para organizar os pensamentos. Endireitou-se, segurando o celular contra a mão como se fosse uma barreira.
— Você… está bem? — perguntou, com a voz mais suave do que pretendia. — Eu… desculpa, não vi você vindo.
Valentina levantou o olhar por um instante e logo desviou. As bochechas queimavam, denunciando a vergonha antes mesmo da resposta.
— Não foi nada… — murmurou, a voz quase sumindo. — Eu que… estava distraída.
Nenhuma das duas se moveu de imediato. O corredor parecia estreitar a cada segundo, e o eco distante das vozes no hall reforçava a sensação de que estavam isoladas num lugar que não existia no mapa da faculdade.
Verena, que já tinha encarado plenários hostis, sabatinas implacáveis e entrevistas carregadas de armadilhas, agora se via estranhamente sem recursos diante de uma garota baixa, frágil, com os dedos ainda nervosos na barra da blusa.
O coração sussurrava: Vai, Castilho.
A razão gritava: Sai daqui, agora.
Ela balançou a cabeça levemente, como quem tenta afastar um pensamento inconveniente. Sentia o peso de cada segundo prolongado, e ainda assim, não conseguia dar o passo para o lado que encerraria aquela cena.
Valentina, por sua vez, lutava para manter o corpo imóvel, como se qualquer movimento brusco pudesse trair o turbilhão que a atravessava. E, por mais que quisesse escapar, algo nela também a mantinha ali, enraizada no mesmo lugar.
O silêncio entre elas não era vazio — estava cheio de respirações contidas, de olhares que se arriscavam por frações de segundo e recuavam como se tivessem encostado em algo proibido.
Valentina passou a língua pelos lábios, seca sem perceber, e abaixou os olhos para a ponta do próprio tênis. A mochila, pesada no ombro, parecia uma âncora.
Verena guardara o celular no bolso do blazer, mas a pressão dos dedos no aparelho era mais para se manter no lugar do que para segurar o objeto. Uma parte dela queria quebrar o silêncio, perguntar qualquer coisa banal — se ela já estava indo embora, se precisava de ajuda. Mas a outra parte… não queria arriscar colocar palavras onde o silêncio dizia mais.
Um ruído distante, talvez de xícaras sendo mexidas, lembrou-as de que o mundo seguia lá fora. E mesmo assim, ninguém se moveu.
O ar parecia rarefeito. Verena percebeu o próprio coração batendo no fundo da garganta, e isso a irritou — não com Valentina, mas consigo mesma, por estar assim.
Valentina, por sua vez, sentia a nuca quente, o corpo dividido entre a vontade de recuar e o impulso de permanecer. Não sabia qual dos dois venceria.
Um passo. Bastaria um passo para o momento se dissolver. Mas ele não vinha.
A garota desviou o olhar, fixando-o na porta ao fundo do corredor. Era a entrada para o auditório — agora sendo fechada por um funcionário da produção. As luzes internas se apagaram uma a uma, até restar apenas o reflexo fraco no vidro fosco.
O peito apertou. Era como ver, em câmera lenta, a última chance de recuperar o que procurava desaparecer atrás de um trinco.
Verena, percebendo o foco da menina, virou-se instintivamente também.
— Você… precisa de ajuda com alguma coisa? — perguntou, a voz baixa, sem a firmeza habitual, como se não quisesse invadir demais.
Valentina respirou fundo, apertando a alça da mochila. A vergonha veio antes das palavras.
— Eu… perdi minha garrafinha de água — disse quase num sussurro. — Acho que pode ter caído quando… eu saí. Queria ver se… ainda estava lá dentro.
Verena manteve os olhos nela por um instante, lendo mais do que a frase dizia. O corredor continuava silencioso, e, por um segundo, parecia que não havia ninguém no prédio inteiro além das duas.
Valentina ainda segurava a alça da mochila, tentando se encolher no próprio corpo, quando percebeu Verena dar um meio passo para o lado. Antes que pudesse reagir, a deputada já avançava pelo corredor em direção ao rapaz magro que trancava a porta.
— Com licença — a voz de Verena soou firme, mas sem agressividade. — A aluna estava sentada ali dentro e deixou um objeto pessoal. Ela pode entrar para verificar?
O rapaz, que mal levantara os olhos, congelou ao reconhecer quem falava. O semblante dele mudou de imediato — uma mistura de surpresa e pressa em não criar constrangimentos.
— Ah, claro, deputada… sem problema.
O clique metálico ecoou quando o rapaz girou a chave e empurrou a porta novamente. Algumas luzes do teto se acenderam num tom amarelado e suave, deixando o auditório num semi-clarão que revelava fileiras vazias e papéis esquecidos nas cadeiras. Verena virou-se para Valentina, que ainda parecia à beira de um colapso de vergonha.
— Vamos? — disse, num tom que misturava convite e comando.
Valentina hesitou, olhando do rosto dela para o chão, como se quisesse que o piso a engolisse.
— Obrigada… — murmurou, a voz tão baixa que quase se perdeu no ar.
Verena não respondeu. Apenas segurou a porta com a mão, mantendo-a aberta, e esperou até que a menina passasse.
Valentina deu um passo hesitante, sentindo a sola do tênis afundar levemente no carpete gasto. Nunca teria imaginado que voltaria ali tão cedo… muito menos com Verena logo atrás. O som discreto dos passos da deputada sobre o piso reforçava a presença dela como uma sombra que se recusava a se afastar.
Verena sabia muito bem onde a menina estivera sentada — terceira fileira, cadeiras a esquerda, impossível esquecer. Mas ainda assim perguntou, como se buscasse apenas orientação prática:
— Onde você estava?
A pergunta saiu num tom calmo, mas por dentro, ela tinha plena consciência de que estava esticando demais aquele momento. Rafaela tinha razão… ficar perto daquela garota era como perder o prumo, e, por mais que tentasse racionalizar, o corpo não obedecia.
— Terceira fila… — Valentina respondeu baixinho, evitando encarar, e começou a andar à frente. Não queria, mas também não conseguia se obrigar a correr dali e esquecer a tal garrafinha.
Verena a acompanhou com passos firmes, mantendo uma distância curta o suficiente para sentir o leve perfume adocicado que se misturava ao cheiro do carpete antigo. Ao fundo, a cadeira onde Valentina estivera parecia congelada no tempo — a bolsa caída já não estava, mas a cena inteira ainda carregava a marca do momento em que ela saíra apressada, quase tropeçando.
Valentina se abaixou lentamente, o coração acelerado, os olhos vasculhando o chão entre os pés das cadeiras. Sentia o peso do olhar atrás de si, mesmo sem confirmar.
O rapaz do staff, que ainda permanecia encostado à porta, espiando discretamente para dentro, recebeu um chamado de alguém no corredor.
— Ei, pode vir aqui um minutinho? — Ele hesitou, lançou um olhar rápido às duas e, com um “um minuto” sussurrado, afastou-se, deixando-as ali sem testemunhas.
O silêncio se adensou.
Valentina se abaixou para olhar embaixo das cadeiras, os dedos apertando a barra da blusa sem perceber. Quando recuou um passo para mudar de ângulo, acabou encostando de leve nas pernas de Verena.
— Desculpa… — murmurou, com a voz tímida, sentindo o rosto esquentar.
— Tá tudo bem… — respondeu Verena, instintivamente segurando-a pela cintura para estabilizá-la.
Foi quando um ruído seco veio do fundo do auditório — uma das portas laterais batendo com a corrente de ar que entrava pelo corredor.
O som fez Valentina se sobressaltar e dar um passo para trás sem perceber. Acabou encostando de costas no corpo de Verena.
O contato inesperado fez a deputada prender o ar por um instante. Por reflexo, segurou-a pelos ombros, firme, evitando que perdesse o equilíbrio.
— Cuidado… — murmurou, mais baixo do que pretendia.
Valentina ficou imóvel, sentindo o calor das mãos dela através do tecido. O perfume discreto e a proximidade só reforçavam a consciência de que estavam sozinhas ali.
Verena soltou-a devagar, ainda observando-a.
— Está tudo bem? — perguntou, com um cuidado que não combinava com a sua postura habitual.
— Sim… — respondeu quase num sopro, buscando algum ponto de apoio para fixar o olhar.
A iluminação fraca dificultava ver o que havia no chão entre as fileiras. Verena puxou o celular do bolso e, sem pensar muito, acendeu a lanterna, oferecendo-o.
— Segura… vai ficar mais fácil achar.
Valentina pegou o aparelho com cuidado, como se até esse toque indireto fosse perigoso. Verena se abaixou junto, ajustando os óculos num gesto automático, tentando enxergar melhor o espaço sob as cadeiras.
O feixe estreito da lanterna cortava a penumbra entre os assentos. Verena se abaixou ao lado dela, ajustando os óculos num gesto quase distraído, enquanto iluminava o espaço sob as cadeiras.
— Nada aqui… — murmurou, inclinando-se um pouco mais para o lado.
Valentina, já de joelhos no carpete gasto, passava a mão pelo chão frio como se pudesse encontrar pelo tato o que os olhos não viam. O silêncio era tão espesso que cada respiração parecia ecoar.
A lanterna iluminava cadeiras vazias e pó acumulado. Nenhum sinal da garrafinha. Talvez tivesse rolado mais para baixo… ou talvez nem tivesse caído ali. Verena seguiu o feixe de luz com o olhar e, sem se afastar, disse num tom baixo:
— Vamos tentar mais pra frente… pode ter escorregado.
Valentina assentiu, mesmo sem saber se queria encontrar ou apenas encerrar aquele momento que a deixava sem ar.
O corredor estreito entre as fileiras obrigava cada passo a ser lento.
Verena seguia ao lado, a luz da lanterna recortando sombras no carpete e refletindo em partículas suspensas no ar.
O som dos sapatos de couro contra o piso ecoava num ritmo constante, contrastando com o roçar tímido do tênis de Valentina.
— Ali… — Verena indicou com um leve movimento de cabeça, apontando para algo próximo às cadeiras centrais da fila seguinte.
Valentina se abaixou primeiro, apoiando uma mão no assento para alcançar. Verena, quase junto, inclinou-se pelo outro lado, e o espaço reduzido fez com que seus braços se cruzassem sem aviso.
O contato, mesmo rápido, fez a respiração das duas vacilar. As mãos quase se tocaram, separadas apenas pelo feixe de luz que passava entre os dedos.
— Não é… — Valentina murmurou, percebendo que o objeto no chão era apenas uma tampa de caneta.
Verena soltou um breve suspiro, não se sabia se de frustração ou alívio, observando a garota de perto como se procurasse outra coisa que não estivesse no chão.
— Tem certeza que esqueceu ela aqui dentro? — perguntou, num tom que soava mais como teste do que como conselho.
Valentina hesitou. O olhar, que deveria seguir o rastro da lanterna, desviou rápido para o dela — e encontrou firmeza demais para se manter ali por muito tempo.
...
O feixe de luz cortava a penumbra entre as fileiras, enquanto Verena se abaixava por trás de Valentina, inclinando-se o bastante para iluminar o espaço estreito sob as cadeiras. A mão ficou apoiada no encosto à frente e, sem perceber, o movimento fez o zíper lateral do blazer encostar nos cabelos soltos da menina.
— Ali… — murmurou, apontando a luz.
Valentina se esticou, tentando alcançar a garrafinha, quando sentiu um puxão súbito na nuca.
— Ai… — gem*u baixo, levando a mão ao cabelo.
Verena, sem entender, começou a se erguer — mas o gesto arrancou outro som de dor dela, mais urgente.
— Calma, calma… o que houve? — perguntou, voltando a abaixar o corpo.
Valentina ergueu um pouco o rosto, sem coragem de encará-la diretamente.
— Acho que… prendeu meu cabelo… — murmurou, com um fio de voz.
Foi só então que Verena percebeu: uma mecha fina estava firmemente presa no zíper do blazer. O tecido puxava os fios num ângulo doloroso, fazendo-os brilhar sob a luz da lanterna.
— Calma… — pediu, num tom quase grave, voltando a se abaixar para não aumentar a tensão no cabelo. — Já vou soltar. Não se mexe.
A posição era estreita demais para manobras. Para alcançar o ponto exato, Verena precisou deslizar um passo à frente, ficando praticamente atrás dela. O tronco inclinou-se sobre as costas da menina, de forma que o perfume suave de shampoo subiu no ar, misturando-se ao cheiro amadeirado do perfume dela.
Com a mão esquerda, segurou o tecido do blazer, puxando-o levemente para cima, enquanto a direita buscava a mecha presa. Para enxergar melhor, inclinou o corpo para o lado, passando a mão e o braço pelo ombro de Valentina, até que seu rosto ficou perigosamente próximo da lateral do rosto da garota.
— Tá quase… — murmurou, os olhos fixos na mecha, mas consciente de cada respiração quente que escapava no espaço apertado entre as duas.
O zíper cedeu devagar, libertando fio por fio. No último instante, quando Verena ia se afastar, Valentina virou o rosto instintivamente para agradecê-la — e Verena fez o mesmo, para avisar que estava pronto.
O encontro foi inevitável.
Os narizes se tocaram de leve, um deslizar quase imperceptível que, ainda assim, fez ambas prenderem a respiração. A distância entre as bocas reduziu-se a um sopro, o silêncio pareceu expandir, como se todo o auditório tivesse desaparecido.
Valentina manteve os olhos arregalados por um segundo, paralisada. Verena, por sua vez, sentiu um impulso quase físico para não se mover, como se aquele instante tivesse se tornado um ponto de gravidade própria.
Nenhuma das duas disse uma palavra. O “prontinho” ficou suspenso na garganta de Verena, tão próximo que Valentina podia sentir o calor da respiração dela contra o próprio rosto.
O contato sutil ainda parecia pulsar no ar, como se tivesse deixado uma corrente elétrica suspensa entre as duas.
Valentina não ousava se mover, seu corpo parecia enraizado ali, embora cada fibra gritasse para fugir daquela proximidade perigosa.
Verena, porém, já não pensava em recuar.
As costas reclamavam pela inclinação incômoda, as mãos, apoiadas no encosto e no blazer, doíam pelo esforço de sustentar o peso do corpo. Mas nada disso tinha importância naquele momento.
Ela sentia a respiração da menina roçar sua pele, a visão periférica tomada pelo brilho castanho dos olhos dela. E, como num lento mergulho, sua atenção foi se estreitando — cada segundo puxando-a mais para aquele ponto que se resumia à boca delicada, tão próxima que parecia chamar seu nome.
O ar entre elas ficou mais pesado.
Os olhos de Verena, antes firmes no rosto de Valentina, começaram a baixar, milímetros por vez, sem pressa. Valentina percebeu. Sentiu o coração travar, depois bater num ritmo desordenado, como se não conseguisse decidir se corria ou parava.
O silêncio era tão denso que o leve estalar do zíper, agora solto, soou alto demais.
Verena fechou os olhos por um segundo — aquele segundo que não deveria existir —, como quem se rende a um impulso inevitável. Quando voltou a abri-los, não havia mais cálculo, só a decisão muda que se traduzia no corpo inclinado, no rosto avançando devagar.
Valentina prendeu a respiração. As pupilas dilataram. Ela não precisava de mais pistas para saber o destino daquele movimento.
O olhar da deputada não voltou a subir. A cada fração de segundo, baixava mais, até fixar-se no alvo que ela não ousava nomear em voz alta.
Um passo e já não haveria volta.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Zanja45
Em: 18/08/2025
Eita! Essa garrafinha funcionou como cúpido. - o cheiro de shampoo de Valentina, unido ao cheiro amadeirado da deputada. - Só pode dar nisso, um quase beijo no final. - Acredito que alguém chegue para interromper esse interlúdio. - Aposto na Silvia.
Zanja45
Em: 24/08/2025
Você gosta de um suspensezinho. - Posso até estar enganada, mas é bem capaz de você colocar alguém para acabar com esse enlace de Verena. Kkkkk!
P.S: Não querer nem vê se Silvia pega a mulher no flagra. - Vai ser morte na certa. E dessa sem direito a uma advogada de defesa. - Falando em Silvia, ela atua em que área do direito?
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Zanja45
Em: 18/08/2025
Meu Deus! Que voz poderosa é essa de Verena? Pra deixar Valentina nesse estado de acaloramento?
Estou me sentindo uma Valentina, impactada com o poder da voz de alguém.Kkkkk!
anonimo2405
Em: 24/08/2025
Autora da história
Rsrsrsrs, não dá pra julgar a Valentina.
Tbm tenho muita vontade de assistir uma palestra da Verena. Ela tem uma presença que prende todo mundo, uma inteligência... Além da voz rsrs
Zanja45
Em: 24/08/2025
Rsrsrs! Confesso que também, tenho fraqueza por mulheres inteligentes. - E Verena encarnando uma mulher poderosa, com presença, faz com que as pessoas se rendam a ela. - Até às que se dizem inimigas são seduzidas pelo poder que emana dela.
anonimo2405
Em: 25/08/2025
Autora da história
Rsrsrs, te entendo bem rsrs. Menina, se eu te falar que postei o capítulo ontem, apertei em enviar mas não foi rsrsrs. Agora que tô vendo. Gente, rsrsrsrrs, não é possível!
Aiiii não acreditoooo rsrsrs. Agora vou sempre conferir duas vezes se o capítulo enviou.
Zanja45
Em: 25/08/2025
Kkkk! Mas autora! Você deveria estar bastante cansada!
Mas sem problemas, como não esperava ontem está tudo tranquilo pra mim.
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Sem cadastro
Em: 17/08/2025
Você está sendo malvada...
Novamente, só me resta esperar com ânsia o próximo capítulo.
Que loucura a vida de Verena e Valentina vai virar
Transformação carrega dor
Mas beleza e contentamento
Verena está se entregando ao abismo da paixão e fascinação
Inevitável é quando nem buscamos
Aparece na nossa frente
Isso é raro e eterno na memória
Depois da poeira baixar
Que a gente vê os estragos...
Querida autora, não demora
Não nos abandone
Estamos aqui admirando sua história
E desejando que ela não tenha fim
Abraços!!!
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Silvanna
Em: 15/08/2025
Será que esse beijo sai? A autora está nos torturando! Kkkk
Olha a quantidade de parágrafos para descrever frações de segundos! E com muita intensidade.
Parabéns!
anonimo2405
Em: 16/08/2025
Autora da história
Ahhh olha, tem tudo pra sair hein.
Ahh olha, não era minha intenção causar essa tortura, só um pouquinho vai rsrs. E espero que possa me perdoar rs.
Confesso que até fiquei pensando se não exagerei. Mas é um momento tão intenso que não dá pra deixar passar nada rs.
Muito obrigada pelo carinho viu?
Abraço! S2
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Zanja45
Em: 15/08/2025
Aquilo que tentamos reprimir com toda a força. É manifestado pelo consciente de forma alarmante. - E o que Valentina fez para tentar camuflar as emoções dela. - Cantando e ouvindo músicas gospel, indo ao culto.- Isso fez com quem ela se voltasse mais para Verena.
anonimo2405
Em: 16/08/2025
Autora da história
Pois é, verdade! Fingir que não sente é bastante difícil, parece que intensifica.
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N@ty
Em: 14/08/2025
Você está sendo malvada...
Novamente, só me resta esperar com ânsia o próximo capítulo.
Que loucura a vida de Verena e Valentina vai virar
Transformação carrega dor
Mas beleza e contentamento
Verena está se entregando ao abismo da paixão e fascinação
Inevitável é quando nem buscamos
Aparece na nossa frente
Isso é raro e eterno na memória
Depois da poeira baixar
Que a gente vê os estragos...
Querida autora, não demora
Não nos abandone
Estamos aqui admirando sua história
E desejando que ela não tenha fim
Abraços!!!
anonimo2405
Em: 16/08/2025
Autora da história
Ahhh não fui malvada vai. Mas vc tem razão, se esse beijo acontecer a vida delas vai virar de cabeça pra baixo!
Minha querida, peço desculpas pela demora! Mas olha, jamais vou abandonar a história, pode ficar tranquila. Tô tentando diminuir esse tempo de atualização.
E olha, obrigada de verdade pelo carinho e pela paciência!
Abraço! S2
N@ty
Em: 17/08/2025
Geralmente, eu costumo acompanhar histórias completas. Mas eu fiquei afastada do site por tantos anos.
A sua é a segunda história que acompanho. Eu comecei a ler quando estava no 14 capítulo.
Aí a gente vai lá, começa ler mesmo não completa e se apaixona pela escrita, pelas personagens... É um caminho sem volta kkkkkk
O lado bom, é que você é tão detalhista que cada capítulo é grande.
Mas mesmo que fossem menores, em nada diminuiria a qualidade.
Fico tranquila em saber que está empenhada em nos agraciar com o seu dom da escrita.
E sim, você foi malvada! Kkkkk
Se cuida querida autora anônimo.
Nos " esbarramos"nos comentários.
anonimo2405
Em: 17/08/2025
Autora da história
Olha, eu sei como é começar a ler histórias não finalizadas. Minha mente já começa me alertar, dizendo pra eu não começar rsrsrs. Eu escuto? Claro que não, vou lá, começo a ler, aí chego no último capítulo postado e pronto. Já fico triste rsrsrsrs
Mas você falou tudo, é um caminho sem volta rsrsrs. E é uma honra e um privilégio saber que consegui te cativar e te fazer ficar. E pode ficar tranquila que não vai passar pela sensação da não continuação. :)
Obrigada pelo carinho! E por continuar aqui! Até breve! S2
anonimo2405
Em: 17/08/2025
Autora da história
Ahhh e ainda que não fui tão malvada rsrs, mas vamos discutindo isso melhor! Rsrsrs
N@ty
Em: 23/08/2025
Necessito de novo capítulo
A abstinência já tomou conta kkkkkk
anonimo2405
Em: 24/08/2025
Autora da história
Aiii, calma, respira. Isso, cheira a florzinha e sopra a velinha! Rsrs
Mas eu sei, demorou mesmo dessa vez. Eu tentei atualizar antes, mas não deu! Espero que não brigue comigo.
Sem cadastro
Em: 25/08/2025
Necessito de novo capítulo
A abstinência já tomou conta kkkkkk
anonimo2405
Em: 25/08/2025
Autora da história
Eu atualizei ontem. Ou melhor achei que tinha atualizado. Mas acredita que eu aprendi pra adicionar o capítulo, mas não foi. Agora que tô conferindo aqui.
Gente, rsrsrrs, aiii não acredito rsrss
Sem cadastro
Em: 25/08/2025
Necessito de novo capítulo
A abstinência já tomou conta kkkkkk
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Zanja45
Em: 13/08/2025
Valentina foi colocada num bico de sinuca danado.- Ela deu a cara a tapas, mesmo não sabendo o que o amiga está aprontando. - Mas, ela com certeza desconfia de algo.
anonimo2405
Em: 16/08/2025
Autora da história
Também acho. Foi um salto no escuro. Vamos ver agora o que vai dar.
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Zanja45
Em: 13/08/2025
Carol está indo de vento em popa no intuito de ajudar Valen. - Não perde uma oportunidade- Esse Simpósio que ela quer inscrever Valen, heim? O que será que vai rolar?
anonimo2405
Em: 16/08/2025
Autora da história
Carol missão cupido oficial. Valen que aguarde rsrsrs
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Zanja45
Em: 13/08/2025
Sabia que o medo de Verena não era apenas de agulhas, mas outras coisas que ela quer reprimir. - E fica bem claro quando ela diz: "...alguma coisa pulsava e não condizia com a razão". - Ela está se deixando levar, porém não é o que realmente ela deseja.
anonimo2405
Em: 16/08/2025
Autora da história
Você foi cirúrgica. Ótima observação viu?
Não sei se concordo com a Verena em querer seguir adiante com a ideia de ter um filho só pra manter a esposa com ela, mas também tô muito curiosa pra saber como ela vai se sair como mamãe! :)
anonimo2405
Em: 16/08/2025
Autora da história
É na verdade não concordo né rsrs. Um filho é uma decisão que muda toda a vida da gente. Mas, não vou mentir que tô ansiosa pra saber como vai ser rsrsrs
Zanja45
Em: 18/08/2025
Eu não tenho filhos, mas com certeza, muda.
Você está tentando ser mãe agora ?
anonimo2405
Em: 24/08/2025
Autora da história
No momento não. Estou colocando algumas em ordem primeiro. Porque quero poder me dedicar 100%. Mas e você, pretende ser mãe?
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Zanja45
Em: 13/08/2025
Amei a parte da diferenciação entre a Inseminação Artificial e a FIV. - Perfeita explicação. - A FIV tem maiores chances de sucesso, porém é mais caro. - Mas, como as duas tem um bom poder aquisitivo, provavelmente irão escolher a mais acertiva.
anonimo2405
Em: 16/08/2025
Autora da história
Ahhh que bom que você gostou! S2
Eu também achei muito interessante.
E concordo totalmente com vc. Elas devem escolher a FIV, já que elas têm uma boa condição financeira.
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Zanja45
Em: 13/08/2025
A ida de Silvia ao banheiro acabou com o clima? - Rsrsrsrs!
O efeito Valen foi mais forte, destruí de vez as chances dela focar no instante.
anonimo2405
Em: 16/08/2025
Autora da história
Parece que acabou né rsrsrs. Particularmente não tenho propriedade pra dizer se um banheiro tem essa capacidade rsrsrs. Mas a Valen parece que tem hein rsrsr
Zanja45
Em: 18/08/2025
Kkkk! Também, mas deve ser brochante.
anonimo2405
Em: 24/08/2025
Autora da história
Kkkkkkkkkkkk, rindo muito aqui viu kkkkkk. Mas concordo, não deve ser legal rsrsrs
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Zanja45
Em: 13/08/2025
Carol está me saindo uma coviteira que só. - E Valen indo na onda dela. - Quando viu já fez sem nem perceber.
anonimo2405
Em: 16/08/2025
Autora da história
Carol resolveu entrar na missão cupido. Valen tadinha. Toda inocente.
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Zanja45
Em: 13/08/2025
Que caneta abençoada, viu? Levantou tantos questionamentos a respeito dela.- Fez Valentina ficar mais perto de vê. - Autora quero de brinde uma caneta dessas. Kkkk!
anonimo2405
Em: 16/08/2025
Autora da história
Ahhh eu também quero demais. Quase dando um jeito de falar com a Verena e pedir algumas rsrsr
Zanja45
Em: 18/08/2025
Kkkk! Sim, quero muito, mas só quero a especial, a que tem o nome da deputada.
anonimo2405
Em: 24/08/2025
Autora da história
Com certeza. Nossa, eu que já amo canetas, uma dessas. Eu nem usava, só pra não acabar rsrsts
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Zanja45
Em: 12/08/2025
A Deputada não perdeu a oportunidade, tirou uma lasquinha de Valentina em grande estilo e ainda deixou algo pra ela lembrar bem dela. - A caneta como o nome dela impresso, foi algo muito pessoal. - Toda vez que Valentina olhar para ela, vai lembrar de cada ato daquele momento. - Do toque. Do sorriso. Da voz. - O toque na cintura, foi marcante, como diz a amiga Carol, intenso.
anonimo2405
Em: 16/08/2025
Autora da história
Ahhh apesar de tudo não posso julgar a Verena. Ela soube aproveitar bem o momento. E ainda fechou com caneta de ouro rsrsrsrs
Zanja45
Em: 18/08/2025
Essa deputada é um caso sério. - Ninguém consegue frear os impulsos dela quando o assunto é Valentina. Kkkk!
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Zanja45
Em: 12/08/2025
Sonia nem desconfia como essa visita valeu muito a pena, heim?
- O maior ato político para Verena - Só um copo de suco para disfarçar o quê a deputada está sentindo. - Oh, Deputada que quebra todas as convenções sociais em nome de um amor. ??
anonimo2405
Em: 16/08/2025
Autora da história
Se a Sônia soubesse rsrsrsr. Verena não tá conseguindo se controlar nem na frente dos outros.
Zanja45
Em: 18/08/2025
Ela está muito descontrolada. - E com o coraçãozinho ferrado.
anonimo2405
Em: 24/08/2025
Autora da história
Ahh quando o coração pede, não tem jeito.
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Hanna28
Em: 12/08/2025
Se de fato está linha for ultrapassada O que restará,além do querer e ainda assim,saber ser inevitável as consequências?
Todo mundo deseja que elas mergulhem neste infinito denominado:amor incondicional e transcendental.
Mas existe de fato uma rachadura do tamanho da falha de San Andreas, entre o desejar beijar a única que te transcende a alma mesmo sendo 13 anos atrás do seu tempo. E a certeza de que,se não agir como o coração agora Talvez se arrependa de não ter tentado...
O amor e suas inúmeras adversidades Minha cara Verena e a doce Valentina
Sinto que o próximo capítulo será ainda mais explosivo. Até lá, me resta lamuriar perante o aguardo da próxima segunda...![]()
anonimo2405
Em: 16/08/2025
Autora da história
Posso confessar um segredo? Também estou aqui ansiosa pra saber o que vai ser se esse beijo acontecer. O terremoto que isso vai causar nas duas. Porque aí já não vai ter como mesmo negar.
E olha, vai passar rapidinho vai ver. Eu tô na busca por uma gestão melhor do meu tempo pra não demorar tanto.
Hanna28
Em: 16/08/2025
Primeiro: Respire!
Está precisando desacelerar madame. É uma pessoa bem agitada em certas partes da sua vida...acho que viajei agora kkk
Segundo: Sentir o tempo
No sentido de explorar melhor os minutinhos tão raros de nossa rotina. O que vale ser um rolo compressor de excelência trabalhista e não usufruir dos frutos como se deve?
És uma mulher inteligente e de uma aura tão...vibrante apesar de esconder bem da maioria
Seus sorrisos mais genuínos são direcionados a quem de fato te enxerga além dessa fortaleza em forma de mulher em meio a essa selva dominada por nosso gênero oposto.
anonimo2405
Em: 16/08/2025
Autora da história
Ahh concordo viu. Parece que o tempo tá passando mais rápido, mas acho que sou eu que tô correndo rsrs.
E, só tenho agradecer pelos elogios. S2 Nem sei se sou isso tudo rsrs, mas não posso dizer que não tento ser sempre a melhor pessoa que eu possa ser. Afinal, o mundo precisa de mais pessoas boas, que do contrário já estamos cheios, infelizmente.
PS.: E viajou por quê? Rsrsrs
Hanna28
Em: 16/08/2025
Exacly!
A modéstia de quem não sabe onde por a cara diante de pequenos elogios.
Olha que irei puxar seu pé kkk
anonimo2405
Em: 17/08/2025
Autora da história
Rsrsrsrs, de fato. Fico vermelha feito camarão. Olha, puxar eu até deixo com ressalvas. Mas só não vale fazer cócegas rsrsrs
Hanna28
Em: 17/08/2025
Desse jeito não vale garota!
Super injusto isso.
?????
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Hanna28
Em: 12/08/2025
Me perdi em você,sem querer retorno. As horas dissolvem,o tempo não me persegue mais.
Há um silêncio que grita entre nós,feito abrigo,feito lar,feito pele.
E é estranho,e bonito,perceber que há pessoas que são,por si,uma casa. Você é. Uma casa que não tem paredes, mas tem braços que sabem me conter e olhos que sabem me ler antes mesmo que eu me decifre.
Te ouvir é como mergulhar em um idioma que eu não sabia que falava, mas que, de alguma forma,sempre esteve dentro de mim. Te sentir é atravessar mil galáxias e, ainda assim,saber exatamente onde piso. É decifrar de cor um corpo que,até então, me era desconhecido,e perceber, no silêncio entre nossos olhos, que em algum lugar da vida, Você já me pertencia.
Se a sorte existe,ela me escorreu pelos dedos, e foi inteira pra você. Me sobrou o peito cheio, cheio desse amor que não se explica, mas que se sente na carne,no osso, no silêncio entre as palavras que não dissemos.
Não sei do amanhã,não sei sequer de mim. Só sei do agora. E o agora é você. Respirando.Existindo. Me olhando como quem me reconhece, mesmo quando nem eu me acho mais.
anonimo2405
Em: 16/08/2025
Autora da história
Ok, onde eu acho essa poesia maravilhosa pra ler? Estou disposta a negociar rsrs. É tão romântico, tão doce e delicado e ao mesmo tempo tão profundo!
Hanna28
Em: 16/08/2025
Prefiro as nossas antiquada cartas escritas cheias de sentimentos a mão. Tempo de que o verbo sentir era de fato um fator predominante nas relações românticas.
Olhar nos olhos e se enxergar através dos olhos daquela pessoa que nos faz vibrar
Segurar as mãos passando toda segurança de quem sabe que não irá te soltar
anonimo2405
Em: 16/08/2025
Autora da história
Nossa, as cartas. Você parece ser também uma romântica incurável, acertei? Rsrsrs
Concordo, também acho as cartas tão mais significativas. Apesar da demora né rsrsrs, outra coisa que as modernidades vem nos tirando: a paciência. Mas confesso que ainda prefiro as breguices como chamam rsrrs. Romantismo raiz.
Hanna28
Em: 16/08/2025
Romântica do tipo de sair soltando fogos de arc-íris com glitters?Acho que não.
Sou mais de demonstrar do que falar...
As vezes penso ser de outro tempo...
Onde apreciar o céu com suas trilhões de estrelas e nossa exuberante lua, fosse mais significativo do que ficar horas em telas que nos tiram a paz literalmente...
No seu caso talvez já tenha sua noite estrelada para chamar de sua
Enquanto o resto vive correndo em círculos atrás de superficialidade momentânea
anonimo2405
Em: 17/08/2025
Autora da história
Kkkkkk soltando fogos de arco-íris com glitter me pegou rsrsrsrs. É, aí já é demais até pra mim rsrsrs. Sou mais daquelas que escrevem nome com coraçãozinho no final do caderno e deixa bilhetinhos junto com o almoço :)
E concordo com você, vale muito mais pena um momento simples, mas vivo do que algo grandioso, mas sem uma conexão de verdade.
Hanna28
Em: 17/08/2025
Ela é de acordar com um sorrisinho bobo ao despertar com aquele alguém do lado.
Espécie rara minha cara autora e ainda em alto risco de extinção total.
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Hanna28
Em: 11/08/2025
QUANDO TEUS OLHOS TOCAM OS MEUS, O TEMPO SE DOBRA EM SILÊNCIO, E,POR UM INSTANTE,O MUNDO INTEIRO SE DESFAZ NA IMENSIDÃO DO TEU OLHAR.
NÃO HÁ PRESSA,NEM PONTEIROS, SÓ O BRILHO TEU,INABALÁVEL,LUZINDO EM MISTÉRIO E BELEZA,SENDO SEMPRE MAIS,SENDO SEMPRE NOVA.
E EU,PERDIDA NESSE ENCANTO, DESCUBRO-ME RENDIDA OUTRA VEZ, POIS CADA DIA ÉS MAIS DO QUE ONTEM, E AINDA ASSIM,ÉS SEMPRE A MESMA.
TU ME FAZES SENTIR O TEMPO COMO QUEM SENTE O VENTO DANÇAR: LEVE, INTENSO,ETERNO NUM SOPRO. E EU, TÃO TUA, SÓ QUERO FICAR.
SE SOUBESSES O QUANTO TE AMO, SE OUVISSES O QUE O SILÊNCIO DIZ, SABERIAS QUE ÉS O INSTANTE MAIS BELO EM TODOS OS TEMPOS QUE VIVI.
Sem comentários
anonimo2405
Em: 16/08/2025
Autora da história
Gente, como assim? Aí a autora fica sem ter o que falar. Sério os comentários são um show a parte. Ler uma poesia dessas, num sábado a noite...
Sem comentários estou eu. Com essas palavras lindas! Coração quentinho! S2
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HelOliveira
Em: 11/08/2025
Acho que agora vaiii
anonimo2405
Em: 16/08/2025
Autora da história
Só depende da Verena querer. E nós sabemos bem que ela quer rsrsrs
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Pantera
Em: 11/08/2025
Eita, agora vai ????????????
anonimo2405
Em: 16/08/2025
Autora da história
Parece que vai né? Pelo.mejos tem tudo pra ir rsrs
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anonimo2405 Em: 24/08/2025 Autora da história
Nossa, já pensou se a Silvia chega? Rsrs
Imagino a tensão que não ia ser. Mesmo se ela não entendesse acho que o desespero da Verena ia entregar rsrsrs