Capitulo 38
CAPÍTULO TRINTA E OITO
O silêncio tenso pairava no ar enquanto Marcela fechava a porta do quarto com lentidão, tomando o máximo cuidado para não despertar Alex, que repousava, ainda febril. A cada momento de medo que a mente infantil de Alex não conseguia processar, Marcela sentia suas próprias forças se esvaírem.
Do outro lado da mesa, onde a mãe de Marcela também estava sentada, Valesca observava os movimentos com uma frieza cortante, o mesmo olhar que um carrasco lança antes de proferir a sentença. Marcela não se incomodava com a presença de Valesca – muito pelo contrário, detestava-a desde o momento em que seus pés haviam tocado a fazenda. Desde o cruzamento de seus caminhos, tudo se transformara em um caos sem precedentes. O pior de tudo era saber que a culpa recaía sobre seus próprios ombros. Havia sido leviana e inconsequente ao se envolver com Valesca por pura diversão, e agora a conta daquela insensatez chegava. Mesmo que Marcela jamais tivesse prometido nada, nem exigido algo em troca, pensara que a relação era recíproca, sex* por sex*.
Marcela sentou-se do outro lado da mesa, bem perto do quarto, querendo estar pronta para qualquer emergência e, acima de tudo, manter distância de Valesca.
— Que porr* você pensa que estava fazendo ao dizer tudo aquilo na frente da Alex? — sua voz era um sussurro carregado de fúria — Eu não tinha prometido falar com ela antes?
No fundo, Marcela sabia que tudo se resumia à presença de Ágata e ao fato de tê-la apresentado como sua namorada. Valesca nunca havia conhecido, visto ou imaginado algo semelhante na vida de Marcela, e esse talvez fosse o principal motivo de tanta hostilidade.
— Eu não imaginei que Alex fosse reagir dessa forma — os olhos de Valesca demonstravam um lampejo de arrependimento, mas Marcela não se importou com o que eles queriam expressar.
— Alex tem pesadelos com a simples menção da palavra “Rio de Janeiro”. Você chega falando justamente que o Magnata está vindo, você é louca?
— Calma, filha — a mãe de Marcela tentou intervir.
— Não posso ficar calma, mãe, essa louca aterrorizou a minha filha! — Marcela sentou-se ainda mais distante das duas, respirando fundo, tentando se acalmar. Quando ficava nervosa, dizia coisas sem pensar e acabava machucando quem não merecia. Valesca, por outro lado, merecia cada palavra.
— Escute o que ela tem para dizer — a preocupação na voz da mãe deixou Marcela em alerta. Buscou ler nos olhos da mãe o motivo daquela inquietude, mas não conseguiu. Algo de muito grave a mãe sabia para estar tão séria daquele jeito.
— Pode falar, sou toda ouvidos — Marcela pediu, impaciente.
— Quando eu saí do escritório, recebi um e-mail com os passos da tal cunhada do Magnata.
— Vá direto ao assunto — Marcela pediu, sem paciência.
— Ao longo dos anos, a cunhada do Magnata tem feito várias viagens aqui para Fortaleza. A última vez foi há quatro meses. Ela sempre se hospeda na mesma casa, o mesmo endereço que pedi ao Jacinto para investigar.
— Sabe o nome dela? Quem sabe o General consiga descobrir alguma coisa.
— Mercedes Oliveira Moreno, pelo menos é esse o nome que aparece na relação dos tripulantes do voo G3 1846 de quatro meses atrás. O General não sabe de nada, por sinal ele aceitou a aposentadoria por tempo de serviço e deve estar saindo do país com a família, nesse momento já falei com ele.
A mãe de Marcela estava visivelmente nervosa, tentando disfarçar acariciando as mãos da filha. Sua respiração estava alterada. O que aquela informação teria a ver com ela? Qual o motivo de ficar apavorada com o nome da tal bandida? Marcela passou o braço pelos ombros da mãe para lhe transmitir segurança; fosse o que fosse que a mãe soubesse, não estava disposta a dividir com Valesca.
— Você sabe que legalmente eu não posso investigar nada, não cabe a mim. Só estou fazendo isso porque sei o quanto isso pode te prejudicar — Valesca explicou.
— Eu sei e agradeço do fundo do meu coração sua preocupação, mas não quero que se envolva na minha vida particular.
Valesca fingiu não ter escutado nada do que Marcela falou, pois continuou de onde parou.
— Eu tenho um amigo Delegado que está investigando o crime organizado da baixada fluminense ali para os lados de Japeri. Ele me deve uns favores e deixou passar a informação. O delegado que foi transferido do Rio para Caucaia, aquele que você achou muito estranho, ele está sendo investigado por envolvimento com a quadrilha do Professor, o gerente de uma das células menores que trabalha para o Magnata.
— Aí complica. Eu não sou muito enturmada com a polícia daqui, e ainda tem o agravante de estar sendo alocada na polícia federal daqui como agente de investigação, na polícia civil já fui dispensada. Não posso nem começar a investigar sem a autorização do meu superior. Onde está o Jacinto?
— Foi até a residência que deve estar fechada, tentar descobrir quem é o dono do imóvel.
— Meu medo, filha, é que esse povo por perto da gente acabe te encontrando, como a Valesca falou.
A mãe de Marcela estava coberta de razão.
— Renato, meu padrasto, andou levantando minha ficha. Eu vi no computador dele, ou melhor, no computador da minha mãe Salete. Ele quer descobrir coisas que mancham minha reputação para entrar com o pedido de guarda da Alex.
— Mas que cafajeste! Eu detesto aquele cretino, sempre quis tudo que foi do meu irmão e agora parece querer o que é seu, e o filho é idêntico! — a mãe de Marcela ficou de pé, andando de um lado para o outro — Tem como parar o Renato, Val?
— Juridicamente ele não pode fazer nada, mas pode expor Marcela, e um escândalo no momento não é nada bom.
— Não se preocupe, mãe. Eu quebrei o computador dele e do Eduardo. Todas as pesquisas deles foram destruídas e eles não tinham nada salvo.
A mãe de Marcela não pareceu aliviada. Alguma coisa a mais a estava deixando inquieta. Ela sentou-se ao lado da filha, segurando suas mãos. Marcela queria ler o que a preocupava.
— Valesca, o Renato andou trocando e-mail com o pai desse tal delegado. Talvez tenha vazado minha real profissão e eles já saibam quem eu sou.
Valesca olhou Marcela de forma inquisidora, tentando descobrir coisas que Marcela não havia contado. Marcela não tinha nada a esconder.
— Por que quebrou o computador do seu irmão? Ele também estava pesquisando sobre você? — Valesca parecia uma águia circulando a presa a distância. Marcela não tinha por que mentir.
— Ele andava stalkeando a Chiara, tinha fotos dela de tudo quanto é jeito, isso sem contar que ele vive perseguindo ela nos locais.
— Você não vê o tamanho da loucura que está cometendo? Está agindo como uma adolescente, e tudo por causa dessa garota!
— Não entendo sua pergunta, seja mais clara — Marcela rebateu no mesmo tom.
— Eu arriscando minha carreira para te manter segura e você brincando de casinha.
— Por favor, Valesca, vou pedir mais uma vez, não se envolva na minha vida particular — Marcela já estava cansada de insistir.
— A vida toda você nunca gostou de meninas novas, sempre se relacionou com mulheres mais velhas. O que mudou? Está em crise com a maturidade chegando? Ou eu fiquei muito velha para você?
A mãe de Marcela remexeu-se desconfortável no assento. Marcela não queria discutir na frente dela, mas Valesca não lhe deixava outra alternativa.
Em uma coisa, Valesca tinha razão. Marcela nunca gostara de mulheres mais novas do que ela, até aparecer aquela italianinha marrenta.
— Está sendo dramática. Nunca existiu nada além de sex* entre nós e sua idade nunca foi um problema, mas tem razão, nunca gostei mesmo, e não estou em crise de idade. Ao contrário, estou apaixonada, pela primeira vez na minha vida estou gostando de alguém. Consegue entender?
— Tudo que eu consigo entender é que está esquecendo das suas obrigações. Ultimamente vem deixando de lado tudo que mais te importava, que era o teu trabalho. Você é uma investigadora das melhores, seu dever é com o estado e com o país, seu dever é descobrir e jogar na cadeia vagabundos de alta periculosidade, é para isso que você foi treinada, não para correr atrás de garotinhas brincando de casal apaixonado.
Marcela não ia perder a calma. Conhecia Valesca bem demais para saber qual era sua estratégia e também se conhecia. Não ia desistir até que Valesca entendesse que agora ela não estava mais disponível.
— Eu passei a ser mãe e minha prioridade mudou. Eu quero filhos correndo no quintal, uma companheira que queira as mesmas coisas. Quando olho para Chiara, eu desejo um futuro ao seu lado. Eu me candidatei à vaga de monitora quando adotei Alex, não trabalho mais nas ruas. Sempre soube qual é minha obrigação, minha profissão só deixou de ser minha prioridade, não vou arriscar minha vida — não agora, não mais.
— Isso é besteira, você é como o vento, não se prende a nada, logo vai cansar dessa aí também como sempre cansou de todas.
— Você não me conhece, doutora, portanto não fale o que não sabe. Outra coisa, caso tenha esquecido, eu estou de licença maternidade, fugindo de um bandido que pode prejudicar minha filha. Tudo que eu podia fazer para ele ser capturado eu já fiz — Marcela estava cansada daquela discussão que não as levaria a nada.
— Não, não fez. Você e Alex são as únicas pessoas que podem reconhecê-lo antes que ele se mande.
A mãe de Marcela arqueou o corpo no banco, incomodada com o que estava ouvindo, e não conseguiu permanecer em silêncio.
— Calma aí, Valesca, nem fodendo você tira minha neta debaixo dos meus olhos!
Lá se foi a educação da mãe de Marcela, que tentou disfarçar quando pegou a filha sorrindo.
— Por isso mesmo que é tão importante que a bebê vá comigo ainda hoje para o Rio.
— Porr*, pare de me chamar de bebê, meu nome é Marcela!
Dessa vez, Valesca pareceu assustada com o tom de voz de Marcela. Os cílios caríssimos, comprados em uma loja de grife, enormes, pretos, realçando um rosto enrugado, mas muito bem maquiado, subiam e desciam rápido demais sem estragar sua beleza com o gesto involuntário. Valesca sempre foi uma mulher glamourosa, um pouco fria de sentimentos, mesmo assim uma senhora elegante. Seus olhos piscavam freneticamente, o único sinal de que estava nervosa e tentando entender a melhor abordagem para continuar a conversa. Era sempre assim: quando o diálogo não saía como ela esperava, mudava de tática para convencer a outra pessoa. Essa era sua forma de viver, manipulando todos, por isso era a melhor juíza da atualidade, mas Marcela também era boa no seu trabalho e nos argumentos.
— Ninguém conhece o rosto desse elemento, só você e a Alex podem reconhecer. A Alex ele conhece e sabe que ela pode ser uma testemunha contra ele, agora você ele não conhece — o tom de voz de Valesca ficou mais suave.
— Eu sei, mas você acabou de estragar minha viagem quando se precipitou e falou na frente da Alex. Agora ela está no quarto ardendo em febre, eu não vou a lugar nenhum com minha filha nesse estado.
— Pense bem, Mom. Vê se coloca juízo na cabeça da sua filha, é a segurança dela que está em jogo, para jogar tudo fora por um rabo de saia. Vou arrumar minhas coisas, estou voltando para o Rio.
Fim do capítulo
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