Capitulo 37
CAPÍTULO TRINTA E SETE
O que as crianças chegaram contando assustou a todas, que levantaram e correram até o quintal.
―O que aconteceu, meninos?―Eve segurou no braço do primeiro que veio até nós, visivelmente nervoso, olhando para a mata que se erguia mais distante.
―A bruxa ….
—Garoto mais respeito com os mais velhos.— Eve gritou com o garoto que estava muito nervoso.
— Desculpe, mas ela e isso mesmo, ela se meteu no nosso jogo, falando para a tia Marcela que o tempo estava passando e que precisava interrogar minha prima antes que o Magnata chegasse aqui. Foi por isso que Alex fugiu.
―Onde está a Valesca?
―A tia mandou ela ir embora. Ela tentou impedir a tia de ir procurar nossa prima. Ela deve estar perdida, mãe, ela não conhece essas matas.
Beatriz se adiantou respondendo, estava à beira das lágrimas, falando e virando-se para a floresta, procurando com os olhos, tentando achar a prima.
―Calma, nós vamos encontrar Alex. Avisem os homens para procurar em todo lugar, ela não deve ter ido longe. Cecília, avisa a mamãe. Eu, sua tia e Ágata vamos até o rio, ela pode ter ido para lá.
Ágata nunca se sentira tão impotente, sem rumo a seguir. Não sabia como ajudar a encontrar Alex. Não conhecia a mata. As gêmeas, sentadas ao seu lado, tentavam animá-la com a conversa, mas não adiantava muito; elas também estavam muito nervosas. Chicão dirigia a SUV moderna e espaçosa, devagar, com o olhar atento. A velocidade mal passava dos trinta, para que pudessem vasculhar a mata, com sua vegetação típica da caatinga. Esse tipo de vegetação é traiçoeira, com árvores de galhos secos, outras cheias de espinhos, e um calor incandescente. Nada mais se mexia, até mesmo os pássaros pareciam ter encontrado uma sombra para se esconder. De vez em quando, ouviam galhos quebrando dentro da mata, e Ágata se recusava a imaginar o que seria. Tinha pavor de cobra, aranha, escorpião, lagarta e outros bichinhos. Era cria da cidade, onde as crianças têm medo de tudo.
— Minha irmã vai encontrá-la. Aquelas duas têm uma conexão de alma. Não fique tão preocupada, Ágata.
Eve lhe deu palmadinhas na mão, puxando-a do buraco chamado medo que estava se apoderando de seu corpo, arrastando-a para seu poço infinito. Ágata olhou para ela e sorriu, meio sem graça. Nesse momento, o telefone de uma delas começou a tocar. Eve o tirou do cós da bermuda e atendeu. Do outro lado da linha, a pessoa parecia falar de Ágata, pois a olhava enquanto falava.
— Ela está aqui, não se preocupe. Estamos indo para o rio. Qualquer coisa, avise.
Eve desligou, guardando o celular dentro da calcinha. Ágata quase riu, se não estivesse tão preocupada, teria rido. Não entendia por que as pessoas gostam de guardar o celular dentro da calcinha; tinham a ilusão de que os ladrões jamais saberiam onde escondiam, mas, na realidade, é o primeiro lugar que eles procuram. Mas ali, no meio do nada, não havia motivos para ela esconder o aparelho.
— Minha mãe está preocupada com você, cheia de culpa. Ela nunca conheceu uma namorada da minha irmã e, na hora que ela traz você para apresentar a família, acontecem essas coisas.
— Parece que é nossa marca registrada causar transtornos por onde passamos ao assumirmos nosso relacionamento. Na casa dela também não foi lá essa maravilha, teve até briga feia. Lá em casa, meu pai quase enfartou. Então, pelo que vejo, aqui só seguiu o roteiro. Minha preocupação é com Alex, ela deve estar com muito medo.
Ágata não queria nem pensar no quanto esse medo poderia prejudicar a recuperação da fala dela.
— Você devia ter quebrado a cara da Valesca quando teve oportunidade. Teria nos livrado de muitos problemas.
Irvina, a gêmea mais contida, desabafou, trincando os dentes para segurar a raiva.
— Nossa irmã nunca deu importância a nada nem a ninguém que não fosse nós, a família dela. Desde que nosso tio morreu, ele levou junto uma parte dela. Quando ela nos contou da Alex, parecia outra pessoa. Seus olhos brilhavam de felicidade — Ivi enxugou uma lágrima disfarçadamente. Sua gêmea apertou sua mão e continuou.
— Quando todas nós fomos para o Rio de Janeiro conhecer Alex, era o auge da pandemia, viajamos de carro, eu e a mamãe, a Eve estava presa no hospital. Nos apaixonamos à primeira vista. Minha irmã estava com ela nos braços quando Alex nos viu escondeu o rosto nos cabelos de Marcela, pedindo: “Mamãe, não me solta, mamãe, não me solta.” Não podíamos chegar mais perto; ficamos distantes. Todas nós já estávamos vacinadas, mesmo assim mantínhamos uma certa distância.
— Foi assim a noite toda. Ela não saiu dos braços da minha irmã nem na hora de dormir. Minha mãe colocou os colchões no chão, e nó duas dormimos ali. No dia seguinte, quando ela acordou e viu todo mundo junto, ela não chorou e ficou só olhando, interessada, quando nos viu abraçando a mãe. Então ela soube que não queríamos tirar a mãe dela. De lá para cá, nunca mais nos separamos como família. Aí essa louca vem cheia de traumas e estraga tudo.
Irvina não olhava para Ágata; seu olhar estava perdido no horizonte, onde o sol parecia uma bola de fogo descendo no firmamento. Deveria ser umas cinco horas da tarde, e logo seria noite.
Chegaram ao rio, e nem sinal de Alex. Apenas o silêncio quebrado pela correnteza. Às vezes, dava para ver os peixes subirem à superfície para pegar alguma folha ou inseto. Quando percebiam que havia mais alguém invadindo seu santuário, mergulhavam, formando ondas em círculos que aumentavam de tamanho até desaparecerem.
— Ela não passou por aqui, vamos voltar.
Deram meia-volta. Quando Ágata ia subindo no carro, seu celular tocou. Atendeu rápido, colocando no viva-voz. As gêmeas olharam apreensivas.
— Eu a encontrei, mi amore, venha para a casa sede — a voz pesada, carregada de tristeza, era desconhecida para Ágata. Algo apertou seu peito; a dor daquela voz doía nela de uma forma que não conseguia entender.
— Alex está bem? — Foi tudo que conseguiu perguntar. Um nó estava entalado em sua garganta e não a deixava falar normalmente. Suas mãos tremiam, e seus olhos se encheram de água, que deslizaram pelo seu rosto. Eve apertou sua mão, entendendo tudo que estava sendo dito no celular.
— Sim, não falou uma palavra, só chora. Tem alguns arranhões, mas nada sério. Está muito assustada. Eu a encontrei escondida atrás de uns arbustos, em posição fetal ela sempre ficava assim quando tinha pesadelos.
Ouviram Marcela engolir seco, procurando as palavras. As gêmeas se abraçaram, Ágata achou que era uma forma de se protegerem, ambas com os olhos rasos d'água. Todas ali sabiam que Marcela estava chorando.
— Estou chegando, ma bela. — Ágata desligou o celular, colocando-o no bolso da bermuda. Secou as lágrimas, respirou fundo e se preparou para dar apoio à sua mulher. Quando chegaram em frente à casa sede, Eve a empurrou carinhosamente quando desceram do carro.
— Vá na frente, ela te espera.
Ágata já conhecia uma parte da casa. Quando chegaram, desceu e foi correndo para o quarto onde momentos antes tinham feito amor selvagem. Alguma coisa dizia que era para lá que Marcela tinha levado Alex. Abriu a porta. Marcela levantou a cabeça, ainda estava toda suja da brincadeira no quintal onde estavam felizes. Agora, só marcas de lágrimas restavam, borrando tudo. Alex dormia segurando a roupa da mãe como se tivesse medo de não a encontrar quando acordasse.
Ágata aproximou-se, fazendo um carinho no rosto de olhos avermelhados da garota que dormia alheia a tudo.
Marcela a abraçou e Ágata não deixou de reparar que ela havia chorado e parecia não ter vergonha de demonstrar seus sentimentos, o que a enchia de admiração, saber que sua força também está em mostrar seus medos. Sempre admirou pessoas que não sentem vergonha de chorar em público.
— Como você está? — sussurrou enquanto caminhava devagar, sem fazer barulho para não acordar Alex.
— Passei pelo inferno. A cada segundo que gritava o nome dela, surgiam mil imagens na minha cabeça, de tudo quanto é ruim. Meu maior pesadelo era o medo de encontrar minha filha morta, caída na cachoeira ou picada por uma cobra.
Ágata sentou ao seu lado, abraçando-a. Sua tristeza a partia por dentro.
— O pior já passou. Agora ela está em casa, e quando acordar, vamos saber o que ela está sentindo e por que fugiu. Agora vá tomar um banho e comer qualquer coisa. Eu fico aqui.
Marcela tirou a mão da filha de sua roupa, afastando um dedo de cada vez, com calma. Alex se mexia agitada. Ágata segurou sua mão, e em poucos segundos ela se acalmou.
— Se ela se agitar muito, me chame ou der algum sinal de que está acordando. Quero que ela me veja ao abrir os olhos. Durante todo o caminho de volta, Alex não falou uma palavra, agarrou-se no meu pescoço num choro desesperado. Isso me preocupa muito.
— O que sua amiga disse para ela ficar neste estado? — Ágata não conseguiu esconder o desapontamento que a presença da senhora causava a Marcela. Marcela parecia não estar disposta a falar a verdade, não quis insistir. No fundo, esse era um assunto entre as duas, mas Ágata tinha uma noção do que aconteceu.
— Não se preocupe, eu dou um jeito em tudo. Vou tomar um banho rápido e procurar algo para você comer também, deve estar morrendo de fome.
Marcela foi para o banheiro do quarto sem fazer o menor ruído.
Alex voltou a se agitar. Ágata aproveitou para deitar ao seu lado, fazendo conchinha. Seus cabelos tinham crescido nos últimos dias, não se parecia mais com um menino. Usava brinquinhos nas orelhas e lacinhos para enfeitar seu cabelo enrolado. Ágata passou o braço por cima do corpo de Alex e, não soube como, adormeceu.
Acordou num sobressalto, com o quarto escuro. Que horas seriam? Alex se mexeu. Ágata apertou, trazendo seu corpo para cima do seu. Estranhou, ela estava um pouco quente. Talvez fosse só o calor do seu corpo, uma vez que estavam bem agarradinhas. Ouviu passos e a porta abriu lentamente. Lá fora, luzes de lâmpadas deixaram escapar uma réstia de luz invadindo o quarto. A luz chegou por instantes, obrigando-a a fechar os olhos.
— Desculpe, não sabia que estava acordada. Está com fome? — Marcela entrou segurando a porta para não abrir totalmente, evitando a claridade.
— Morrendo de fome. Amor, estou achando a Alex um pouco quentinha, muito suada e com o rosto vermelho. Procure um termômetro para que eu possa tirar a temperatura dela. Ela estava gripada?
Marcela soltou a bandeja em cima de uma cadeira esquecida no canto e veio preocupada tocar a testa da filha.
— Ela está quente. Não é a primeira vez que isso acontece. Sempre que ela tem um pico alto de estresse, ela fica assim. Vou chamar Eve, ela sabe o que fazer.
Instantes depois, Eve entrou com uma maleta na mão. Sentou, tirou a temperatura, preparou uma injeção e, com cuidado, limpou uma parte do bumbum e aplicou o líquido. Foi tudo no mesmo instante: a picada da agulha e o grito apavorado da Alex.
— Calma, amorzinho, é só um antitérmico que a titia aplicou para passar sua febre. A dinda já terminou. Marcela, pega uma roupinha leve ou deixe ela só de calcinha, bastante água, suco e faça ela tomar a sopa. Vamos esperar como ela reage dessa vez.
— Ouviu sua madrinha, né? Vem, deixa eu tirar essa sua roupa — Marcela conversava com Alex, que ainda estava com carinha de choro. Pegou a tigela e começou a dar a sopa na boca da filha, que comeu muito pouco, voltando a adormecer logo em seguida.
— Vou pegar outra tigela para você. — Saiu levando as roupas sujas.
Eve ajeitou a cama onde a sobrinha dormia mais calma enquanto explicava.
— Sou pediatra, trabalho no HGF, e a febre dela é emocional. Essa não é a primeira vez, sempre acontece quando ela tem estresse.
— Ela ainda não falou nada.
— Vamos esperar para ver como ela reage.
— Meu irmão também é médico, clínico geral. Lembra dele?
— Mas é claro que lembro do doutor metido a galã, trabalhou junto comigo quando estava fazendo residência.
— Ele continua sendo o mesmo galanteador. Meu papai já cansou de mandar ele procurar uma esposa. Quando Marcela foi lá em casa, ele parecia chiclete grudado nela. Aliás, falando nela, para onde foi com tanta pressa?
— Olha, se eu conheço bem a minha irmã, ela deve ter ido dizer umas verdades à Valesca. Vou apressar qualquer coisa para você comer aqui mesmo.
Como se estivesse esperando um sinal, a moça ajudante de Dona Sebastiana entrou com uma bandeja, uma tigela fumegante. O cheiro era dos melhores, pedaços de carne e legumes de cores variadas. A barriga de Ágata roncou, mostrando a satisfação.
Fim do capítulo
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