Capitulo 6
Varka
Mandei os corvos logo depois do conselho.
Subi até a torre com Ragan calado ao meu lado, e ali, sob o vento das alturas, enquanto a bandeira de Valmont tremulava pálida contra o céu cinzento, escrevi as palavras com o punho firme e a mente cansada. Nada de poesia, nada de detalhes desnecessários. Korgun não era homem de meias mensagens, e eu aprendi a falar com ele do único modo que respeita: direto, honesto, com cheiro de sangue ou fumaça nas palavras.
“Pai,
Chegamos vivos.
A trégua ainda respira, mesmo ferida.
Ragan está bem, logo o mando de volta.
Por enquanto, o rei Aldren quer os filhos aqui.
A segurança não permite viagens.
As muralhas de Valmont se fecham mais a cada dia.
Mas não é o inimigo que me inquieta.
Escrevo de novo quando souber mais.”
Amarrei a tira de couro ao pé da ave, e quando ela bateu asas, cortando o ar como uma flecha silenciosa, tive por um instante aquela antiga sensação de que algo estava partindo de mim e não voltaria mais. Sempre tive isso com corvos. Desde menina. Como se carregassem pedaços que não sei nomear.
Voltei às pedras do castelo e a vida seguia em marcha contida. Os soldados dobravam turnos. Os guardas reforçavam os portões. Havia mais sentinelas nos muros, e a comida era contada com mais atenção nos depósitos. Um clima de vigília constante, tenso, como se todos esperassem que a qualquer momento algo rasgasse o horizonte, uma bandeira hostil, um trovão, um nome esquecido.
O tratado… bem, o tratado estava suspenso. Não era hora de correr riscos com as fronteiras. Os filhos do rei, Maeryn, Alric, Corwin, Teyrion e Elsera, deviam permanecer em Valmont. Pelo menos por enquanto. E isso, para mim, era um problema.
Não pelos riscos. Não pela política.
Mas por ela.
Desde aquela noite, aquela última noite, evitei seus olhos. Não por fraqueza. Não por covardia. Mas porque tem coisas que a gente sabe que, se olhar de frente, desmontam a gente por dentro. E Maeryn… maldição, ela era uma delas.
O jeito como me olhou no conselho, como se quisesse me despedaçar com o olhar e, ao mesmo tempo, me implorar algo que eu não podia dar, aquilo ficou grudado na minha pele como poeira de campo de batalha. Eu a vi sentada ali, reta, orgulhosa, mesmo com o peso no rosto. E vi também o que deixei naquela cama. E o que arrastei comigo ao sair dela.
Eu nunca prometi. Nunca disse que ficaria. Não sou feita disso. Meu pai sempre dizia que amar é abrir a guarda. E Skarn não se sustenta com homens e mulheres que andam com o peito exposto. O coração, ele dizia, é o primeiro a ser arrancado na guerra.
E mesmo assim…
Mesmo assim, quando a vejo passar pelos corredores, com a capa fechada no ombro, o olhar que arde e finge indiferença, o cheiro do cabelo ainda me ferve na memória. Minha boca ainda sabe o caminho da pele dela. Meu corpo ainda carrega as marcas da última vez, os arranhões nas costas, as unhas nos ombros, os gemidos abafados no meu pescoço.
Mas não posso ceder.
Não posso me dar o luxo de ceder.
Há um tratado em ruínas, um irmão jovem que ainda olha o mundo com dentes expostos demais, uma guerra que respira nos cantos. Não há espaço para sentimentos desgovernados. Muito menos por uma mulher que nasceu para ser parte de outro reino.
E, no entanto, é nela que penso quando olho os muros sendo reforçados. Quando caminho pelos pátios em silêncio. Quando limpo a espada ao cair da tarde e sinto que algo dentro de mim lateja mais do que os ferimentos que trago no corpo.
Ela.
Maeryn.
Sempre ela.
O problema não é o inimigo. Nem a política. Nem as muralhas.
O problema é que não sei se dessa vez consigo voltar pra casa inteira.
Porque algo dela ficou em mim.
E algo meu, maldita seja, eu deixei naquela cama.
Os dias passaram como se o tempo tivesse desacelerado dentro das muralhas de Valmont.
Lá fora, o mundo se movia com a fúria de quem prepara guerras, corvos indo e vindo, notícias abafadas sobre movimentações no norte, reforços enviados aos postos avançados. Mas aqui dentro, era como estar trancada num barril de pólvora com uma vela acesa nas mãos. Tudo em silêncio, tudo em espera. Os olhos de todos estavam voltados para o horizonte, mas os meus… os meus pareciam sempre cair nela.
Maeryn.
Os encontros eram inevitáveis. Valmont não é tão grande quando se está preso entre paredes de pedra, e ela, sendo filha do rei, era presença constante nos salões, nos corredores, nas varandas voltadas para os campos. Eu tentava evitar. Juro pelos deuses antigos e novos, eu tentava.
Mas cada vez que a cruzava, algo em mim cedia. Um músculo, um pensamento, uma lembrança.
Nos treinos com os soldados locais, eu me concentrava em não pensar nela. Empunhava a espada como se cada golpe fosse um lembrete de quem eu era, Varka, filha de Korgun, forjada no frio de Skarn, moldada entre irmãos cruéis e dias longos de guerra. Não havia espaço pra sentimentos brandos. Só o corte da lâmina, o peso do escudo, o som seco da madeira contra os ossos.
E ainda assim, mesmo entre o suor e os gritos de treinamento, eu sentia. Sentia quando ela observava. Mesmo à distância. Mesmo fingindo que não me via.
Às vezes, ela passava no pátio enquanto eu treinava com os homens. Caminhava devagar, como se o destino a levasse por ali por acaso. Vestia as túnicas leves que usava dentro do castelo, a capa com o brasão da casa dela, e o cabelo louro preso na nuca, deixando o pescoço exposto como uma provocação. E os olhos verdes… maldição, aqueles olhos verdes me perseguiam mesmo quando eu fechava os meus. Brilhavam como uma lâmina sob a luz do sol, cortantes e límpidos, como se pudessem arrancar de mim o que eu me matava para esconder.
À noite, jogávamos com outros nobres no salão menor, tabuleiros de estratégia, dados, jogos de bebida. Ela sempre sentava do outro lado da mesa. Nunca ao meu lado. Mas suas pernas se cruzavam sob o banco com uma lentidão que parecia medida. E quando bebia, mordia o lábio inferior como da primeira vez que a vi, naquele mesmo palácio, há meses atrás.
Os olhares aconteciam. Sempre. Breves. Silenciosos. Carregados demais pra serem acidentais. Às vezes me fitava por segundos, depois desviava com o queixo erguido, altiva. Às vezes me ignorava por completo, o que era ainda pior, porque me fazia querer provocá-la, fazer com que me olhasse de novo, nem que fosse com raiva.
Nos jantares, ela era impecável.
Assentada ao lado do pai, os dedos longos brincando com a borda da taça, o olhar atento às conversas de estratégia e política. Quando falava, era com firmeza. E quando discordava, até os generais silenciavam. Havia nela uma elegância natural, uma força que não vinha do braço ou da lâmina, mas da presença. Maeryn não precisava erguer a voz para ser ouvida. Ela era o tipo de mulher que dominava um salão apenas entrando nele. E isso… isso me desarmava mais do que qualquer espada em punho.
Mas à noite… à noite era pior.
Quando tudo silenciava, quando os corredores se esvaziavam e as velas ardiam baixas, eu ficava sozinha com meus pensamentos.
E com o corpo em brasa.
Eu queria ir até ela. Queria abrir aquela porta, empurrá-la contra a parede como antes, ouvir de novo os gemidos dela se perdendo no meu pescoço. Queria suas unhas na minha pele, suas pernas ao redor da minha cintura, sua voz dizendo meu nome entre respirações falhadas.
Mas não ia.
Porque cada vez que pensava em bater naquela porta, lembrava da manhã seguinte. Do vazio. Da distância. Do olhar ferido que ela lançou quando nos cruzamos no conselho. E de como, pela primeira vez em anos, me senti culpada.
Não sou feita pra isso. Não pra sentimento, não pra entrega. Sou aço, não flor.
E mesmo assim… ela crescia em mim como uma raiz teimosa, rompendo os cascos do que achei que era minha fortaleza.
Comecei a sonhar com ela. Às vezes acordava com o nome dela na garganta. Outras, suando, os lençóis grudados ao corpo, como se a lembrança ainda estivesse viva sobre minha pele. E me perguntava quanto tempo mais eu conseguiria fingir.
Fingir que não a queria.
Fingir que não a desejei cada dia desde então.
Fingir que o que deixei naquela cama não me assombra.
Porque a verdade, por mais que doa, é simples:
Maeryn se tornou minha guerra mais difícil.
E toda noite, o que me impede de perder essa batalha…
…é não saber se ela ainda me quer como antes.
Ou se já me odeia como eu mereço.
A noite caiu lenta, carregada de umidade e silêncio. O céu sobre Valmont estava encoberto, sem estrelas, e o vento que passava entre as muralhas trazia um frio que parecia querer entrar pelos ossos. A fortaleza dormia em vigília: os guardas caminhavam de olhos atentos, as tochas lançavam sombras longas nos corredores, e os sons eram abafados, como se o castelo todo prendesse a respiração.
Eu não pretendia encontrá-la. Não naquela noite.
Meus passos tinham outro destino, ou assim eu dizia a mim mesma. Andava em círculos, sem sono, fingindo que procurava o pátio de treino, a torre, os estábulos, qualquer maldita desculpa para não admitir que estava, mais uma vez, à deriva dentro dessas pedras, seguindo o cheiro dela nos cantos escuros da madrugada.
E foi no corredor da ala antiga, aquele pouco usado, que vi a silhueta dela.
Maeryn.
Estava ali, sozinha, envolta em uma capa escura, olhando pela pequena janela arqueada que dava para o norte. O rosto meio à sombra, os cabelos soltos caindo sobre os ombros, e aquele maldito silêncio que ela carrega como uma lâmina embainhada. Um passo meu ecoou, e ela virou o rosto. Os olhos verdes encontraram os meus como uma flecha que sabia onde atingir.
Por um instante, nenhuma de nós falou. Só ficamos ali, sob o som distante de alguma tocha estalando mais abaixo, como dois fantasmas presos num momento que se repetia noite após noite dentro da minha cabeça.
(Maeryn) — Vai continuar fingindo que eu não existo? — ela disse, a voz baixa, seca, com aquela raiva contida que ela dominava tão bem.
(Varka) — Eu não tô fingindo nada.
(Maeryn) — Não? — ela riu sem humor, cruzando os braços. — Você me fode e depois me abandona como se eu fosse uma idiota. E agora, me vê nos corredores, me encara nos jantares… e some.
O sangue me subiu como se eu tivesse tomado um soco no peito. Eu não esperava que ela fosse falar assim. Direta. Crua. Como eu.
(Varka) — Eu nunca prometi nada. Não podemos ter nada. — retruquei, firme.
(Maeryn) — Mas também não teve coragem de dizer isso olhando na minha cara.
Me aproximei devagar. As pedras sob meus pés pareciam rugir com o peso do que não era dito.
(Varka) — Maeryn… eu não sou feita pra ficar.
(Maeryn) — Eu também não. Mas isso nunca foi o problema — disse, aproximando-se um passo. Os olhos dela brilhavam, não só de raiva, mas de dor. Uma dor que eu reconhecia, porque era minha também.
(Varka) — Então qual é? — perguntei, sentindo minha garganta secar.
(Maeryn) — O problema é que eu te quero. E você quer fugir disso como se fosse pior que a guerra.
(Varka) — Maeryn…
Antes que eu pudesse responder, ela me empurrou contra a parede.
Foi rápido. Imprevisível. Os lábios dela colidiram com os meus com uma fúria que rasgava qualquer lógica. E eu cedi. Maldição, como eu cedi.
O beijo era raiva, era frustração, era tudo o que havíamos engolido nos últimos dias. Nossos corpos se chocaram como ondas contra rochas. Minhas mãos deslizaram por sua cintura com a urgência de quem já sabe o caminho. A capa caiu. A dela também. Estávamos ali, no meio do corredor escuro, onde qualquer um poderia passar, e isso só tornava tudo mais insano. Mais vivo.
Ela me agarrou pelos cabelos e puxou minha cabeça pra trás, mordendo meu pescoço com força suficiente pra deixar marcas. Eu gemi, baixo, e minhas mãos encontraram sua coxa, subindo pela fenda da túnica. Ela já estava quente. Já estava pronta. Como se tivesse vindo ali só pra isso. Como se tivesse esperado por mim a noite inteira.
(Maeryn) — Você é uma covarde — ela sussurrou entre dentes.
(Varka) — E você é mimada — respondi, enfiando os dedos entre suas pernas. Ela arqueou, o corpo todo se oferecendo ao toque.
Nos encostamos contra a parede, ofegantes, famintas. Meus dedos se moviam com precisão, como quem conhece a reação de cada parte dela. Maeryn gem*u baixo, mordendo o lábio, os olhos fechados por um segundo. E depois me puxou pela camisa, me apertando contra ela com uma força que me enlouqueceu.
(Maeryn) — Cala a boca — ela murmurou, a voz entrecortada.
(Varka) — Eu nem falei nada.
(Maeryn) — Cala a boca mesmo assim.
Deslizei por baixo da tecido da túnica, ajoelhei sem pensar. O gosto dela era salgado, quente, inebriante. E cada vez que minha boca se afundava entre suas pernas, ela segurava meu ombro com mais força, se contorcia, mordia os próprios punhos pra não gritar. Me agarrava como se estivesse caindo. Como se eu fosse a única coisa sólida em um mundo que desmoronava.
Ela veio rápido, tremendo, arfando, com os olhos molhados e a cabeça encostada na pedra fria. Eu subi, e ela me puxou num beijo selvagem, onde ainda havia gosto de si mesma na minha boca.
Ficamos ali, ofegando, os corpos colados, as respirações se misturando.
(Maeryn) — Isso não devia ter acontecido — ela murmurou, mas a mão ainda estava em minha nuca.
(Varka) — Mas aconteceu.
(Maeryn) — E vai acontecer de novo?
(Varka) — Eu não sei — respondi, sem conseguir mentir.
Porque a verdade é que, naquele instante, com o cheiro dela na minha pele, os gemidos ainda nos ecos do corredor, e o coração batendo tão rápido que quase doía, a única coisa que eu sabia era:
Eu não consigo ficar longe dela.
Mesmo quando tudo em mim diz que deveria.
Ficamos ali por um tempo, encostadas na parede fria do corredor, como duas sobreviventes de um naufrágio, suadas, trêmulas, respirando como se o mundo tivesse quase acabado. A boca dela ainda estava na minha, e o gosto do nosso encontro ainda queimava na língua. O silêncio que veio depois não foi desconfortável. Foi pesado. Cheio de tudo que não sabíamos dizer.
Os olhos dela estavam fechados, como se estivesse tentando se recompor. O rosto encostado na curva do meu ombro, quente, vermelho. E por um instante, só um, desejei que o tempo congelasse ali.
Mas não congelou.
Ela se afastou primeiro. Puxou a capa do chão e amarrou-a com um gesto tenso, sem me encarar. Como se cada botão fechado fosse um muro erguido entre nós. Vesti minha camisa de novo, suada, colando na pele, o sangue ainda pulsando nas pontas dos dedos. Eu a observava, tentando decifrar o que havia por trás daquele rosto calado. Era raiva? Medo? Arrependimento?
Ou o mesmo caos que me consumia por dentro?
(Maeryn) — Acha que alguém ouviu? — ela perguntou, a voz baixa, mas firme.
(Varka) — Se ouviram, não vão ousar falar — respondi.
Maeryn soltou um riso curto, sem humor, e me olhou finalmente. O olhar dela me atravessou como lança. Não havia suavidade ali, mas também não era só dureza. Era… verdade. Um espelho do que estávamos tentando esconder.
(Maeryn) — Isso… — ela começou, mas parou. A boca se fechou no meio da frase.
(Varka) — Eu sei — respondi. Nem sei por que disse aquilo. Mas eu sabia.
Sabia que estávamos indo direto pra um precipício. E nenhuma de nós freava.
Ela assentiu uma vez, com um cansaço que parecia maior do que a noite. E sem dizer mais nada, virou-se e foi embora. O som das botas ecoando na pedra foi ficando mais baixo até sumir.
E eu fiquei ali. Encostada na parede, sentindo o corpo arder de novo, mas por outro motivo.
Ódio. Frustração. Desejo. Confusão.
Ela mexe comigo de um jeito que ninguém nunca conseguiu. Não é só o corpo dela, a boca, os gemidos. É o que ela representa. Maeryn é tudo que eu não posso ter. Orgulhosa, inteligente, nobre até os ossos. Criada pra mandar, pra carregar o sangue de reis, pra governar com honra. E eu? Eu sou uma tempestade. Filha de um rei de guerra, moldada entre ossos quebrados e decisões duras. Ninguém me ensinou a ficar. Me ensinaram a vencer. A fugir se necessário. A sobreviver.
E agora… agora ela me dilacera só com o silêncio.
Voltei pros meus aposentos antes que perdesse a cabeça de vez. O frio me atingiu no caminho de volta. Um vento úmido soprava das torres mais altas, cortando minha pele como facas de gelo. E mesmo assim, por dentro, eu queimava.
A noite avançou, e o sono não veio. Me sentei na beira da cama, os cotovelos nos joelhos, olhando pras brasas quase apagadas do braseiro. A roupa que eu usava a pouco, tinha seu cheiro, e ainda estava dobrada ali. Eu a toquei sem querer, e o gesto me irritou. Chutei a cadeira pra longe.
(Varka) — Maldição… — murmurei pra ninguém.
Eu devia parar. Devia me afastar. Devia lembrar quem sou.
Mas a verdade é que, a cada encontro, a cada toque, a cada palavra dita entre os dentes, eu sinto as paredes dentro de mim racharem. Maeryn está me desmontando. Me partindo em partes que eu nem sabia que existiam.
E o pior?
Parte de mim quer ser despedaçada por ela.
Porque pela primeira vez, o que lateja dentro do meu peito não é sede de guerra, nem fúria, nem sede de vitória.
É medo.
Medo de que o que estamos construindo no escuro…
…seja real demais pra suportar a luz.
Maeryn
Passei o resto da noite acordada.
O corpo ainda ardia, pulsava, como se a presença dela não tivesse saído de mim. Cada parte tocada, cada centímetro explorado, cada gemido arrancado à força… tudo ainda ecoava na pele, nas costelas, no ventre. Mas não era desejo que me consumia agora. Era outra coisa. Uma dor estranha, funda, como se alguém tivesse arrancado um pedaço de mim e deixado o buraco aberto, latejando.
Me sentei na beira da cama, os pés nus tocando o chão frio, e encarei o nada por longos minutos. Tinha as mãos trêmulas e o peito em chamas. A capa ainda sobre os ombros. Nem tirei quando voltei correndo pelos corredores escuros, o gosto dela ainda na boca, o cheiro ainda grudado nos meus cabelos. Uma parte de mim queria arrancar tudo, como se pudesse apagar a noite esfregando a pele até doer.
Mas não havia como apagar.
Porque toda vez que fecho os olhos, é ela que eu vejo. Não só nos momentos em que me devora contra uma parede ou quando me faz esquecer do mundo com a boca entre minhas pernas. Não. Eu vejo Varka nas pequenas coisas. No jeito como segura o copo com a mão ferida. No modo como finge que não se importa, mas seu corpo a denuncia com tensão nos ombros e o maxilar travado. Vejo a dor que ela carrega, o medo de se prender a qualquer coisa que não possa destruir com os punhos.
E talvez, só talvez, eu tenha sido idiota o suficiente pra desejar ser a exceção.
Senti raiva. Tanta raiva. Dela, de mim, do destino, dos deuses. Por que ela? Por que entre todas as pessoas, fui desejar justo alguém feito pra partir? Eu a queria perto e, ao mesmo tempo, queria vê-la sangrar por tudo que me fazia sentir. Ela mexe comigo de um jeito que ninguém mais consegue. Me tira do controle, me arranca do chão, me arrasta pra beiras que passei a vida tentando evitar.
E isso me desespera.
Porque eu não sei o que fazer com esse sentimento. Não fui criada pra isso. Fui treinada pra governar, pra negociar tratados, pra proteger o reino e minha família. Sempre fui forte, racional, centrada. Mas com ela… eu perco tudo. O ar. O rumo. O juízo.
Chorei. Em silêncio. Encostada na parede do meu quarto, envolta na capa que a minutos atrás estava no chão do corredor. Irônico. Como se tudo em Varka viesse com marcas de abandono.
Amanheceu antes que eu notasse.
O céu tingido de cinza, o som dos primeiros passos no pátio ecoando lá embaixo. Eu não dormi nem um segundo. Tomei banho, vesti uma túnica limpa, amarrei o cabelo com a mesma precisão de sempre. Mas o rosto… ah, o rosto não enganava ninguém. Havia olheiras fundas sob meus olhos, e a vermelhidão da pele não era do frio.
Ao descer para o salão, senti os olhares. Os guardas, os criados, até os nobres mais jovens, todos pareciam adivinhar que havia algo errado. Ou talvez fosse só paranoia. Mas quando Corwin me viu e franziu o cenho em silêncio, tive certeza: eu não disfarçava tão bem quanto pensava.
O café da manhã foi uma tortura.
Varka estava lá, do outro lado da mesa. Sentada, com a postura impecável, a expressão inexpressiva. Como se nada tivesse acontecido. Como se a noite anterior não tivesse existido. Ela não me olhou uma vez sequer.
Não precisava.
O silêncio dela gritava mais alto que qualquer palavra.
Alric chegou atrasado, com o cabelo desgrenhado e um olhar cansado. Sua esposa ainda estava na cama com as crianças. Corwin folheava um mapa. Meu pai parecia distraído, falando com um emissário sobre abastecimento de tropas. E eu… eu não ouvia nada. Só sentia. Cada segundo, cada gesto, cada falta de gesto.
Ela podia ter me procurado. Podia ter dito algo. Mas não disse. Nunca diz.
A dor tomou outra forma, não mais ardente como na madrugada, mas fria, constante, uma lâmina girando devagar dentro do peito. Eu me perguntava se era isso que ela queria desde o começo. Um caso escondido nos corredores, encontros noturnos abafados entre as muralhas de uma aliança frágil. Um segredo sujo, varrido pra debaixo do tratado de paz.
E se era… então eu era idiota demais.
Quando levantei da mesa, senti que ela olhou. Por um segundo. Breve demais pra alguém perceber. Mas bastou. Bastou pra me lembrar de que, por mais que ela fuja, por mais que me evite, ela sente. Eu sei que sente. Porque conheço os olhos dela. E ontem, quando me tocou como se fosse a última vez… ali havia algo mais.
Mas até quando?
Até quando vamos seguir fingindo que isso é só desejo? Até quando vou aguentar ser metade do que ela não tem coragem de assumir?
Saí do salão com os punhos fechados.
E naquele instante, jurei pra mim mesma:
Se ela vier de novo…
…não serei eu quem vai ceder primeiro.
Os corvos chegaram antes do sol atingir o meio do céu. Três aves escuras, grandes, as penas sujas de terra e neve, pousaram no castelo com pressa de quem carrega notícia quente.
Um burburinho começou no pátio, soldados cochichando, criados apressados entre os corredores, mensageiros indo e voltando com o cenho franzido. Estávamos no salão menor, Alric e eu revendo relatórios de vigília das muralhas. Corwin, como sempre, lia mais do que falava. Mas quando um dos sentinelas atravessou as portas de madeira e anunciou a chegada de reforços de Skarn, até ele levantou os olhos.
(Alric) — Reforços? — Alric perguntou, já se levantando, os dedos no cabo da espada por hábito.
(Sentinela) — Não. Uma comitiva — respondeu o homem. — Vinte cavaleiros… e um dos filhos do rei Korgun.
Dravak.
O mais velho dos filhos de Korgun. Conhecido por ser um homem frio, direto, com olhos claros como gelo derretido e um senso de dever tão inflexível quanto o aço das espadas que carrega.
Ele veio.
E com ele, o peso de tudo que ainda estava por decidir.
Fomos ao encontro da comitiva na entrada sul do castelo. A poeira ainda se erguia do chão quando os cavalos de Skarn atravessaram os portões, cobertos com peles grossas e placas de ferro, como se já esperassem uma batalha. E Dravak, ia à frente. Era indiscutível a semelhança entre os irmãos de Skarn.
Montava um garanhão cinzento, o cabelo escuro preso na nuca, a barba aparada com precisão. Saltou do cavalo antes mesmo do arauto terminar o anúncio.
(Dravak) — Onde está Ragan? — foi a primeira coisa que disse.
Varka surgiu ao meu lado como uma sombra. Seus olhos encontraram os do irmão, e, por um instante, algo mudou nela. Um fragmento de ternura contida, respeito antigo, o vínculo de sangue que ela sempre fingia ignorar.
(Varka) — Está bem. Aqui dentro. — Varka respondeu.
Dravak assentiu, sem mais palavras. Entrou. A tensão que trazia consigo parecia invadir cada canto do castelo.
Horas depois, no grande salão, a reunião foi convocada. O rei Aldren sentou-se na cabeceira como de costume, o rosto cansado, os dedos entrelaçados diante do peito. Alric, Corwin e eu tomamos nossos lugares. Varka e Ragan permaneceram de pé, de braços cruzados, encostados numa das colunas laterais. Dravak ficou em frente ao rei, como quem encara um igual.
A atmosfera era densa. Não por inimizade, mas pela verdade crua que pendia entre nós: a trégua estava se esgarçando, o tratado estagnado, e não havia mais como evitar a pergunta que todos fingíamos não precisar fazer:
Valmont realmente confia em Skarn?
Dravak não gastou tempo com cortesias.
(Dravak) — Mandei meu irmão para este reino — disse. — E mandei minha irmã junto com ele. Vocês ainda não mandaram ninguém. Nenhum filho de Valmont pisou em solo de Skarn desde que tudo começou.
Suas palavras cortaram o salão como uma lâmina bem afiada.
(Aldren) — Meus filho estava a caminho — Aldren respondeu com calma. Mas era o tipo de calma que precede a tempestade. — Meu povo foi atacado. Meus soldados morreram. Os túmulos ainda estão frescos.
Dravak não recuou.
(Dravak) — E o meu povo também. Mas fomos nós que demos o passo de fé. Nós que permitimos a permanência de Varka aqui, a melhor guerreira do reino de Skarn. E em troca, Ragan poderia ter sido executado — ele lançou um olhar rápido a Varka — E ainda assim… os portões de Valmont permanecem fechados para nós.
Ouvi aquilo com um nó na garganta.
Não porque ele estivesse errado. Mas porque o que dizia era verdade, e eu era parte disso.
Eu me levantei. Não por impulso. Mas porque era necessário.
(Maeryn) — Valmont recebeu Varka com espadas nas costas e olhos duros. Mas também a permitiu respirar, andar, falar, e viver. Não pode negar isso. — Olhei para o rei, depois para Dravak. — Mas também não posso ignorar que toda essa aliança ainda é feita de silêncios mal resolvidos. De mágoas frescas. De fantasmas dos nossos pais e dos pais deles. A trégua ainda respira… mas fraca. E se o tratado não for alimentado com confiança de ambos os lados, ele vai morrer.
O silêncio que se seguiu foi mais eloquente do que qualquer discurso.
Dravak assentiu, devagar.
(Dravak) — Então está na hora de mudar isso. Não com palavras. Mas com gestos. Um de vocês deve ir a Skarn. O rei Korgun exige.
A tensão se espalhou. Alric se mexeu no banco. Corwin virou o rosto. Varka me olhou por um segundo, e foi só isso. Mas bastou.
Eu soube o que ela pensava.
E talvez… talvez eu soubesse que ela não queria que eu fosse.
Mas ali, naquele instante, não éramos nós.
Éramos reinos. Era sangue. Era guerra. Era paz.
E eu, mais uma vez, não podia me dar o luxo de sentir.
Quando saí da sala, o vento da tarde me atingiu como um tapa no rosto. As bandeiras tremulavam nas torres, e o som dos cavalos de Skarn sendo levados ao estábulo ecoava ao longe. Os olhos ainda ardiam.
E o coração…
O coração era uma casa dividida.
Entre o que eu queria…
…e o que precisava fazer.
Varka me esperava do lado de fora, encostada em uma das colunas de pedra da galeria norte. Os braços cruzados sobre o peito, o corpo imóvel, como se a raiva dentro dela fosse o único calor contra o frio que soprava da muralha. Ninguém mais ali. Só nós. Só o que não podia ser dito diante dos outros.
Mas ela disse mesmo assim.
(Varka) — Você não vai.
A voz saiu baixa, grave, apertada entre os dentes. Como se cada palavra fosse uma corda puxada por dentro do peito.
(Maeryn) — Isso não cabe a você decidir.
(Varka) — Vai colocar sua vida nas mãos do meu pai? Depois de tudo? Depois de tudo que aconteceu com Ragan e Teyrion no caminho? — Ela deu um passo, e eu senti o ar entre nós mudar. — Você acha mesmo que Korgun vai tratá-la como um símbolo de paz? Ele vai vê-la como fraqueza. Como uma moeda de troca. E se as coisas derem errado… ele não vai poupá-la.
(Maeryn) — Eu sei o que estou fazendo.
(Varka) — Não, não sabe.
(Maeryn) — Não confia no seu pai?
(Varka) — Confio mais nele do que em qualquer um. Mas não confio nos outros. Não confio no que farão se a guerra bater à nossa porta. — A voz dela falhou por um segundo, só um — É perigoso. E se você estiver lá quando…
(Maeryn) — Se algo der errado. Tudo nessa aliança é um risco. Cada passo. Cada gesto. Você sabe disso melhor do que ninguém.
Varka se calou. Os olhos dela me cortavam. Não havia mais a frieza que mostrava aos outros. Era algo cru, exposto. Medo. Ela estava com medo. Não pelo tratado, não por Skarn, mas por mim. E isso, mais do que qualquer palavra, era o que me feria.
Me aproximei devagar.
(Maeryn) — Eu preciso ir. Alric e Corwin tem família, filhos… são os verdadeiros sucessores do trono.
Ela apertou os punhos. Tão forte que os nós dos dedos ficaram brancos.
Fechei os olhos. Ela era o que eu mais desejava naquele mundo. E o que menos podia me permitir desejar.
Varka hesitou. Por longos segundos. Depois virou o rosto, como se não suportasse a própria vontade, e saiu, me deixando sozinha como de costume.
No fim do dia, fomos convocados novamente ao salão principal.
O rei Aldren estava de pé dessa vez. Não em seu trono, mas à frente dele, as mãos cruzadas nas costas. Os rostos ao redor carregavam a mesma sombra de incerteza. Alric, com o cenho franzido. Corwin, sério como sempre. Dravak, com a postura de quem já sabe a resposta. Varka, encostada numa pilastra, tentando fingir que não olhava para mim a cada dois minutos.
Era o que eu tanto esperei e só agora, na iminência de um distanciamento ela me dava.
O rei começou devagar.
(Aldren) — Quando propus essa aliança, fiz por prudência. Por estratégia. Mas não sem cautela. Os fantasmas do passado ainda rondam os salões de Valmont, assim como os de Skarn. E o sangue que foi derramado entre nossos reinos… ainda não secou por completo.
Fez uma pausa. Ninguém ousou interromper.
(Aldren) — Mas há uma chance aqui. E eu seria um tolo se deixasse a oportunidade passar.
Olhou para Dravak, depois para mim.
(Aldren) — O rei Korgun exige um gesto. Um símbolo vivo do nosso compromisso. E se isso nos garante uma aliança mais duradoura, estou disposto a ceder.
Meu coração parou.
(Aldren) — Minha filha irá a Skarn.
Varka se endireitou com um movimento brusco. Os olhos arregalados, a respiração presa.
(Aldren) — Mas não irá sozinha.
Olhou diretamente para Varka.
(Aldren) — Confio no valor de sua presença aqui, guerreira. Mas se há um elo entre nossos povos, ele deve resistir à distância, não se apagar nela. Você irá com Maeryn. Será sua sombra, sua espada, sua guardiã. E será também o testemunho de Skarn entre os nossos. Seu irmão Ragan permanecerá aqui até se recuperar, como prova de reciprocidade.
Silêncio.
Dravak assentiu. Breve. Formal. Como um acordo selado em pedra.
(Dravak) — Aceitamos.
Varka, por outro lado, não disse nada. Me olhou. Só me olhou. Mas ali, naquele olhar, havia tanta coisa… raiva, medo, amor mal disfarçado, e uma promessa que ainda não sabia se seria capaz de cumprir.
Mais tarde, quando todos já haviam se dispersado, ela me encontrou no terraço dos fundos. O céu estava limpo, salpicado de estrelas, e o frio já mordia a pele como faca.
(Varka) — Você consegue fingir bem.
(Maeryn) — Fingir o quê?
(Varka) — Que isso não te assusta.
Olhei pra ela, o vento brincando com os fios soltos do meu cabelo.
(Maeryn) — Claro que assusta. Mas tem coisas que assustam mais do que atravessar a fronteira entre Valmont e Skarn.
Ela se aproximou. Devagar. Até ficar perto o suficiente pra que eu sentisse seu calor. Não me tocou. Não precisava.
(Varka) — Tipo o quê?
(Maeryn) — Tipo amar alguém que só sabe fugir.
O peito dela subiu e desceu com força. Por um momento, pensei que fosse me beijar. Mas ela recuou um passo.
Ficamos ali, em silêncio, com as palavras presas entre os lábios e a estrada já se formando diante de nós. Em breve partiríamos.
Em breve, estaríamos em Skarn.
E seja qual fosse o fim dessa história, ele já não pertencia só aos reinos. Pertencia a nós.
A mim e a ela.
O dia seguinte chegou com uma névoa espessa cobrindo os pátios de Valmont.
O som das ferraduras nos paralelepípedos ecoava como tambores de guerra abafados, mesmo que fosse uma marcha pela paz. A comitiva estava pronta, bandeiras de Valmont e Skarn hasteadas lado a lado, os estandartes trêmulos no vento cortante. Vinte homens nos escoltariam até a fronteira, depois seguiríamos apenas com os cavaleiros de Skarn. Estava tudo organizado com precisão militar, mas dentro de mim, havia apenas caos.
Vesti a túnica azul-escura com as insígnias de nossa casa bordadas no manto. Prendi o cabelo com uma fita prateada e, por cima de tudo, a capa cinzenta do conselho real. Não por vaidade. Mas porque queria que, até o último instante, vissem a filha de Valmont como alguém que partia por dever, e não por submissão.
No pátio, meus irmãos me esperavam.
Corwin foi o primeiro a se aproximar. Silencioso como sempre, me entregou um pequeno volume envolto em couro.
(Corwin) — Para as noites geladas. Poemas de Myren. Livros que nosso irmão Teyrion ama. — sorriu de lado. — Você vai odiar metade deles. Mas... vai lembrar de nós quando ler os piores.
Ri, mesmo com os olhos marejando. Abracei-o com força. Ele não falou mais nada, e não precisava.
Depois veio Elsera, com os olhos já úmidos antes mesmo de me tocar.
(Elsera) — Se você não voltar inteira, eu mesma vou a Skarn te buscar pelos cabelos. — disse, com a voz trêmula. — E dou uma surra em quem tiver te feito mal.
(Maeryn) — Eles não vão me fazer mal.
(Elsera) — Não duvido.
Beijei sua testa, como fazia quando éramos crianças. Ela tremia. E eu também.
Por fim, meu pai.
Aldren desceu os degraus em silêncio, a mão pesada apoiada na espada que raramente usava, mas que naquele momento parecia necessária. Parou diante de mim, me estudando com os olhos envelhecidos e cansados. O homem que mandava exércitos agora mal conseguia sustentar o próprio orgulho.
(Aldren) — Quando você nasceu, não imaginei que um dia a mandaria embora. Muito menos como símbolo de uma trégua com um inimigo de sangue. — Respirou fundo. — Mas você… sempre foi mais do que eu merecia como filha. Forte. Justa. Inflexível como a mãe que te deu à luz. — Ele tocou meu rosto, e pela primeira vez em muito tempo, seus olhos marejaram. — Volte. Volte pra mim. De qualquer jeito, Maeryn. Promete?
Engoli em seco.
(Maeryn) — Prometo.
Ele me abraçou. Forte. Como se quisesse me prender ali.
Ragan assistia tudo à distância, os braços cruzados, o cenho fechado. A troca não o agradava, estava claro. Quando Varka se aproximou, ele olhou para outro lado.
Era o máximo que ela conseguiria dele. Ainda era um garoto. Dravak, por outro lado, foi direto. Um aceno breve de cabeça, e a frase que parecia carregar anos de responsabilidade.
(Dravak) — Skarn saberá quem você é. E o que representa.
Depois, de observar os irmãos, Alric se aproximou de mim.
Ele me puxou de lado, seus olhos buscavam os meus com preocupação sincera.
(Alric) — Você está indo por todos nós. — disse, baixinho, o tom grave. — Mas se em algum momento… em qualquer momento… sentir que está em risco, que há traição, que algo não está certo… fuja. Não espere permissão. Não pense em honra. Nem em tratado.
Fiquei em silêncio. Ele me conhecia bem demais.
(Alric) — E uma última coisa… — se inclinou um pouco mais — Não confie cegamente na filha de Korgun. Por mais que o coração queira, ela ainda é uma loba. E lobos não mudam tão fácil.
Não respondi.
Porque no fundo, eu já sabia disso. E mesmo assim… partia ao lado dela.
Cruzamos os portões de Valmont com o som das trombetas no alto das muralhas. A população se aglomerava nas laterais da estrada, uns em silêncio, outros murmurando bênçãos. Muitos não sabiam se aquela partida era vitória ou sentença. Alguns choravam, outros apenas observavam com olhos opacos. Eu mantinha a cabeça erguida, o rosto impassível, mas por dentro, tudo em mim tremia.
Varka cavalgava ao meu lado, a expressão fechada, a capa de Skarn ondulando atrás de si. Ela havia trocado a armadura pesada por uma mais leve, mas ainda assim carregava duas lâminas nas costas. Sempre pronta para a guerra, mesmo quando marchava pela paz.
Por horas, cavalgamos em silêncio. O vento cortava os campos abertos, e a estrada era longa. À medida que deixávamos Valmont para trás, meu coração batia mais forte, como se o próprio chão sob meus pés estivesse se despedindo.
Pela primeira vez, eu partia sem saber se voltaria.
Mas também… pela primeira vez, eu partia sendo verdadeiramente eu.
Não como filha.
Não como diplomata.
Não como sombra do trono.
Mas como Maeryn. Mulher. Líder. E agora… estrangeira em outro reino.
Os dias se passaram, Varka evitava ficar a sós comigo. E num dia cinza, a frente, as montanhas de Skarn surgiam no horizonte como dentes de pedra apontados para o céu. Era para lá que eu ia.
Com Varka.
Com segredos nos olhos e promessas não ditas entre os lábios.
Com o peso da paz… e o risco do amor.
E com a certeza cruel de que, quando eu pisasse naquele solo, nada, absolutamente nada, seria como antes.
Fim do capítulo
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NICOLY S
Em: 07/08/2025
Nossa cada palavra cada detalhe uma emoção, fiquei ansiosa e já imaginando elas tem que ir juntas quando li que foram aaah fiquei saltitante de alegria agora vão poder soltar essas faíscas com mais liberdade será? Quero grandes aventuras delas duas em rsrs e essa guerra que se aproxima me preocupa.. Volte logo autora muito bom ler tudo que escreves! Fico contado os dias e olhando se tem novos capítulos rs
Natalia S Silva
Em: 08/08/2025
Autora da história
Fiquei muito feliz com seu comentário. Obrigada mesmo. Amanhã pretendo atualizar, espero que goste e continue acompanhando.
Beijos
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Pantera
Em: 07/08/2025
Amei o capitulo, volta logo autora.
Natalia S Silva
Em: 08/08/2025
Autora da história
Oii. Amanhã tem capítulo novo kkkk
Até e obrigada
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Eva Bahia
Em: 07/08/2025
Mulher como tu consegues nos envolver por inteira com essas leituras??
Simplesmente MA RA VI LHO SAAA..
PARABÉNS!
Tds seus escritos que li, são intensos e envolventes. Sou apaixonada!
Quanta precisão e paixão nas falas, nos sentimentos das protagonistas.. meu Deus, incrível..
Elas são intensas demais.
Ah como eu queria uma Varka dessa rsrs .
Tudo de bom pra ti autora. E volte sempre!
Bjs
Natalia S Silva
Em: 08/08/2025
Autora da história
Ah moça, muito obrigada. Fico extremamente feliz por estar acompanhando.
Amanhã atualizo ok? Kkkk
Beijos e obrigada
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castanheiro
Em: 07/08/2025
Oi Natalia
Imagino que possa gerar um aborrecimento ou desanimo pela ausência de comentários. Sei que muitas pessoas leêm e não comentam, era uma pessoa assim. Mas fique tranquila, a história é um deleite e vc faz ela rica em detalhes deixando o imaginário ansioso pelo próximo capítulo.
Na expectativa pelo que está por vir.
Bjs
Natalia S Silva
Em: 08/08/2025
Autora da história
As vezes a gente fica frustrada, mas amo tanto escrever que quando vejo que agrado, fico muito feliz .
Amanhã tem atualização
Até mais e obrigada
Beijos
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HelOliveira
Em: 07/08/2025
Sabe quando lê sem perceber que está prendendo a respiração....bem isso....
Quando elas se encontram sai faíscas para todos os lados..
Muito bom até o proximo
Natalia S Silva
Em: 08/08/2025
Autora da história
Moça eu imagino como seria de verdade, se esse tipo de coisa existisse, fico viajando por um bom tempo, as vezes acho que não saí dos 15 anos kkkkk
Obrigada por tudo. Amanhã atualizo
Beijos
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Natalia S Silva Em: 08/08/2025 Autora da história
Coisa boa kkkk
Já vou postar mais um.