Capitulo 7 - Ceviche
Giovana
Acordo suada e ofegante, não reconheço o quarto que estou. Espero alguns segundos até me situar de minha localização, e então me lembro que estou na casa dela. Estou a salva.
Não gosto quando esses sonhos voltam a me assombrar, não gosto de sonhar com ele, com aquele dia. Respiro fundo e pego meu celular na cabeceira da cama para ver que horas são, é 5:30h da manhã. Meu corpo já é acostumado a acordar todos os dias no mesmo horário, normalmente me levanto as 6:00h da manhã para me exercitar.
Como sei que não vai adiantar permanecer deitada, que não irei mais pegar no sono, resolvo me levantar. Coloco minha roupa de fazer exercícios e sigo para fora da casa. Há um belo jardim na parte de trás dela, não é tão grande, mas é tão lindo. Há uma varanda espaçosa com mesa e cadeiras, que imagino que sirva perfeitamente para um café da manhã com a vista panorâmica de uma piscina e um pequeno quiosque para festa.
Sigo para perto da piscina e aproveito para me alongar, apreciando o nascer daquele dia. O sol já tinha começado a dar suas caras, mas ainda está ganhando espaço no céu. Será um dia perfeito.
Ao terminar meu alongamento, tiro minha camiseta para ficar mais à vontade nos exercícios, ficando apenas de top e de shorts. Nesse exato momento eu ouço um barulho de metal caindo no chão, ao me virar vejo Olivia juntando uma colher do chão da varanda, ela está sentada junto a mesa com uma xicara em suas mãos.
- Nunca te falaram que é feio espionar os outros? – A provoco me aproximando.
- Não é espionar quando você está no meu jardim – Vira o rosto em outra direção para desviar o olhar.
- Não se faça de sonsa, mulher – Me sento na cadeira a sua frente.
Ela está tão diferente, simples, com seus olhos ainda um pouco inchados, sinal de que acordou quase agora. Ela está com suas pernas cruzadas e sobre elas uma manta fina. Por mais que não esteja tão frio, o ar da manhã é sempre fresquinho.
- Você também costuma acordar cedo? – Tento fazer o assunto render.
- Sim, costumo acordar esse horário e vir tomar uma xicara de café aqui fora, gosto de apreciar o dia – Ela sorri – E hoje tive uma vista diferenciada.
Acho que existia algo a mais nessa bebida, para ela estar falando tão abertamente assim. Percebo seu olhar descer para meu abdômen e depois voltar para minhas tatuagens. Mas resolvo não falar nada para não a constranger.
- E você? Sempre faz exercícios essa hora? – Seus olhos encontram os meus.
- Normalmente sim, eu gosto de sair para correr e depois fazer alguns exercícios, mas costumo fazer isso no parque da prefeitura. Aqui minhas opções são reduzidas.
- Terei essa visão todos os dias nas próximas duas semanas então? – Volta a olhar meu corpo.
- Isso seria um problema para você? – Apoio os braços sobre a mesa para ficar um pouquinho mais próxima dela.
- De maneira nenhuma – Beberica seu café sem desviar os olhos de mim.
Algo estranho se acende dentro de mim, não tenho como negar que ela é um grande mulherão, mas quando decidi que gostaria de ser amiga dela, não foram com segundas intenções. Mas ontem e hoje está tudo tão diferente, seus olhares, meus olhares. Devo confessar que é inevitável não olhar seu corpo, seu jeito. Somente um cego não veria.
Não me julguem, também sou filha de Deus, e tenho o direito de admirar suas obras. E me arrisco a dizer que Olivia é uma das obras mais lindas feitas por Ele.
- Então se não é um problema para você, é bem provável que tenha essa vista todos os dias nesse horário – Aponto para meu corpo, se ela quer ir por esse caminho, iremos juntas.
- Garota, garota – Ela baixa seu olhar para a xicara e faz um sinal negativo com a cabeça.
Mas não demorou muito tempo para ela voltar para dentro da casa e eu seguir com meus exercícios. Ao terminar, sigo para “meu” quarto e tomo banho. Me exercitar pela manhã me faz muito bem, eu começo o dia de forma animada.
Quando chego na cozinha, vejo as crianças sentadas a mesa, sozinhas, o que não é comum. Logo em seguida Olivia entra no meu campo de visão desligando uma chamada no celular e suspirando. Diferente de ontem, tomamos café da manhã totalmente em silencio. Estranho.
O dia passa sem grandes acontecimentos, sigo minha rotina normal. Na faculdade, não vejo minha professora, nem no intervalo. Combinamos que eu vou para casa sozinha, posso pegar o ônibus aqui no terminal ao lado da universidade e desço na rua de trás da casa de Olivia, o que não fica complicado para mim.
Depois da aula, resolvi ir ao Shopping dar uma passeada e depois ir para casa.
Ao chegar, toco a campainha e Aurora abre a porta para eu entrar, logo me avisa que sua mama está auxiliando Theo nas tarefas e que se eu quisesse tinha comida pronta na cozinha. Avisou também que minha professora deixou separado para mim uma cópia da chave de casa, assim posso entrar quando chegar.
Tomei meu banho e jantei sozinha na cozinha, nenhum sinal dos três pela casa, provavelmente estão fazendo algum programa em família, o que não me inclui.
Depois de organizar toda a bagunça que fiz, sigo para o quarto para colocar meus trabalhos em ordem. Aproveitar meu tempo livre. Mas meus planos vão por água abaixo quando meu celular vibra e vejo que é uma mensagem da Valentina.
Val: Oiii... como está sua hospedagem na casa da toda poderosa?
Eu: Toda poderosa? Kkkkk está sendo tranquilo, mas sei lá, é estranho.
E seus dias com sua namorada?
Val: Ela não é minha namorada bem que eu gostaria que ela fosse,
mas ainda não é. E essa conversa não é sobre mim, é sobre você.
Eu: É só você pedir ela em namoro e problema resolvido hahahaha
Eu: Estou grata por ter um lugar para ficar, mas não sei se foi a melhor escolha.
Val: Por quê? Não vai me dizer que está com aqueles pensamentos que está incomodando.
Se ela lhe ofereceu o lugar, é porque não se importa de você ficar aí. Para de besteira.
Eu: Não é por isso. Na verdade, também é, mas está acontecendo umas coisas estranhas.
Val: Como assim? Explica isso direito.
Eu: Apenas coisas. Olhares, nervosismo. Eu fico muito sem jeito perto dela.
Val: Todo esse mistério para me dizer que está tendo uma queda pela nossa professora?
Val: Apenas deixa rolar amiga.
Eu: Não estou tendo queda nenhuma. Tá, talvez eu esteja, mas você sabe que isso é insano, pareço aquelas adolescentes com crush na professora.
Eu: Hoje ela me viu fazer meus exercícios de manhã e conversamos, por um momento até pareceu que estávamos flertando, mas depois ela ficou estranha, e não a vi mais.
Val: Amiga, talvez ela só não soube como agir, ela é toda reservada, se você já não está entendendo o que está acontecendo, imagine ela. Não se cobre tanto, apenas deixe rolar
Eu: Que seja. Não fiz nada de errado para ela fugir de mim, então vou agir normalmente.
Eu: E agora vou terminar meus trabalhos que ganho mais. E me preparar para a aula de amanhã
Val: Você e sua mania de terminar seus trabalhos uma semana antes de entregá-los kkkk
Val: Boa noite, amiga. Até amanhã.
Eu: Até.
Foi difícil conseguir me concentrar em fazer meus trabalhos, então resolvi ir dormir cedo mesmo.
Acordo sentindo um desconforto abdominal, então olho no celular para saber que dia é hoje, e me lembro que está perto da data de descer minha menstruação. Ou seja, TPM à vista e cólica pré-menstrual.
Mesmo assim, me levanto e faço alguns exercícios e volto para o quarto para tomar banho e me arrumar para o meu dia. Não sei explicar, mas sinto que o dia hoje não será um dos meus preferidos, quando acordo me sentindo assim, já sei que o dia será punk. Mas, não tenho outra escolha, preciso cumprir minhas obrigações.
Quando saiu do meu quarto, a família feliz já está me esperando para sairmos. E assim fizemos. O caminho foi tranquilo até a escola das crianças, a coisinha 1 e a coisinha 2 conversaram o tempo todo sobre algo que não fiz questão de prestar atenção, só quero que o dia acabe logo, preciso voltar para a cama o mais rápido possível.
- Você está bem? – A voz da morena ao meu lado me traz de volta a realidade, mas permaneço olhando para a janela.
- Sim – Respondo simples.
- Não parece, você é sempre tão tagarela – Posso sentir seu olhar desviar as vezes da estrada em minha direção.
- Hum – Murmuro.
- Virou monossilábica? – Ela insiste parecendo não estar com muita paciência também.
- Sim – Ainda encaro a rua.
Olivia percebe que não quero papo, então me deixa em paz e logo chegamos na rua de trás da floricultura. Me despeço e saiu rapidamente do carro.
Dona Lucia é um dos anjos da minha vida, quando falei que estou com cólica, ela foi rumo a cozinha que tem na floricultura e voltou com uma xicara de chá, segundo ela, é melhor do que comprimidos, e acho que eu concordo. Sempre deu certo pelo menos.
Dou graças a Deus por hoje o expediente na floricultura ter sido extremamente calmo. Normalmente os dias mais agitados é nas quintas e sexta feira. Hoje, como é quarta feira não tive muito o que fazer, o caminhão do fornecedor de flores sempre vem às terças feiras, por isso, Dona Lucia sempre me deixa adiantar meus trabalhos da faculdade.
Quando o relógio bate as 12:00 horas, vou em direção à faculdade, combinei com Val e algumas meninas da nossa turma, de nos encontrarmos antes da aula.
Antes de encontrá-las, passo no banheiro da universidade e vejo que minha menstruação realmente desceu. Merda. Odeio esses dias. Colo o absorvente e sigo meu caminho.
- Que cara é essa de quem comeu e não gostou? – Fala Paula ao me ver se aproximar delas que estão sentadas na sombra de uma arvore perto do nosso bloco.
- Olá meninas – Me jogo no pequeno espaço com grama que tem ali, ao lado de minha amiga.
- Bem que ela queria ter comido – Solta Val.
Apenas levanto o dedo do meio em direção a ela quando ouço o que ela diz. Por mais que eu tenha muita confiança nela, sei que Val tem a língua solta e ama tirar onda com minha cara, e ela nunca perderá a oportunidade. Elas ficam jogando conversa fora e eu aproveito para me entregar a um breve cochilo.
- Ouvi dizer que o professor Anton não veio hoje, estão vendo alguém para substitui-lo – Ouço Justine falar quando acordo.
- Tomara que seja alguém legal – Torce Felícia.
- O que você tem? – Paula se deita ao meu lado na grama, ficando sobre o cotovelo esquerdo e puxando meu braço que está sobre meus olhos – Tá doente?
- Cólica – Respondo simples.
Eu e Paula não somos tão próximas, mas temos nossos momentos de diversão juntas, uma espécie de amizade colorida, não acontece muito, mas quando estamos com vontade mandamos mensagens uma para outra e se estivermos livres, nos encontramos.
- Eu tenho remédio na minha bolsa, quer tomar? – Ela toca sobre meu ventre, fazendo uma leve massagem, para tentar aliviar a dor.
Ouço barulho de um caminhar de saltos, mas não me esforço para levantar a cabeça, até ouvir o coro “boa tarde Professora” e a resposta imediata “boa tarde meninas”. Eu reconheceria aquela voz em qualquer lugar do mundo, a voz que vem causando sensações estranhas em mim.
Respiro fundo e me levanto, ficando sentada, assim que olho em direção a ela, vejo seu olhar fixo na mão de Paula, que ainda permanece em minha barriga. Não entendo o porquê, mas esse olhar faz meu estomago revirar, e então ela logo desvia e segue seu caminho.
Quando encaro Val, ela está com um sorrisinho de lado nos lábios em minha direção, apenas me deixo cair novamente, hoje realmente não é meu dia.
Não demora muito até dar o horário de irmos para nossa aula, me levanto e sigo as meninas em silencio.
Seguimos para a sala número 3, nossas aulas práticas sempre acontecem em cozinhas industriais montadas, eu amo essa parte do meu curso. A prática, e não ficar criando textos.
Ao entrar, seguimos direto para o vestiário para nos preparar e só voltamos de lá já prontas, com nossas Domas e tocas.
Já se passou 6 minutos do início da aula e o professor não apareceu, sinal de que o boato de que ele não veio está correto, e se confirma ainda mais quando a única professora que eu não gostaria de ter aula hoje entra pela sala. Ela. Aquela que não tem saído dos meus pensamentos.
- Boa tarde pessoal – Deixa sua bolsa com os materiais em cima da mesa que fica no canto da sala – Hoje houve um imprevisto com o professor Anton, então a coordenação achou melhor transferir nossa aula para hoje.
- E você não teria aula com outra turma? – Um rapaz arrisca a perguntar.
- Teria, mas como vieram poucos alunos a coordenação resolveu juntá-los com outra turma e me fazer dar aulas para vocês.
- Então precisamos nos trocar e ir para a outra sala? – Uma menina fala acanhada.
- Não – Ela solta uma risada sem humor – Para a alegria de vocês eu resolvi mudar um pouquinho e fazer uma aula prática – Segue até sua bolsa e tira de lá uma toca e um avental e começa amarrando seu cabelo – Eu não sei qual ideia tinha o professor para a aula de hoje mas ele solicitou alguns tipos de peixes, então tive que improvisar a ideia do que trabalhar com vocês a partir daí.
Minha mente se desliga levemente ao ver seus movimentos ao colocar seu avental e logo na sequência ela colocar sua toca, ficando pronta para dar a aula. Seria tolice da minha parte achar que ela ficaria feia vestida para cozinhar, mas nunca imaginei que ela ficaria tão linda.
- Para podermos entender e criar um prato com tendência, um prato moderno e saboroso, temos que sempre ter em mente o que queremos passar com ele – Ela começa a caminhar entre as bancadas – Quando é um prato novo, aí a imaginação pode tomar conta, mas quando queremos inovar algo que já existe, precisamos ter sempre em mente a história dele, e sermos fiel a isso.
As filas são compostas por três bancadas, e eu estou na do meio. Tendo à minha direita Val e à minha esquerda Paula. Olivia consegue andar livremente entre todos, as filas são projetadas com bastante espaço para que os professores possam circular, avaliar e auxiliar os alunos. E é exatamente o que ela está fazendo, e de repente para em minha frente.
- Sua doma está aberta e seus cabelos não estão totalmente dentro da toca, Senhorita – Apontou para minha roupa e minha cabeça.
- Quem se importa? – Percebo que falo em voz alta enquanto arrumo minha doma e meu cabelo.
- Eu me importo – Ela já tinha começado a seguir seu caminho, mas para e se vira em minha direção novamente – Seus avaliadores se importam, seus chefes se importam, seus clientes se importam e você não se importa?
Ela está parada novamente em minha frente, com suas mãos para trás e sua sobrancelha arqueada, me encarando mortalmente.
- Me importo professora – Abaixo a cabeça, não consigo encará-la.
- Ótimo – Ela segue seu caminho – Como eu ia falando, hoje vamos ver um prato que muitos chefes acham simples de ser feito, mas que precisamos sempre lembrar que toda receita pode ser explorada, ser criativa, desde que seja respeitada alguns princípios e modos de preparo, porque sempre há um porquê das coisas.
Depois de dar a volta pela sala toda, ela segue até sua bolsa e pega um livro e volta a se posicionar na frente de todos.
- Hoje vamos fazer um Ceviche – Ela abre o livro – Que é uma receita Peruana. Muitos livros explicam que a palavra Ceviche vem de “Cebo” que é a isca colocada no anzol para pescar o peixe, e “iche” se refere ao diminutivo em espanhol, então Ceviche seria a isca pequena que se coloca no anzol. Por isso que faz sentido que o peixe usado nessa receita seja cortado de formas pequenas.
Ela faz uma pequena pausa e dá uma lida nas páginas.
- Antes de colocarmos a mão na massa, quero ler um trecho desse livro – Ela mostra a capa – “Ceviches del Peru”, eu recomendo muito ele, porque dá uma clareza muito grande desse prato que parece tão simples, mas que se não for feito de forma correta, pode desbancar muitos chefes.
Ela levanta melhor o livro para que todos da sala consigam ver, mesmo quem estava mais ao fundo.
- “Quer que eu diga que esse Ceviche é um perigo? um enigma. É raça sobre raça, uma mistura perfeita de cinco sabores básicos, é o prato do Peru. Um Ceviche deve ser levado a sério, um bom Ceviche pode curar o mal humor – Nesse momento percebo seu olhar seguir em minha direção, mas muito discretamente – Pode fazer que alguém se apaixone e que termine casado ou que se esqueça de uma bela ressaca ao amanhecer. Um bom Ceviche é de temer, pode desatar hormônios ou desatar o amarrado, pode dar a volta ao mundo e voltar ao seu lugar. Um bom Ceviche é um prato feito primordial, o primário convertido em harmonia. Um bom Ceviche é um perigo e causa adição.
Ela fecha o livro e encara a turma toda, todos estão admirados com aquela leitura. Acredito que ninguém, muito menos eu, esperava tanta profundidade desse prato que parece ser tão simples.
- Acho que o mais lindo desse texto – Ela continua – É a importância desse prato, e o quão poderoso ele é, não somente para o povo peruano, mas para todo o mundo.
Olivia se direciona novamente à sua bolsa para guardar o livro. Assim eu posso respirar um pouco melhor, encará-la e prestar atenção na sua leitura me fez prender o ar.
Nesse momento eu volto a sentir uma pontada forte em meu útero. Quando tenho cólicas, ela não dá trégua até que eu me deite e faça compressa com água quente. Me apoio em minha bancada e acabo me curvando um pouco sobre ela, como se a força que eu estou fazendo em minhas mãos, pudesse fazer minha dor parar.
- Você está bem? – Paula sussurra ao meu lado.
- Só estou com muita dor – Respondi no mesmo tom de voz.
- Alguma coisa a acrescentar em minha explicação, meninas? – A voz da demônia ecoa pela sala toda – Se não precisam prestar atenção é sinal de que o prato de vocês serão os melhores hoje.
Essa mulher está com a pá virada hoje. Faço uma força sobrenatural para arrumar minha postura e encará-la. Nossos olhares travam uma batalha de quem estava com mais raiva. E sei que é uma batalha difícil.
- Na dispensa vocês vão encontrar os ingredientes necessários para a receita, e em cima da bancada de cada um, ao lado direito há uma folha com as diretrizes a seguir – Achamos o papel à que ela se refere – No Peru, é utilizado qualquer tipo de peixe e frutos do mar, por ser um país que está no pacífico, há uma riqueza enorme de peixes, peixes esses, mais gordos, assim tendo mais sabores e segurando muito a acidez e pimenta, que é uma das coisas principais desse prato. Mas hoje teremos opções boas e frescas. Podem ir até a dispensa e começarem.
Algumas pessoas vão logo em seguida já para a dispensa atrás dos ingredientes, eu me limito a dar uma boa olhada na receita antes, saber do que vou precisar para não ficar tão perdida na hora de pegar as coisas.
Decido que preciso do peixe, cebola roxa, pimenta, limão e coentro. Sigo em busca disso, e percebo que quase todos os alunos já estão voltando aos seus lugares. Quando caminho, sinto minhas pernas fracas, mas não é momento de recuar, não darei o gosto para Olivia achar que sou uma fraca.
Volto para minha bancada com tudo que eu preciso, e me preparo para começar. Leio novamente as instruções. Começo pelo peixe e o corto em cubos, não medindo necessariamente o tamanho, minha pressa em terminar isso não me faz focar na perfeição do corte.
- Droga – Ouço um resmungo vindo da direita.
- O que houve? – Questiono.
- Me cortei – Vejo ela lavar o dedo com água corrente e se preparar para fazer um curativo.
- Precisa de ajuda?
- Melhor você focar no seu prato, a professora já tá pistola com você, se ela ver que está me ajudando vai achar que está matando tempo.
- Que se foda ela, se você precisar eu te ajudo – Sigo até sua bancada para ajudá-la.
Não demora muito até eu ouvir o barulho de saltos ecoar pela sala.
- Pode continuar seu trabalho que eu ajudo a Senhorita Yang – A professora mante-se firme ao lado de Val.
Volto para minha bancada sem falar nada, do jeito que estamos soltando faíscas hoje, daqui a pouco pega fogo e alguém vai sair queimada. Sigo minha receita, depois de cortar o peixe, deixo na vasilha ao meu lado esquerdo, o temperando com sal, escolho o sal marinho que é um pouco mais grosso, e deixo reservado enquanto preparo os outros ingredientes.
Pico a pimenta dedo de moça, tento picá-las o mais pequenas possíveis, mas minhas mãos tremem por conta da dor, então só estou agindo no automático. Quando eu termino, sigo para a cebola, a corto em plumas. Misturo com o peixe e espremo o limão e misturo também.
Na receita diz que é necessário analisar a quantidade de caldo, que isso conta para a acidez do prato, e noto que o meu tem pouco, então decido colocar mais um limão. Olivia para em frente à minha bancada, olha a forma que espremo o último pedaço do limão e misturo com o que já está pronto. Seus olhos me encaram antes de seguir o caminho para analisar os outros alunos. Acrescento o coentro e finalizo o prato com um pouco mais de sal.
Embaixo da bancada há alguns tipos de pratos para servir, eu escolho um retangular com uns dois centímetros de profundidade. Ajeito o conteúdo no prato e coloco algumas folhas de coentro delicadas para finalizar.
Foi somente nesse momento que percebo que fui a última a terminar o prato e que a professora já começou a provar e a dar sua opinião para os outros alunos.
Em questão de 10 minutos a morena estava novamente a minha frente, ela analisa meu prato em silencio, estende a mão para que eu lhe entregue a colher, e assim eu faço. Olivia colhe um pouco do conteúdo do meu prato e leva até a boca, ato esse que não passou despercebidos aos meus olhos devido a lentidão do movimento.
ACORDA GIOVANA, ELA É SUA PROFESSORA E ESTÁ AVALIANDO SEU TRABALHO.
A morena degusta o meu Ceviche e engole com certa dificuldade, gesto esse que só percebi por que estou vidrada em seu rosto.
- Você experimentou seu prato? – Pergunta logo após limpar o canto dos lábios com o guardanapo.
- Não, senhora – Abaixo meu olhar para o prato, não consigo encara-la.
- Poderia fazer isso agora, por favor? – Me pede, e um arrepio corre pelo meu corpo.
Mesmo contra a minha vontade, encaro seus olhos, e o que vejo não me agrada, vejo fúria. Pego uma colher e provo do que preparei, e não evito a careta, está extremamente amargo e apimentado.
- Seus clientes iriam aprovar seu prato, senhorita? – Sua voz é direta e firme.
- Não, senhora – Tento não desviar o olhar, mesmo sendo muito difícil.
- Você sabe em que errou? – Cruza os braços em frente ao peito.
- Não, senhora.
- Seu primeiro e maior erro foi não provar o prato antes de servi-lo – Respirou fundo – E em nenhum momento do seu preparo, então não soube dosar a quantidade de pimenta.
Isso é sinal de que ela estava acompanhando todo o procedimento de preparo, só assim para ela saber que não experimentei. E realmente esse é o maior erro que um chefe pode cometer. É a frase que eles falam desde o primeiro dia de aula “sempre experimente o que estiver preparando”.
- Segundo erro – Ela pega novamente a colher e separa dois pedaços de peixe que ainda estão no prato, um pequeno e outro um pouco maior – Não é uma obrigação, mas deve ser um cuidado a ser tomado quando se trabalha com alimentos cortados, o corte precisa ser uniforme, caso contrário, como no seu caso, os pedaços menores cozinharam com a acidez do limão e os pedaços grandes não.
Droga, mais um erro básico, eu deveria me tocar que o limão faria isso no peixe.
- Outro erro – Ela pega a folha com as instruções – Aqui diz que não é recomendado espremer os limões até sua última gota, porque assim, além do suco do limão, você terá o amargo da casca. Você leu essa parte?
- Não, senhora – Minha voz sai em um sussurro, eu estou envergonhada.
- Pois deveria, teria salvado seu prato – Ela respira fundo e olha a nossa volta, percebendo que os alunos estão entretidos em seus pratos ou comentando entre si como foram avaliados, suaviza a expressão, falando um pouco mais baixo – Você está bem?
- Sim, senhora – Eu não vou deixá-la ter pena de mim, saber que detalhes tão simples passaram despercebidos porque estou com uma dor infernal que está acabando com meu dia.
- Se estiver falando a verdade – Seu rosto volta a ficar sério como antes – O que acho que não está, precisa aprender detalhes tão básicos que são vistos desde o primeiro dia de aula, o que eu sinceramente acho que não é o seu caso senhorita. Como eu li no início da aula, um bom Ceviche é capaz de acabar com o mal humor, e o seu não foi capaz de fazer isso com o seu. E não é necessário mentir quando é nitidamente visível que não está se aguentando em pé. A cozinha é um lugar de trabalho em equipe e quando trabalhar em uma, não ache que estará ajudando aguentando dor, porque você só irá fazer um trabalho mal feito.
Meus olhos arderam, minha vontade era de gritar e jogar aquela merd* de Ceviche fora. Que aula de merd*. Que prato de merd*. Que dia de merd*.
Fim do capítulo
Olá pessoal!!!!!
O que acharam dessa aula, hem? Olivia foi muito dura ou a Giovana mereceu?
Deixe nos comentarios o que estão achando.
Espero que a leitura tenha te feito uma boa companhia. Até breve.
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Sem cadastro
Em: 30/09/2025
Ciúmes discretos, as duas de mal humor. Sempre atentas ao que a outra está fazendo. Sinais. Sinais. Tadinha da Gio, ninguém merece ficar o dia com cólica. Amei a cena da aula e a maneira como a Olívia explicou o prato foi apaixonante. Pena que a Gio estava em um mal momento e não fez um bom trabalho.
Mmila
Em: 13/08/2025
Eita que tá dando ruim.
Paloma Matias
Em: 13/08/2025
Autora da história
Olivia não é muito fácil de lidar não kkkk ainda mais em sala de aula
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Raf31a
Em: 06/08/2025
Olivia foi bem delicada nessa situação. Giovana merecia um pouco mais pela atitude.
Tem um remédio ótimo para esse mau humor.... kkkk
Paloma Matias
Em: 06/08/2025
Autora da história
Olivia até teve autocontrole né? kkkkkkkkk
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nath.rodriguess
Em: 05/08/2025
Eu quase choro com a Giovana nesse capítulo kkkkkk coitada :(
Paloma Matias
Em: 06/08/2025
Autora da história
Sabia que tenho a mesma sensação? kkkkkk pq eu entendo muito o lado da Olivia, mas me coloco no lugar da Giovana, e tenho 99.9% de certeza que eu choraria no lugar dela kkkkk
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