• Home
  • Recentes
  • Finalizadas
  • Cadastro
  • Publicar história
Logo
Login
Cadastrar
  • Home
  • Histórias
    • Recentes
    • Finalizadas
    • Top Listas - Rankings
    • Desafios
    • Degustações
  • Comunidade
    • Autores
    • Membros
  • Promoções
  • Sobre o Lettera
    • Regras do site
    • Ajuda
    • Quem Somos
    • Revista Léssica
    • Wallpapers
    • Notícias
  • Como doar
  • Loja
  • Livros
  • Finalizadas
  • Contato
  • Home
  • Histórias
  • Dois Reinos
  • Capitulo 3

Info

Membros ativos: 9524
Membros inativos: 1634
Histórias: 1969
Capítulos: 20,492
Palavras: 51,967,639
Autores: 780
Comentários: 106,291
Comentaristas: 2559
Membro recente: Thalita31

Saiba como ajudar o Lettera

Ajude o Lettera

Notícias

  • 10 anos de Lettera
    Em 15/09/2025
  • Livro 2121 já à venda
    Em 30/07/2025

Categorias

  • Romances (855)
  • Contos (471)
  • Poemas (236)
  • Cronicas (224)
  • Desafios (182)
  • Degustações (29)
  • Natal (7)
  • Resenhas (1)

Recentes

  • Legado de Metal e Sangue
    Legado de Metal e Sangue
    Por mtttm
  • Entre nos - Sussurros de magia
    Entre nos - Sussurros de magia
    Por anifahell

Redes Sociais

  • Página do Lettera

  • Grupo do Lettera

  • Site Schwinden

Finalizadas

  • Crossover: Amigos de Aluguel x A Lince e a Raposa
    Crossover: Amigos de Aluguel x A Lince e a Raposa
    Por Cristiane Schwinden
  • O amor e suas nuances
    O amor e suas nuances
    Por Gabi2020

Saiba como ajudar o Lettera

Ajude o Lettera

Categorias

  • Romances (855)
  • Contos (471)
  • Poemas (236)
  • Cronicas (224)
  • Desafios (182)
  • Degustações (29)
  • Natal (7)
  • Resenhas (1)

Dois Reinos por Natalia S Silva

Ver comentários: 0

Ver lista de capítulos

Palavras: 6178
Acessos: 800   |  Postado em: 28/07/2025

Capitulo 3

Varka

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Voltar a Skarn era como entrar de novo em minha própria pele.

O vento gelado nos vales, o cheiro de pinho e ferro vindo das forjas, o som grave dos tambores no pátio de treinamento, tudo parecia mais pesado, mais concreto, depois dos dias em Valmont, onde cada palavra era medida e cada gesto podia ser uma armadilha. Aqui, ao menos, as coisas doíam na carne, não na alma.

 

Eu cruzei os portões montada, coberta pela capa que usara em todas as noites frias no castelo sulista, ainda suja de terra e cinza. Os olhos dos guardas me seguiram com respeito, mas também com expectativa. Eles sabiam que eu não voltava com promessas de aliança, nem com notícias de paz.

 

O salão principal de Skarn estava como sempre, frio demais apesar do fogo constante, cheirando a fumaça e carne recém-assada. Meus irmãos já estavam lá quando entrei. Dravak, o mais velho, sentado ao lado da cadeira de meu pai, como um pilar de pedra. Jorum, em pé junto à lareira, afiando a lâmina com raiva muda. Kael e Ragan, os mais jovens, cochichando entre si, mas silenciando assim que me viram.

 

E no centro, como uma sombra viva, estava Korgun, meu pai. Alto, espesso, a barba espessa trançada com os anéis de ferro dos tempos de guerra. Seu olhar cravou-se em mim com algo entre expectativa e dureza. Ele sempre foi assim, nunca pediu explicações, mas exigia que eu oferecesse todas.

 

 

(Korgun) — Fale, filha. — Sua voz retumbou como trovão contido. — O que Valmont diz?

 

 

(Varka) — Que o inimigo talvez exista — respondi. — Que talvez venha do noroeste. Que talvez devamos nos preparar.

 

 

Pisquei devagar e caminhei até o centro da mesa. Joguei sobre ela um rolo de mapas que tomara emprestado do salão de guerra de Aldren. Havia ali anotações feitas por mim mesma, sinais de vilarejos queimados, áreas em silêncio, rotas de patrulha que jamais voltaram. Nada disso era novidade para nós. Mas agora... eles sabiam também.

 

 

(Varka) — Aldren ouviu. Tarde, mas ouviu. Mandou reforçar os postos, enviou patrulhas com ordens de não recuar. Aceitou manter contato constante conosco, por corvos. Eu mesma vigiei a troca de selos. Não mentia.

 

 

Jorum cuspiu no chão.

 

 

(Jorum) — E isso basta? Palavras do sul? Promessas no calor do medo? — Ele largou a pedra de amolar e deu um passo à frente. — E se eles estiverem blefando, esperando que baixemos a guarda? E se for mais um truque velho de Valmont?

 

 

(Varka) — Não é — respondi, sem hesitar. — Eu vi os olhos dele. E vi a filha.

 

 

Dravak falou então, a voz tão firme quanto a pedra sob nossos pés:

 

 

(Dravak) — Maeryn. A mais velha dentre as mulheres…

 

 

Assenti.

 

 

(Varka) — Inteligente. Orgulhosa. Mas não cega. Ela vê o que nós vemos. E, talvez mais importante, sentiu o que nós sentimos. Ela quer resistir, mesmo que seu trono diga o contrário.

 

 

Kael resmungou:

 

 

(Kael) — E isso muda o quê? Dois reinos cheios de dúvidas se olhando de longe enquanto os inimigos devoram as bordas? Acha que os corvos vão impedir o que se move nas sombras?

 

 

(Varka) — Não — falei. — Mas os corvos avisam. E saber primeiro é a diferença entre resistir e cair.

 

 

Meu pai se recostou no trono de madeira negra. Seus olhos estavam semicerrados, como se mastigasse cada palavra.

 

 

(Korgun) — E você acredita nessa aliança? Mesmo tênue?

 

 

(Varka) — Acredito que eles não vão nos atacar — disse. — Não por agora. A ameaça que se aproxima é algo que assusta tanto a eles quanto a nós. E, no medo, até os inimigos recuam para não sangrar à toa.

 

 

Um silêncio pesado caiu sobre o salão. Só se ouvia o estalo da lenha ardendo e o assobio do vento lá fora, entrando por frestas nas pedras.

 

 

(Ragan) — Então o que propõe? — perguntou Ragan, impaciente. — Mandamos tropas ao sul? Cruzamos as montanhas? Ou esperamos que os corvos tragam mais dúvidas?

 

 

(Varka) — Não. — Fitei meu pai, e depois Dravak. — Proponho que reforcemos nossa própria fronteira. Dobremos a vigília no flanco oriental. Enviemos batedores além da última vila, mas discretos. Que vejam, que ouçam. E se desaparecerem... que saibamos.

 

 

(Jorum) — E se a ameaça vier de dentro? — disse Jorum. — Se os queimar vilas forem filhos bastardos de Skarn, cansados de esperar pelos despojos?

 

 

(Varka) — Então queimaremos os próprios — respondi. — Não deixaremos que o inimigo use nossas sombras como abrigo.

 

 

Por um momento, achei que meu pai fosse dizer algo duro, alguma crítica velada sobre minha língua afiada ou a confiança que parecia depositar em uma filha de Valmont. Mas ele apenas assentiu.

 

 

(Korgun)— Que seja feito.

 

 

Virou-se para Dravak:

 

 

(Korgun) — Escolha quarenta homens. Os mais experientes. Nenhum tolo. Que partam amanhã ao amanhecer e fiquem fora pelo tempo que precisarem.

 

 

Para mim, ele disse apenas:

 

 

(Korgun) — Você comanda esse grupo. Quer que Valmont confie em nós? Então mostre a eles que Skarn ainda respira. E respira com olhos abertos.

 

 

Assenti. As palavras dele não eram carinho. Eram missão.

 

 

(Jorun) — Porque ela? Ela foi as patrulhas com Dravak, ela foi a Valmont! — Jorun parecia irritado. — Eu quero ir!

 

 

Meu pai ouviu em silêncio e me encarou por um instante, enquanto fiz um gesto de concordância. 

 

 

(Korgun) — Vá! E leve Kael com você! Varka merece descansar!

 

 

Jorun demonstrou um pequeno sorriso, enquanto o restante de nós deixou o salão em silêncio.

 

 

 

 

Aquela noite, não dormi. Fui até o terraço mais alto da fortaleza e observei as montanhas ao longe, escuras como dentes enterrados no céu. O mundo estava prestes a mudar, e nós sentíamos isso não em previsões ou profecias, mas na maneira como o silêncio parecia pesar mais que o som.

 

Quando vierem, e virão, que nos encontrem com lâminas afiadas e o coração limpo.

É tudo o que temos. E talvez, tudo que reste.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nos dias que seguiram, o frio voltou a se intensificar, mesmo sem previsão de nevasca. As pedras da muralha amanheciam úmidas, cobertas de uma camada fina de gelo. O silêncio tomava os corredores da fortaleza como uma presença viva, e as lareiras pareciam não aquecer o bastante. Ninguém dizia, mas todos sabiam: o inimigo estava se movendo. E nós não sabíamos onde ele estava.

 

Os corvos começaram a chegar. Um após o outro.

 

De Valmont, a primeira mensagem era protocolar, escrita por mãos nobres e cuidadosas, mas o conteúdo era claro: duas vilas no sul haviam sido atacadas, os corpos dos homens deixados nus ao frio, as mulheres levadas, as casas saqueadas, mas não queimadas. Um ato deliberado de humilhação. Os soldados enviados depois não encontraram rastros de exército, apenas pegadas que se perdiam na lama e um símbolo talhado no portão de uma das vilas: um olho sem pupila.

 

A resposta de Skarn foi imediata. Korgun convocou seus filhos e principais capitães. Ele não gritou. Nem precisava. Quando o velho fala baixo, o salão inteiro escuta.

 

 

(Korgun) — Isso não é obra de bandidos. É mensagem. Alguém quer que pensemos que é um ato isolado, mas não é. Eles estão testando nossas margens, nossa demora. Querem medir o tempo entre a ferida e o aço.

 

 

Dravak queria partir na mesma noite, mas meu pai o conteve.

 

 

(Korgun) — Primeiro, ouviremos o que Jorun e Kael viram, quando retornarem.

 

 

 

 

 

 

 

 

Três noites depois, Jorun voltou. A capa suja, os olhos fundos. Entrou no salão com Kael ao lado, ambos em silêncio. Não se ajoelharam. Também não sorriram. Havia sangue seco nas botas.

 

 

(Jorun) — Encontramos três vilarejos no caminho. Um vazio. Outro saqueado. No terceiro... ainda queimava. — Parou por um instante, como se algo pesasse dentro dele. — Gente morta pendurada nas portas, como se fossem caça. Não... não eram como bandidos comuns. Atacaram rápido, não deixaram rastros. Não pilharam tudo. Pegaram comida, ferramentas, mapas. Armas. E...

 

 

Ele tirou algo de dentro da túnica: um pedaço de couro grosso, marcado com o mesmo símbolo do olho cego.

 

 

(Korgun) — Isso apareceu em Valmont também. São os mesmos.

 

 

(Dravak) — Então que sejamos nós a responder, não Valmont!

 

 

(Jorun) — Não, irmão. Você não viu o que eu vi. Não é um grupo pequeno. Eles têm organização. Sabem o que fazem. Isso foi ensaiado.

 

 

(Kael) — Eles não agem como um exército... mas também não são homens soltos. Há uma ordem estranha entre eles.

 

 

(Korgun) — E é essa ordem que precisamos entender antes de sangrar por ela. Não nos movemos como tolos famintos por glória. Nós esperamos. Observamos. E então matamos.

 

 

Foi aí que eu falei.

 

 

(Varka) — Esperar é o que eles querem. Eles nos testam para saber até onde podem ir antes que a lâmina caia. Se ficarmos imóveis, vão atacar ainda mais fundo. Valmont já estremece. Se mostrarmos hesitação, perdemos mais que território. Perdemos o medo que eles ainda têm de nós.

 

 

Houve silêncio. Meus irmãos se entreolharam. Até Jorun, que antes questionava meu posto, agora me olhava com outro peso nos olhos. Meu pai se ergueu devagar. Caminhou até a grande mesa de pedra onde o mapa do Norte ficava aberto.

 

 

(Korgun) — Então mova, Dravak. Escolha vinte dos nossos. Vá até onde os olhos deles se escondem. Traga de volta o que os livros não dizem. Mas não lute ainda. Traga nomes, marcas, rotas. Eu quero saber quem são, de onde vêm, o que buscam.

 

 

Ele não disse “volte vivo”. Em Skarn, isso nunca é garantido.

 

Na manhã seguinte, meu irmão Dravak partiu, levando com ele os melhores guerreiros ao seu dispor. E o silêncio da fortaleza pesava mais que o aço das minhas espadas. Como se cada passo nosso ecoasse um presságio. Como se o próprio chão soubesse que algo se quebraria em breve. E que não havia mais volta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Dravak retornou sete semanas depois. Não todo em corpo, sete dos nossos não voltaram. Um oitavo, Krenn, estava ferido, com o lado esquerdo do rosto coberto por uma faixa suja, a pele em carne viva. Atravessaram os portões externos de Skarn ainda antes do amanhecer, e não entraram direto. Nos esperavam além da muralha, onde os olhos não traem segredos.

 

Fui a primeira a vê-los. Me aproximei em silêncio, e Dravak me encarou como se tivesse envelhecido uma década. Não trocamos palavras. Só assentimos. O tempo das perguntas viria. Por ora, era hora de entender o que tinham trazido.

 

Nos reunimos ao redor de uma fogueira baixa, protegida por pedras negras. Ragan, Jorum e Kael chegaram logo depois, seguidos por nosso pai. Korgun falava pouco, preferia ver, ouvir e pesar.

 

Dravak desamarrou os panos que carregava em seu cavalo. Dentro deles, dispostos como relíquias amaldiçoadas, estavam os indícios daquilo que nos espreitava.

 

 

Um escudo feito de madeira escura, cravejado com ferragens estranhas, em formato de ossos entrelaçados, símbolos que nenhum de nós reconheceu. Um mapa rudimentar, feito em couro curtido e oleoso, com rotas que cruzavam o território de Valmont até o norte além das Montanhas Cortadas, regiões que julgávamos inabitadas. Um medalhão de ferro fundido, marcado com uma figura estranha: uma torre tombada, em chamas, com uma serpente enrolada sobre si mesma. Krenn o arrancou do pescoço de um dos homens mortos num dos acampamentos que encontraram. Flechas de ponta curva, com entalhes nas hastes que não pareciam meros adornos, mas códigos.

 

Dravak falou pouco, mas o suficiente. Encontraram quatro acampamentos. Nenhum deles fixo. Eram móveis, como de mercenários ou saqueadores treinados. Mas disciplinados demais. Tinham sinais de formação militar. E havia algo mais: queimavam os próprios mortos. Sempre. Menos uma vez, quando chegaram antes que pudessem fazê-lo. Foi assim que encontraram o medalhão.

 

 

(Dravak) — Eles falam outra língua — disse ele. — Mas se organizam como um exército. Pequeno. E invisível. Rastreiam vilas menores, observam as caravanas, anotam as saídas e entradas entre nossos reinos. 

 

 

(Varka) — Quem os lidera? — perguntei.

 

 

(Dravak) — Não sabemos. Mas... encontramos vestígios de cartas. Rasgadas, molhadas de sangue. Nelas, nomes que soam como nossos. Nomes de comandantes de Skarn e Valmont. Nomes que não deviam conhecer.

 

 

Um silêncio ainda mais pesado caiu. Ragan rangeu os dentes. Kael murmurou uma maldição. Meu pai se abaixou, pegou uma das flechas, pesou-a na mão.

 

 

(Korgun) — Isso não é obra de bandidos. Nem de soldados perdidos. Isso é preparação.

 

 

(Jorun) — Preparação pra quê? — Jorum sussurrou.

 

 

Foi aí que olhamos uns para os outros. E decidimos. Não por medo. Mas porque sabíamos: sozinhos, cairíamos. Precisávamos de Valmont.

 

 

(Korgun) — Varka. Você e Ragan vão a Valmont. Levem as provas. Mostrem ao rei o que o espera se continuar achando que o perigo vem de nós. Ele precisa entender... que o inimigo já está entre os muros.

 

 

(Varka) — Sim senhor!

 

 

 

 

 

Naquela noite, deixamos Skarn outra vez. Eu, Ragan e um punhado de homens confiáveis. Mas algo era diferente agora. Já não partíamos apenas como mensageiros. Partíamos como quem carrega os primeiros ossos de uma guerra que ainda nem começou.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fomos recebidos nos portões de Valmont por Maeryn. Não havia pompa, nem trombetas. Apenas ela, envolta em um manto escuro, montada em um cavalo cinzento, com as mãos firmes nas rédeas e os olhos ainda mais duros que na última vez que os vi.

 

Ela não sorriu. Nem eu.

 

 

(Maeryn) — A carta do corvo falava de urgência. Mas não dizia que viria você, Varka.

 

 

(Varka) — Meu pai confia em mim, e sabe que você entenderia melhor do que qualquer um o que está por vir. Principalmente se ouvisse de mim.

 

 

Ela nos examinou por um instante, como se pesasse não apenas nossas armas, mas o que vínhamos carregando por dentro. Ragan manteve o olhar firme, mas Maeryn sequer o cumprimentou. Ela virou o cavalo e disse:

 

 

(Maeryn) — Venham. O rei os espera. Mas saibam que palavras não bastarão.

 

 

Seguimos por entre os portões, e por um momento senti a fortaleza de Valmont respirar ao meu redor. Alta, refinada, orgulhosa. Mas sob as pedras claras e os vitrais ensolarados havia um eco de tensão. O tipo de silêncio que antecede uma ruptura. Guardas nos observavam com atenção demais. Criados sussurravam demais. A capital não confiava em Skarn, e isso era recíproco. Mas sabiam que não viríamos por qualquer coisa.

 

Ao atravessar o salão principal, a presença de Maeryn à frente de nós era como uma ponte entre dois mundos. Ela era princesa de Valmont, a diplomata, sangue de Aldren. Talvez por isso fosse ela, e não outro quem viesse ao nosso encontro.

 

O rei Aldren nos esperava no salão interno, ladeado pelos filhos mais velhos: Alric, com seus olhos semicerrados e o manto carregado de brasões, Corwin, que olhava para nós como quem mede a lâmina de um oponente. Maeryn permaneceu de pé, ao lado do trono.

 

 

Aldren não levantou.

 

 

(Aldren) — Varka. Ragan. Enviados do norte. Espero que a viagem tenha sido menos sombria do que as notícias que o corvo nos trouxe.

 

 

(Varka) — Sombria o bastante para justificar o que trouxemos. — Desamarrei o tecido e o abri diante dele, sobre a mesa de pedra. — Provas. Não de boatos. Não de lendas. Mas de homens reais. E do que estão fazendo, enquanto nossos reinos continuam fingindo que estão em paz.

 

 

O escudo escuro, o medalhão da torre tombada, o mapa com rotas por dentro de territórios valmonteses e skarnianos, as flechas marcadas. Um a um, os objetos foram revelados como ossos arrancados de uma sepultura proibida.

 

 

(Ragan) — Encontramos acampamentos. Quatro. Movem-se com disciplina, mas não com bandeiras. Queimam os mortos. Rastreiam rotas de comércio. Sabem nomes. Generais. Vilarejos. Posições de vigília.

 

 

Corwin se inclinou para observar o escudo. Alric examinou o mapa, tentando decifrar os traços irregulares.

 

 

(Alric) — Isto passa por dentro de nossas florestas do sul. E mais… isto aqui — ele apontou uma curva marcada com símbolos — é uma rota de suprimentos que só oficiais conhecem.

 

 

(Corwin) — Eles têm olhos aqui dentro. Ou alguém está vendendo nossas informações.

 

 

Aldren permaneceu em silêncio por longos segundos. Olhou para os objetos, depois para Maeryn. Foi ela quem falou:

 

 

(Maeryn) — Não são bandidos. Nem desertores. Isso foi planejado. E não começou ontem. O que quer que esteja se formando, já nos observa há mais tempo do que estamos dispostos a admitir.

 

 

(Aldren) — E por que vocês trariam isso a nós? Por que não guardar para si, esperar o ataque e então apontar o dedo?

 

 

(Varka) — Porque se esperarmos cair sozinhos, o próximo a cair será Skarn, ou vice e versa. E, depois disso, não restará ninguém para contar a história.

 

 

(Ragan) — Viemos antes da guerra começar. O que faremos agora é escolha de vocês.

 

 

O rei se levantou devagar. Seu rosto era o de alguém que não queria acreditar, mas sabia que não tinha mais o luxo da dúvida. Caminhou até a mesa, pegou o medalhão com dedos envelhecidos, virou-o à luz.

 

 

(Aldren) — Isso é mais antigo do que imaginávamos. Mais profundo. Se há verdade nisso, e parece que há, então é hora de escolhermos o inimigo certo.

 

 

Ele virou-se para os filhos.

 

 

(Aldren) — Reúna os lordes da fronteira. Quero patrulhas dobradas nas rotas escondidas. Nenhuma caravana entra ou sai sem inspeção. E enviem espiões. Quero saber se há movimento nos ermos, ou dentro de nossos próprios muros.

 

 

(Alric) — E Skarn?

 

 

(Maeryn) — Skarn terá de ser ouvido. Eles vieram primeiro. Não como inimigos. Mas como sentinelas do que se aproxima.

 

 

O rei assentiu, e por fim olhou para mim.

 

 

(Aldren) — Vocês ficarão por ora. Suas provas serão analisadas. E, se forem o que dizem ser... vamos precisar mais de vocês do que gostaríamos.

 

 

Eu assenti. Ragan também, ainda que com menos prazer.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Naquela noite, nos deram quartos austeros, nos andares altos da torre leste. Ragan dormiu com a adaga debaixo do travesseiro. Eu não dormi. Saí, fui até as muralhas externas. Lá encontrei Maeryn, sozinha, olhando o horizonte.

 

 

(Maeryn) — E se for tarde demais, Varka?

 

 

(Varka) — Então que queimemos de pé. Mas não de olhos fechados.

 

 

Ela não respondeu. Ficamos ali por um tempo, caladas, ouvindo o vento e os corvos.

 

O mundo estava mudando. E, pela primeira vez, nós duas sabíamos que lutar do mesmo lado não era mais uma escolha. Era o único caminho que restava.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Maeryn 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O vento naquela muralha parecia mais cortante do que eu lembrava. Ele subia das montanhas com cheiro de gelo e terra revolvida, como se algo antigo houvesse sido desenterrado e agora rondasse o mundo com passos invisíveis. Varka estava ao meu lado, em silêncio, e eu… eu já não sabia mais onde terminavam os muros de Valmont e começava o peso daquilo que não podíamos nomear.

 

Ela não me olhava. Estava com os olhos no horizonte, na escuridão que se deitava sobre os campos, cobrindo as árvores como uma prece que ninguém ousava fazer em voz alta.

 

 

(Maeryn) — Quando você veio da última vez, parecia pronta pra matar um rei se fosse preciso.

 

 

(Varka) — E talvez estivesse. 

 

 

Olhei para ela. O contorno duro do rosto, os olhos de aço forjado, o silêncio que não era frio, mas fundo, como um poço onde todos os gritos já foram ouvidos e esquecidos. Havia algo diferente ali. Não era cansaço. Era uma rachadura. Uma que não se via no corpo, mas no modo como ela olhava o mundo. Como se, por dentro, já soubesse que não voltaria a ser inteira.

 

 

(Maeryn) — E agora?

 

 

Ela demorou a responder.

 

 

(Varka) — Agora… acho que os problemas são reais demais pra pensar em outra coisa.

 

 

Não soube o que dizer. Porque eu entendia. Entendia mais do que devia. Nós duas fomos moldadas por homens que viram fraqueza em hesitar, em sentir. Em desejar algo além da sobrevivência. Mas o que eu via agora em Varka era mais do que fadiga de guerra. Era medo. Um medo cru, exposto. O mesmo que crescia dentro de mim como uma raiz enterrada sob o mármore de Valmont.

 

 

(Maeryn) — Você acha que isso que trouxeram... vai romper tudo?

 

 

Ela assentiu devagar.

 

 

(Varka) — Não vai ser uma guerra. Vai ser um desmantelamento. Um desfiar de tudo que segura nossos reinos, fio por fio. Começa nas vilas. Depois vem pelos nossos muros. E quando percebermos, estaremos sozinhos. Cada um de nós, lutando contra um inimigo que já nos conhece melhor do que conhecemos uns aos outros.

 

 

As palavras dela me deram um calafrio. E, ainda assim, havia algo ali que me fazia olhar para ela e não apenas temer o que vinha, mas desejar estar ao lado dela quando viesse. Não por estratégia. Não por aliança.

 

Mas por alguma coisa que ainda não tinha nome.

 

Ficamos em silêncio por um tempo. O vento puxava meu manto e fazia o dela bater contra os joelhos. Lá embaixo, a torre de vigia trocava as sentinelas. Mas aqui em cima, estávamos só nós duas. As duas filhas de reinos que se ensinaram a odiar, agora lado a lado, tentando entender como se sustenta o que está ruindo por dentro.

 

 

(Maeryn) — E se não houver saída, Varka?

 

 

Ela me olhou pela primeira vez.

 

 

(Varka) — Então que sejamos nós o que fica quando tudo cair. Não pelo nome. Mas pela escolha.

 

 

Respirei fundo, sentindo o peito apertado. Não de medo do que vinha, mas do que aquela escolha podia custar. A aproximação dela era uma lâmina contra tudo que eu fui ensinada a preservar. Mas naquele instante, sob o céu escuro, entendi que talvez o que precisássemos preservar fosse exatamente isso: o que ainda nos fazia querer proteger algo, mesmo quando tudo ameaçava desaparecer.

 

E então eu disse, sem olhar:

 

 

(Maeryn) — Fique comigo esta noite. Só pra conversar. Nada de aço. Nem alianças.

 

 

Ela não respondeu com palavras. Apenas assentiu.

 

E naquele gesto silencioso, percebi que o que nos unia já era mais forte que as paredes de Skarn ou as torres de Valmont.

 

Porque o mundo podia estar ruindo.

 

Mas pela primeira vez… eu não me sentia sozinha.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fomos em silêncio pelos corredores escurecidos da fortaleza, nossos passos abafados pelas pedras antigas do castelo de Valmont. Guardas se afastavam com um simples gesto meu, criados curvavam a cabeça sem ousar erguer os olhos. Não era uma ordem, era o instinto de quem sabe quando não deve interromper o que não compreende.

 

Conduzi Varka ao meu quarto, no alto da ala leste. Ninguém além de mim entrava ali sem convite. Nem mesmo meus irmãos. Nem mesmo meu pai. Era o único lugar onde eu não precisava ser princesa, comandante ou filha do rei. Apenas eu.

 

Fechei a porta com uma firmeza suave. O cômodo era amplo. Havia tapeçarias antigas nas paredes, não para ostentar, mas para conter o frio. Uma lareira ainda ardia fraca, e o cheiro de madeira queimada flutuava no ar, misturado ao perfume discreto das ervas secas que mantinha num canto, como minha mãe fazia quando era viva.

 

Varka não olhou ao redor. Apenas caminhou até a janela aberta, onde a brisa carregava o sussurro das muralhas. Ela encostou-se à parede, cruzando os braços. Havia algo nela… contido. Como uma fera que sabe o próprio poder, mas não vê razão para mostrá-lo.

 

 

(Maeryn) — Você sempre parece pronta pra partir, mesmo quando está parada.

 

 

Ela virou-se devagar, o rosto meio sombreado pela chama baixa da lareira.

 

 

(Varka) — E você sempre parece esconder alguma coisa, mesmo quando está parada.

 

 

Sorri. Pela primeira vez naquela noite. E talvez pela primeira vez diante dela.

 

Caminhei até uma pequena mesa e servi duas taças de vinho escuro, forte e seco, feito nos campos do sul. Entreguei uma a ela. Nossos dedos se tocaram por um instante. Rápido demais pra dizer algo em voz alta. Longo o bastante pra dizer tudo em silêncio.

 

 

(Varka) — Você não tem medo do que os outros vão pensar?

 

 

(Maeryn) — Sempre tive. Só aprendi a disfarçar bem.

 

 

Dei um gole lento no vinho, sentindo o calor se espalhar pela garganta, pelas costelas, por algo mais fundo. A verdade é que sempre guardei esse segredo com a precisão de um general. Desde jovem, soube que meus desejos não se moldavam aos que esperavam de mim. Os pretendentes vieram. Com promessas de alianças, de herdeiros, de paz entre casas. E eu os recusei um a um, sempre com alguma justificativa política que meu pai aceitava com um misto de alívio e resignação.

 

Mas nenhuma daquelas recusas teve o peso que essa noite tinha.

 

Olhei para Varka, agora sentada perto do fogo, a taça entre as mãos grandes, as botas sujas de estrada cruzadas à frente. Ela pertencia ao mundo de fora, ao frio, ao aço, à terra e ainda assim, ali, dentro do meu quarto, parecia caber como se sempre tivesse estado ali. Como se parte de mim soubesse disso antes mesmo de qualquer palavra.

 

 

(Maeryn) — Não fui feita pra me casar com homem nenhum. Nunca desejei isso. Nunca desejei eles.

 

 

Ela me olhou. Não com surpresa. Mas com a firmeza de quem já sabia, mesmo sem ouvir.

 

 

(Varka) — Nem eu.

 

 

A revelação pairou no ar como uma lâmina que, em vez de cortar, libertava. Por um instante, nenhuma de nós falou. Só o estalar da lenha preenchia o espaço entre nossos corpos, que agora pareciam mais próximos, mais abertos.

 

Sentei ao lado dela. Nossos ombros se tocaram levemente.

 

 

(Maeryn) — Nunca disse isso em voz alta. A ninguém.

 

 

(Varka) — Não precisava.

 

 

Ela virou-se um pouco, e eu também. Nossos rostos agora frente a frente, os olhos se procurando sem pressa. Não havia pressa. Nem urgência. Só a estranha e doce certeza de que alguma coisa, finalmente, se encaixava.

 

 

E, ali, naquela noite silenciosa, com o mundo à beira de uma guerra que ainda não sabíamos nomear, o que nasceu entre nós não foi fuga. Nem refúgio. Foi reconhecimento.

 

Quando nossos lábios se tocaram, não foi como um começo.

 

Foi como lembrar de algo que já existia.

 

Algo que, mesmo escondido, já era nosso.

 

 

O quarto parecia menor com ela ali.

 

Não pelo tamanho, mas pela presença. Varka preenchia o espaço como vento do norte, sem pedir licença, sem se desculpar. O fogo refletia em sua pele marcada, cicatrizes longas, cruzando costas, braços, clavícula. Algumas finas e brancas como trilhas de sal. Outras escuras, rasgadas como relâmpagos na carne. E havia ainda as tatuagens: símbolos que eu não sabia decifrar, mas sentia que cada uma contava uma história de sangue, perda ou vitória. Tatuagens que começavam no pescoço e se derramavam pelos ombros até os flancos, como se a própria pele dela tivesse sido tomada por promessas que não podiam ser quebradas.

 

Minha pele, ao lado da dela, parecia porcelana. Lisa demais. Limpa demais. Os únicos traços que me marcavam estavam por dentro e nunca ousaram sangrar.

 

Varka era rude nos gestos, mas delicada no silêncio. Quando nossos lábios se encontravam, ela me beijava com a intensidade de quem sempre segurou demais. Como se tivesse aprendido a calar tudo, a fome, o desejo, a fragilidade e agora, diante de mim, não precisasse mais. Suas mãos eram ásperas, pesadas, e quando pousaram em minha cintura, senti como se algo em mim cedesse. Como se a armadura invisível que carrego desde que me tornei Maeryn de Valmont tivesse, enfim, rachado.

 

Ela me tocou com reverência, mas sem hesitação. Como quem mapeia um terreno desconhecido, sabendo que pode haver armadilhas, mas aceitando o risco. Suas mãos deslizaram pelas minhas costas, devagar, e quando me encostou à parede de pedra, entre a tapeçaria antiga e a luz do fogo, o frio das pedras nas minhas costas contrastou com o calor que subia por dentro, queimando a respiração no peito.

 

 

(Varka) — Você é diferente...

 

 

Sussurrou isso enquanto os dedos percorriam meu pescoço, depois os braços, com um cuidado que não combinava com o peso que havia neles. Como se tivesse medo de quebrar algo que não sabia ser tão resistente.

 

 

(Maeryn) — E você é feita de todos os sonhos promíscuos que já tive…

 

 

Ela me olhou fundo. Aquele olhar que atravessa, que pergunta sem falar, que espera uma permissão que já foi dada no silêncio.

 

Ela tirou minhas roupas como quem desfaz anos de silêncio. Cada peça retirada era um alívio, uma confissão. A túnica dela caiu no chão, revelando mais das marcas que a definiam. O ventre forte, os músculos talhados, os ossos firmes como aço enterrado. Meus dedos tocaram a tatuagem abaixo de seu seio esquerdo, um símbolo circular, simples, ladeado por três traços verticais. Ela prendeu o ar.

 

 

(Varka) — Me foi dada no dia em que enterrei minha irmã.

 

 

Não respondi. Só levei os lábios até o símbolo e beijei-o devagar. Era minha maneira de dizer o que sentia naquele momento.

 

Quando me vi despida diante dela, Varka me observou como se visse algo que não esperava. Como se minha pele, lisa, clara, livre de cortes ou tinta, dissesse mais do que palavras. Seus olhos desceram por mim como mãos, pesados, intensos e quando me puxou contra o corpo nu dela, não havia mais distância.

 

Nos deitamos sobre as peles que cobriam minha cama. A lareira lançava sombras dançantes nas paredes. Fora da torre, o mundo seguia, guardas marchavam, corvos voavam, o leste continuava a fermentar sua ameaça. Mas ali, entre os lençóis e o calor, entre o suor e os suspiros contidos, estávamos suspensas em algo maior que medo.

 

Varka era bruta, sim. Os dedos seguravam forte. Os quadris pressionavam com voracidade. Mas havia um ritmo nela que não era só desejo, era memória. Como se ela se lembrasse de todas as vezes em que não pôde ter isso. Em que teve que engolir o corpo, o toque, o afeto. Ela me amava com raiva contida e com reverência. Me amava como quem protege e devora.

 

E eu me deixei amar.

 

Minha respiração se misturava à dela. Minhas unhas deixaram marcas nos ombros tatuados. Seus gemidos roucos se perderam na curva do meu pescoço, e quando entrelacei minhas pernas nas dela, senti que o mundo podia estar à beira do abismo, mas ali… éramos salvação uma da outra.

 

Na última vez em que ela me tocou antes de adormecermos, foi com a palma da mão aberta sobre meu peito. Como se dissesse “estou aqui”. Como se pedisse “fique comigo”.

 

E eu fiquei.

 

Não como princesa. Nem como herdeira de Valmont.

 

Mas como Maeryn.

 

Inteira. Desarmada. Amada. Sem dar a mínima pra sua descendência e seu reino, me importava apenas com o que tinha ao alcance das minhas mãos naquele momento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O dia amanheceu cinzento, como se o próprio céu partilhasse da ausência que preencheu o quarto quando despertei. O calor do corpo dela, que horas antes queimava contra o meu, havia se dissipado por completo, como se nunca tivesse existido. Mas existiu, eu sabia.

O lençol amarrotado ainda tinha o cheiro da sua pele, do couro das suas roupas jogadas ao chão, do sal e do sangue de suas cicatrizes. E em mim, em carne viva, haviam traços que não negavam nada, marcas nos meus quadris, nas coxas, nos seios. Sutilezas da noite anterior, mas que pareciam brasas queimando memória na pele.

 

 

Varka se fora.

 

 

Levantei lentamente, como se cada músculo pesasse o dobro, como se o gesto de me erguer da cama fosse uma despedida. O quarto estava mergulhado num silêncio estranho. Não era o silêncio confortável da solidão que conheço bem, mas outro, o tipo que nasce quando alguém toma algo de você e vai embora sem dizer por quê.

 

Pensei em tudo que ela disse sem palavras. Porque Varka não fala com a boca, ela fala com os ombros, com os olhos, com as mãos calejadas. E na noite passada, falou com o corpo todo. Me tomou como quem toma água depois de uma batalha. Com sede. Com fúria. Como se eu fosse um lugar onde pudesse descansar por um instante, antes de seguir para outra guerra.

 

Mas agora eu era apenas isso, o instante.

E ela, o que era?

 

Por um tempo fiquei ali, sentada à beira da cama, com os pés no chão frio, o peito cheio e ao mesmo tempo vazio, como uma taça recém derramada. Eu não sabia exatamente o que doía. Talvez não fosse o abandono em si, mas o que ele escancarava, a certeza de que algo em mim havia mudado para sempre, e para ela talvez não tivesse mudado nada.

 

Tomei um banho demorado e me vesti como quem se recompõe após uma derrota íntima. O vestido escuro escondia as marcas, mas não as apagava. E tampouco escondia o ardor em meu ventre, ou o nó que se formava entre o estômago e o orgulho.

 

As horas passaram lentas, como se o tempo me castigasse. E então veio o chamado, meu pai exigia minha presença na sala de conselhos.

 

Caminhei pelas pedras do castelo como quem caminha sobre vidro. Cada passo ressoava uma lembrança, sua boca na minha, o peso do seu corpo, a aspereza da sua risada abafada quando mordi seu ombro. Era como tentar andar com as mãos atadas e os olhos vendados, presa numa prisão construída com desejo e dúvida.

 

 

Cheguei à sala e empurrei as grandes portas de madeira. A luz vinda das janelas altas projetava sombras duras sobre os rostos presentes. Meu pai, com os olhos sombrios de sempre, já estava sentado à cabeceira, braços cruzados como se esperasse uma batalha. Alric e Teyrion discutiam baixo, Corwin de pé junto à mesa, e Ragan encostado na parede como um cão de guarda entediado.

 

E ela.

Varka estava ali. Postura ereta, os cabelos presos de qualquer jeito, o rosto sem traços de cansaço, como se a noite anterior tivesse sido apenas mais uma em tantas.

Nem ao menos olhou para mim.

Ou, se olhou, fez de um jeito que não notei.

 

A raiva e o orgulho me seguraram de pé.

Me aproximei da mesa e tomei meu lugar. Meu pai apenas assentiu, seco, como sempre. Mas a tensão ali dentro não vinha dele. Vinha de mim. Do que eu sabia e ninguém ali sabia. Do que ela sabia e fingia que não.

 

Os conselheiros chegaram, os líderes de casa casa nobre do reino e então finalmente a reunião começou.

 

 

 

Fim do capítulo


Comentar este capítulo:
[Faça o login para poder comentar]
  • Capítulo anterior
  • Próximo capítulo

Comentários para 3 - Capitulo 3:

Sem comentários

Informar violação das regras

Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:

Logo

Lettera é um projeto de Cristiane Schwinden

E-mail: contato@projetolettera.com.br

Todas as histórias deste site e os comentários dos leitores sao de inteira responsabilidade de seus autores.

Sua conta

  • Login
  • Esqueci a senha
  • Cadastre-se
  • Logout

Navegue

  • Home
  • Recentes
  • Finalizadas
  • Ranking
  • Autores
  • Membros
  • Promoções
  • Regras
  • Ajuda
  • Quem Somos
  • Como doar
  • Loja / Livros
  • Notícias
  • Fale Conosco
© Desenvolvido por Cristiane Schwinden - Porttal Web