Entre linhas por CarolF
Capítulo 3 – Depois do Silêncio
Capítulo 3 – Depois do Silêncio
A notícia veio na sexta-feira: haveria um torneio fora da cidade no próximo fim de semana. Dois dias de viagem, hospedagem em uma escola municipal adaptada para os times visitantes, e jogos classificatórios a partir do sábado de manhã.
O treinador Júnior mal conseguiu terminar o anúncio e as meninas explodiram em comemoração.
— Quero só ver a zona que isso vai virar — murmurou Julia, rindo.
Fingi que ria também, mas meu olhar já procurava Dani.
Ela estava mais distante do que o habitual, sentada no chão, amarrando os cadarços devagar, mas, ao perceber meus olhos, ela me olhou por um segundo — e não desviou. Havia algo ali um “e se” que se arrastava desde o portão da escola.
Na terça-feira, os pais precisaram assinar autorização. Minha mãe estranhou o pedido, mas assinou só recomendou cuidado e mandou eu levar casaco. Típico. Não perguntei como foi com a Dani, não nos falávamos desde aquela conversa tensa no portão.
Na sexta à noite, partimos. A viagem foi longa, umas duas horas, e fomos todas rindo, ouvindo música e tentando esconder o nervosismo.
Eu sentei na frente, encostada na janela. Dani sentou no banco ao lado, sem falar nada só encostou a cabeça e colocou os fones. Durante um tempo, fingimos que não existíamos, mas quando o motorista apagou as luzes internas do ônibus, senti o ombro dela encostar no meu sem aviso, sem desculpa.
Fiquei imóvel.
Minutos depois, a mão dela escorregou até tocar a minha, devagar e ali, no escuro do ônibus, com as outras conversando baixinho, nossos dedos entrelaçaram e ficamos assim, silenciosas respirando o mesmo ar contido e com o coração disparado.
Chegamos na cidade pequena já tarde da noite com colchões no chão, bolsas espalhadas, meninas rindo, outras reclamando da bagunça do alojamento e organizamos tudo como deu.
Ficamos no mesmo grupo de quarto: eu, Dani, Julia e a Ana Paula. A noite passou devagar. Ninguém dormia direito quatro meninas dividindo um espaço pequeno, cochichando, rindo baixo, tirando foto, tentando acalmar o frio na barriga.
Mas, eu só pensava em uma coisa: Dani.
Ela evitava me olhar, mas quando a luz apagou e todas deitaram, escutei a respiração dela mais perto que o normal o nosso colchão estava colado e no escuro, percebi quando ela virou pro meu lado.
E sussurrou:
— Você ainda me espera?
— Sempre — respondi, baixinho.
Então ela se aproximou e a sua mão tocou meu rosto devagar, como se pedisse permissão ali, entre colchões improvisados e cobertores finos, ela me beijou.
Foi um beijo silencioso, lento, mas carregado, tinha urgência, tinha medo, tinha tudo que ficamos segurando por tanto tempo.
Ficamos assim por minutos que pareciam eternos e depois vieram os toques, as respirações descompassadas, os corpos encostando mais do que deveriam. Não chegamos ao fim, mas fomos longe o bastante para saber que não dava mais pra fingir que não havia nada.
Nos separamos com o coração na garganta.
— Isso muda tudo — ela sussurrou, os olhos ainda fechados.
— Eu sei — respondi.
Na manhã seguinte, ela estava diferente.
Durante o café da manhã no refeitório improvisado, Dani mal olhou na minha direção não sentou perto, não falou comigo, tentava parecer natural, mas estava forçando demais e eu sentia: ela estava me apagando.
Em quadra, foi a mesma coisa, jogava bem, mas evitava qualquer aproximação fora do necessário nem mesmo os olhares de antes aquilo que era só nosso... ela trancou.
Fingi que não doía, fingi que eu era feita de pedra, mas por dentro, tudo gritava.
No intervalo entre os jogos, tentei falar com ela.
— Dani, o que tá acontecendo?
— Nada — ela respondeu, sem olhar pra mim.
— A gente se beijou. Você lembra disso?
Ela respirou fundo. — Lembro. E é por isso que preciso me afastar.
— Como assim?
— Eu não tô pronta pra isso, Cris. Eu... eu me arrependi.
As palavras bateram como socos.
— Você mentiu pra mim?
Ela hesitou. — Não. Mas, talvez eu tenha mentido pra mim mesma.
E saiu.
Eu fiquei ali, no pátio do alojamento, sentindo o chão abrir sob meus pés.
Mais tarde, quando entramos em quadra de novo, jogamos como estranhas, sem troca, sem entrosamento. E, pela primeira vez em meses, perdemos feio.
O Júnior tentou entender o que houve. As meninas discutiram, mas eu sabia exatamente onde tudo tinha começado a desandar.
E pela primeira vez desde que entrei naquele time, pensei em desistir.
O resto do torneio passou como um borrão e eu jogava no automático, sem alma, sem vontade. Dani evitava cruzar comigo até dentro de quadra. Nossos passes, antes precisos como coreografia ensaiada, agora tropeçavam no silêncio a falha era visível o entrosamento, morto.
As meninas começaram a perceber.
— Vocês brigaram? — Ana Paula me perguntou no banheiro, no domingo de manhã, antes do último jogo.
— Não — menti, lavando o rosto com pressa. — Só cansada.
— Porque tá na cara que tem coisa errada. Ela nem olha mais na sua cara, Cris.
Olhei pro espelho. Meus olhos estavam vermelhos, fundos. Tentei forçar um sorriso, mas nem isso consegui.
— Às vezes... as coisas só mudam — respondi.
Ela não insistiu, mas não precisava de silêncio.
Na viagem de volta, Dani sentou longe com a Julia. Ria de piadas sem graça, fingia que nada tinha acontecido, como se o beijo, os toques, a respiração quente no meu pescoço fosse invenção minha.
Eu sentei na janela de novo com fones no ouvido, música alta, olhos na estrada e por dentro, eu gritava porém por fora, não saía nada.
Chegamos à nossa cidade já no começo da noite. As meninas se despediam, abraços, risadas, planos de segunda-feira. Eu desci do onibus sem pressa, carregando a mochila como se fosse chumbo.
Vi Dani se afastando rápido, entrando no carro do Leandro sem nem olhar pra trás.
Em casa, minha mãe percebeu algo no ar.
— Como foi o torneio?
— A gente perdeu.
— Você está com febre? Tá tão pálida.
— Só cansada.
Fui direto pro quarto e fechei a porta, joguei a mochila no canto e me joguei na cama. A raiva veio antes das lágrimas, queria quebrar alguma coisa, queria gritar, mas tudo que consegui fazer foi chorar em silêncio, com o travesseiro abafando o som.
Eu não sabia o que doía mais: o beijo, a distância ou o fato de ela ter dito que se arrependeu.
Era como se tudo tivesse sido arrancado de mim às pressas como se eu tivesse sido enganada por um sonho bonito demais pra durar.
Na segunda-feira, voltei à escola. As meninas falavam sobre o torneio, as viagens, as zoeiras nos quartos e eu fingia participar. Dani estava no fundo da sala ria com os amigos. Nem me olhou.
Durante o treino, o Junior nos chamou para conversar e estava preocupado com a queda de rendimento, cobrando foco, união, comprometimento.
— A gente precisa jogar como time de novo. Tá claro que algo quebrou aqui — ele disse, olhando pra mim e pra Dani.
Eu abaixei a cabeça. Ela olhou pro outro lado.
Depois do treino, fiquei enrolando no vestiário, as outras foram embora e quando finalmente saí, vi Dani sentada na arquibancada, sozinha por um segundo, pensei em ir até ela. perguntar por quê, pedir que fosse honesta, pelo menos dessa vez.
Mas ela se levantou antes que eu decidisse. Me viu e passou direto, sem palavras, sem olhar.
Aquilo doeu mais do que qualquer rejeição clara. O desprezo silencioso era pior.
Naquela noite, eu escrevi uma mensagem longa, escrevi que ela não precisava me amar, mas que pelo menos devia ter sido sincera. Que doeu, que eu ainda sentia, que eu não era feita de pedra, que ela podia correr o quanto quisesse, mas o que vivemos naquele colchão no chão foi real.
Mas não mandei.
Apaguei tudo.
Fechei o celular. E chorei até dormir.
Fim do capítulo
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