Capitulo 46
Bianca encarava o nada. Ou melhor, encarava um ponto fixo na parede branca da sala de aula, como se aquele reboco mal pintado fosse capaz de responder todas as perguntas existenciais que surgiram nos últimos 20 minutos.
Ao lado dela, Ana comia uma barrinha de cereal com a energia de quem não fazia ideia do significado da palavra “discrição”.
— Ok, então vamos recapitular — disse Ana, com a boca cheia, apontando o dedo como quem estava apresentando um PowerPoint invisível. — Você viu a Luísa conversando com a nova professora, que é gostosa. Até aí tudo bem, certo?
— Ana…
— Não! Não me interrompa. Eu tô concentrada aqui. — Ela deu outro pedaço na barrinha. — Agora… e se essa mulher for tipo… sei lá, uma agente secreta infiltrada? Uma ex-espiã da KGB? Tudo bate: a postura, o olhar gelado, o blazer cinza!
— Ana, pelo amor de Deus. Só cala a boca. — Bianca suspirou, apoiando a testa na mesa.
— Tá, tudo bem. Vamos pra teoria número dois: talvez a soberana de todo o mal gostosona só estivesse sendo simpática, sabe? Às vezes, quando ela não tá fazendo a gente chorar ou fazendo você goz*r, ela pode ser simpática. Não pode? Você viu como a Luísa encostou no braço dela? Foi tipo… simpático, né? Normal. Profissional.
Bianca levantou a cabeça e olhou pra amiga com cara de derrota.
— Você é completamente maluca.
— E você tá nervosa. E quando você fica nervosa, você rói unha e faz essa sua cara de “me abracem, mas ninguém encoste em mim”. Então sim, tô preocupada.
Bianca suspirou de novo. Ainda conseguia ver, na cabeça, a cena do corredor. O jeito como Luísa tocou o braço da mulher. A troca de olhares. O silêncio.
— Sei lá, Ana… foi estranho. Ela não é de ficar encostando nas pessoas. E não daquele jeito. E aquela expressão dela quando me viu… não foi normal.
— É. Foi tipo: “eita, deu ruim, minha loirinha tá presenciando um erro batendo na minha porta com salto alto e um perfume caro”.
Bianca cobriu o rosto com as mãos.
— Ai, que saco! Eu odeio não saber o que tá acontecendo. E pior: odiaria ser a doida ciumenta. Mas agora eu tô me sentindo exatamente isso. A doida. E ciumenta.
— Amiga, olha pra mim. — Ana virou o rosto da Bianca com uma das mãos, dramática como uma atriz mexicana. — Você tem o direito de sentir. Você dormiu de conchinha com a mulher, acordou com beijo na testa, recebeu café na cama. Isso dá direito a pelo menos dois ciúmes oficiais e um surto leve. Tá no contrato.
Bianca riu, apesar de tudo.
— E se ela… não sei. Não sei nem o que é pior, sabia? E se ela simplesmente se cansou de mim? E só… porr*.
— Aí a gente vai dar um jeito, tá? Na força, na conversa, com vinho barato, ou com um pouco de chantagem emocional e memes passivo-agressivos no WhatsApp.
O sinal tocou. A aula ia começar, mas Bianca mal conseguia se concentrar.
Lá no fundo da cabeça dela, a imagem ainda girava: Luísa, elegante, próxima demais daquela mulher de expressão intensa.
E aquele olhar que ela lançou antes de virar de costas.
Tinha coisa ali.
Bianca só não sabia ainda o quê.
Mas ela ia descobrir.
Fim do capítulo
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