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TERRA SECA por Thaa

Ver comentários: 1

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Palavras: 3824
Acessos: 485   |  Postado em: 21/07/2025

Notas iniciais:

Tenham uma boa leitura, meninas. 

Demorou, mas veio, estou numa correria entre trabalho, viagens, estudos e escrever que é o que amo. Desculpem pela demora. 

Bjs! 

Muito obrigada pelos comentários. :)

Capitulo 2

Capítulo 2

O corpo do coronel Silvério foi enterrado numa manhã seca, com o céu esbranquiçado e a poeira suspensa no ar, como se o próprio sertão estivesse segurando a respiração. O pequeno cemitério da vila, cercado por mandacarus espinhosos, recebeu o caixão com preces rápidas e olhares que se demoravam demais, carregados de medo e respeito. Porém, poucos choraram de verdade com aquela morte repentina. O coronel era um homem temido, mais temido do que amado. Era como se sua presença ainda pairasse sobre aqueles vivos, uma sombra que não se afastava nem com a morte. A pessoa querida mesmo sempre fora a esposa do coronel, que apesar de ter uma postura mais masculina, como bem diziam as más línguas por aquelas bandas, era mais cordata com as pessoas do que o marido foi em vida.

Íris permaneceu firme durante todo o funeral. Seus olhos não se encheram de lágrimas, sua boca não tremeu. Ela segurava o terço entre os dedos finos com uma força silenciosa, como se prendesse dentro de si uma dor profunda, uma dor que não tinha permissão para mostrar, mas poucos sabiam que aquela expressão sempre fechada não era de dor, mas sim de alívio reprimido. Ao seu lado, Alexandra observava tudo em silêncio. A relação delas sempre fora marcada por uma distância difícil de explicar, já que Íris sempre fora uma madrasta severa, e Alex, a filha do coronel, com um sentimento misto de medo, admiração e um afeto reprimido, nunca confessado nem mesmo para si mesma.

Enquanto o caixão descia na terra, Alexandra sentiu algo quebrar dentro de si. Não era apenas a perda do pai. Era o peso da casa, a força implacável daquela mulher que agora comandava tudo, aquela mulher que jamais havia lhe permitido se aproximar verdadeiramente. Um nó apertado se formou no peito, um nó que ela guardava silenciosamente.

Após o funeral, voltaram para a fazenda, a casa grande estava em silêncio, com cheiro de vela apagada e flores murchas que pareciam absorver a tristeza do ambiente. Os empregados já haviam recolhido as cadeiras e pratos usados na despedida.

Alex tirou o sapato devagar e subiu para o quarto, mas a cama parecia pesada demais para ela. Caminhou pelo aposento cheirando a lavanda do campo, os passos ecoando no soalho de madeira. Finalmente, jogou-se na rede, o corpo cansado, a mente inquieta, e os pensamentos presos na figura dura de Íris.

Naquela casa, tudo parecia igual, as paredes brancas, o chão rangendo, o som dos galos ao longe. Mas o clima era outro. A ausência do pai criava uma sombra silenciosa e triste, e a presença de Íris era um ruído constante e pesado, uma força implacável que dominava cada canto, que lhe fazia sentir pequena e invisível, como sempre se sentiu desde que era moça nova.

Empertigou-se na rede, num gesto desconfortável. Ainda era dia. Mirou o céu, observando por um momento aquela beleza magnifica que só o interior tinha. Lembrou das palavras de Adélia, falando sobre as praias de João Pessoa, sobre as pessoas, sobre toda vivacidade daquela cidade que crescia e se industrializava cada dia mais com a migração em massa.

Pensou se já não era hora de arrumar as malas e partir para a capital, na manhã seguinte.

Não tinha nada que ficar fazendo ali com Íris.

Sim, precisava partir.

Arrumar as malas e ir embora de vez.

 

***

 

Íris andava pela casa com a firmeza de quem sabia que o luto não dava trégua nem desculpas. O vestido preto que vestia não era apenas sinal de quem enterrou o marido há instantes, mas de armadura, armadura esta que escondia a mulher cansada que, por dentro, precisava se manter em pé. Os corredores da casa grande ressoavam seus passos decididos, e cada vez que ela dobrava uma quina, alguém se afastava em silêncio, respeitando o vulto da nova senhora da fazenda.

— Quero tudo no papel — disse, sentando-se à mesa grande da varanda. — Nada de conversa fiada.

Diante dela, três vaqueiros ajeitavam os chapéus nas mãos, calados como meninos repreendidos. O mais velho, Zé Simão, coçou o queixo.

— Dona Íris, se a dona me permite, o gado do curral de cima tá magro. A pastagem secou mais cedo este ano. Se a gente não descer os bois, vão morrer feito os outros.

Íris ergueu os olhos dos papéis, sem pressa. O sol batia de lado, recortando seu rosto firme.

— Então que desça os bois, homem. Por que veio me dizer isso como se esperasse uma bênção? Quer uma novena ou quer solução?

Zé Simão se encolheu.

Os outros riram baixo, mas a tensão logo voltou com a ordem seca da mulher.

— Amanhã quero relatório do pasto da várzea antes do meio-dia. E cuidem da cerca. Os vizinhos tão é doidos pra roubar boi de quem chora.

Enquanto os homens se dispersavam pelo terreiro, Íris permaneceu sentada à mesa de madeira maciça da varanda. Puxou sua caderneta com as iniciais bordadas e começou a anotar números, tarefas, prazos. As mãos firmes, traços decididos, mas os olhos guardavam um cansaço antigo, o peso de noites de insônia, de dores que ela não ousava confessar nem ao espelho.

Depois de algum tempo, deixou a caneta de lado e ergueu os olhos para o céu. Por trás da copa das árvores secas, o azul se misturava ao dourado das folhas queimadas pelo sol. Aquela terra, bruta e calada, ainda era o que ela chamava de lar. E não havia de deixar que a levassem. Nem o tempo, nem o luto, nem a solidão.

Levantou-se e caminhou para dentro da casa. O vestido colava-se ao corpo, úmido pelo suor do sertão. Já não dormia no quarto de Silvério desde o enterro, não suportava o cheiro de charuto, o travesseiro ainda com o formato do rosto dele, os silêncios que berravam nas paredes. Preferiu um quarto no fundo da casa, mais afastado, com janelas voltadas para o mato. Um lugar só dela.

Fechou a porta, tirou os sapatos cobertos de terra, despiu-se sem pressa e entrou na banheira com água fria que havia mandado encher cedo. O calor do dia escaldante se dissolvia na leveza da água, e ela fechou os olhos por um instante, permitindo-se apenas sentir.

Pela primeira vez em dias, sentiu-se viva.

Ao sair, enrolou-se na toalha, secou os cabelos com movimentos lentos e, nua, andou até o guarda-roupa. Vestiu uma calcinha preta, pequena, justa. Pegou uma camisa branca de botões e a vestiu sem sutiã.

Diante do espelho, penteava os cabelos com calma, os olhos atentos ao próprio reflexo, como quem se reaprende.

Na soleira da porta, Alexandra espiava. Calada, quase sem respirar. O corpo de Íris à meia-luz, os contornos longos das pernas, a linha dos ombros, o jeito como a camisa caía sobre a pele ainda úmida. A calcinha preta, ousada demais para os padrões daquela época, parecia chamar seu olhar e, ao mesmo tempo, envergonhá-lo.

Íris sempre tivera uma beleza bruta. Não era uma beleza doce, como a das moças da cidade. Era uma beleza firme, quase áspera. Mas agora, com o cabelo solto e a camisa meio aberta, havia nela algo devastador. Alexandra sentia o rosto quente, o estômago contraído. Não sabia se fugia ou se entrava de vez.

Íris, como se sentisse o olhar, falou sem se virar, meio aborrecida por estar sendo observada pela outra.

— Vai continuar se escondendo aí?

Alex prendeu a respiração por ter sido pega de guarda baixa. Deu um passo tímido.

— Eu... — mordiscou o lábio. —  Só queria saber se precisava de alguma coisa.

Íris se virou devagar. Os olhos escuros encontraram os dela, e havia neles um brilho indecifrável, algo entre provocação e desafio.

— Preciso de muita coisa, senhorita. Mas nenhuma delas se pede em voz alta.

Alexandra ficou imóvel. O peito subia e descia, ansioso. Tentou encontrar palavras, mas o silêncio entre elas era mais forte.

— A fazenda é sua também, se é isso que quer saber — disse, agora já fechando a camisa com lentidão. — Mas aqui ninguém ganha lugar com sobrenome. Quem quiser ficar, tem que saber se impor. — Deu a dica.

— Eu não tô disputando nada, se é o que a senhora pensa — murmurou, quase sem acreditar que sua voz saía, e viu a outra fazer um ar de riso, como que num tipo de deboche que lhe causou uma raiva enorme no peito.

— Então não se esconda atrás das paredes para ficar bisbilhotando as vidas alheias. O coronel se foi. Agora é só você e eu — Alex sentiu algo estranho quando ela falou “só você e eu” — e essa casa cheia de memória. — Completou com indiferença.

Passou por Alexandra, tão perto que a médica sentiu o perfume da pele ainda úmida do banho.

Íris não tocou nela, mas o olhar ficou. Intenso. Consciente do que causava. Gostava, talvez, de ser olhada assim pela outra.

 

***

 

Naquela noite, Alexandra foi cedo para cama.

Virava-se de um lado para o outro na cama, os lençóis colando nas pernas, a janela aberta deixando entrar o cheiro da terra quente. A lembrança do corpo de Íris diante do espelho voltava como uma chama insistente. Era mais do que curiosidade. Era um desejo confuso, o mesmo que a deixava trêmula desde a adolescência, quando via a madrasta passar de vestido apertado, o coque bem-feito, os olhos que pareciam atravessar qualquer um.

Mas agora, sem o seu pai ali, tudo era diferente.

Sentou-se na cama e tentou se concentrar numa carta de Adélia, contando sobre as novidades de João Pessoa. A letra da prima era apressada, cheia de exclamações, cheia de vida.

Querida Alex, nem te conto as novidades da cidade, tudo está mudando tão rápido, minha prima! O rádio é parte do dia a dia por aqui e todo mundo gosta de ouvir o que eles falam sobre política e liberdade! As luzes ficam acesas até tarde, e parece que todo mundo tem pressa de viver aqui! Cada dia amo mais minha amada cidade! Espero que você volte logo. Te adoro!

Com imenso carinho, Délia.

Alex leu em voz alta, mas parou ao ouvir passos. Arregalou os olhos ao ver quem estava ali, parada no batente, de braços cruzados.

— E a prima, o que diz mais? — perguntou a voz feminina, com um interesse discreto, sem perder o tom firme.

— Tia Anastácia?!— Alexandra exclamou em polvorosa. — A senhora aqui? — Falava com a irmã mais nova da falecida mãe.

A mulher loira de seus quase cinquenta anos esboçou um meio sorriso, o primeiro em dias.

— Soube que tinha vindo para o enterro do seu pai. Sinto muito.

— Está tudo bem, tia. — Correu até a mulher e a abraçou com carinho. — Que bom vê-la.

— Pretende ficar aqui ou comigo lá na minha fazenda?

— Acho que vou ficar por aqui, não pretendo demorar muito tempo.

— Você foi feita pra cidade, querida. Soube que está formada e agora é médica. Terá um futuro brilhante em João Pessoa. Em tempos como estes, em que nós mulheres, não podemos nem votar, ver minha sobrinha formada médica, já é um grande avanço.

Alex assentiu concordando.

— Ainda vamos ser livres, tia. Sem estarmos sempre à sombra de um homem.

— É claro que vamos, querida. Você já comeu? E Íris, não está?

— Deve estar por aí, tia, nos vemos pouco apesar de morarmos dentro da mesma casa. Ela vive sempre ocupada com as coisas da fazenda.

— Íris sempre esteve à frente de muita coisa por aqui, é uma boa mulher, apesar de muito fechada.

Alex nada disse, apenas ficou em silêncio.

— Vamos tomar um chá, tia Anastácia? Estou tão feliz em revê-la. A senhora está tão bonita! Mais ainda do que da última vez em que a vi.

As duas riram.

— Não mais do que minha querida sobrinha médica. — Orgulhava-se sorridente.

Conversaram até tarde na cozinha, depois Anastácia retornou para a fazenda onde morava com o marido a alguns quilômetros dali.

***

Na manhã seguinte Íris despertou antes do sol romper o céu.

O quarto ainda estava mergulhado na penumbra, o silêncio cortado apenas pelo canto distante de algum galo e o zumbido de insetos junto à janela. De olhos abertos, ela permaneceu deitada por alguns minutos, encarando o teto de madeira escura, sentindo o peso do corpo contra o colchão. O lençol enroscado entre as pernas, a pele quente de um sonho que não lembrava mais, mas que deixara um gosto amargo na boca.

Suspirou e levantou-se sem hesitação. O tempo no sertão não dava espaço para contemplações. Fez a higiene matinal, com um banho rápido, seu ritual matutino. Pegou uma calça de tecido grosso, já um pouco desbotada nas dobras do joelho e vestiu-se com movimentos rápidos, quase automáticos. A camisa de manga longa, branca, foi arregaçada até os cotovelos. Prendeu os cabelos num coque apressado e calçou as botas empoeiradas que repousavam desde ontem ao lado da porta. Antes de sair, passou um pano úmido no rosto, um gesto rápido mais de hábito do que vaidade.

As pessoas estranhavam que ela usasse calças, mas não dava importância a isso. Mandava fazer cada vez mais calças para usar, se sentia bem mais confortável para o trabalho duro na fazenda.

Caminhou pela casa em silêncio. O piso frio sob os pés. A luz começava a escorrer pelas frestas das janelas. Pegou um pedaço de pão amanhecido na cozinha, comeu em pé, com um gole de café morno, e saiu pela porta dos fundos rumo ao curral.

O sol ainda nascia quando ela chegou lá. A madeira das cercas já quente do calor acumulado. O gado mugia, impaciente. Dois vaqueiros a esperavam, chapéus na mão.

— A água do bebedouro baixou muito — disse um deles. — E a cerca do lado norte tá quase quebrando. Um dos bois fugiu ontem de noite, mas achamos ele cedo.

— Já mandaram arrumar a cerca? — perguntou ela, sem rodeios.

— Ainda não, dona Íris. Távamos esperando sua ordem.

— Pois agora a tem. E levem o gado mais fraco pro pasto do fundo. A sombra é melhor lá.

Enquanto os homens se afastavam, Íris entrou no curral, passando a mão na testa para dissipar a preocupação. O cheiro de bicho, de capim, de barro molhado da noite, tudo isso fazia parte da sua rotina.

Ela mesma recolheu os baldes, cuidou de verificar as porteiras, observou os bezerros. Fez questão de pôr as mãos no trabalho, não confiava só em ordens. Era filha daquela terra, não senhora de retrato.

Mais tarde, com o sol alto e o corpo encharcado de suor, voltou para casa beirava ao meio-dia. A camisa colava nas costas. Os cabelos, que escapavam do coque, grudavam no rosto. Subiu os degraus da varanda como quem carrega um dia inteiro nas costas, mesmo sendo ainda metade da manhã.

Ao entrar, passou direto pelo corredor, sem notar Alexandra, que a observava em silêncio da sala, escondida atrás de um livro que nem lia. O cheiro da poeira, o som firme das botas no assoalho, a presença inteira de Íris atravessava os cômodos como vento forte que não pede licença.

No banheiro, despiu-se rapidamente. A camisa foi jogada num canto, as botas empurradas com o pé. Tirou a calça com cuidado, como quem se despe de uma armadura, e ficou nua diante do espelho embaçado. A pele branca estava vermelha do sol, os braços marcados, os olhos fundos. Era uma mulher forte, mas o espelho lhe devolvia também os sinais da exaustão.

Encheu a bacia e lavou o rosto. Passou água fria nos ombros, no pescoço. Não teve tempo para um banho demorado, a casa, a fazenda, o luto, tudo exigia urgência.

Vestiu um vestido leve de algodão, simples, azul-escuro. Prendeu o cabelo de novo, mas deixou uns fios soltos. Não por vaidade, apenas não se importava mais com a rigidez das formas.

Na cozinha, serviu-se de um prato de arroz com abóbora e carne seca. Comeu sozinha, em silêncio. Os talheres batendo no prato eram o único som no cômodo. A casa grande parecia suspensa num tempo que não voltava mais. Olhou pela janela, em direção aos campos secos, e por um instante sentiu uma tristeza funda atravessar-lhe o peito. Uma saudade que não era de Silvério, mas de si mesma. De quem já foi. De quem deixou de ser.

Tomou mais um gole de água e murmurou, quase sem voz.

— Preciso seguir. Não posso parar agora.

E então se ergueu. De novo. Como fazia todos os dias.

 

***

Na segunda noite após o enterro, Alex sentiu uma inquietação que não sabia nomear. A casa parecia maior e mais vazia do que nunca, e o silêncio pesava sobre seus ombros como um manto espesso. Então, sem pensar muito, resolveu sair para caminhar pelo terreiro. O céu estava limpo, e a lua cheia brilhava com uma luz pálida, quase etérea, que banhava a terra ressequida, os galhos retorcidos dos mandacarus e os telhados com um brilho delicado e sofrido.

A poeira fina do dia ainda flutuava no ar, suspensa na brisa morna, misturando-se ao cheiro terroso da seca e a um leve aroma de fumaça vinda de alguma fogueira distante. O mundo parecia suspenso entre a noite e o dia, entre a vida e a ausência do seu pai.

Enquanto caminhava, sentiu o coração apertar ao chegar perto do açude, aquele pequeno espelho d’água que sempre lhe parecera tranquilo e constante, um pedaço de calma em meio ao caos da fazenda. Mas ali, naquela noite, algo era diferente. No banco de pedra que margeava a água, uma figura se recortava contra o brilho da lua.

Era Íris.

Alex se aproximou devagar, mesmo sabendo que o barulho dos seus passos já denunciava sua chegada.

— Não sabia que vinha aqui à noite — disse, com a voz baixa, quase sem querer romper o silêncio.

Íris não se virou imediatamente. Seus ombros estavam tensos, e ela parecia observadora do reflexo das estrelas na superfície calma do açude.

— Venho desde que ele morreu — respondeu, a voz firme, mas carregada de uma suavidade inesperada.

Alex sentiu um vazio abrir dentro de si.

— Ele morreu anteontem — disse, como se precisasse afirmar a realidade.

— Eu sei — falou Íris, finalmente se virando devagar. Seus olhos escuros encontraram os de Alexandra, firmes e calmos, mas não frios.

Alex sentou-se ao lado dela, mas deixou um espaço entre os corpos, como se o ar fosse tênue demais para sustentar uma proximidade maior. O vento suave fez a água do açude tremeluzir, e o reflexo da lua parecia dançar, quebrado em pequenas ondas.

— Quando minha mãe morreu, eu tinha só 15 anos — começou, sem muito pensar, como se aquelas palavras tivessem sido guardadas por muito tempo e agora precisassem sair. — Não lembro direito dela. Às vezes, acho que inventei o rosto dela nos meus sonhos, porque nunca tive certeza de como ela era de verdade.

Íris ficou em silêncio por alguns segundos, a face iluminada pela luz prateada da lua. Depois, falou com uma voz que parecia carregar o peso de lembranças longínquas.

— Ela era bonita. Tinha um sorriso doce, mas — sua voz falhou por um instante — ela era frágil demais pra esse sertão e pra um homem duro como teu pai.

Alex olhou para ela, tentando entender a dureza por trás daquela doçura escondida.

— E a senhora? — arriscou, com um sorriso tímido, — é forte demais?

Um riso curto escapou dos lábios de Íris, pela primeira vez desde o velório. Não havia alegria ali, mas havia vida, um som que parecia libertar um pouco da tensão que a casa carregava.

— Sou o que precisei ser — respondeu, como quem não queria se expor demais. — Se eu fosse fraca, esta fazenda não teria durado nem dois anos depois que ele adoeceu.

Houve uma pausa, um silêncio pesado, até que Alexandra, impulsionada por uma curiosidade súbita, perguntou.

— E o amor? A senhora teve amor? Meu pai não foi que eu sei, mas já houve algum, algum dia?

A pergunta saiu antes que ela pudesse refletir, tímida e ousada ao mesmo tempo. Íris virou lentamente o rosto, olhando para Alex com aqueles olhos que pareciam penetrar fundo.

— Pouco — respondeu, sincera e direta. — E mal resolvido.

O silêncio voltou a cair entre elas, denso e carregado. Alexandra sentiu o calor da noite se intensificar, como se o ar estivesse carregado de uma energia que a fazia perceber a proximidade de Íris de um jeito novo, quase íntimo. O cheiro da pele dela misturava-se ao aroma da terra molhada e da água do açude, criando uma atmosfera quase palpável. De repente, o peso daquela intimidade inesperada a assustou. Levantou-se rápido, tentando recuperar a distância.

— Boa noite, dona Íris — disse, tentando esconder a confusão que sentia.

— Alexandra? — chamou Íris, com a voz mais suave, quase um convite.

Ela se virou, esperando que viesse algo mais, alguma palavra que a fizesse ficar, que aliviasse o silêncio entre elas.

— Não precisa me chamar de "dona" — falou, com um leve sorriso, como se quisesse diminuir aquela barreira invisível entre elas.

A médica hesitou, os olhos encontrando os dela por um instante, antes de acenar e se afastar lentamente pelo terreiro iluminado pela lua. O silêncio da noite voltou a envolver tudo, mas algo ali havia mudado.

 

***

Alexandra caminhou lentamente pelo terreiro, sentindo o chão de terra cravar sob os pés descalços. A brisa da noite balançava os galhos dos mandacarus, fazendo sombras longas dançarem no chão iluminado pela lua cheia. A conversa com Íris ainda reverberava dentro dela, misturando-se com o som distante dos grilos e o sussurrar da água no açude.

Ao se afastar, o coração parecia apertado, como se uma porta invisível tivesse sido entreaberta em seu peito, uma porta que até então ela nem sabia que existia. As palavras de Íris, sua voz rouca e firme, o riso curto que não escondia a falta de alegria, tudo isso deixou Alex inquieta, confusa.

Sentou-se no velho banco de madeira perto da cozinha, encostou a cabeça contra a parede fria e fechou os olhos. Tentava organizar os pensamentos, mas eles se misturavam em turbilhão.

Pouco e mal resolvido. Aquela frase soava dentro dela como um eco dolorido, como se Íris tivesse confessado uma parte escondida, não só dela, mas também da casa inteira, daquele mundo severo e silencioso onde os afetos eram coisas complicadas, escondidas entre ordens, trabalho e olhares duros.

Alex sempre sentira medo da madrasta, não um medo fácil de explicar, mas um medo de sua rigidez, da forma como Íris parecia invencível, inacessível. Agora, aquela imagem se quebrava aos poucos. Por trás da força dela havia uma fragilidade, um cansaço escondido que fazia dela uma mulher tão "só" quanto a própria Alexandra.

Fim do capítulo

Notas finais:

Até o próximo. 

Bjs, Thaa :)


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Comentários para 2 - Capitulo 2:
HelOliveira
HelOliveira

Em: 21/07/2025

Aos poucos elas vão se aproximando, capítulo muito bom


Thaa

Thaa Em: 10/08/2025 Autora da história
Oi, Hel.
A proximidade chegando, rsrs

Bjss!


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