Capitulo 14 - Rotinas do amor
O celular despertou às 6h45. Júlia abriu os olhos ainda sonolenta. A ressaca emocional gritou forte no momento em que se mexeu na cama: dores no corpo, cabeça pesada, o estômago embrulhado — reflexos da crise de choro que a fizera adormecer e do fato de não ter comido nada na noite anterior.
Levantou-se e foi direto para o chuveiro. A água fria serviu para acordar o corpo, a mente e, quem sabe, até a alma.
Já vestida com sua calça jeans surrada — mas confortável —, camisa social branca de mangas longas bem passadas, blazer preto por cima e mocassins sociais nos pés, encarou o espelho. Passara uma maquiagem leve para disfarçar as olheiras, mas nada podia esconder o que se passava por dentro. Ainda assim, uma decisão silenciosa se firmava no peito.
"Então, Júlia, achou que ia ser fácil? Todas as vezes que te impuseram algo, você cumpriu com perfeição. Ninguém nunca quis saber como você se sentia — só exigiam… e você entregava. Mas agora você não é mais a garotinha sem pai, com uma mãe brava e uma avó exigente. Aquela menina que só queria carinho. Agora você é uma mulher. Uma cirurgiã brilhante. E não precisa mais da aprovação de ninguém para viver."
Respirou fundo, ajeitou os cabelos e saiu do quarto.
Ao chegar à cozinha, sentiu o aroma do café recém-passado. Larissa estava de avental, mexendo nas xícaras, enquanto Guilherme entrava suado, trazendo pão fresco após a corrida matinal.
— Uau! Vocês caíram da cama? — disse Júlia, tentando sorrir. — Bom dia!
— Bom dia, irmãzinha. — respondeu Guilherme. — Bem, já que estamos aqui vivendo às suas custas, não custa colaborar, né?
— Fiz um omelete com queijo e cogumelos, do jeitinho que você gosta — completou Larissa. — E tem suco de laranja comprado… porque aí já seria demais espremer laranjas às sete da manhã.
Júlia sorriu, fez um gesto de agradecimento com as mãos, num cumprimento oriental.
— Arigatô — murmurou, antes de se sentar à mesa, grata pelo gesto simples, mas cheio de afeto.
Enquanto comia com os irmãos, sentiu uma pontinha de aconchego voltando ao peito.
A manhã foi intensa para Júlia. Depois de deixar Larissa na faculdade, seguiu direto para o hospital. Mal havia colocado os pés na unidade quando foi chamada para um atendimento de emergência: uma motoqueira havia colidido com uma caçamba em uma das vias principais da cidade.
A jovem apresentava múltiplas fraturas e um trauma craniano grave. Apesar do atendimento rápido da equipe, o diagnóstico foi devastador: morte cerebral.
Coube a Júlia a tarefa mais difícil — comunicar a família. Falar sobre a morte de um filho já era dilacerante; pedir autorização para a doação dos órgãos, então, exigia uma delicadeza quase sobre-humana. Por mais que fosse médica experiente, essa parte nunca se tornava fácil.
Ao longo da manhã, Júlia ainda não havia visto Laura. A assistente do departamento informou que ela se atrasaria naquele dia.
Já passava do meio-dia quando Júlia visitava uma paciente que estava em coma na UTI há vários dias. Seria mais uma notícia difícil para a família: um homem de 50 anos que havia sofrido um infarto, e a demora no socorro causara danos cerebrais irreversíveis. A possibilidade de que ele despertasse era praticamente nula. O dia estava longe de ser fácil.
Júlia estava saindo da sala, respirando fundo, tentando manter a compostura, quando avistou encostada no balcão de enfermagem da UTI, aqueles olhos azuis e o sorriso largo que a esperava como um abrigo silencioso.
— Bom dia, doutora. Que prazer em revê-la… — disse Júlia, com um brilho leve nos olhos Porém não conseguiu evitar um tom levemente enciumado ao perguntar:
— Onde esteve toda a manhã?
Laura sorriu ainda mais, divertida:
— Minha nobre doutora, para o seu governo, já é boa tarde. E, para sua informação, saí essa manhã para fazer uma boa ação…
Ela deu uma piscadinha marota, aproximando-se.
— E agora estou fazendo outra: vim buscar a senhorita para almoçar.
Laura queria muito saber como havia sido o fim de semana da namorada. Embora Júlia jurasse de pés juntos — e com cara de santa — que tinha sido tudo bem, Laura percebia que havia algo errado. Por isso, decidiu tirá-la do ambiente pesado do hospital e a levou para almoçar num restaurante aconchegante, onde pudessem conversar em paz.
Mas Júlia estava intransponível, como uma montanha suíça: bela, gelada e absolutamente imóvel.
Percebendo que não conseguiria arrancar uma confissão, Laura mudou de tática.
— Sabe onde fui esta manhã? — perguntou com um sorrisinho provocador.
— Não sei... mas estou com os ouvidos apurados e o coração ligeiramente desconfiado — respondeu Júlia, arqueando uma sobrancelha e deixando escapar uma pontada de ciúmes involuntária.
— Tá com ciúmes? — riu Laura, divertida.
— Eu? Claro que não…
— Está sim... Conheço essa carinha. Morde esse lábio gostoso desse jeito quando está contrariada, me deixa louca com vontade de morder essa boca. — sussurrou, passando o pé descalço pela perna de Júlia debaixo da mesa.
— Para, Laura! — ela disfarçou, sem conter o sorriso. — Não tem graça… Sabe que não podemos nos expor assim.
— Tá bom, tá bom... Vou contar. Fui visitar um velho amigo. — Júlia mordeu o lábio novamente, o que fez Laura erguer as mãos em alerta.
— Não morde os lábios assim, mulher! Você sabe o que isso faz comigo…
— Então não me venha com “velho amigo” sem contexto!
— Calma, Sherlock. É o Marcos Yamada. Está com a gente há anos. Ele administra a empresa do avô, aquela que fornece equipamentos cirúrgicos pro Memorial, lembra?
— Ah, sim… o japonês bonito que o hospital inteiro acha que é um samurai disfarçado de executivo.
— Esse mesmo. Fui conversar com ele sobre uma vaga pro seu irmão. A empresa dele está expandindo e exportando pro mundo todo. Seria uma baita oportunidade.
Julia parou por um instante, surpresa, e depois sorriu com o coração.
— Nossa… nem sei o que dizer. Isso seria incrível.
Ela então pegou o cartão de Marcos na bolsa e entregou à Júlia, que o examinou e devolveu com um olhar cheio de carinho.
— Entrega você mesma. Hoje à noite. Dorme lá em casa.
— Com direito a vinho ou você vai me fazer lavar a louça de novo?
— Engraçadinha, quem cozinha não lava a louça. Papo reto. Mas vou pensar no seu caso com carinho. Posso estender para uma massagem depois da louça o que acha? Piscou com segundas intenções
As duas riram, e por um momento, entre uma garfada e outra, o mundo ficou leve outra vez.
_________________________________________
Laura estacionou seu carro em frente a um prédio moderno de fachada espelhada, com o logotipo da Yamada Precision Technologies em azul e prata reluzindo ao sol da manhã. Ela ajeitou a alça da bolsa no ombro, respirou fundo e caminhou decidida até a recepção.
Sabia que Marcos era direto, prático e não tinha muita paciência para conversa fiada — o que era ótimo, porque ela também não estava ali pra isso. Guilherme, irmão da Júlia, era recém-formado em engenharia mecânica Ainda não conhecia o rapaz pessoalmente, mas a namorada sempre teceu elogios ao irmão. Laura desde que começou a namorar com Júlia entendeu que a namorada, amava a família e tinha uma certa obrigação em ajudá-los a crescer na vida, então decidiu que a ajudaria nesse projeto.
Na recepção, foi rapidamente encaminhada para a sala de reuniões, onde Marcos a aguardava, folheando relatórios.
— Laura Prado Becker, a estrela dos corredores do Memorial — disse ele, sorrindo de canto e levantando-se para cumprimentá-la com um abraço leve. — Que honra! O que a traz aqui? A quanto tempo não nos vemos, desde que voltou não teve tempo para um drink com os amigos.
Laura riu com simpatia, para o amigo de longa data
— Andamos nos desencontrando, quando cheguei de Londres, você partiu para Singapura.
— Ah! Singapura, cidade dos sonhos tecnológicos, fiquei curioso quando me ligou ontem a noite, em que posso ajudar, parecia sério. Algum problema com nossos produtos?
— Não vim como cliente, Marcos. Hoje vim por outro motivo. Preciso que você me ouça como amiga… e talvez como irmã postiça.
— O tom está sério. Agora fiquei curioso — disse ele, entrelaçando os dedos sobre a mesa.
Laura apoiou os cotovelos na borda da cadeira, mantendo o olhar firme.
— Tenho um pedido. Um rapaz muito especial pra alguém que amo, está procurando uma oportunidade de trabalho. É engenheiro mecânico, recém-formado, inteligente, esforçado, com boas referências da universidade, especializado em projeto e modelagem 3D, porém sem experiência. É irmão da Júlia.
— Júlia? — Marcos levantou as sobrancelhas, surpreso. — A doutora estrela da neurocirurgia, com cara de quem resolve cirurgias e quebra-cabeças com a mesma facilidade? Já topei com ela nos corredores do hospital, exigente com os instrumentos cirúrgicos…
— A própria — disse Laura, com um sorriso. — Até parece que você não sabia, nossas mães jogam tênis toda semana, você e o Leo ainda remam no clube juntos. - os dois riram juntos.
— O irmão dela, Guilherme, está tentando um lugar no mercado. E sei que sua empresa tem aquele programa para novos talentos… pensei que talvez você pudesse entrevistá-lo. Sem promessas, sem favorecimentos. Só… uma chance.
Marcos ficou em silêncio por um instante, pensativo. Pegou uma caneta, rabiscou algo num bloco de notas e depois olhou de novo para Laura.
— Sabe que a Yamada não contrata por apadrinhamento, né?
— Sei. Só quero que o currículo dele seja visto com olhos atentos, ele se formou com louvor, é jovem, tem ambições profissionais, pode ser uma grande adição para empresa em crescimento. Ele merece isso. E a Júlia também - Marcos sorriu, agora genuinamente interessado.
— Tá bom. Manda o currículo dele pro meu e-mail pessoal. Vou agendar uma conversa com o RH. E se ele for bom, o processo vai correr naturalmente.
— Obrigada, Marcos. Você não tem ideia do quanto isso significa pra mim… e pra Júlia.
Laura se levantou para despedir do amigo.
— Fechado — disse Marcos, levantando-se também. — E, Laura… bom ver você assim. Cuidando não só dos seus pacientes, mas de quem ama. Isso é raro.
Laura assentiu, dando indício de se levantar para ir embora.
— A Júlia vale cada esforço.
— Bom, vou dar uma chance ao seu garoto, porém tem um preço - sorriu para Laura com aquele sorriso malandro que lembrou o Marcos da adolescência.
— Não Marcos, não vou fingir ser sua namorada novamente para você fugir de mais um casamento arranjado pelo seu avô. - Fez cara de misericórdia.
— Vovô ficou furioso com aquilo - Marcos dá uma risada gostosa.
— A Olívia. — Sorriu largo. — Fiquei sabendo que ela está solteira, largou daquelo namorado sem sal?
Laura bufou, contendo o riso.
— Marcos… não vai me dizer que está usando o currículo do irmão da minha namorada como moeda de troca por um encontro?
— Estou usando possibilidades. — Ele sorriu. — Uma troca justa. Eu entrevisto o Guilherme, sem favoritismo, claro, mas você me ajuda a convencer a Olívia a sair para jantar comigo. Uma só vez. Prometo que, se ela odiar, nunca mais tento nada.
Laura jogou a cabeça para trás, rindo.
— Isso parece chantagem emocional com luvas de pelica.
— Chame do que quiser. Mas a Olívia me intriga. E você é a única que consegue fazer ela ouvir.
— Você é impossível.
— E você é influente. Então temos um trato?
Laura ponderou por um segundo, depois cruzou os braços com um sorriso matreiro.
— Tá. Eu falo com ela. Mas se ela disser não, é não.
— Fechado. E se o Guilherme for tão bom quanto você diz… ele pode ter um ótimo futuro aqui.
— Obrigada, Marcos. Mas olha, se você fizer a Olívia se arrepender desse jantar, nem bisturi de titânio vai te salvar.
— Ameaça anotada — ele respondeu, rindo. — Agora fala para o garoto me enviar o currículo. E boa sorte com a irmã.
— Boa sorte pra você, Yamada. Vai precisar.
E com isso, Laura saiu da sala com o celular em mãos e uma missão no coração: convencer Olívia a dar uma chance a um certo engenheiro bem-sucedido e completamente encantado por ela — mesmo que ele fosse um tanto atrevido.
—------------------------------------------------------------
Era fim de tarde quando Laura entrou na sala de Olívia, trazendo na mão um refrigerante e um pacote de salgadinhos preferidos da irmã. Olivia olhou intrigada. Sua sala não era a mais visitada no hospital, e quando via um Becker entrando pela sua porta trazendo um mimo, pode esperar que algo aconteceu.
— O que devo a honra da visita da minha irmã, e munida de guloseimas? — disse Olívia, sem levantar os olhos.
— Uma irmã não pode visitar a própria irmã?.— disse Laura, puxando a cadeira com um sorriso maroto.
Olívia ergueu uma sobrancelha, desconfiada, pegou o refrigerante e o salgadinho da mão da irmã.
— Você está com essa cara de “tenho um plano”... E eu já sei que vou me arrepender. Manda o que você precisa? - disse abrindo o refrigerante e tomando um bom gole.
Laura respirou fundo, já sabendo que teria que usar toda a sua lábia.
— Preciso te pedir um favor. Um bem pequenininho, quase simbólico. Um jantar.
— Com você?
— Não exatamente. Com… Marcos Yamada.
Olívia engasgou com o gole do refrigerante gelado.
— Marcos Yamada?! O fornecedor de bisturis? O engenheiro cirurgicamente meticuloso que planeja até os encontros com fluxograma?
— Esse mesmo. E ele te acha intrigante. A palavra foi essa: in-tri-gan-te. Com sílabas bem marcadas.
— Laura, você sabe que ele é… nerd. Sabe tudo, opina sobre vinho, sobre política internacional e até sobre tempero de yakissoba. Ele é muito chato.
— Justamente por isso ele precisa de você — disse Laura, segurando o riso. — Pra descobrir que o mundo não se resume a seminários e fusões industriais. E, olha, ele pediu uma só chance. Um jantar. Se for horrível, eu mesma cancelo o próximo.
— Tá usando chantagem emocional?
— Não. Estou usando a velha e boa persuasão familiar. Até porque eu já aceitei o trato com ele. E em troca, o Guilherme — irmão da Júlia — vai ter uma entrevista com ele na empresa.
Olívia arregalou os olhos.
— Ah, então isso é uma missão de cunhada! Você está usando sua irmã caçula como moeda de troca?
— Olívia, por favor. Ele é bonitão, educado, tem uma empresa inteira nas costas e sabe conjugar bem os verbos. E, convenhamos, você já saiu com caras piores. Tipo o Pedro do coworking que tocava flauta indígena na sala de reuniões.
Olívia revirou os olhos, rendida.
— Uma vez só. Um jantar. E se ele me der palestra sobre bisturis, eu juro que saio pela janela do restaurante.
— Combinado. Mas leva salto. Vai que você precisa fugir com elegância — disse Laura, rindo.
— Você vai me pagar essa, Becker.
— Em café, jantares e elogios eternos. E se rolar química... quem sabe um convite de casamento numa caixa de bisturi banhado a ouro?
As duas riram alto. Laura sentiu o alívio de missão cumprida. E Olívia, apesar da pose blasé, já pensava em que vestido usaria — só por precaução, claro.
________________________________________
Júlia abriu a porta do apartamento com uma das mãos, equilibrando na outra uma sacola com sobremesa. Um cheirinho delicioso de comida já escapava pela sala.
— Guilherme! — chamou em voz alta. — Cheguei!
— Tô na cozinha! Prepare-se, porque hoje eu me superei! — ele respondeu animado, com o som de panelas tilintando ao fundo.
Laura entrou logo atrás de Júlia, um pouco tímida, embora já conhecia bem o local.
— Guilherme… — começou Júlia com um sorriso. — Quero te apresentar alguém.
Ele surgiu no batente da cozinha, com uma colher de pau na mão, um avental amassado e o cabelo bagunçado.
— Guilherme, essa é a Laura... Laura, meu irmão, Guilherme.
Laura estendeu a mão, simpática.
— Oi, prazer. Ouvi falar muito bem das suas habilidades culinárias secretas.
— São secretos porque ninguém acredita até provar — ele respondeu, apertando a mão dela. — E você é a famosa doutora encantadora?
— Essa é sua irmã. Eu sou só a que teve a sorte de conquistá-la — disse Laura, provocando um sorriso em Júlia.
— Ponto pra você — Guilherme respondeu. — Já tava quase recorrendo ao plano B: macarrão instantâneo com dignidade.
— Você é ainda mais bonita do que na descrição da Júlia. - disse Guilherme já puxando Laura para um abraço.
— Guilherme! Comporte-se — repreendeu Júlia, vermelha. — Vai terminar esse jantar, estamos com fome..
— Eu tô me comportando! Tô elogiando! — retrucou Guilherme rindo, já indo em direção ao fogão.
— Oi! Tem sobremesa? — gritou uma voz vinda do corredor.
Era Larissa, que surgiu com cara de sono, fones pendurados no pescoço e o cabelo bagunçado de quem acordou de um cochilo.
— Tem sim, mas primeiro precisa comer a comida do chef — disse Júlia, apontando para o irmão. — Laura, fique a vontade, você já conhece a casa, vou colocar o pudim na geladeira.
Logo estavam todos à mesa, servidos com generosos pratos de strogonoff de frango, arroz soltinho e batata palha.
— Guilherme, sério… isso tá maravilhoso — disse Laura, saboreando a refeição.
— Está mesmo. Você acertou no ponto do tempero — comentou Júlia, satisfeita.
— É por isso que continuo solteiro. Não quero que pensem que me aproveito da minha própria genialidade — disse ele, arrancando gargalhadas.
— Mas se quiser, pode abrir um restaurante. Se engenharia não der certo, fica a dica… Eu seria uma cliente fiel — disse Larissa, de boca cheia.
Durante o jantar, a conversa fluiu leve. Laura entregou o cartão de Marcos para Guilherme, explicando o que ele deveria fazer, contou um pouco do que sabia sobre a trajetória da empresa, de como Marcos era exigente e perfeccionista. Guilherme que ficou radiante prometeu pesquisar mais na internet e no dia seguinte já enviar o currículo.
Mais tarde, no quarto de Júlia.
— Amor… toma banho comigo — disse Júlia com um sorriso malicioso brincando nos lábios carnudos, aquele tipo de sorriso que tirava Laura do eixo, bagunçava sua lógica, acelerava o coração.
— Vai ser um prazer… — Laura respondeu com um sorriso tímido, já corada antes mesmo de se mexer.
A água do chuveiro escorria morna e perfeita sobre os ombros de Júlia, deslizando pela pele bronzeada e pela curva da coluna, como dedos líquidos massageando cada músculo tenso. Ela fechou os olhos e soltou um suspiro longo, aliviado, quase felino.
Laura entrou no box devagar, como quem respeita um templo. Aproximou-se e abraçou Júlia por trás, colando o corpo ao dela. O toque da pele quente contra a pele molhada fez ambas estremecerem. Laura depositou beijos no pescoço úmido da namorada, e um gemido suave escapou da garganta de Júlia.
— Senti tanto a sua falta… — sussurrou Laura, com a voz rouca de desejo.
— Eu também… — respondeu a morena, virando-se devagar até ficar de frente para ela. Seus olhos se encontraram, famintos, e em seguida os lábios se uniram com urgência e ternura. A boca de Júlia era quente, receptiva, a língua buscava a outra com uma dança íntima e fluida. As mãos deslizavam pelas costas, pela cintura, pelos quadris, explorando com calma e desejo.
O mundo lá fora desapareceu. Ali só existia o calor dos corpos, o som da água e o amor que queimava sob a pele.
As mãos de Júlia deslizaram pela pele alva de Laura com um toque firme e cheio de intenção. Havia ternura, mas também uma posse silenciosa, como se dissesse com os dedos o quanto a desejava. Sem aviso, tomou a iniciativa — virou Laura de costas com um gesto decidido, colando seus corpos mais uma vez sob a água morna.
Laura arqueou levemente as costas, surpresa e entregue. Júlia envolveu os seios da namorada com carinho, os dedos explorando cada curva até encontrar os mamilos já rígidos pelo toque e pela excitação. Um arrepio percorreu o corpo da loira quando Júlia afundou os dentes suavemente no pescoço dela, deixando um rastro quente de desejo.
As mãos continuaram sua trilha lenta e ousada, descendo pelas laterais do corpo de Laura, pela cintura, pelos quadris, traçando cada linha com reverência e fome. — com olhos fechados, com pele, com alma.
Laura sentia cada toque de Júlia em êxtase — como se a pele tivesse ganhado vida própria, eletrificada, sensível ao mínimo contato. Seus olhos se fecharam enquanto a respiração acelerava, pesada, entregue ao momento. O corpo todo respondia a Júlia com uma urgência quase involuntária.
Júlia continuava tocando como se quisesse protegê-la e ao mesmo tempo dominá-la, como se o carinho e o desejo fossem dois lados da mesma paixão. Os lábios continuavam a deslizar pela curva do ombro de Laura, deixando beijos úmidos e lentos, enquanto suas mãos exploravam com firmeza, mas com cuidado, os caminhos que já conheciam.
— Você é linda assim… — sussurrou Júlia ao pé do ouvido, a voz rouca, carregada de desejo.
Laura gem*u baixo, quase um sussurro, inclinando a cabeça para o lado, se abrindo mais ao toque da namorada. Seu corpo era um campo em chamas, e cada gesto de Júlia acendia algo mais fundo — prazer, ternura, saudade, amor.
Então, as mãos de Júlia levaram Laura ao ápice — um êxtase arrebatador que tomou seu corpo por completo. O sex*, já encharcado de desejo, recebeu os dedos da namorada com uma fome urgente, quente, viva. As estocadas se tornaram mais rápidas, mais profundas, mais certeiras. Laura gemia sem controle, entregue, e quando o clímax a tomou, foi como uma onda violenta e doce, fazendo o corpo estremecer. O gozo escorreu sem pudor, livre, como o amor entre elas.
Júlia a virou de novo, os olhos brilhando com o reflexo do prazer que acabara de provocar. Segurou o corpo ainda trêmulo da namorada com firmeza e desejo, como se quisesse prolongar aquele momento de entrega absoluta. Colou-se a ela, esfregando o próprio sex* na coxa de Laura, buscando agora sua própria explosão.
O contato era urgente, cru, delicioso. O prazer crescia como um incêndio sem controle, alimentado pelo cheiro, pelo calor, pelos gemidos ainda no ar. Júlia cravou os dedos nos quadris de Laura, os olhos cerrados, a boca entreaberta. E quando veio, foi intenso — um gozo quente, violento e arrebatador, arrancado da alma e do corpo ao mesmo tempo.
Ali, ofegantes, coladas, com a água ainda escorrendo pelos corpos, elas permaneceram em silêncio por alguns segundos — não por falta de palavras, mas porque nenhuma seria suficiente para traduzir o que acabavam de viver.
— Me beija… — pediu, e naquele instante, o mundo inteiro parecia caber no espaço entre um olhar e um beijo.
E então se beijaram — sem pressa, com vontade, com a certeza de quem se conhece profundamente. O vapor do banheiro misturava-se ao calor dos corpos, e o tempo deixou de ter importância.
Ali, só existia elas duas. Pele na pele. Amor em estado bruto.
__________________________________
Feira Agropecuária – Cidade natal da família de Júlia
O calor do início da tarde se misturava ao cheiro forte de milho cozido, fumaça de churrasco e feno. A movimentação era grande na feira agropecuária da cidade — exposição de animais, barracas de doces caseiros, estandes políticos e reencontros. Foi em um desses reencontros que Marlene, mãe de Júlia, ao lado de Dona Meire, deu uma parada abrupta perto do estande de artesanato local.
— Mas olha só quem está aqui! — exclamou Marlene, ajeitando os óculos.
Dona Meire olhou na mesma direção e seu rosto se iluminou, os olhos brilhando com aquela velha esperteza: era Cairo, o amigo magricelo da adolescência de Júlia, agora visivelmente mais maduro. Alto, forte, bem vestido em camisa polo clara e jeans escuros, barba bem feita, e os modos serenos — a aparência de um homem que sabia o que queria da vida. Ele conversava com um conhecido, mas ao ver as duas, sorriu com verdadeira simpatia.
— Dona Meire! Marlene! Que prazer ver vocês por aqui! — disse Cairo, cumprimentando as duas com um abraço caloroso.
— Meu filho! Você está um homem! E que homem! — disse Dona Meire, apertando o braço dele com familiaridade. — E onde anda escondido?
— Trabalho em São Paulo agora. Passei no concurso, me alocaram na capital, assumi como delegado federal lá — respondeu ele, com modéstia. — Vim passar uns dias com meus pais. Sinto falta disso aqui.
Marlene sorriu, sincera.
— Lembro de você na minha varanda, tocando violão pra Júlia… quantos anos isso faz?
— Uns bons dez ou doze anos, pelo menos — ele riu.
Dona Meire aproveitou o gancho com precisão cirúrgica.
— E por falar nela… tá em Curitiba, sabia? Trabalhando muito, mas a mesma moça sensível de sempre. Tão sozinha, coitadinha… — ela disse com uma nota de tristeza forçada. — Uma menina doce, mas perdida naquele mundaréu de cidade grande.
Cairo franziu levemente o cenho.
— Júlia está no Brasil, ainda solteira?
— Solteira, eu digo — mentiu ela com naturalidade. — Nenhum rapaz com coragem de enfrentar aquela inteligência toda. Ela precisa de alguém com pulso, firmeza… alguém assim como você. Vocês eram tão unidos quando eram jovens, pensávamos que vocês iriam se casar.
Marlene lançou um olhar desconfortável para a mãe, mas não a interrompeu. A conversa já tinha fugido do controle.
— Bom… Júlia sempre foi especial — disse Cairo, agora com um leve brilho nos olhos. — Não vou mentir, pensei nela várias vezes. Eu também pensava que um dia iríamos ficar juntos.
Dona Meire não perdeu a chance:
— Então por que não vai até lá? Visita a cidade, mata a saudade dela… ela ficaria surpresa, mas no fundo, ia adorar. Ela precisa de alguém como você ao lado.
— Talvez eu faça isso. Eu tenho folga na semana que vem. Posso dar um pulo em Curitiba.
— Faça isso, meu filho. Faça isso. O destino agradece — disse Dona Meire, com um sorriso que escondia mais do que mostrava.
Enquanto Cairo se despedia com um aperto de mão firme e promessas de visita, Marlene puxou a mãe de lado:
— Mãe… por que fez isso, ficou louca? A Júlia está com a Laura…
— E por isso mesmo, Marlene. A gente precisa trazer a Júlia de volta pro caminho certo. Esse rapaz é o que precisamos.
— O caminho certo? — Marlene balançou a cabeça, frustrada. — A senhora não entende, não é?
— Entendo muito bem. E se você não tem coragem, eu tenho. Aquela menina precisa de um empurrão — finalizou Dona Meire, ajeitando a bolsa no ombro com determinação.
O barulho dos alto-falantes anunciando o leilão de gado abafou o silêncio tenso entre as duas. Mas o estrago já estava feito.
E Cairo… estava a caminho.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]