capitulo vinte e um: o dia dela
CAPÍTULO 21. O DIA DELA.
Abro os olhos meio desorientada. Vejo uns cabelos loirinhos próximos ao meu rosto, dou um pequeno sorriso. Era o dia dela, da razão da minha vida — Cecília. Atrás de mim, sinto um calor que imagino ser do travesseiro, mas tinha uma mão na minha cintura. Vi Fernanda grudada em mim, de conchinha. Sem aviso. Sem convite. Meu coração estava acelerado e eu estava perigosamente confortável naquela posição.
Acordo e, antes que eu pudesse processar qualquer pensamento, escuto aquela voz rouca e sonolenta:
— Não solta, tá? Faz dois meses que eu não durmo bem assim...
Era Fernanda, despertando devagar naquele momento, ela agarrava minha cintura como estivesse segurando o seu mundo.
Sem saber como reagir – e, por pura vergonha da minha confusão – dou um passo fora da cama e meio que "corro" para o banheiro. Tranco a porta e, diante do espelho, tento decifrar aquele reflexo que mistura meu desespero e meu coração errando as batidas. A verdade é que, mesmo envergonhada por ter deixado ela dormir de conchinha comigo meio que sem querer, meu coração estava disparado em chamas. Afinal, eram dois meses sem dormir com a melhor companhia.
Dois meses.
Dois meses desde que fui embora. Dois meses desde que deixei de acordar assim. Dois meses que tento convencer a mim mesma que não amo mais essa mulher — e ela me solta essa?
Minha cabeça gritou: “Não cede. Você tem princípios, Anna!”
Mas meu coração sussurrou:
“Vai lá e agarra essa mulher de volta.”
E o pior? O sussurro quase venceu.
Por que ela me desarma assim?
Ela sabe o que faz. E eu também sei: se eu não tomar cuidado, eu volto inteira pra aquele abraço.
Quando saí do banheiro — quase meia hora depois — Cecília já estava acordada. Estava abraçada com Fernanda, enquanto ela desejava os parabéns para a nossa princesa. Me aproximei, sentando na cama devagar, enquanto Cecília ria do que Fê falava para ela, em segredo.
Foi quando Cecília olhou para mim e deu uma gargalhada. Ali senti que, o segredo, era sobre mim.
— O que as duas fofoqueiras estão cochichando? — digo fingindo estar brava
— Nada, mamãe. Você terminou lá no banheiro?
— Já, filha. Quer fazer xixi? — pergunto verdadeiramente preocupada
— Não, mamãe. Você lavou as mãos?
Arqueei a sobrancelha, enquanto Fernanda se segurava para não rir.
Respirei fundo, tentando ter algum resquício de paciência.
— Fala, gente. O que foi?
— A mainha falou que você correu pro banheiro e ficou lá um tempão porque tava fazendo cocô.
Ela gargalhou.
Na verdade, as duas gargalharam juntas.
Fernanda tentou disfarçar, virou o rosto, fingiu um ataque de tosse. Eu a encarei com aquele olhar de “você me paga”
Mas não disse nada.
Porque eu sei o que Fernanda tentou fazer.
Ela me conhece.
Ela sabe que, quando algo mexe comigo, eu desapareço. Me escondo. Tranco uma porta — literalmente — e fico lá dentro esperando o coração desacelerar.
E a maneira que ela encontrou de dizer “eu vi que você fugiu porque te mexi inteira...”, foi essa. Me expor pela Cecília, me provocar com um motivo ridículo, fingindo que é só zoeira matinal.
Mas eu entendi.
O recado que ela quis passar foi: “Você ainda sente. E eu também.”
O pior? Ela estava certa.
Eu tinha mesmo corrido. Não por vergonha, mas porque era perigoso demais estar perto. Porque bastou um único gesto, aquela voz sonolenta e um “não solta” sussurrado na minha nuca… e meu coração inteiro quis voltar pra cama.
Mas eu fiquei trinta minutos encarando meu reflexo como uma covarde, torcendo pra Cecília acordar logo e quebrar o feitiço.
E agora tô aqui, sendo acusada de cocô.
Perdi.
E perdi feio.
Respirei fundo, tentando ignorar o rubor no meu rosto depois da exposição pública que sofri. Me aproximei dela, toquei de leve o rosto redondinho e sorri.
— Parabéns, minha princesa.
Ela me olhou com um sorriso largo, já esperando o discurso.
— Hoje é o seu dia, e eu quero que você seja a criança mais feliz desse mundo. Lembra que a mamãe te ama muito, você é meu bem mais precioso nessa vida e eu vou fazer de tudo para você ser muito feliz.
Cecília me olha e sorri. Aquele sorriso “Fernanda” que ela tem, com os olhos azuis brilhando na minha direção.
Ela me abraça, sorrindo envergonhada. Faço um carinho em seus cabelos e a encho de beijos. Sua risada gostosa durante o ato me faz sentir leve, meu coração fica calmo e eu percebo que, eu que nunca sonhei em ser mãe, agora me sentia a mulher mais feliz do planeta, pois o dia do nascimento de um ser humaninho há sete anos atrás se tornou a data mais importante pra mim.
Fernanda sorriu com a cena, os olhos marejados também. Sem aviso, ela levantou da cama e foi até o armário, onde pegou a sacola colorida que estava atrás de algum objeto.
— Agora é minha vez — disse ela, sentando na beira da cama e esticando a sacola pra Cecília com uma empolgação tão sincera que parecia criança também. — Feliz aniversário, meu amor.
Cecília arregalou os olhos e puxou o presente. Rasgou o papel como se houvesse ouro escondido dentro.
— MEU DEUS! O fone de gatinhooooooo! E o Bobbie Goods da lojinha de doces!
Ela pulou no colo da Fernanda num abraço tão apertado que até eu tive que engolir em seco.
— Mainha, como você sabia? Eu estava querendo muito!
Fernanda beijou o topo da cabeça da nossa filha e respondeu baixinho, sem tirar os olhos dela:
— Mãe sente essas coisas.
Ela continua a abrir o pacote e, para meu espanto, começou a surtar novamente.
— Mainhaaaa, veio com as canetinhas! Eu te amo, eu te amo, eu te amo!
Começou a encher Fernanda de beijos e ter uma explosão de felicidade. Fernanda me olhava com um olhar cúmplice, carregado de uma sensação de dever cumprido. E eu sabia que, por mais que as coisas estivessem estranhas entre a gente, a felicidade da nossa filha era a coisa mais importante para nós duas.
☕🥞
Descemos para o salão do hotel para tomar café da manhã com Cecília de mãos dadas conosco. O parque abriria somente às 11h, então não tinha necessidade de sairmos tão cedo. Esses três dias que eu ficaria de folga de palestrar e representar a empresa, estavam sendo maravilhosos para mim, um verdadeiro respiro. Eu realmente precisava da minha família para me animar.
Depois de acomodar Fê em uma mesa, eu e Cecília fomos pegar nosso café da manhã. A minha princesa subiu no meu colo e começou a listar os itens que queria comer com a urgência de quem vai para a guerra: “pão de queijo, ovo mexido, suco de uva, cereal, mamão…”
Eu sinceramente, não sabia para onde ia tanta comida.
E então, como se o universo tivesse vontade própria, ela apareceu.
— Bom dia, Anna.
Sua voz era firme, leve e de certa forma, envolvente. Olhava para Cecília com curiosidade.
Juliana.
Vestido azul marinho, cabelos soltos e um sorriso provocante.
Ela sempre sorria pra mim assim.
— Juliana… — respondi, surpresa real. — Oi.
— Sua filha? — perguntou apontando para Ceci.
— Sim, essa é a minha princesinha. Está fazendo 7 aninhos de muitas aventuras hoje.
Juliana me lançou um olhar rápido, meio de flerte, meio de carinho, e acenou pra Cecília, que respondeu com um "oi" tímido, já com a boca cheia de cereal.
— Mamãe, eu vou perguntar pra mainha se ela quer cereal também.
E desatou a correr pelo salão, sem esperar que eu respondesse.
— Mainha?
Ela perguntou com as sobrancelhas arqueadas, olhando na direção onde Cecília corria.
— Fernanda — respondi, ajeitando a bandeja com mais um pão de queijo. — A mãe dela. Elas vieram passar o fim de semana aqui por causa do aniversário da Ceci. Vamos levá-la pro Hopi Hari.
Juliana sorriu com um canto da boca.
— Skin mãe de família te deixa... sexy, sabia?
Eu ri, meio sem graça, tentando manter o foco no mamão enquanto minha espinha alertava que esse flerte não era só cordialidade.
— Vocês voltaram? — ela perguntou, casual, mas com os olhos de quem procurava resposta nas entrelinhas.
— Não. — A resposta saiu rápida, mas firme. — Não voltamos.
Ela assentiu devagar, mas mudou de assunto e começamos a conversar sobre o Congresso que ainda acontecia, chegou a me convidar para uma palestra que ia acontecer, mas como aconteceria no final de semana do aniversário de Cecília, recusei o convite educadamente.
E então... a despedida que não era só uma despedida.
Juliana segurou minha mão para se despedir, mas o toque demorou mais do que o aceitável.
Ela se inclinou levemente, e sussurrou no meu ouvido:
— Depois desse final de semana, se você quer viver algo extraordinário… me procura.
A voz dela muito próxima ao meu pescoço, me arrepiou. Entretanto, me recuperei rapidamente e dei um sorriso sem graça.
Quando me recuperei e olhei pra direção da mesa, Fernanda estava lá.
Sentada.
Prato intocado.
O olhar... cravado em mim.
E aí eu soube: ela viu tudo.
Ou pior, sentiu tudo.
Voltei pra mesa fingindo naturalidade, mas com o meu coração martelando no peito. Na verdade, não sabia dizer se ainda estava martelando, porque, se olhar matasse, Fernanda já teria me enterrado com a bandeja do pão de queijo.
Sento. Ponho o café na frente dela devagar, como quem oferece trégua:
— Suco de laranja acabou. Trouxe café com leite extra.
— Obrigada.
É só isso que sai. O “a” final morre afogado em ciúme.
Cecília pega o iogurte e derrama todo em cima do cereal, ela gostava dessas gororobas gastronômicas igual Fernanda.
A minha ruiva continua monossilábica comigo, tento puxar assunto, mas ela realmente me responde com um ponto final em cada frase.
E seguiu comendo.
Cada palavra, uma sílaba.
Meu apetite evaporou.
Porque por mais que eu não devesse explicações, meu corpo inteiro dizia que devia.
Pego um guardanapo e uma das canetinhas do Bobbie Goods de Cecília que estão sob a mesa. Começo a desenhar um monstrinho.
Dois olhos esbugalhados, corpo em formato de croissant, quatro bracinhos de talheres. No topo, anoto em letras sutis:
“A monstrinha não morde. Ela só fuzila com o olhar.”
Obs: fica despreocupada. Ela só se alimenta de silêncios com gostinho de ciúme.
Dobro o guardanapo como quem está entregando uma intimação judicial e deslizo-o pelo tampo até tocar a pontinha dos dedos dela. Não a encaro — fico analisando um ponto muito interessante no teto — com o meu sorriso mais traidor ameaçando engolir a xícara do café que finjo tomar.
Ela desembrulha o papel, encara a monstrinha, percebe que é ela mesma e ali, eu tenho a primeira rachadura do seu mau humor. Ela dá um pequeno sorriso, olha na minha direção e revira os olhos, me xingando baixinho:
— Idiota.
— Só um pouquinho — pisco para ela
Fernanda abriu um sorriso. Um sorriso de verdade. Não era muito largo, mas era verdadeiro o suficiente para desfazer a testa franzida desde que Juliana resolveu falar comigo no café.
E foi nesse momento, quase imperceptível, que eu — Anna — cedi. Só um pouco.
Estiquei a mão por debaixo da mesa e encontrei a dela.
Quando a toquei, ela estremeceu e me encarou.
Não hesitei. Apertei sua mão de leve e, em seguida, entrelacei nossos dedos. Ela respondeu com o polegar roçando de leve na minha pele, fazendo um carinho tão sutil, mas que me aquecia por dentro.
Eu estava morrendo de saudade desse carinho.
Ficamos assim por um bom tempo. Mãos entrelaçadas debaixo da toalha e dois corações ainda duelando, mas... menos armados.
Não era um recomeço, mas sim um lembrete.
“Você ainda me tem. Só precisa encontrar uma maneira de me tomar.”
❤️🩹🎡
Voltamos para o quarto depois do café. Cecília se jogou na cama rindo sozinha dizendo que achava que exagerou no suco de uva. Fernanda a ajudava a escolher sua roupa para irmos ao parque, enquanto isso decidi mudar minha roupa no banheiro.
Não demorei.
Quando saí, ouvi um silêncio curioso. Aquele silêncio que parece observar.
Estava com meu short-saia da Adidas branco, blusa de alça fina da mesma cor — sem sutiã mesmo. Meus seios aguentam o tranco e, sinceramente, conforto era muito melhor que estética. Tênis de corrida branco com detalhes pretos, smartwatch no pulso, que ainda tinha a foto de nós três no plano de fundo e a inseparável garrafa de inox preta nas mãos — lotada de adesivos tortos de banda de rock, colados pela Ceci.
Cabelo preso em um coque frouxo. Pele fresca pós skin care. Postura descontraída.
Despida da CEO. Dona do escritório.
Agora, só a Anna.
Quando levantei os olhos, vi Fernanda me olhando.
Os olhos dela percorreram meu corpo como se tivessem vontade própria. Travaram no meu colo, escorregaram pelo meu quadril, pararam na minha boca. Depois, ela desviou o olhar. Como se tivesse sido pega em flagrante.
Ela se ajeitou no lugar, inquieta. Coçou a nuca. Tentou disfarçar mexendo em alguma coisa na bolsa.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntei, de verdade. — Você ficou estranha de repente. Tá tudo bem?
— Tá. Sim. Quer dizer… não.
Revirei os olhos. Suspirei.
— Fala logo, Fernanda.
Ela hesitou. Mordeu o lábio. Me encarou por dois segundos longos demais. E então soltou:
— É que… se você me olhar mais dois segundos com essa roupa, eu não vou conseguir ser só mãe da Cecília hoje.
Eu travei.
— O qu-...?
Ela riu. Aquela risada sapeca, risada “Fernanda”.
E completou, cruzando os braços como quem sabe exatamente o efeito que causou:
— Quer fugir? O banheiro tá ocupado… mas se quiser, pode escalar pela sacada até o térreo. Eu não conto pra ninguém.
— Você é impossível.
Fingi que estava brava. Mas meu rosto queimava. E, no fundo, gostei. Gostei de saber que ainda mexia com ela daquele jeito. Gostei de saber que, mesmo depois de tudo, eu ainda causava esse furacão nela.
— Eu vou é olhar se a Ceci tá pronta — resmunguei, tentando recuperar algum vestígio da minha dignidade.
Saí com um sorriso escondido.
Porque, sinceramente?
Era muito bom me sentir desejada por ela.
Descemos com Cecília pulando de alegria e falando sem respirar. A mochila preta do Stich e da Angel abraçados quase arrastava no chão, e mesmo assim ela se recusava a deixar a gente carregar.
— Eu sou uma criança de sete anos agora. Já sou grande — ela declarou, com a pose de uma promotora de justiça.
No estacionamento do hotel, Fernanda parou subitamente ao ver o carro.
— Sério isso?
— O quê? — perguntei, fingindo inocência.
— Você alugou um Audi A3 pra vir pro Hopi Hari com uma criança de sete anos?
Dei de ombros.
— Você não reclamou quando eu fui te buscar em casa com ele quando a gente ainda nem namorava.
Cruzei os braços.
Ela riu, cínica.
— Patricinha não tem jeito. É fisiológico. Não consegue encostar num carro popular.
— Vai te catar, Fernanda.
— Eu vou é dirigir. — Ela pegou a chave da minha mão como quem tá tomando a guarda compartilhada do volante.
— Você nem sabe mexer na central desse carro.
— Cala a boca, Anna. Entra.
Bufei. Apontando sutilmente o dedo do meio na direção dela.
Só que... não foi sutil o suficiente.
— Mamãe! Isso é feio! — disse Cecília, com o ar de quem acabou de presenciar um crime.
— Desculpa, filha. A mamãe tá nervosa porque a mainha vai dirigir igual uma velhinha andando na feira de domingo.
— Pelo menos eu paro na faixa de pedestre — retrucou Fernanda, já entrando no banco do motorista com aquele sorrisinho de quem venceu.
Resignada, sentei do lado dela, peguei meu celular e abri o Waze.
— Vira à esquerda na primeira rotatória — falei, voz de GPS.
— Anna... cala a boca e aumenta esse som.
Mandona. Gostosa.
Dirigindo ela era uma delícia — mesmo. Carro esportivo então, estava me segurando para não a agarrar e beijá-la ali.
Força, Anna.
No banco de trás, Cecília cantava junto com a música, inventando palavras. Fernanda me lançou um olhar rápido entre uma curva e outra.
Chegamos no Hopi Hari com Cecília pulando antes mesmo de sair do carro.
O grito de empolgação ecoou pelo estacionamento como se ela tivesse reencontrado o paraíso.
— MAMÃE! TEM UM CASTELO! — ela gritou, colada no vidro. — OLHA O CASTELO!
Ela estacionou o carro e quando desceu, entregou o ingresso a mim e murmurou:
— Você está linda assim... traje esportivo realmente combina com você. E eu amei o carro.
Eu quase revirei os olhos, mas sorri. E talvez tenha corado. Um pouquinho.
Passamos pela roda gigante e paramos para tirar uma foto em família. Nossa filha estava feliz, empolgada e falava com os personagens vivos que vinham nos cumprimentar. Porém, ela ficou hipnotizada com um mascote que parecia um ursinho de pelúcia, que toda vez que a via, fazia coraçãozinho com as mãos.
Fomos para trás da roda gigante para descer as escadas para o parque infantil. Fomos em um brinquedo que parecia uma lata que ficava rodando, giramos tanto que ficamos tontas. As três.
Cecília queria ir nos radicais de adulto, mas ela ainda não tinha tamanho e eu também, como mãe, não deixaria. A levamos na montanha-russa infantil e ela surtou de felicidade. Depois de aproveitar tudo, fomos nos aquáticos. Cecília amava água. Bom, quer dizer... qualquer água que não fosse do chuveiro para ela, estava ótimo.
Depois que saímos dos aquáticos, Fernanda olhou para mim. Blusa branca e toda molhada. Ela havia trazido a toalha de Cecilia na bolsa e me cobriu imediatamente, em um surto de ciúme.
Eu ri ironicamente.
— Mamãe, agora EU vou tirar foto de vocês.
Fernanda e eu nos olhamos, hesitantes.
Fê se aproximou devagar, passou o braço pela minha cintura. Ela já tinha posto o casaco em mim. Eu sorri meio sem graça, mas... deixei. Cecília apontou o celular para nós duas e tirou algumas fotos nossas distraídas nesse processo de bota-casaco e tira-casaco.
Tiramos uma foto sorrindo. Cecília olhou a tela mostrando para nós duas e soltou:
— Agora sim, minhas mamães!
Depois quando estávamos secas, ficamos andando o parque e conhecendo algumas atrações. Assistimos ao teatro com ela, onde o espetáculo era o mundo de Alice no País das Maravilhas. Cecília ficou encantada com aquilo. Eu olhava o semblante feliz da minha filha e sentia paz. Quando olhava para o de Fernanda, podia sentir que estávamos sentindo também a mesma coisa: o amor pela nossa filha.
Lembrei de quando fomos fazer nosso chá revelação. Decidimos não fazer uma festa para revelar para as pessoas – meus sogros ficaram possessos com isso – quisemos um momento só nosso. Havia apenas Bruna, a guardiã do sex* do bebê. Estávamos na praia fazendo algumas fotos, Fê com um vestido soltinho no corpo e eu com um mais colado, ambos brancos.
Namoramos um pouco, sussurramos todas as juras de amor possíveis e quando o pôr do sol brilhou, decidimos abrir a caixa com balões que Bruna havia feito. Assim que abrimos e vimos os balões da cor lilás, Bruna acendeu o pavio e a fumaça da mesma cor começou a sair e enfeitar o céu.
Abaixei, beijei a barriga de Fê prometendo a Cecília que iria dar o mundo a ela e tentar ser a melhor mãe do mundo, depois rodopiei Fê no ar e a beijei com todo amor que tinha.
Quando voltei para o presente, Cecília gargalhava com um coelho gigante no palco, e Fernanda, ao meu lado, tinha os olhos fixos nela. E então ela olhou pra mim.
Foi um olhar rápido, mas longo o suficiente pra me desestabilizar.
Aquele olhar que dizia: “Lembra do que a gente construiu?”
E eu lembrava.
Do vestido branco dela planando com a brisa do mar.
Do gosto salgado nos lábios quando a beijei no pôr do sol.
Da minha emoção quando vi os balões e a fumaça lilás, revelando que era uma menina. A nossa menina.
Da fumaça tingindo o céu com a cor da nossa filha.
Olhei para ela de volta.
Ela me deu a mão. Coloquei a minha mão direita em cima da perna dela, fazendo um carinho.
Ela desconsertou, mas logo encostou a cabeça no meu ombro e permanecemos assim, até o espetáculo acabar.
O sol já começava a baixar, e a fome apertava. Decidimos parar num quiosque para fazer um lanche. Cecília, é claro, pediu um cachorro-quente — que ali no Hopi Hari tem o preço de um jantar cinco estrelas, mas o recheio… nossa. Vinte e cinco reais em um cachorro quente para vir, literalmente, pão e salsicha.
Cecília olhou praquilo com cara de “é isso mesmo?”.
— Mainha, cadê o resto da comida? — perguntou, como se a salsicha tivesse tirado férias.
Fernanda e eu trocamos um olhar divertido e rimos.
— Cachorro-quente de parque é assim mesmo, princesa. É mais pelo show do que pela comida.
— Eu prefiro o cachorro-quente perto do trabalho da mainha. — Cecília solta, toda satisfeita, como se tivesse descoberto o melhor segredo do mundo.
— Shhh... — Fernanda faz uma careta engraçada e logo passa as mãos no rosto, tentando esconder o riso, mas olhando para Cecília nervosa.
— O quê?! — Pergunto espantada
— É. O Tio Péricles bota bastante ketch*p pra mim.
Cecília continua, toda animada, sem notar o esforço da mãe para conter a confissão. Fernanda vira o rosto, faz bico, coloca a mão na boca como se fosse impedir que a nossa filha falasse mais.
— Não acredito que você levou nossa filha para comer um lanche de procedência duvidosa. Um trailer em Irajá, Fernanda.
— Anna, para de ser patricinha! — Fernanda dispara, entre um sorriso e um suspiro, quase me dando um tapa disfarçado.
— Você levou nossa filha para experimentar uma... uma... iguaria que nem meu estômago de ferro aguentaria — reclamo, ainda sorrindo.
— E eu adoro essa iguaria — Fernanda rebate, cheia de orgulho — Tem história, sabor e afeto. Diferente do seu “cachorro-quente de parque” chique, mas sem graça.
— O Tio Péricles é muito legal, mamãe. O au au dele tem molho verdinho.
— Argh!
As três rimos juntas, enquanto eu fazia uma nota mental de que, um dia, eu iria conhecer esse Tio Péricles. E talvez... só talvez... provar esse au au lendário.
Fomos na última atração e, embora Cecília ainda tentasse manter o ritmo, seus olhos já denunciavam que o sono estava vencendo. Decidimos encerrar o passeio por ali. Nossa filha, com seus 23 kg e meio, estava no colo de Fernanda enquanto nos dirigíamos até o estacionamento.
— Ela está roncando? — perguntei, já com a chave do carro na mão.
— Não — Fernanda respondeu. — Mas está quase. Passeio cansativo esse, hein? Até eu estou mortinha.
— Espera pra ver o parque aquático. — Sorri
Dirigi de volta para o hotel, enquanto Fernanda ficou no banco de trás, com Cecília grudada em seu colo. O rádio tocava baixinho. Quando chegamos, estacionei na porta do hotel para deixar Fernanda e Cecília e segui para a garagem subterrânea.
A essa altura, eu só queria tomar banho e deitar, mas havia uma coisa que me cutucava por dentro. Algo... pendente.
Quando cheguei ao quarto, Cecília estava dormindo e Fê de banho tomado, vestida no roupão do hotel, aquele cheirinho maravilhoso de banho recém-tomado que ela tem. Meu coração bateu mais forte de saudade.
Ela se virou para mim, e disse baixinho:
— Eu pedi um petit gâteau no room service... pra gente.
Arqueei a sobrancelha.
— Pra “gente” ou pra Cecília?
— Pra gente. Na verdade, pra minha adulta favorita. A que tem um coração de aço inoxidável mas que derrete com chocolate quente.
Cruzei os braços, rindo.
— Você tem umas falas boas quando quer.
— É que você me inspira.
O interfone tocou e logo o doce chegou. Fernanda colocou os pratos na mesinha do canto e se sentou no sofá, esperando. Eu caminhei até lá meio desconfiada, como se a sobremesa tivesse uma segunda intenção.
Ela me passou uma colher e ficamos em silêncio por uns segundos, provando a massa quente com o sorvete derretendo devagar. Ela acabou primeiro, foi para a varanda. Eu ainda estava terminando de comer o meu, mas algo me disse para ir atrás dela.
Ela está parada, encostada no vidro, cabelos ruivos dançando com o vento.
Me aproximo devagar. Coloco a mão no ombro dela.
— Tá tudo bem?
Ela vira lentamente, olhos brilhando — não de choro, mas daquela emoção de fim de dia.
— Foi um dia perfeito, sabia?
Eu sorrio, quase respondendo. Mas não dá tempo.
Ela me puxa pela nuca com uma delicadeza que desmonta todas as minhas defesas. Os dedos dela escorregam pelo meu cabelo como se lembrassem o caminho. Como se nunca tivessem esquecido.
E então, ela me beija.
Devagar.
A boca dela encontra a minha e o nosso beijo é intenso. Não de urgência, mas de saudades intensas. Saudades acumuladas.
Ela suspira contra minha boca. Eu sinto.
Minha mão escorrega até a cintura dela, como se reconhecesse o espaço. Como se nunca tivesse saído dali.
Aquele tipo de beijo que vem depois da dor. Depois do caos.
O coração dela está tão acelerado quanto o meu. E quando nossos lábios se separaram, por milímetros, ela encosta a testa na minha, fecha os olhos e sussurra:
— Me deixa te amar de novo?
Minha resposta não sai em palavras.
Sai em outro beijo.
Fim do capítulo
Madrugada de domingo pra segunda, meninas.
Espero que gostem!
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HelOliveira
Em: 08/07/2025
Dia feliz para todas, niver da pequena, mas o presente foi nosso, capítulo super gostoso, claro tirando a presença da Júliana pra assustar um pouco, o restante foi perfeito, acho que esse já foi um grande passo....Fernanda aproveitando a oportunidade
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Lea
Em: 07/07/2025
Dia perfeito para a Cecília,mas,ainda não estou convencida dessa volta do casal!
nath.rodriguess
Em: 08/07/2025
Autora da história
Calma, mulher! KKKKKK
Tudo no seu tempo.
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Letysantos
Em: 07/07/2025
Nossa,que maldade,na hora delicinha,acaba?
nath.rodriguess
Em: 07/07/2025
Autora da história
Foi intencional hahahaha
Letysantos
Em: 07/07/2025
Muito má rsrs
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Mmila
Em: 07/07/2025
Que amorzinho de capítulo!
Sem mais palavras.
nath.rodriguess
Em: 07/07/2025
Autora da história
Esse eu passei o dia todo escrevendo! Muito especial.
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nath.rodriguess Em: 08/07/2025 Autora da história
Ai, eu queria fazer um capítulo super leve pra vocês!
E nossa Fernanda, como sempre, muito atacante, né? hahaha ela não perde tempo kkkk