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Entre Garras e Beijos por DeboraBatista

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Palavras: 950
Acessos: 171   |  Postado em: 06/07/2025

Sangue na Trilha do Leste

🌑 

O silêncio que se instalou após o anúncio do mensageiro era tão denso que parecia ter sido tecido por bruxas. Nem mesmo o bardo ousou arranhar o violino. As risadas se calaram, as canecas congelaram no ar e até os archotes encantados pareceram diminuir sua chama. O jovem lobo à porta respirava com dificuldade, os olhos arregalados em puro terror.

 

— Mutilado? — repetiu alguém, num sussurro que ecoou como grito.

 

O mensageiro assentiu, engolindo seco. Suas mãos tremiam ao segurar o pergaminho sujo de barro.

 

— Foi na trilha do leste... perto do antigo círculo de pedras. Marcas de garras... e presas. O corpo... o corpo estava praticamente aberto.

 

Um murmúrio percorreu o salão como um vento gelado, e todos os olhares se voltaram, instintivamente, para os lobos ali presentes. Para Rhae.

 

Ela não se moveu. Apenas trocou um olhar rápido com Clara, que ainda estava sentada com a mesma elegância serena, como se a notícia não a tivesse surpreendido nem um pouco.

 

— Isso é algum tipo de brincadeira? — Kael se levantou, agora mais sóbrio do que antes. — Algum animal comum, talvez?

 

— Não era lobo comum — disse o mensageiro, hesitante. — Mas... tinha cheiro de transformação. Como se tivesse se transformado... e depois voltado à forma humana. Ou o que sobrou dela.

 

Rhae se ergueu devagar, como uma tempestade silenciosa se formando no horizonte.

 

— Quem era a vítima?

 

— Ainda não sabemos. Mas tinha marcas da alcateia Mossfang.

 

Kael engasgou com o próprio fôlego.

 

— Isso é sério?

 

O ar se tornou denso, elétrico, e o velho taverneiro, um anão gorducho chamado Brom, ergueu as mãos tentando controlar a tensão.

 

— Certo, certo! Isso aqui é taverna, não arena! Ninguém vai começar uma briga embaixo do meu teto! Principalmente não com a Feira do Solstício acontecendo!

 

Clara se levantou com um movimento lento, fluido como se estivesse nadando em veludo. O colar pulsava levemente, e seu olhar se voltou para Rhae com uma intensidade que fez o mundo ao redor desbotar.

 

— Acho que está na hora de eu ir — disse ela, como se tivesse assistido tudo de uma sacada distante. — As noites têm ficado... perigosas demais para uma simples viajante.

 

Rhae deu um passo instintivo na direção dela.

 

— Espera.

 

Clara ergueu uma sobrancelha, mas não parou.

 

— Me encontra lá fora — sussurrou Rhae, baixo o suficiente para que ninguém ouvisse.

 

Ela assentiu quase imperceptivelmente e desapareceu pela porta dos fundos como uma sombra bem-educada.

 

Rhae olhou em volta. Os olhos da alcateia estavam nela agora — cheios de perguntas não ditas e desconfianças veladas.

 

— Eu vou ver o que está acontecendo na trilha — disse, já caminhando em direção à saída.

 

— Vai sozinha? — perguntou Kael, a voz carregada de desconfiança.

 

Ela girou nos calcanhares, olhos faiscando.

 

— Alguém aqui quer me seguir?

 

Kael não respondeu. Nenhum deles respondeu.

 

Rhae saiu.

 

 

---

 

🌲 Na floresta

 

O frio da noite havia se intensificado, e as copas das árvores balançavam com uma brisa que cheirava a magia antiga e perigo iminente. Rhae correu em sua forma humana por um tempo, os pés descalços deslizando sobre folhas úmidas e galhos quebrados, até sentir a presença.

 

Ela já estava lá.

 

Clara.

 

Encostada numa árvore retorcida, iluminada apenas pelo luar filtrado entre os galhos, ela parecia parte da floresta — um espírito antigo esperando o momento certo para se revelar. O vestido escuro se fundia com a escuridão ao redor. Os olhos, não.

 

— Você sabia, não é? — perguntou Rhae, ofegante, parando a poucos passos dela.

 

Clara não respondeu de imediato. Ela apenas ergueu o olhar, pensativa.

 

— Eu senti. Uma perturbação... algo despertando.

 

— Você é uma bruxa?

 

— Não.

 

— Uma vampira?

 

Clara sorriu de lado.

 

— Isso te assusta?

 

— Nada me assusta. Mas odeio me sentir burra. E você me deixa assim.

 

Clara se aproximou devagar, cada passo tão silencioso quanto um pensamento. Ela parou diante de Rhae e ergueu a mão, tocando com os dedos a têmpora da loba.

 

— Você não é burra, Rhae Cerwyn. É só jovem demais para entender certas coisas. O mundo não é feito apenas de matilhas e tradições. Há coisas... mais antigas do que as alcateias. Mais perigosas. Mais sedutoras.

 

— E você é uma dessas coisas?

 

Ela inclinou o rosto, os lábios próximos demais.

 

— Talvez.

 

Rhae sentiu o cheiro dela — doce, metálico, inexplicável. Sentiu os pelos dos braços arrepiarem, o coração acelerando com fúria e desejo. O toque era quase inexistente, mas deixava sua pele em brasa.

 

— Eu não matei ninguém, se é isso que pensa — sussurrou Clara. — Mas eu conheço... quem pode ter feito.

 

— Então fala.

 

— Não aqui.

 

Ela deu um passo para trás e fez um gesto sutil. Uma trilha se acendeu na floresta, marcada por pequenas luzes azuladas flutuando entre os galhos. Era antiga magia — daquelas que até os lobos mais velhos evitavam.

 

— Se vier comigo, Rhae Cerwyn, não vai poder voltar a ser apenas uma loba rebelde que bebe demais e morde primeiro. Vai entrar num jogo maior. Muito maior.

 

Rhae olhou para as luzes. Para Clara. Para o caminho desconhecido diante de si.

 

E, como sempre, sorriu diante do risco.

 

— Eu nunca quis ser só loba.

 

E deu o primeiro passo rumo ao desconhecido.

Fim do capítulo


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