A Decisão
Casa da Valentina – Sala | Tarde de terça-feira
O barulho da campainha cortou o silêncio da tarde como um estalo seco.
Ana Paula, que estava na cozinha, lavando a louça do almoço, secou as mãos rapidamente no pano pendurado no ombro. Franziu a testa — não era comum receber visitas naquele horário.
Valentina, sentada à mesa da sala com o caderno aberto mas sem escrever nada, congelou. O som da campainha pareceu disparar nela um alarme interno. Sentiu o estômago virar.
— Fica aí, filha. Eu atendo.
Ana caminhou até o portão, o chinelo batendo leve no piso do quintal. Abriu a porta de ferro que dava pra calçada e se deparou com dois rostos sérios.
Um homem e uma mulher, ambos com crachás pendurados no pescoço e pastas nas mãos. A mulher deu um passo à frente, educada, mas firme.
— Boa tarde. Dona Ana Paula Moraes?
— Sim... sou eu. — disse, olhando de um pro outro, com o coração já acelerando.
— Somos do Conselho Tutelar. Eu sou Carla Oliveira, e esse é meu colega, Douglas Lima. Podemos conversar com a senhora um instante?
Ana engoliu em seco. O rosto ficou pálido. Imediatamente, abriu a porta e fez sinal para que entrassem.
— Claro... entrem, por favor.
Valentina ouviu a palavra “conselho” e já se levantou num salto, sentindo o coração martelar dentro do peito. Deu dois passos pra frente e parou na entrada do corredor, olhando os dois desconhecidos entrarem, sérios e respeitosos, mas com aquele olhar técnico que examinava tudo em volta.
— Podemos conversar aqui mesmo? — perguntou Carla, olhando pra sala.
— Podemos sim... — respondeu Ana, engolindo o nervosismo, tentando manter a calma. — Val, vai pro quarto um pouquinho, filha...
Valentina balançou a cabeça positivamente, começando a caminhar em direção ao corredor que dava acesso aos quartos. Carla trocou um olhar com Douglas, depois assentiu, abrindo a pasta devagar. Os três já estavam sentados no sofá mediano.
— Bom, antes de qualquer coisa, queremos dizer que essa é uma visita de rotina, por precaução, após um comunicado da direção da escola. Fomos acionados porque foi relatado que a aluna Valentina Moraes apresentou sinais de abalo emocional grave, e que o pai da menina manifestou preocupação sobre um possível abuso ocorrido no ambiente de estágio. Isso procede?
Ana Paula piscou várias vezes, como se tentando processar as palavras, cruzando os braços sobre o colo.
— Sim. Nós conversamos bastante sobre isso. Mas... olha, eu conheço a minha filha. Ela é quieta, sim, sempre foi. Mas nunca disse que alguém fez mal pra ela. Nunca chegou diferente em casa, nem assustada.
— A senhora notou alguma mudança de comportamento nos últimos tempos?
— Notei... — disse, suspirando. — Depois que o estágio acabou. Ela chorava sem motivo. Se trancava no quarto. Ficava dias sem falar direito com a gente. Mas também é adolescente, né? Às vezes a gente acha que é coisa da idade...
Douglas anotava calmamente, deixando o silêncio se instalar por segundos antes de falar:
— A gente entende. Mas, mesmo que não tenha havido abuso físico, é nosso dever investigar todo o contexto. Às vezes o que afeta emocionalmente não é só a situação em si, mas o ambiente, alguma pressão... ou mesmo uma relação de poder mal conduzida.
Carla completou, com o tom acolhedor:
— E pode ser algo emocional mesmo. Mas é importante que a Valentina tenha espaço pra falar, se quiser. O estágio envolvia figuras públicas, né?
— Sim. Era na Assembleia Legislativa. Ela trabalhava num setor lá, era tudo muito novo pra ela. Mas parecia estar feliz... no começo.
— A senhora sabe se houve algum episódio específico? — perguntou Douglas, com cuidado. — Algum tipo de relação indevida? Comentário impróprio? Alguém se aproximando da Valentina de forma que a deixasse desconfortável?
— Não. Nada disso! — interrompeu Ana, com firmeza. — Minha filha é educada, reservada. E... e eu teria percebido. Ela só... só ficou muito sensível. Chorava fácil. Mas nunca falou em abuso.
— A senhora chegou a perguntar diretamente se alguém incomodou ela?
— Já perguntei, mas ela sempre dizia que tava tudo bem... ou então só chorava. Mas nunca... nunca disse que foi assediada ou algo assim.
Carla anotou mais uma linha e fechou a pasta.
— Podemos falar com ela agora? Só uma conversa leve. Explicamos quem somos e escutamos o que ela quiser dizer.
Ana hesitou por um instante, mas assentiu.
Sala da casa – minutos depois
Valentina estava no sofá, com as pernas cruzadas e os olhos no chão. Os dois profissionais se aproximaram com cuidado. Ana ficou no canto da cozinha, escutando de longe, de braços cruzados.
Carla se sentou ao lado dela, com o tom mais gentil possível.
— Oi, Valentina. Tudo bem? Nós somos do Conselho Tutelar. Eu sou a Carla, esse é o Douglas. Viemos conversar com você um pouquinho, tudo bem?
A menina assentiu devagar, encolhida.
— É só pra entender como você tá, se tá precisando de alguma coisa. Seus colegas e professores contaram que você ficou meio triste esses dias. A gente sabe que às vezes a nossa cabeça aperta sem a gente entender por quê.
Valentina não respondeu de imediato. Apertava os dedos no colo, umedecendo os lábios. Carla não forçou.
— Não estamos aqui pra te julgar, nem pra culpar ninguém, tá? Só pra te ouvir. Se tiver alguma coisa que você queira contar... qualquer desconforto, comentário estranho no trabalho, alguma situação que te deixou triste... pode falar com a gente. Não vamos contar pra ninguém sem sua permissão.
A menina balançou a cabeça levemente.
— Não aconteceu nada disso. — disse, num fio de voz. — Só... eu tava gostando muito do estágio. Quando acabou, fiquei mal. Mas não foi ninguém. Foi só... foi só difícil.
Douglas pegou um bloquinho e começou a anotar, enquanto Carla prosseguia com calma:
— A gente sabe que pode ser difícil. Mas você precisa contar, com suas palavras, se aconteceu algo que tenha te deixado desconfortável, assustada... Qualquer coisa. Nós estamos aqui pra te proteger.
Valentina olhou pra mãe, depois baixou os olhos.
— Ninguém fez nada pra mim... não foi isso. — disse, num fio de voz. — É que... eu só fiquei triste. O estágio foi importante pra mim. Eu tava gostando, aprendendo.
Carla manteve o olhar gentil. Douglas anotou, mas com discrição.
— E agora, tá conseguindo se sentir um pouquinho melhor?
Valentina respirou fundo. Piscou várias vezes.
— Um pouco. Minha mãe tem me ajudado.
Carla sorriu, com empatia.
— Isso é ótimo. Mas mesmo assim, seria bom conversar com um psicólogo, sabia? Às vezes a gente acha que tem que aguentar tudo sozinha... mas não precisa. Tem pessoas preparadas que podem te escutar, te acolher. Nós podemos ajudar nisso, se quiser.
Valentina não respondeu. Mas seus olhos umedecidos e o leve movimento de cabeça diziam que ela agradecia.
— Obrigada, viu? — Carla tocou de leve no ombro dela, se levantando. — Vamos deixar nosso número com a sua mãe. Se sentir vontade de conversar com a gente em outro momento, pode mandar mensagem.
Os dois recolheram os papéis e foram até a cozinha. Ana os acompanhou até o portão. O sol já começava a cair.
— Vamos registrar a visita como preventiva. E reforçar a orientação do acompanhamento psicológico. A escola vai receber o retorno também e em até trinta dias voltamos pra reavaliar, ok? — disse Douglas.
— E dona Ana... qualquer coisa fora do normal, a senhora entra em contato, tá bom? — completou Carla.
Eles se despediram com formalidade, entregaram o cartão com o contato do Conselho e foram embora.
Ana agradeceu com um aperto de mão firme, os olhos marejados. Quando voltou pra dentro, Valentina continuava no sofá, olhando pro nada. Se aproximou, sentou-se ao lado dela e passou a mão em seu cabelo.
— Você foi muito corajosa, meu amor. E eu tô aqui. Sempre.
Valentina se encolheu no abraço da mãe, em silêncio. Ainda assustada. Mas com um pouquinho mais de ar pra respirar.
Casa da família Moraes – Noite de terça-feira
A cozinha estava em silêncio. Só se ouvia o som do relógio de parede, marcando nove e dez, e o zumbido abafado da televisão na sala. Ana Paula apoiava os cotovelos sobre a mesa de fórmica, ainda com a toalha xadrez usada no jantar, agora marcada por farelos de pão, um copo d’água pela metade e o cartão deixado pelos assistentes naquela tarde. Os cabelos presos em um coque malfeito denunciavam o cansaço do dia.
Carlos entrou, vindo da sala, e puxou a cadeira em frente à dela. Tinha trocado a camisa do trabalho por uma camiseta velha, mas o peso no semblante seguia o mesmo. Antes de se sentar, olhou em direção ao corredor.
— As meninas tão dormindo?
— Isa já. A Val... ainda tá acordada, mas quieta no quarto. — disse Ana, a voz baixa.
Carlos assentiu, apoiando os braços pesados na mesa. O silêncio entre eles era espesso, feito de receios, dúvidas e amor mal expressado.
— Vieram de tarde? — perguntou, sem rodeios, olhando o cartão sobre a mesa.
Ana fez que sim com a cabeça.
— Duas pessoas. Uma moça e um rapaz. Muito educados. Conversaram comigo primeiro... depois com ela.
Carlos olhou pro tampo da mesa por um instante. Passou a mão pela barba malfeita, como se tentasse achar palavras no atrito dos próprios dedos.
— E aí? Ela falou alguma coisa?
— Disse que não. Que ninguém fez mal pra ela. Que só ficou triste porque o estágio acabou... que tava gostando muito. — respondeu Ana, com o olhar distante. — Mas... mesmo assim, eles disseram que seria bom ela conversar com alguém. Com um psicólogo.
Carlos suspirou fundo. Um suspiro que parecia sair de um lugar trancado no peito fazia dias.
— Eu imaginei que iam falar isso. — murmurou. — Não acho ruim, não. Na verdade... — ele olhou nos olhos da esposa — ...acho que agora já não é mais questão dela querer ou não. Ela precisa.
Ana assentiu, com os olhos marejando.
— Eu também acho. Mas dói, sabe? Dói ver ela daquele jeito. Tão... apagada. A Val sempre teve um brilho no olhar, mesmo sendo quietinha. Agora parece que tudo tá meio cinza nela.
Carlos abaixou a cabeça. Apertou as mãos grandes sobre a mesa, os nós dos dedos brancos.
— Eu fico me perguntando se a gente errou em alguma coisa. Se for por causa de alguém lá naquele estágio... eu não me perdôo, Paula.
Ela respirou fundo, se levantou da cadeira e foi até ele. Pousou a mão com firmeza no ombro do marido.
— Não é hora de culpar ninguém. A gente fez o que achava melhor. E ela também queria ir, lembra? Não foi forçada. Foi feliz no começo... a gente viu. Mas alguma coisa... alguma coisa machucou a nossa menina.
Carlos virou o rosto pra tocar a mão dela com a dele.
— Então vamos cuidar. — disse, com a voz mais firme. — Se for pra levar em psicólogo, leva. Marca. Eu vou dar um jeito. Nem que eu trabalhe sábado agora.
Ana sorriu, ainda triste, mas sentindo um leve alívio por vê-lo dizer isso.
— Obrigada.
— É nossa filha, Paula. E eu vou fazer o que for preciso. Nem que eu tenha que ir lá na Assembleia. Mas não vou deixar ela se quebrar por dentro sem ninguém fazer nada.
Ela se abaixou um pouco, tocando a testa dele com a sua, em silêncio.
— Vamos cuidar das nossas princesinhas. Juntos.
Lá fora, o vento balançava o varal improvisado no quintal. Dentro de casa, o medo ainda morava nos cantos — mas naquela cozinha, por alguns minutos, havia algo parecido com esperança.
Apartamento Castilho Alencar — Cozinha — Quarta-feira, 7h12
O som delicado do café sendo coado preenchia a cozinha espaçosa, minimalista e elegante como Silvia: madeira clara, plantas em cantinhos estratégicos e luz natural filtrada pela cortina branca. A bancada de mármore recebia a cestinha de pães recém-comprados e uma travessa com frutas já cortadas. A mesa posta com louça branca, talheres dourados e os dois celulares repousando ao lado de suas respectivas xícaras. Um clima doméstico... quase tranquilo.
Quase.
Verena caminhava de um lado ao outro com a blusa social ainda desabotoada nas mangas e o celular colado à mão, o cabelo solto, mas preso atrás da orelha com irritação visível.
— Ele chorou, Silvia. — Ela falava quase rindo de ódio. — Chorou! Na frente dos jornalistas, como se fosse a viúva da democracia. Eu quase joguei o celular pela janela quando ele usou a palavra perseguido.
Silvia, já sentada com a perna cruzada e o vestido bege de linho bem alinhado no corpo, mexia calmamente o café com a colherinha. Seu olhar era sereno, mas atento.
— Amor, você tá há meia hora repetindo isso. Respira. — Ela disse com gentileza. — Eu assisti. E sim, ele é patético. Mas a coletiva dele foi ontem. Hoje é o seu dia. Você tem a entrevista mais importante da semana, lembra?
Verena parou, franziu o cenho e abaixou lentamente o celular, como se a realidade a puxasse de volta.
— Eu sei… — murmurou, puxando a cadeira com força exagerada e se sentando. — Mas é revoltante. Ele distorce tudo. Aquela fala de “família tradicional brasileira” foi uma cutucada direta. E ainda se fazendo de homem de bem...
— Ele só tá tentando salvar a própria pele. — Silvia respondeu com a voz baixa, mordendo uma fatia de mamão com elegância. — Mas você não precisa gritar mais alto. Só precisa ser mais inteligente. E nisso você sempre ganha.
Verena soltou uma risadinha seca, apoiando o cotovelo na mesa e a cabeça na mão.
— Inteligência não convence eleitor com sangue nos olhos, Silvia. Eu vou ter que usar a minha raiva a favor, senão ele me atropela com aquela performance de mártir hétero.
— E eu não tô dizendo pra engolir a raiva. — Silvia pegou delicadamente a mão da esposa. — Tô dizendo pra dosar. Você tem uma reunião com uma jornalista que odeia o Rodrigo. Isso é uma vantagem. Mas não transforma a entrevista num palanque. Fala com ela com lucidez. Sem slogan.
Verena olhou pra esposa, o olhar mais cansado do que costumava mostrar pro mundo. Ali, na segurança daquela cozinha, ela deixava o escudo escorregar só um pouco.
— Você fala como se eu ainda tivesse esse autocontrole.
— Tem sim. Só esquece às vezes. — Silvia sorriu de canto, ajeitando a manga da camisa da esposa com delicadeza. — E, convenhamos, essa camisa merece ser lembrada. Você tá linda.
Verena fechou os olhos por um instante e riu, dessa vez de verdade. Leve. Aquela mulher ainda era seu porto, mesmo em meio à tempestade.
— Eu te amo. — disse baixinho, quase como se admitisse um segredo.
Silvia apertou a mão dela com firmeza.
— Eu sei. Agora come esse pão antes que você enfrente jornalista com glicose baixa.
— Isso sim seria um escândalo. — Verena respondeu, pegando o pão francês com exagero dramático. — “Deputada surta e joga microfone na repórter por causa de jejum matinal”.
Silvia deu uma risada discreta, ajeitou o cabelo e checou discretamente o próprio celular. Mas sem soltar a mão da esposa.
O mundo lá fora podia arder. Mas naquela manhã de quarta-feira, a força delas ainda começava na mesa da cozinha.
Folha de S. Paulo — Saguão de entrada — Quarta-feira, 9h22
O prédio da Folha pulsava no centro de São Paulo, com sua fachada de concreto e vidro refletindo o céu acinzentado daquela quarta. Logo na entrada, o vaivém de jornalistas e produtores seguia o ritmo frenético do jornal impresso. Câmeras, blocos, microfones e celulares. Todo mundo ocupado, todo mundo correndo.
No meio desse caos perfeitamente organizado, chegou ela.
Verena Castilho desceu do carro oficial com os óculos escuros cobrindo metade do rosto e a elegância despretensiosa de quem domina o próprio nome. Calça social preta, alfaiataria impecável, camisa de botões azul escura com as mangas dobradas até o cotovelo, um blazer pendurado no antebraço. Sapato Oxford brilhando. E o celular, claro, preso à mão como uma extensão da alma.
— Bom dia, deputada — cumprimentou o assessor de imprensa da Folha, vindo apressado da recepção. — Vamos levá-la direto pra sala de apoio antes da entrevista, tudo bem?
— Se tiver café, tá tudo bem. — respondeu, seca, sem tirar os óculos.
Atrás dela, Rafaela vinha coordenando a pequena comitiva como uma produtora de palco experiente. Blusa de gola alta, coque desfeito e uma pasta lotada de documentos embaixo do braço.
— Verena, você precisa respirar — murmurou, se aproximando. — A entrevista é com a Lilian Nóbrega, lembra? Aquela que escreveu que o Carmona era "o último macho em decomposição do Congresso". Você tá entre aliados. Ou quase.
Verena bufou, enquanto digitava com rapidez algo no celular.
— Eu sei. Não escolhi ela por acaso. Menos uma pra me interromper com “deputada, permita responder” toda vez que eu tiver com sangue na boca.
— Pelo amor de Deus — sussurrou Rafaela, apertando os olhos. — Não começa.
Chegaram à antessala reservada. Um espaço elegante, com poltronas bege, jarra de água com rodelas de limão e um espelho emoldurado na parede.
Duas funcionárias já aguardavam. Uma com o estojo de maquiagem aberto sobre uma mesinha lateral, a outra ajeitando um cabide com uma peça sobressalente caso a roupa precisasse de troca.
— Bom dia, deputada. Se a senhora permitir, vamos só ajustar a base e tirar o brilho da pele pro vídeo, tudo bem?
— Não é uma coletiva do Oscar — murmurou Verena, sentando na poltrona como quem aceita o destino, mas revirando os olhos com vontade.
— Verena… — começou Rafaela, em tom calmo e ameaçador.
A deputada suspirou fundo, ergueu o rosto e tirou os óculos.
— Vai, rápido. Só não me deixem com cara de boneca. Quero que pareça que eu durmo duas horas por noite e ainda assim sou mais eficiente que essa corja inteira.
Rafaela não conteve o riso baixo.
— Isso nem precisa fingir, Vê.
Enquanto o pó era aplicado no rosto, Verena aproveitou o espelho pra ajustar a gola da camisa e confirmar se o botão de cima continuava desabotoado — gostava de deixar um certo ar descompromissado, mesmo sob a pressão. O celular vibrou de novo. Mais uma notificação sobre a coletiva de Carmona no dia anterior, onde ele havia se colocado como vítima de perseguição ideológica, citando sua “vida privada sendo invadida por uma deputada desequilibrada”.
— Desequilibrada é a ex-mulher dele que teve que sentir aquele bafo de ovo por cinco anos — rosnou baixo, ainda encarando o próprio reflexo.
Rafaela, sentada na poltrona ao lado, ergueu uma sobrancelha.
— Vai citar os quatro casamentos dele?
— Citar? Eu vou recitar com data e local.
— Verena...
— Rá! — ela sorriu com um canto da boca. — Fica tranquila. Eu sou uma mulher de Estado. Só que hoje… vai ter Estado de emergência pra esse sujeito.
A funcionária finalizou a maquiagem, entregou um lenço pra ela secar as mãos, e sinalizou que Lilian já estava a postos no estúdio.
Verena levantou, girando os ombros pra ajeitar o corpo na roupa.
— Como eu tô?
— Intimidadora. — disse Rafaela, se levantando atrás dela. — Mas charmosa. Do jeito que você gosta.
— Ótimo. Agora vamos. — colocou os óculos escuros de novo, antes de sorrir para o assessor. — Se eu perder a linha, corta pra mim. Mas só se for bonito.
E seguiram para a entrevista.
Estúdio da Folha — Quarta-feira, 10h em ponto
A câmera já estava ligada quando Verena entrou no estúdio. A jornalista Lilian Nóbrega, sentada com elegância diante de uma mesa minimalista, usava uma camisa branca estruturada e batom vermelho fechado. Os cabelos loiros, caindo em mechas macias e brilhantes nos ombros davam um ar elegante e charmoso. Seus olhos acompanhavam cada passo da deputada como se avaliassem um adversário e, ao mesmo tempo, uma personagem fascinante.
Verena cumprimentou a equipe técnica com um aceno discreto e se sentou com postura ereta, retirando os óculos escuros com lentidão, substituindo pelos de grau, que tirava com elegância da gola aberta da camisa. O blazer fora deixado na sala anterior. Agora, apenas a camisa de botões escura e a expressão impassível restavam.
A luz sobre as duas era fria e objetiva.
Lilian sorriu, com aquele ar afiado que o público já conhecia. Ela era conhecida por ter colocado três ministros em xeque com perguntas de cinco palavras.
— Deputada Verena Castilho. Obrigada por escolher nossa equipe pra essa conversa.
Verena ajeitou o microfone de lapela e cruzou as pernas, mantendo a voz firme.
— O prazer é meu. Admiro quando a imprensa deixa o filtro de pano de prato de lado.
Lilian soltou uma risadinha curta, um tanto surpresa.
— Espero que mantenhamos assim.
Um dos técnicos deu sinal e sem mais rodeios, a entrevista teve início. A primeira pergunta veio com uma elegância letal:
— Deputada, a senhora afirma defender uma educação inclusiva e livre de tabus. Como responde às críticas de que o seu projeto de educação sexual nas escolas induz a "erotização precoce"?
Verena nem piscou.
— Só se erotiza o que é escondido. O que a gente ensina, a gente protege. Não é sobre erotizar, é sobre preparar. E preparar não é um verbo que a extrema direita costuma conjugar.
Nos bastidores, Rafaela cruzou os braços com um sorriso discreto. A fera estava solta.
Lilian inclinou o corpo levemente pra frente.
— E como a senhora reage à coletiva de ontem do deputado Rodrigo Carmona, em que ele a acusa de perseguição e abuso de poder?
Verena sorriu de canto, ajustando o microfone.
— Um homem que não consegue sustentar nem os próprios casamentos deveria pensar duas vezes antes de acusar uma mulher de obsessão. Eu não persigo; eu fiscalizo. E quem tem rabo preso sempre se incomoda com isso.
A outra mulher arqueou uma sobrancelha, visivelmente contida para não rir. O público ia amar essa.
— Mas a senhora não nega que a discussão na Alesp saiu do controle, certo? Até os seguranças precisaram intervir.
— Eu não sou babá de deputado surtado. Me levantei, me defendi e mantive a elegância. Até onde deu.
Lilian sorriu outra vez. Mas agora, havia algo a mais no olhar. Um leve brilho. E um segundo a mais que os olhos demoraram para sair do rosto da entrevistada.
— A senhora sempre foi boa com palavras. Mas me diga, deputada, existe algo que ainda tira seu eixo?
Verena riu com o nariz, cruzando os braços.
— Olha... de vez em quando, o jornalismo tenta. — E olhou diretamente para a entrevistadora, com aquele meio sorriso de desafio que tinha o poder de virar manchete.
A pausa entre as duas ficou suspensa no ar. No canto do estúdio, Rafaela rolou os olhos de leve. Aquele não era flerte declarado. Mas quem conhecia Verena, sabia quando ela percebia que estava agradando.
Lilian retomou:
— Não sei se é elogio ou provocação. Mas aceito os dois.
Verena soltou uma risada baixa.
— Então seguimos em sintonia.
E a entrevista continuou. Mas a audiência já estava conquistada.
...
A luz dos refletores deixava a sala com um brilho fosco, elegante. O cenário, discreto, mas sofisticado. Lilian Nóbrega, pernas cruzadas, apoiava o bloquinho no colo mais por costume do que por necessidade. O que ela queria mesmo, agora, era ver até onde Verena Castilho iria. E talvez, até onde ela mesma estava disposta a ir.
Verena mantinha a postura impecável, a gola da camisa ligeiramente afrouxada, as mangas dobradas com precisão. Os olhos atentos, porém, perigosamente à vontade. O tipo de presença que parecia medir cada palavra, e ao mesmo tempo, desafiava qualquer tentativa de contenção.
Já tinham passado dos vinte minutos de conversa, mas a sensação era de que o mais interessante ainda estava por vir.
— Deputada — retomou Lilian, a voz grave e precisa —, a senhora foi alvo de um ataque direto por parte do deputado Rodrigo Carmona. Ele a chamou de “promíscua”, de “vagabunda”, usou palavras que escandalizaram até seus próprios colegas. Como a senhora responde?
Verena inclinou sutilmente o corpo pra frente, sem perder a pose.
— Primeiro que eu dispensaria o “senhora”. Me envelhece. E sinceramente, não combina com o tipo de entrevista que estamos tendo.
Lilian arqueou uma sobrancelha, tentando esconder o sorriso. Mas falhou. A provocação pairou entre as duas por um segundo a mais do que deveria — só o suficiente pra ser notada.
— Como quiser, deputada — respondeu, com a voz mais baixa, quase íntima. — Então… Verena… como você responde?
Rafaela, no fundo do estúdio, já revia as frases mentalmente e imaginava as manchetes. Passou a mão nos cabelos, discretamente tensa. A entrevista estava indo bem demais… o que, vindo de Verena, sempre significava perigo iminente.
Mas não era só isso.
O que realmente deixava Rafaela com o estômago virado era o clima descarado entre as duas. Um jogo de olhares que já tinha ultrapassado a fronteira do profissional fazia uns bons minutos. E não era só ela que tinha percebido — até o câmera tinha tossido uma vez a mais, como quem tentava quebrar o ar carregado.
Verena parecia se alimentar daquele flerte, como quem sabia o poder que exercia e fazia questão de esticar a corda. Lilian, por sua vez, não fazia o menor esforço pra disfarçar o interesse. E Rafaela, ali no canto, já pensava em todos os desdobramentos possíveis.
— Se isso sair do controle — murmurou baixinho, só pra si — é o fim da República.
Verena umedeceu os lábios e soltou o ar com elegância, mas seus olhos já brilhavam com o veneno que só usava quando necessário.
— Eu respondo lembrando que estamos falando de um parlamentar que já passou por quatro casamentos, todos terminados por motivos que não cabem a mim comentar. Mas o senhor Carmona insiste em se preocupar com o que eu faço entre quatro paredes. Talvez porque lá, diferentemente dele, eu consiga manter quem escolhe estar comigo. Por isso até fico realmente tentada a acreditar que sou mais homem que ele.
A produção conteve a respiração. Um leve riso nervoso escapou de um dos cinegrafistas.
Rafaela, bufou discretamente. Sussurrou pra um dos assessores:
— Lá vai ela. Já era a “linha institucional”...
Lilian manteve o olhar fixo, o queixo levemente erguido, como quem assistia a uma obra de arte sendo pintada em tempo real.
— Então a senhora… — ela parou. Se corrigiu. — Você acredita que os ataques têm fundo misógino e homofóbico?
Havia uma raiva controlada ali, como se Verena a polisse antes de entregar. E Lilian sentiu.
— Acho que tem fundo, meio e topo — respondeu afiada. — E tem gente que só se sustenta na política porque grita mais alto do que pensa. Quando um homem me ataca pelo que ele supõe da minha vida íntima, ele não está preocupado com a moral. Ele tá assustado com o poder que eu represento.
Rafaela, atrás das câmeras, discretamente as mangas da própria roupa. Sussurrou para o assessor ao lado:
— Ela vai fazer história… ou ser processada. Talvez os dois.
A jornalista anotou com a ponta da caneta apenas por efeito. Os olhos dela estavam mais curiosos que céticos agora, um toque de algo que nem ela mesma soube disfarçar. O jeito como Verena a encarava — firme, provocador, e ao mesmo tempo sofisticado — era difícil de ignorar.
— Você não teme que essa postura tão direta acabe gerando mais atritos dentro da própria Assembleia?
Verena sorri de canto e ajeita o colarinho:
— Lilian, eu tenho 29 anos, entrei na política com a minha cara, minha história e meu nome. Não devo cargo a cacique, nem fiz acordo com coronel. Eles não gostam da minha postura? Problema deles. Eu não fui eleita pra agradar homem frustrado.
Lilian cruzou lentamente as pernas, os olhos se demorando um segundo a mais no rosto da deputada. Depois sorriu — um pouco mais largo dessa vez.
— Confesso que... você é mais incisiva do que eu imaginava. E olha que eu acompanho política há muito tempo.
Verena a encara, levemente irônica.
— E você é mais sutil do que o jornalismo anda permitindo.
Lilian piscou devagar. Por um instante, o estúdio pareceu menor.
— Deputada... a senhora é casada, jovem, e vem sendo descrita por adversários como "instável emocionalmente". Acredita que o seu perfil pessoal afeta a forma como é lida pelo eleitorado?
— Afeta. Porque a régua nunca é a mesma. Se eu fosse um homem hétero de 50 anos, com três escândalos nas costas e quatro ex-esposas… me chamariam de "homem de pulso firme". Mas como sou uma mulher jovem, casada com outra mulher e de opinião forte, viro “promíscua”, “instável” e “ameaça à moral”. A diferença está na lente de quem vê e no machismo de quem comenta.
Rafaela, sussurrou entre dentes:
— Pronto. Pegou o gosto. Agora segura a fera.
Lilian, com um riso abafado, tenta esconder o interesse crescente na conversa, ou quem sabe na entrevistada.
— E como lida com essa “instabilidade” que projetam em você?
Verena, ciente do próprio charme natural, cruza os braços com elegância, o sorriso provocador mesmo ao acaso, sempre presente.
— Com vinho seco, boas respostas… e um casamento que sobrevive mesmo ao caos de Brasília e ao tédio de São Paulo.
Lilian soltou uma risada leve. Era profissional — mas havia calor ali. Ela pareceu hesitar. Depois voltou a olhar Verena.
— A senhora é… intensa. Política, pessoalmente. Não teme que isso confunda as pessoas?
Verena soltou o ar pelo nariz, quase com ironia.
— As pessoas confundem porque estão acostumadas a gente plastificada, polida, ensaiada. Eu não vim da Faria Lima, Lilian. Eu vim da periferia, da aula de reforço, da marmita que queimava no fogão da minha avó. E cheguei até aqui assim. Sem filtro. Com verdade.
Pausa.
— E se isso confunde… talvez seja um problema mais delas do que meu.
— Deputada… uma última pergunta. E prometo que não tem armadilha. Com a Comissão de Direitos Humanos e a OAB já em movimento diante dos ataques que você sofreu, qual é o próximo passo?
Verena ficou em silêncio por um segundo. Não o silêncio de quem não sabe o que dizer — mas o de quem escolhe cuidadosamente cada palavra. Cruzou as pernas com calma, apoiando o cotovelo no braço da poltrona.
— Continuar. Seguir com o que eu vim fazer aqui. Eu fui eleita pra legislar, pra proteger, pra garantir direitos. Não pra baixar a cabeça pra um machista de terno e mandato.
Silêncio.
Pausa.
— E claro… porque cair daria o gostinho que eles querem. E sinceramente? Eles não merecem.
Lilian tentava esconder o fascínio.
— Forte até no final.
Verena, encostando na cadeira, soltou o ar, ciente do poder que exercia ali.
— Sempre.
Um sinal da produção indicava fim da gravação. As câmeras desligaram. A entrevista acabou, mas o clima ficou.
O estúdio esvaziava devagar, os técnicos começaram a desconectar os microfones, mas Lilian não se levantou de imediato. Ficou ali, os olhos ainda fixos na deputada, como quem queria guardar um pouco mais daquele momento, como quem queria fazer uma pergunta que não estava na pauta.
— Deputada…
— Hm?
— Foi... mais interessante do que eu imaginava.
Verena inclinou o rosto, o sorriso contido:
— Interessante costuma ser só o começo, jornalista.
Lilian sorriu. Dessa vez, sem esconder o charme.
Verena levantou devagar, ajeitou o punho da camisa.
Lilian se levantou também, se aproximando cautelosamente, tocando levemente o braço da outra:
— Verena... foi um prazer te entrevistar. De verdade.
A deputada arqueou uma sobrancelha, o olhar fixo:
— Foi um prazer… recíproco.
Passou pela lateral da mesa, e antes de sair, se virou:
— E de novo, Lilian… sem o “senhora”. Não combina comigo.
A jornalista riu, baixinho. O tipo de riso que deixava mais no ar do que dizia em palavras.
Rafaela chegou logo em seguida, segurando o celular da chefe. Encarou a jornalista por dois segundos e sussurrou no ouvido:
— Lilian, né?
Verena piscou devagar, caminhando com a postura de sempre.
— Me respeita, Rafaela. Eu sou muito bem casada.
— Tá... mas se não fosse...
— Ainda assim seria um problema. — disse Verena, caminhando em direção à saída. — Porque mulher inteligente me desestabiliza. E eu já tenho problema demais.
Rafaela lançou um olhar lateral para a amiga e disse baixinho:
— Você não presta.
Verena, elegante como sempre, saiu do estúdio ajeitando a manga da camisa e com a certeza incômoda de que a entrevista renderia manchetes. Mas o que realmente deixava seu estômago inquieto… era o jeito como Lilian tinha olhado pra ela. Como se a conhecesse.
E gostasse do que via.
Folha de S.Paulo — Corredor dos Estúdios — Quarta, 11h45
O clique dos sapatos de Verena ecoava pelo piso de cimento polido como um lembrete ritmado de sua presença. Impecável, sóbria, impecavelmente perigosa. À frente, o assessor da Folha abria caminho com um sorriso institucional. A equipe de produção os acompanhava, alguns com tablets ainda nas mãos, outros lançando olhares entre discretos e cúmplices. A entrevista tinha terminado. Mas o assunto... mal tinha começado.
Rafaela vinha logo atrás, passos acelerados, tentando alcançar a chefe antes que o caos lhe explodisse nas mãos.
— A gente pode conversar dois segundos? — sussurrou, assim que ficaram a sós num canto mais reservado, perto do hall de saída.
Verena se virou devagar, os olhos ainda brilhando da adrenalina da entrevista, como quem saíra de um ringue satisfeita.
— Claro. Quer elogiar minha performance? — disse, abrindo um sorriso comedido, de quem já sabia a resposta.
— Verena, pelo amor de Deus… — Rafaela olhou em volta, abaixou ainda mais o tom. — Você tem noção do que acabou de acontecer ali dentro?
Verena arqueou uma sobrancelha.
— Que parte exatamente? Aquela em que chamei o Carmona de disfuncional emocional ou a que citei que ele não segura nem a própria calça, quanto mais um casamento?
— Não, a parte em que a jornalista te comeu com os olhos por vinte minutos e você fingiu que não percebeu — rebateu Rafaela, entre os dentes. — E retribuiu. Com gosto.
Verena riu baixinho, desviando o olhar para os corredores da redação, onde algumas pessoas ainda cochichavam, claramente sobre ela.
— Você acha mesmo que teve algo demais? — perguntou, com um tom de falsa inocência que só deixava tudo pior.
— Não acho. Eu tenho certeza. — Rafaela cruzou os braços, os olhos fixos na amiga. — E o pior: todo mundo viu.
Verena deu um passo à frente, como quem vai sussurrar um segredo. Mas manteve a voz audível o bastante.
— E se ela só tiver sido... gentil?
— Gentil? Gentil é oferecer um café, não te chamar de "ousada e instigante" no meio de uma entrevista política! — Rafaela exclamou, num sussurro forçado. — E você ainda solta um "não precisa de senhora" com aquele olhar de provocação? Você sabe exatamente o que fez.
Verena fez uma pausa. O sorriso ainda estava nos lábios, mas agora mais contido. Ela sabia. Sabia muito bem. Mas fingir que não… era parte do charme.
— Eu só fui educada.
— Você foi sedutora. Num nível que, se alguém assistir isso com legenda, vai achar que era conteúdo adulto. — Rafaela bufou. — Olha, eu adoro uma encrenca bem montada. Mas isso aqui? Isso pode ser um escândalo. E não é hora de outro escândalo.
Verena soltou um suspiro dramático.
— Que falta de fé no meu autocontrole.
— Ah, o problema é exatamente esse: ele morreu tem tempo. Tá enterrado do lado do decoro parlamentar.
As duas se encaram por um segundo. Verena, com aquele ar debochado de quem adorava ver Rafaela surtando. Rafaela, com aquele ar cansado de quem já estava pensando em como conter os danos de algo que nem tinha estourado — ainda.
— Posso pelo menos pedir um café antes de você me arrastar pra contenção de crise? — Verena disse, ajeitando a gola da camisa com calma olímpica.
— Você tem noção de quantas editorias você vai incendiar com essa entrevista?
— Ué. Não era essa a ideia?
Rafaela balançou a cabeça, exausta e encantada. Ao mesmo tempo.
— Já subiram o corte da sua fala sobre o “senhora”.
Verena sorriu com o canto da boca, como quem sabia exatamente o que fazia. Ou fingia bem demais.
— Subiram mesmo? Qual parte? A da elegância ou a da insolência?
— As duas. E colocaram trilha dramática no TikTok. Um deles até legendou com “Verena sendo mais homem que o Carmona desde 1995.”
A deputada soltou uma risada abafada, o canto dos lábios torcendo com ironia.
— Que bom saber que a testosterona tá em falta no mandato dele. Talvez eu doe um pouco da minha.
Rafaela fingiu que não ouviu, mas a respiração pela boca era quase um suspiro de alerta. Passaram por uma estagiária que cochichou com outra: “Gente, é ela!” — e Verena lançou apenas um olhar de canto, deixando a reverência silenciar o corredor.
Chegaram ao saguão da redação, onde um assessor da Folha agradeceu discretamente e ofereceu um copo d’água. Verena recusou com um gesto elegante dos dedos.
No elevador, Rafaela apertou o térreo e deixou o silêncio preencher os segundos. Verena cruzou os braços. O rosto mantinha a seriedade, mas os olhos traíam assim que o celular vibrou, acendendo a tela.
— Hum.
— Que foi?
Rafaela deu um suspiro cansado e apontou para o celular da chefe.
— Ela já te mandou mensagem, né?
Verena nem negou. Só virou de lado, mordendo levemente o lábio inferior. No visor do celular, a notificação do Instagram ainda brilhava:
“Lilian Nóbrega:
Você foi demais hoje ❤️ Só pra deixar registrado.”
Ela respondeu minutos depois, breve:
“Obrigada, Lilian. Seguindo seu exemplo.”
Sem emoji. Mas com intenção.
O elevador abriu no térreo. Assim que saíram, o telefone de Rafaela vibrou com insistência. Notificações pipocavam. Tweets, reels, grupos de WhatsApp.
— Pronto — murmurou. — O vídeo foi parar no grupo da Frente Progressista. E no dos Bolsonaristas também. O Carmona já tá se fazendo de vítima. Acaba de postar uma selfie com o advogado. Legenda: “não me calarão”.
Verena ergueu as sobrancelhas, como quem observava uma barata tentar atravessar uma sala.
— Mal posso esperar pelo próximo ato. Ele vai querer me processar por ferir os sentimentos dele?
— Pela resposta pública, pela fala de “sou mais homem que ele” e… — Rafaela pausou. — Pela entrevista com a Lilian, talvez.
— Ah, por favor — disse Verena, ajeitando os óculos escuros ao sair na calçada. — Se ele soubesse segurar uma mulher, talvez não tivesse perdido quatro. Mas isso é assunto pra Comissão de Casos Mal Resolvidos, não de Ética Parlamentar.
Rafaela segurou uma risada, e foi nesse instante que o motorista apareceu com o carro oficial.
Antes de entrar, Verena parou e respirou fundo. Estava na crista da onda — de novo. Mas sentia o chão mover debaixo dos pés.
Rafaela se inclinou, com tom quase maternal:
— Vê, eu sei que você gosta de jogar com o perigo. Mas se rolar algo… com a jornalista…
Verena sorriu, leve. Sarcástica.
— Relaxa, Rafinha. Eu só agradeci a entrevista.
— É… mas do jeito que você agradece, parece que ofereceu uma dança lenta no escuro.
Verena entrou no carro, a porta se fechando com o estalo de uma nova polêmica.
Escritório de Advocacia Silvia Alencar Castilho — Sala 2 — Quarta, 15h37
O sol da tarde entrava filtrado pela persiana branca, desenhando listras irregulares sobre o piso claro. O ambiente era sereno, como sempre. Aromas leves de jasmim no difusor sobre a estante, uma caneca de chá ainda morna ao lado do notebook. Silvia costumava gostar desse horário. Era quando os clientes já haviam ido embora, os prazos do dia estavam controlados, e ela podia se permitir respirar.
Mas não hoje.
A aba do navegador estava aberta na página da Folha. O vídeo da entrevista ao vivo já havia sido encerrado, e agora era a versão editada que ocupava os destaques do site — manchete em negrito: “Verena Castilho rebate Carmona com ironia, acena à Comissão de Ética e deixa tensão no ar.”
Silvia clicou no play, os olhos fixos no rosto da esposa. A elegância habitual, a segurança no tom, as palavras afiadas como bisturis. Nada daquilo era novidade. Verena era uma oradora nata. Mas o que doía não era a entrevista em si.
Era o que vinha junto.
O olhar da jornalista Lilian Nóbrega — firme, sorrateiro. A forma como os olhos dela escorregavam para o colo da esposa durante uma resposta. O elogio sutil com um riso no canto da boca. As pernas elegantemente cruzadas, os dedos tamborilando no bloquinho sem nenhum interesse real no que estava escrito. Mas Silvia reconhecia aquele ritmo.
Não era jornalismo.
Era flerte.
E pior: correspondido.
No vídeo, Verena ajeitava a camisa com uma graça quase teatral, soltava um “não precisa do senhora” com um sorriso enviesado, e por um segundo… por um mísero segundo… os olhos das duas se encontravam de um jeito que Silvia conhecia bem. Porque aquele olhar já foi dela. Já foi só dela.
Silvia pausou o vídeo. Respirou fundo. Ainda não conseguia engolir o nó.
Aquele gosto amargo no fundo da boca era um misto de mágoa e humilhação. Não pelo público — ela estava acostumada a ser a mulher por trás da deputada. Era pela Verena. Pela mulher que, até poucos dias atrás, sussurrava que queria tudo de volta. Que insistia em dividir o vinho, o travesseiro, o domingo. Que dormia nua ao seu lado e a abraçava como quem jura amor eterno sem usar palavras.
E agora...
Agora parecia brincar com fogo diante de milhões.
Silvia afastou a cadeira com um leve empurrão, levantando-se com a elegância que mesmo a dor não arrancava. Caminhou até a estante lateral, onde repousava seu celular sobre o arquivo de processos. A tela ainda mostrava uma notificação da Folha, um trecho já viralizado:
“Mais homem que Carmona”
Verena Castilho, hoje, ao vivo.
Silvia soltou um riso seco. Amargo.
Digitou uma mensagem com os dedos precisos, sem hesitação, mas o polegar parou antes de enviar.
“A entrevista foi ótima. A jornalista também pareceu bem… envolvida.”
Não. Apagou.
Recomeçou:
“Li sobre a entrevista. E vi os vídeos. Está tudo certo, Verena?”
Frio demais.
Apagou outra vez.
Sentou-se de volta, o celular agora no colo, e finalmente escreveu com a linguagem que a dor e o orgulho permitem entre duas pessoas que se amam — ou tentam, apesar de tudo.
Silvia:
“A entrevista foi ótima. Como sempre. Você estava no seu melhor. Brilhante, confiante… e, ao que tudo indica, muito bem acompanhada. Espero que tenha valido a pena.”
A mensagem foi enviada com um simples toque.
Silvia apoiou o celular de volta à mesa, sem esperar resposta.
Voltou para a tela do computador, tentou abrir um processo. Mas as linhas da petição embaralhavam-se diante dos olhos. A imagem de Lilian sorrindo… da esposa respondendo com um charme sutil… aquilo não saía da cabeça.
E ela odiava se sentir assim: frágil.
Mas naquela tarde, sozinha no próprio império, Silvia Alencar Castilho sentia o mundo ceder — pelas bordas.
Gabinete da Deputada Verena Castilho — Alesp — Quarta, 15h38
O silêncio da sala só era quebrado pelo leve zumbido do ar-condicionado e o tilintar das teclas enquanto Verena digitava algo em seu notebook. O cabelo solto caía em mechas bagunçadas pelos ombros, a camisa social com duas casas abertas além do necessário, as mangas dobradas até os cotovelos. Sozinha. As persianas estavam semi-abertas, deixando entrar a luz dourada de fim de tarde sobre a mesa entulhada: pautas, pareceres, dois copos de café já vazios, um processo impresso com grifos em caneta vermelha.
O celular vibrou ao lado do teclado. Uma notificação discreta do Instagram.
@lilian.nobrega enviou uma mensagem.
“Se isso foi só seguindo meu exemplo… imagine quando for por conta própria 😏”
Verena demorou três segundos inteiros até entender o que estava vendo. Arqueou uma sobrancelha. Encostou o corpo na cadeira, inclinando-se para trás, como quem absorvia um golpe que não esperava — e que, por algum motivo, mexia mais do que devia.
“Mas é claro que ela respondeu.”
“E claro que flertou de novo.”
A notificação seguinte veio em menos de um minuto.
Mensagem de Silvia.
A pulsação acelerou. Antes mesmo de abrir, Verena já sentia o estômago revirar.
“A entrevista foi ótima. Como sempre. Você estava no seu melhor. Brilhante, confiante… e, ao que tudo indica, muito bem acompanhada. Espero que tenha valido a pena.”
Verena congelou.
Por dentro, a couraça ruiu. Aquilo não era só uma ironia. Era a dor. A mágoa. A constatação de que, enquanto ela se embriagava no jogo de poder, tinha machucado justamente quem a segurava em pé.
— Droga… — murmurou, já tocando no ícone de ligação.
Chamou. Uma vez.
Nada.
Ligou de novo. Nada.
Terceira tentativa. Caixa postal.
Ela soltou o ar pela boca devagar, como quem tenta conter a raiva. Mas era com ela mesma. E quando Verena Castilho ficava brava consigo, o mundo parecia pequeno demais.
Levantou-se num gesto seco. Andou até a janela, olhou o cinza da cidade, as faixas de carro descendo a 23 de Maio. Ela que já tinha enfrentado deputados corruptos, líderes partidários violentos, ameaças reais e falsas denúncias, agora se sentia rendida por uma tela. Por um toque. Por duas mensagens.
Voltou pra mesa, sentou-se com menos arrogância. Os dedos voltaram ao teclado, mas o olhar não estava ali.
Digitava sem ver.
Um arquivo de planilha aberta, listando metas do mandato para o segundo semestre. Indicativos de emenda, status de tramitação de propostas, prazo de audiências públicas. Tarefas que ela sempre dominava com precisão cirúrgica.
Mas hoje... os números se misturavam.
Sua mente voltava ao rosto de Silvia, aos olhos contidos dela, àquela forma elegante de sofrer em silêncio. E, pior: voltava à sensação do olhar da jornalista — e à sua própria resposta. Aquela quase risada... aquele tom. O “não precisa do senhora”, que agora ecoava com gosto amargo.
Ela fechou o notebook com firmeza, como se isso calasse as vozes dentro da cabeça.
Levantou-se de novo.
Caminhou até a porta, abriu só uma fresta. O corredor estava vazio. O relógio de parede marcava 15h52.
— Rafaela? — chamou em voz alta, ainda na dúvida se queria mesmo ver a amiga.
Ninguém respondeu.
Voltou pra dentro. Pegou o celular de novo. Abriu o WhatsApp.
Verena:
“Silvia, por favor. Me atende. Eu fui idiota. Eu sei. Mas me atende.”
Três pontinhos surgiram por um segundo.
E sumiram.
Ela apertou os olhos com força, jogou o corpo pra trás na cadeira, ficou um instante imóvel. E pensou. Pensou que tinha perdido o controle. Que Silvia talvez não atendesse mesmo. Que talvez… não voltasse mais.
E então, entre o pânico e o orgulho, olhou para uma taça vazia que ainda estava na bandeja ao lado da cafeteira. Pensou em vinho. Pensou na Valentina. Pensou em Lilian. Pensou em Silvia.
E, pela primeira vez em semanas, sentiu medo de verdade.
Ipiranga — Quarto da Valentina — Quarta, 17h43
A janela semiaberta deixava entrar um restinho de sol do fim da tarde, filtrado pela cortina de coraçãozinhos. Valentina estava deitada de lado na cama, os pés esfregavam no lençol gelado, enquanto a voz de Carol ecoava no viva-voz do celular.
— Abre, Valen! Você não tá entendendo! Ela tava um evento. A mulher deu entrevista hoje e virou meme em quatro segundos.
Valentina rolou para o outro lado, o coração já acelerado sem nem saber o motivo exato.
Mas ela sabia. No fundo, sabia muito bem.
— Entrevista de quê?
— Sobre a treta com aquele deputado escroto. Mas o que importa não é isso, é que ela foi entrevistada por uma jornalista toda cheia de pose… e, amiga, tinha clima!
— Clima como...? — a voz saiu mais fina do que ela gostaria.
— Clima tipo, se olhassem mais cinco segundos uma pra outra, se beijavam no ar.
Valentina sentou na cama de repente. Puxou o celular. Abriu o Instagram.
Um Reels já circulava com milhares de visualizações: um trecho do bate-boca entre Verena e a jornalista, as duas rindo com os olhos, a legenda: “Já shippo Verilian 😍🔥”
— Não... não... não... — ela sussurrou, o polegar deslizando frenético na tela.
Mais vídeos. Mais edits.
Montagens com a voz da Verena e o olhar da Lilian.
E os comentários…
"Ela toda séria e a jornalista com aquele sorriso de quem já ganhou."
"Se a Silvia vacilar, essa aí leva!"
— Carol, tá todo mundo falando disso...
— Eu sei! E detalhe: a Lilian respondeu a Verena no Insta, viu? Com emoji e tudo!
— Como é que você sabe disso?
— Porque a internet inteira viu, Valen! Foi no perfil público dela! Mas tenho certeza que elas devem ter se falado no direct também.
Valentina apertou o celular com força. O estômago revirou.
Era isso. Era como levar um soco e um abraço ao mesmo tempo.
Porque aquela mulher… aquela mulher que ela queria esquecer… tinha virado um crush nacional.
E aparentemente, estava jogando pra todos os lados.
— Eu vou sair do Instagram — ela murmurou, o rosto enfiado no travesseiro.
— Não vai, não. Agora que tá ficando bom.
Valentina gem*u, escondendo o rosto. E o ciúme — aquela dor absurda, sem nome e sem lógica — queimava como fogos de artifício no peito.
Por mais que soubesse que não fazia sentido. Por mais que soubesse que Verena era casada. Por mais que fosse só um crush adolescente.
Ainda assim… doía.
E muito.
...
Valentina continuava deitada na cama, mas agora, abraçada ao travesseiro como se aquilo pudesse protegê-la de alguma coisa. O celular, jogado ao lado, ainda com a tela acesa. A imagem congelada do vídeo da entrevista parecia zombar dela.
Verena, linda, firme, confiante... rindo de leve pra aquela jornalista.
Ela apertou os olhos com força. O nó na garganta já não dava mais trégua. E as lágrimas, silenciosas até então, começaram a escapar devagar. Uma. Duas. Depois tantas que o rosto já estava encharcado.
O telefone vibrou. Carol de novo.
Ela atendeu sem dizer nada. Só fungou.
— Valen?
Silêncio.
— Valentina, fala comigo, por favor.
Mais um fungado.
E então, a voz fraca, quase infantil:
— Ela gosta daquela mulher... não gosta?
— Não! Poxa, Valen, eu... eu só falei aquilo brincando, juro. Foi só um vídeo, sabe como é a internet, as pessoas inventam coisa, editam tudo...
— Mas e se não for? E se não for invenção nenhuma? — ela chorava sem se conter agora, a voz embargada, cheia de medo. — E se for verdade?
Do outro lado, Carol ficou em silêncio por um instante.
— Valen, eu sinto muito. Eu devia ter ficado quieta. Eu achei que... sei lá, que você ia rir. Que ia ver que isso tudo era só besteira.
— Não é besteira pra mim — ela sussurrou. — Não é.
A amiga suspirou, pesada.
— Eu sei... eu sei. Desculpa, tá? Eu fui uma idiota.
Valentina tentava respirar, mas o peito ardia. Tinha algo nela que parecia quebrar, como se o coração não fosse feito de carne, mas de vidro fino, frágil demais pra lidar com tanta coisa de uma vez.
— Eu não devia sentir isso, Carol... não devia.
— Ei, me escuta. Você tá ouvindo?
— Tô.
— Você não tem culpa de sentir. Não mesmo. E eu tô aqui. A gente vai passar por isso, tá?
Valentina ficou em silêncio. As lágrimas já não desciam com tanta força, mas o rosto molhado e os olhos inchados deixavam claro o estrago.
Ela olhou pro teto, tentando pensar em outra coisa, qualquer coisa.
Mas era sempre o mesmo nome.
Verena.
Mesmo com todo o medo. Mesmo com a confusão.
Era sempre ela.
— E se ela descobrir?
— Ela quem?
— A Verena. Se ela souber o que eu sinto... o que eu tô sentindo agora.
Carol demorou pra responder. E quando respondeu, foi com a voz mais calma do mundo.
— Talvez ela já saiba.
Valentina fechou os olhos, apertando mais forte o travesseiro contra o peito.
E chorou de novo.
Mas dessa vez... não era só tristeza.
Era medo.
Era desejo.
Era a impossibilidade de um amor que queimava mais do que qualquer pecado que já tivessem ensinado a ela a temer.
Apartamento de Verena e Silvia — Quarta-feira, 20h46
A porta bateu com um estalo abafado. Verena empurrou-a com o ombro, as mãos ocupadas com a pasta de couro já meio amassada. O blazer foi o primeiro a voar sobre o encosto do sofá. Os sapatos, chutados com precisão cirúrgica pra debaixo da mesinha de centro. O celular, por enquanto, esquecido no bolso traseiro da calça.
Ela percebeu a luz da cozinha acesa. Silvia já estava em casa.
Respirou fundo. Uma, duas vezes. Sabia que ia ser uma noite longa.
Andou em passos lentos pelo corredor. A camisa social ainda abotoada até a altura do sutiã, estava amarrotada. O cabelo preso de qualquer jeito denunciava o cansaço, mas também a pressa de quem tentava se recompor antes de atravessar a porta e encarar a própria esposa.
Silvia estava de costas, colocando a chaleira no fogo. Não era um movimento casual. Era meticulosamente calculado. O cabelo ainda preso num coque elegante. A blusa branca de tecido leve, justa nas costas. A calça de alfaiataria impecável, como se tivesse acabado de sair do tribunal.
— Chegou cedo hoje — Verena arriscou, apoiando-se na bancada da cozinha.
Silvia não respondeu. Abriu o armário com calma. Pegou o chá de camomila. Rasgou o sachê. Tudo em silêncio.
Verena cruzou os braços, desconfortável.
— Sil, olha... — a voz saiu menos firme do que ela queria. — Eu sei que você viu.
— Vi — foi tudo o que Silvia disse, ainda de costas.
A chaleira começou a chiar, como um aviso. Ou um prenúncio.
Verena respirou fundo.
— Sil… — a voz de Verena saiu baixa, quase uma súplica.
Silvia não respondeu. Só encostou a colherzinha de prata no pires. O gesto mais delicado do mundo. O mais afiado também.
— Eu sei o que tão falando. — Verena se aproximou um passo. — Eu vi as postagens. O circo todo.
Silêncio.
Silvia continuava ali, estática. As costas eretas, a postura de quem aguentou o dia todo sorrindo por fora e rangendo os dentes por dentro.
— Você… retribuiu?
Verena piscou.
— Sil…
— Só responde. Você retribuiu?
A respiração de Verena pesou no peito. Não houve escândalo, nem tom elevado. Mas a dor era quase física, pendurada naquela pergunta simples, mas pesada.
— Eu fui simpática. Firme. Mas não… não passou disso.
A outra mulher se virou, finalmente. Os olhos não estavam vermelhos. Nem marejados. Estavam frios. E isso doía mais. Verena mordeu a parte interna da bochecha.
— Simpática, Verena?
Silvia sorriu. Mas não era um sorriso doce. Era um desses que cortam.
— Porque pra mim, soou como flerte. Pra internet inteira também. — Silvia deu uma risada breve. Sem humor. — “Nova queridinha do progressismo dá show em entrevista e clima esquenta entre ela e jornalista famosa”.
— Então agora é isso? Você vai acreditar em manchete de site de fofoca?
— Eu acredito no que leio. E no que vi. Não preciso de site de fofoca porque eu vi Verena.
Verena se calou.
Tentou se aproximar, mas Silvia recuou um passo. A chaleira apitou de vez. Ela desligou o fogo e virou a água sobre a xícara. Com calma. Sempre com calma. A tensão morava exatamente ali: na elegância com que Silvia servia o próprio desprezo.
— Eu não tô dormindo com ninguém, Silvia. — A voz de Verena subiu um tom. — Eu não traí você.
— Não com o corpo. — Silvia deu de ombros. — Mas com o ego? Com a vaidade? Com a necessidade insaciável de se sentir desejada?
Silêncio.
Verena abaixou os olhos.
— Eu só... — passou a mão no rosto, cansada. — Você não faz ideia da pressão que eu tô enfrentando esses dias. A coletiva, o Carmona, a entrevista...
— E mesmo assim arrumou tempo pra dar corda pra uma mulher que você sabe que flertou com você.
— Eu não dei corda!
— E como chama então? Responder em tom dúbio pra alguém que você SABE que tá jogando charme?
Verena deu um tapa leve na bancada.
— Eu não sou idiota, Silvia. E você também não é.
— Então me respeita como tal.
Silêncio. O único som era o do chá sendo mexido.
— Silvia...
— Eu passei o dia inteiro tentando não chorar no banheiro do meu próprio escritório. Tentando achar alguma desculpa pra não me sentir... humilhada.
A lágrima desceu. Sozinha. Lenta. E Silvia, como se não percebesse, nem tentou limpar.
— Você sabe o que mais me dói?
Verena balançou a cabeça, engolindo seco.
— Saber que, mesmo depois de tudo o que eu fiz por você... eu ainda sou quem fica. Quem perdoa. Quem espera que você escolha ficar também.
Foi a vez de Verena recuar. Deu um passo pra trás, como se as palavras tivessem empurrado seu peito.
— Você acha que eu faria isso com você? De propósito?
— Não. — Silvia engoliu seco. — E é isso que dói mais. Porque você não faz por mal, Verena. Você faz... porque gosta.
— Gosto de quê?
— De ser desejada. Admirada. De saber que pode. De estar no controle. De provocar.
As palavras foram ditas com doçura. Uma doçura que doía. E a mão de Silvia tremeu levemente, ainda segurando a xícara.
— Eu não te traí.
— Não. — Silvia concordou. — Você só deixou o mundo inteiro achar que sim. E me deixou sozinha pra lidar com isso.
Agora Verena sentia o gosto da própria culpa na boca. Amargo, denso, do tipo que não some nem com três copos de vinho.
— Me desculpa. — Ela sussurrou, se aproximando de leve. — Eu juro que não percebi. Eu...
Silvia recuou um pouco, mas não se afastou completamente.
— A pior parte? — Ela levantou o rosto, os olhos agora marejados, mas ainda firmes. — É que todo mundo viu. Todo mundo comentou. Todo mundo... shippou. E eu? Eu virei a mulher velha. A que não tem mais graça. A que perdeu.
Verena quase perdeu o ar. Esticou a mão, com medo de ser rechaçada. Mas tocou levemente o braço da esposa.
— Você é o amor da minha vida. — disse com voz falha.
Silvia piscou, devagar. A respiração trêmula.
— E mesmo assim... você olhou pra ela como quem esqueceu disso.
O silêncio caiu entre as duas como uma toalha molhada sobre o chão frio.
Verena baixou os olhos. A mão ainda repousando no braço de Silvia, como se aquele toque fosse a única âncora possível entre elas. Mas a outra não correspondeu. Só ficou ali, firme, com as lágrimas agora escorrendo em silêncio.
— Eu tô cansada, Verena. — Silvia disse, por fim. — E eu não tenho força pra te consolar quando sou eu quem tá ferida.
Ela se soltou delicadamente. Deixou a xícara na pia. E caminhou até o quarto.
A porta fechou com um clique leve. Mas o som ecoou dentro de Verena como um trovão. Ela encostou as costas na parede da cozinha e deixou o corpo escorregar até o chão. Sem blazer. Sem sapatos. Sem defesa.
Ela tinha vencido o dia na tribuna. Mas perdera a mulher que mais amava no corredor da própria casa.
Quarto do casal — Quarta, 21h04
Silvia trancou a porta com um giro suave. Não porque estivesse com medo de Verena entrar. Mas porque, naquele momento, precisava de um lugar onde o mundo não coubesse.
Tirou os brincos primeiro, como quem desmonta um personagem. Depois a blusa, que caiu sobre a poltrona do canto, e o sutiã, que largou na beirada da cama como se o próprio corpo não suportasse mais o aperto.
Sentou-se devagar. As mãos no colo, trêmulas.
Por segundos longos, apenas respirou.
Mas o silêncio... aquele silêncio do quarto escuro, das luzes baixas da cidade entrando pela janela, da vida lá fora andando como se nada tivesse acontecido... foi cruel demais.
E então veio. Sem aviso.
O choro.
Forte. Brutal.
Silvia se curvou sobre os joelhos, os ombros sacudindo com os soluços. O som abafado por entre as mãos que cobriam o rosto, como se isso pudesse conter o que escapava pelos olhos — pelas entranhas, na verdade. Aquilo não era só lágrima. Era desespero.
Era o tipo de choro que ela não dava desde os doze anos, quando achou eu os pais se separariam após uma briga intensa.
O tipo de choro que ela achava que nunca mais sentiria... até agora.
As palavras saíram em sussurros entrecortados, como se falasse com alguém. Como se falasse com Deus.
— Me perdoa... se eu fiz alguma coisa errada... me perdoa, Pai... mas eu tô cansada...
Ela respirou fundo, em meio ao descompasso, o peito arfando.
— Tô cansada de amar e ser deixada pra depois. De lutar por algo que só existe dentro de mim... de fazer de tudo e ainda assim sentir que nunca é suficiente.
As imagens vinham como facadas.
A casa com jardim. O quarto com um berço. O domingo de sol com brinquedos espalhados pela grama. Os jantares de quarta com comida demais, porque uma criança sempre pedia repeteco. O álbum de fotos no aniversário de quinze anos de alguém que ainda não tinha nascido.
Tudo aquilo.
Tudo o que ela sempre quis.
Tudo o que sentia escorrer pelos dedos, como areia molhada.
Silvia levou a mão ao ventre, instintivamente, como quem busca consolo num desejo antigo e ainda não realizado. E murmurou, entre lágrimas:
— Eu só queria uma família... só isso...
Ficou ali, encolhida no próprio corpo. Como se tentasse caber dentro do que restava dela mesma. O lençol amassado sob as coxas, o travesseiro apertado entre os braços. O gosto salgado na boca. A sensação de que tudo o que havia construído estava desmoronando, não por falta de amor — mas por excesso de dor.
E no meio disso tudo, a pergunta que mais doía:
“Em que momento eu deixei de ser suficiente?”
Mas não havia resposta.
A única coisa que ecoava era o som abafado dos próprios soluços, naquele quarto escuro onde os sonhos agora pareciam apenas sombras longas, silenciosas e frias.
Apartamento Castilho Alencar — Corredor do quarto — Quarta, 21h35
O corredor estava escuro, exceto pela luz fraca que escapava sob a porta fechada. Verena parou ali, sem saber ao certo o que pretendia. Trazia agora o blazer pendurado no antebraço e o sapato de salto na outra mão. Os cabelos levemente bagunçados pela pressa e pelos últimos minutos no trânsito.
Encostou a testa na parede gelada. Respirou fundo. Do outro lado, os sons já não podiam mais ser ignorados.
Não eram palavras. Ao menos, não que ela pudesse entender.
Eram soluços.
Primeiro espaçados, abafados. Depois, uma espécie de lamento baixo, como se Silvia tentasse conter o próprio corpo — sem sucesso. Verena fechou os olhos, o peito contraindo. Aquela era a mulher mais doce, mais íntegra, mais leal que já cruzara seu caminho. E ali estava ela. Chorando. Sozinha.
Tudo por sua culpa.
A mão escorregou pela parede. Ela se abaixou lentamente, até encostar as costas na madeira branca da porta. O blazer caiu ao lado. O sapato, esquecido entre os pés.
Não tentou bater. Não tentou chamar. Porque sabia que o silêncio era o único gesto de respeito que podia oferecer naquele momento.
Do quarto, ouviu-se um novo soluço — mais agudo, mais desesperado. Verena levou a mão ao rosto. Passou os dedos pelos olhos, mas não havia lágrima ainda. Apenas aquela dor antiga, funda, que fazia os ossos tremerem de dentro pra fora.
Aquela mulher ali... era o que restava do seu lar.
E ela havia rasgado tudo com o próprio orgulho.
Ficou ali, sem se mexer, por longos minutos. O corredor parecia apertar a cada novo som que vinha de dentro do quarto. O mundo lá fora podia estar em chamas, hashtags subindo, jornalistas esperando posicionamento, mas nada se comparava àquela dor que atravessava a porta. Nenhum escândalo era maior do que o silêncio de Silvia.
Por fim, Verena se levantou devagar. Pegou o blazer do chão. Recolheu o sapato. Voltou pelo corredor com passos leves, como se o chão pudesse denunciar sua presença.
Não era covardia.
Era amor. Misturado a vergonha. E o reconhecimento amargo de que tinha ultrapassado um limite que talvez não tivesse volta.
Na sala, sentou-se no sofá sem acender a luz. Tirou o brinco da orelha, apoiou o celular sobre a mesinha de centro. Os olhos fixos na parede à frente, mas sem enxergar.
Ela não conseguia ouvir Silvia dizer o que sentia.
Mas bastava escutar o som do choro pra saber que tinha machucado quem menos merecia. E naquele silêncio escuro... Verena Castilho, pela primeira vez em muito tempo, não sabia o que fazer.
Flashback — Apartamento antigo, Vila Mariana — Quarto recém-mobiliado — Sexta, 21h52
A janela ainda não tinha cortinas. O ar entrava leve, com o cheiro da noite misturado ao da tinta fresca das paredes. Um apartamento pequeno, dois cômodos, mas era delas. E naquela noite, era o suficiente para parecer o mundo inteiro.
Silvia ria, o corpo enrolado em lençóis brancos que ainda cheiravam a novo. Os cabelos soltos sobre o travesseiro, iluminados pelo abajur de canto. Verena, sentada na beira da cama, vestia apenas uma camiseta surrada do início da faculdade, as pernas cruzadas, um copo d’água na mão.
— Você viu a cara da sua mãe quando a gente disse que ia morar juntas? — Silvia riu, um riso puro, inocente.
— Eu quase achei que ela ia desmaiar. — Silvia sorriu ainda mais, jogando uma almofada na esposa. — E a sua avó então… achou que era pecado até a gente dividir escova de dente.
— Que é mesmo. — Verena ergueu a sobrancelha, fingindo indignação. — Tá achando que só porque é minha futura esposa tem acesso vitalício à minha Oral-B?
— Já é patrimônio comum, amor. Vai ser comunhão total de bens. — E Verena inclinou-se, mordendo de leve o ombro de Silvia, que se encolheu entre risos abafados.
Elas se olharam ali, naquele instante. Longo. Quieto. Como se o tempo tivesse parado pra admirar também.
Silvia passou os dedos no rosto da noiva. Suave. Certa.
— Você tem ideia de quantas vezes eu pedi isso pra Deus?
— O quê? — Verena perguntou baixinho.
— Uma casa com você.
O silêncio entre elas se encheu de significado.
— Um canto qualquer. Onde a gente não precisasse esconder que se ama. Onde ninguém dissesse que é errado, ou fase, ou falta de vergonha.
Verena não respondeu de imediato. Apenas encostou a testa na dela, como se quisesse selar aquele momento com a pele.
— A gente vai ser feliz aqui, Sil. De verdade.
— Promete?
— Com todas as letras.
— Jura?
— Juro. — Ela beijou a ponta do nariz da noiva. — Vai ter café da manhã bagunçado, roupa molhada em cima da cama, discussão por causa de série. Vai ter rotina, paciência, e você me obrigando a tirar o sapato na porta. Vai ter tudo. Mas acima de tudo… vai ter você.
E o riso voltou entre elas. Leve. Quase infantil. Um amor nascendo ali — sem maquiagem, sem testemunhas, sem plateia.
Silvia puxou Verena para deitar. As pernas entrelaçadas, os corpos ainda quentes do toque, mas calmos. Seguros.
E antes de dormir, Verena murmurou, já com a voz embargada:
— Você é meu lar.
E Silvia, com um sorriso de menina que acreditava em amor pra sempre, respondeu:
— Então cuida bem dele.
Sala da Liderança do Partido – Alesp – Quinta, 14h03
O ambiente já dizia tudo.
Poltronas de couro, ar-condicionado em temperatura glacial e nenhuma planta. A luz indireta dava o tom certo entre "executivo" e "claustrofóbico". O espaço não tinha quadros, nem memórias: só poder concentrado em móveis de madeira escura. Verena entrou com a cabeça erguida, blazer grafite escuro, cabelos soltos, os olhos ocultando qualquer sinal de sono ou ressaca. Márcio, de pé junto à máquina de café italiana, virou-se devagar, como se estivesse a meio caminho entre a diplomacia e a exaustão.
— Verena. — disse, como quem entrega um laudo. — Que prazer... sempre em circunstâncias tão instáveis.
Ela sorriu, forçando a educação.
— Que bom que mantemos o charme mesmo nos desastres. O partido é sempre tão acolhedor.
— Acolhedor, sim. Tolerante... até certo ponto.
Ela se sentou sem ser convidada. Márcio também.
— Vamos economizar tempo, Márcio. Se for sobre o vídeo da entrevista, já recebi os memes no WhatsApp.
— Não, Verena. O vídeo da entrevista é só a sobremesa. O prato principal é outro. Ou melhor: vários.
Ele puxou um tablet e o colocou entre eles, girado na direção dela.
Na tela, um clipping de notícias, manchetes em negrito.
“Deputada se envolve em confusão com colega e abandona plenário”
“Deputada Castilho se envolve em nova polêmica com jornalista da Folha”
“Internautas shippam Verena e repórter: ‘Climão no ar’”
“Gabinete da deputada investigado por falhas em programa de estágio”
Márcio apenas levantou o olhar, pausado.
— Eu posso continuar, se quiser. Tem mais vinte e três.
— Dramático. — ela soltou, quase num suspiro.
— Não, Verena. Isso aqui é institucional. Isso é o nome do partido sangrando em praça pública. Isso é você virando pauta antes mesmo do café ficar pronto. E tudo isso... num mandato que nem chegou à metade.
— Márcio, por favor. Desde quando a imprensa não me persegue? Desde o primeiro discurso eu virei alvo.
— Uma coisa é ser combatida por posicionamento. Outra é ser alvo de fofoca, suspeita e piadinha. E desculpa te lembrar, mas essa estagiária, que saiu assim, de repente — ele baixou o tom — tem gente dizendo que você tem alguma responsabilidade nisso.
— Eu não fiz absolutamente nada fora dos protocolos. — a voz dela endureceu — E quem espalha isso vai ter que provar.
— Ótimo. Então prove. E rápido. Porque enquanto você perde tempo trocando farpas com deputado histérico no corredor e flertando com jornalista no ar, o jurídico do partido tá fazendo hora extra tentando apagar incêndio atrás de incêndio.
Verena descruzou as pernas e se inclinou levemente à frente.
— Você quer que eu vire uma planta? Uma deputada de moldura? Um robô que vota e volta pra casa com a pasta embaixo do braço?
— Eu quero que você pare de transformar cada semana em um episódio novo. Nós não somos série da Netflix, Verena. Somos um partido de base consolidada, com articulação nacional, e precisamos de estabilidade.
— Estabilidade, ou docilidade?
Márcio respirou fundo, controlando o tom.
— Você é boa. Inteligente, articulada, poderosa. Mas também é impulsiva, autossuficiente ao ponto da teimosia e com uma capacidade invejável de se isolar quando deveria construir. E o pior: você confunde transparência com exibicionismo.
Verena sorriu. Um sorriso que gelava mais do que o ar-condicionado.
— Engraçado. Dizem o mesmo sobre você... mas com menos vírgulas.
— Não brinca comigo. — ele advertiu, seco.
— Não me subestime. — ela devolveu, no mesmo tom.
Permaneceram em silêncio por um segundo longo demais.
— O partido tá em crise. A base quer contenção. E a cúpula quer resultado. Tá difícil defender você em reunião de bancada, Verena. Você virou pauta de corredor. Isso é o começo do fim, e você sabe.
Ela segurou o queixo com a mão, os dedos tamborilando levemente no rosto.
— Querem que eu peça desculpa por ser quem eu sou? Por ser mulher, lésbica e não andar encolhida?
— Queremos que você seja estratégica. Não um incêndio ambulante.
Verena se inclinou um pouco, o olhar firme, a voz controlada.
— Eu nunca vesti essa camisa pra agradar chefe de partido. Vesti pra defender quem tá na ponta. Pra dar voz a quem nunca é ouvido. E se isso incomoda vocês... — ela apontou com a cabeça para as manchetes — então talvez o partido precise mais de mim do que eu dele.
Márcio sorriu pela primeira vez. Mas não era um sorriso bom.
— Bonita frase. Vai ficar ótima no post de despedida do mandato, se continuar nessa toada.
Continuou, dessa vez sério. Frio.
— Vou ser direto. — ele disse, enfim — Você precisa pisar no freio. E não é um pedido.
— Vai me dar um gancho?
— Vai se dar, se continuar assim. Estou tentando evitar. Mas se preferir cair de pé, o chão já está preparado.
Ela se levantou. Ajustou o blazer com um gesto rápido e elegante.
— A diferença entre mim e os outros é que eu não tenho medo do chão. Mas cuidado, Márcio: quando eu me levanto, costuma tremer.
Virou as costas e saiu, deixando o som de seus saltos como trilha para a tensão. Márcio apenas girou a cadeira para encarar a janela. O celular vibrou. Ele olhou a tela: Comissão de Ética — Reunião extraordinária, sexta, 8h30.
Murmurou para si mesmo:
— Isso vai dar trabalho...
Apenas pegou o telefone, discou rápido e disse, seco:
— Liga pro jurídico. E deixa de sobreaviso o pessoal da comunicação.
Corredor da Liderança — Alesp — Quinta, 14h50
As portas de madeira pesada da sala da liderança se abriram num estalo seco. Verena saiu com a mesma compostura de quando entrou, mas o brilho dos olhos e a rigidez do maxilar denunciavam o estrago.
Ela passou direto, sem falar com ninguém, mas não chegou a dar cinco passos antes de ouvir:
— Você não fez isso...
Rafaela.
Estava encostada na parede oposta, com os braços cruzados e a postura de quem já tinha lido a ata do desastre antes mesmo de ele acontecer. Tinha a elegância simples de quem sabia que não adiantava correr atrás do tempo: só prever os próximos danos.
Verena parou. Ainda de costas.
— Fiz o quê? Apenas sobrevivi à Inquisição 2025?
Rafa se aproximou, devagar, sem perder a firmeza. O salto médio estalando sobre o piso encerado.
— Sobreviveu como um raio numa sala de gás, né. Verena... — ela se aproximou mais, o tom baixando, íntimo — o que você disse pra ele?
— Nada que já não estivesse entalado na garganta dele. Só adiantei o serviço.
— Você não consegue simplesmente... recuar, né? Não sabe o que é ceder dois centímetros pra salvar dois metros?
Verena a encarou, com aquele olhar de quem podia destruir e amar na mesma frase.
— E você queria o quê? Que eu sorrisse, pedisse desculpas, e aceitasse um atestado de culpa com um diagnóstico de "emotiva crônica"?
— Eu queria que você usasse sua genialidade pra fazer política, não pra fabricar crises em série.
Verena passou a mão no cabelo, soltando o coque com irritação.
— Ele falou da Valentina... como se fosse minha culpa.
— Eu tenho quase certeza que ele não te acusou. Mas sabe como funciona. É você quem assina o programa. É você o nome. E quando tem fumaça, mesmo sem fogo... a fuligem te alcança.
— Ele falou da Lilian também.
— E ele tá errado?
Verena não respondeu.
Rafa suspirou, olhando em volta antes de voltar os olhos pra ela.
— Olha... eu te conheço. Eu sei que você aguenta porr*da. Mas você não tá aguentando a si mesma, Verena. Você tá num torvelinho que a qualquer momento vira vendaval.
— Então fecha as janelas.
— Não. — disse Rafa, firme — Eu te ajudo a ventilar. Mas não vou fingir que não tá tudo ruindo. Porque se você cair... não sobra nem a moldura.
Verena encostou na parede, exausta. Pela primeira vez, baixou o olhar.
— Eu não sei o que tá acontecendo comigo, Rafa...
— Você tá sentindo.
— Sentir não devia me fazer querer desaparecer da própria vida.
Rafaela se aproximou e colocou a mão no ombro da amiga, num gesto rápido, quase maternal. Mas com autoridade.
— Então encara. Antes que o partido te enterre de pé.
Verena assentiu, em silêncio. As duas permaneceram ali, num corredor institucional, sob luz fria e paredes cheias de segredos.
Mas nem os mármores da Alesp conseguiriam abafar o que estava prestes a vir.
Transferência Completa — Quinta, 18h12 — Escritório de Advocacia fictício no Centro
A tela do computador piscou.
Transferência realizada com sucesso. R$ 1.780.000,00.
Origem: Instituto São Damião.
Destino: Movimento Cidadania e Progresso Sustentável, uma ONG registrada em nome de uma senhora de 68 anos, aposentada, residente em Votuporanga, interior de São Paulo — que, claro, nunca tinha ouvido falar de qualquer projeto social.
Do outro lado da tela, o responsável pela operação soltou um meio sorriso. O escritório parecia um escritório qualquer: paredes brancas, persianas limpas, móveis padronizados. Mas ali, a especialidade não era direito civil. Era engenharia jurídica de desvio.
— Confere — disse o advogado, digitando rápido num chat privado.
Do outro lado, um contato anônimo respondeu com um simples:
👍 Confirmado. Agora fraciona.
E assim foi feito.
A conta da ONG recebia, e em seguida, o dinheiro era dividido em pequenas transferências para outras quatro empresas "prestadoras de serviço": três MEIs registrados no nome de laranjas — uma manicure, um motorista de app e uma recepcionista — e uma empresa de marketing digital criada no Rio de Janeiro, que já havia prestado serviços fictícios para outras campanhas políticas no passado.
Na planilha com nome de “projeto_orla_03.xlsx”, tudo batia. Havia orçamentos assinados, notas fiscais frias, contratos digitalizados e, claro, um relatório final de execução do suposto “Programa de Inserção Digital para Jovens do Entorno da Zona Leste”.
Mais de 300 jovens impactados. Zero presença real.
Transferência Interna — Quinta, 18h49 — Gabinete Verena Castilho
Na tela do notebook de Rafaela, a planilha atualizava em tempo real. A última aba, protegida por senha, exibia os lançamentos mais recentes:
"Instituto São Damião > ONG Laranja > Prestadoras > Camadas 1 e 2".
Camada 1:
Três MEIs usados para pulverização.
Camada 2:
CNPJ de uma empresa de marketing digital localizada na capital carioca, especializada em projetos de captação via campanhas parlamentares. Oficialmente, era de um sócio da prima do motorista da assessoria da Rafaela.
Na prática? Era delas.
Foi para essa empresa que caiu o maior valor: R$ 312 mil líquidos, na tarde daquela terça.
No celular de Verena, uma notificação de push piscou no canto da tela:
Santander PJ: Crédito R$ 156.000,00 - Motivo: Pagamento de consultoria / Fatura 0083B
— Caiu. — murmurou Rafaela, sem levantar os olhos.
Ela girou a cadeira devagar, encostando a nuca no encosto. Fechou os olhos.
Respirou fundo.
Sentia o peso daquele dinheiro entrar na conta como se fosse chumbo nos ombros. Era muito. Rápido demais. Invisível demais. E ironicamente... fácil demais.
Verena, com o blazer jogado no encosto da poltrona, soltou um suspiro sem saber se aquilo era um alívio ou mais um problema.
— Ótimo. Porque se não tivesse caído, eu surtava. — respondeu, amarga. Pegou a taça de água como se fosse whisky.
Rafaela sorriu de canto, digitando mais alguns comandos.
— Entrou tudo como previsto. As consultorias receberam, os MEI’s pulverizaram. E o financeiro da ONG já mandou o print. Até o carimbo do contador tá no esquema. Quer ver?
— Não. — Verena cortou, seca.
Rafaela afastou o notebook na mesa e suspirou, apoiando as mãos nos quadris.
— Eu sei que o timing tá uma merd*. Mas a operação tá redonda, Vê. A Controladoria ainda tá olhando pro lado errado, e o Jurídico acha que o caso da estagiária é o maior problema. Eles nem sonham.
Verena não respondeu. Estava com o celular na mão, mas agora, olhando o contato da esposa no topo das mensagens.
Uma foto delas em Campos do Jordão, anos atrás. Era o fundo da conversa.
Silvia ainda acreditava nela.
Acreditava que o mandato era uma missão. Que Verena era uma política rara. Que não cedia. Que não se vendia. Que estava ali pelo povo.
— Eu sou uma fraude, Rafa. — disse de repente, a voz seca. — E ela me ama como se eu fosse o último resquício de dignidade dessa república.
Rafaela franziu o cenho. Depois riu.
— Não é? — provocou. — A diferença é que sua dignidade agora vale meio milhão por trimestre. E ainda sobra pra campanha do ano que vem.
Verena lançou um olhar fulminante, mas não respondeu. Engoliu em seco e após alguns segundos de silêncio, jogou o celular na mesa com mais força do que deveria. O barulho ecoou pelo gabinete silencioso.
— Fecha tudo. — disse à Rafaela. — Nada de deixar rastros. Nem nas conversas. Nem nas planilhas. Nada. Nem em pensamento.
Rafaela não respondeu de imediato. Estava com a expressão séria, mas havia algo mais. Um pesar, talvez. Um medo mal disfarçado do quanto Verena ainda aguentaria manter essa estrutura em pé.
— Você acha mesmo que dá pra segurar os dois mundos? — murmurou, de novo.
Verena soltou uma risada fraca. Quase um suspiro.
— Acho que não. Mas... — fez uma pausa, pegando o blazer de volta. — Enquanto ela ainda acredita que eu sou aquela mulher que não mente, que não trai, que não se vende… eu preciso, pelo menos, tentar parecer.
Deu dois passos até a porta.
A mão na maçaneta.
— E se ela deixar de acreditar? — Rafaela arriscou.
Verena parou. Mas não respondeu.
Saiu.
O som do salto ecoou no corredor.
Mas o que ela ouvia, mesmo, era o silêncio que a esperava em casa.
Escola Estadual Professor Luiz Roberto Pinheiro — Sala do 2º C - Sexta-feira, 9h14
A lousa ainda exibia um mapa torto do Brasil desenhado com giz azul, herança da aula de geografia da primeira aula. O ventilador velho, girava preguiçosamente no teto, fazendo um barulho irritante, mas constante. Na última fileira, Valentina ajeitava o caderno no colo, o olhar vagando entre a janela e a mesa da professora Luciana.
Carol, sentada ao lado, estalava o chiclete de hortelã como quem marca território no silêncio da manhã.
Foi então que a porta abriu devagar, e a diretora Sônia apareceu. Ela estava como sempre: vestido reto, sapato confortável e aquele semblante entre firme e gentil. Trazia um papel dobrado na mão e o costumeiro tom de voz que fazia a turma inteira se endireitar, mesmo sem querer.
— Bom dia, turma.
A sala respondeu com um “bom dia” meio arrastado, mas respeitoso. Valentina ergueu os olhos com curiosidade discreta. Carol, de repente, parou de mascar o chiclete.
Sônia entrou por completo, caminhando até o centro da sala.
— Passei só pra avisar que, na semana que vem, começamos a nossa Semana da Juventude e Cidadania, tá? Vamos ter atividades diferentes todos os dias: debates, apresentações culturais, oficina de cartaz, roda de conversa com convidados... e, claro, a nossa gincana solidária entre as turmas.
Alguns alunos se animaram. Outros já reviravam os olhos. Mas a palavra gincana sempre acendia algo no 2º C — a turma costumava ser competitiva.
— As tarefas vão contar ponto. Arrecadação de alimentos, organização de barraca, presença nas atividades, tudo. E a turma vencedora vai ganhar um passeio no fim do semestre. — Sônia sorriu, meio cúmplice. — E se tudo der certo, a gente consegue arrecadar um bom valor pra apoiar vocês na organização da formatura do ano que vem.
Carol se virou imediatamente pra Valentina, os olhos acesos.
— Valen… se tiver apresentação musical, você canta, hein. Você canta tão bem. A gente ganha fácil.
Valentina deu um sorriso de canto, meio tímido.
— Carol, não. Você sabe que eu tenho vergonha.
— Que nada. Eu vou colocar seu nome, hein.
Valentina só riu, corando.
—Para! Não vai nada.
Sônia entregou a folha com o cronograma nas mãos da professora e deu dois passos em direção à porta, mas antes virou-se de novo pra turma:
— Ah, e estamos tentando trazer uma convidada especial pra abertura! Talvez alguém da Alesp. Ex-aluna da rede pública. Vamos torcer pra dar certo... Não prometo, mas torçam aí.
Valentina gelou. O coração deu um pequeno sobressalto. Alesp?
Ela engoliu seco, mas fingiu distração, rabiscando a borda da folha do caderno.
A diretora se despediu com um aceno, e a sala logo voltou ao seu ritmo caótico, apesar dos pedidos frustrados da professora. Carol inclinou o corpo até quase encostar na amiga.
— Ai meu Deus… já pensou se a surpresa for quem eu tô pensando? Uma mulher...
Valentina fechou o caderno com mais força do que o necessário.
— Que mulher?
— A sua, ué. A deputada. Já pensou?
— Para, Carol. Nem começa. — respondeu rápido, mas o rubor já subia pelas bochechas.
— O mundo gira, viu. Vai que… — Carol piscou, debochada.
Valentina só abaixou a cabeça, o coração batendo mais rápido do que deveria. Carol só deu um leve toque no braço da amiga.
— Calma, tá? Vai ver nem é ela...
Valentina tentou sorrir, mas só conseguiu se ocupar em alinhar o caderno com a ponta da carteira. Mas o que não sabia, era que do outro lado da cidade, um ofício oficial com o nome do colégio e o carimbo da diretora já tinha sido protocolado na Alesp.
E era só questão de tempo até o nome “Professor Luiz Roberto Pinheiro” cair nas mãos da pessoa certa.
Ou errada.
ALESP — Gabinete Verena Castilho Sexta-feira — 11h02
O som das impressoras, telefones intercalados e passos apressados ecoava no corredor dos gabinetes parlamentares. Lá dentro, a luz branca refletia nos móveis de MDF escuro, e o ar-condicionado fazia o papel de espantar o calor e abafar as tensões que, naquela manhã, pareciam especialmente altas.
Rafaela estava sozinha em sua mesa, numa saleta ao lado do gabinete principal. O blazer pendurado na cadeira, a camisa social já com as mangas dobradas até o cotovelo. Os olhos cansados varriam a tela do monitor, cruzando dados de uma nova emenda quando ouviu um leve bater na porta.
— Tô entrando, hein, Rafa. — anunciou Fábio, o ex-estagiário, agora assessor recém contratado responsável pelo setor de correspondências, com uma pastinha parda em mãos. — Chegaram os ofícios da manhã. Tem um da Secretaria da Educação e outro... — ele hesitou — de uma escola estadual do Ipiranga.
Rafaela ergueu os olhos com lentidão.
— Do Ipiranga?
— Uhum. Quer que eu deixe na triagem ou você mesma vê?
Ela estendeu a mão, já com um prenúncio ruim no estômago.
Fábio entregou a pasta e saiu. O silêncio ficou. Só o leve ronronar do ar-condicionado preenchia o ambiente.
Rafaela apoiou o cotovelo na mesa, deslizou o elástico dos cabelos pro pulso e puxou o documento. O cabeçalho vinha timbrado:
"Escola Estadual Professor Luiz Roberto Pinheiro"
Diretoria de Ensino Sul 1 – Secretaria da Educação do Estado de São Paulo
O coração dela deu um pulo involuntário.
Era a escola da Valentina.
Ela segurou o papel como quem segura uma peça de evidência num tribunal. Leu rápido, os olhos treinados escaneando cada linha.
“Solicitamos, respeitosamente, apoio institucional da Deputada Estadual Verena Castilho para a abertura da nossa Semana da Juventude e Cidadania, que será realizada entre os dias 30 e 04 de julho. Caso possível, gostaríamos de contar com uma presença simbólica da parlamentar, ou mesmo uma fala breve motivacional aos nossos alunos do Ensino Médio…”
Rafaela largou o papel, encostando-se na cadeira. Respirou fundo. O nome “Valentina” não aparecia em lugar nenhum, mas aquilo… aquilo era um sinal. E não do tipo que dava pra ignorar.
Ela girou levemente na cadeira, encarando o quadro branco à sua frente, cheio de prazos, ações do mês, e pendências de gabinete. Tentou voltar o foco, mas o ofício parecia arder sobre a mesa.
A cabeça girava num dilema silencioso, cortante:
“Eu ignoro isso… e poupo a Verena. Ou entrego nas mãos dela e deixo o destino agir?”
Fechou os olhos por um segundo. Tentou racionalizar. Poderia muito bem mandar uma resposta-padrão, elegante, recusando por “incompatibilidade de agenda”. Ninguém se ofenderia. Ela mesma já tinha feito isso dezenas de vezes. Verena era conhecida por apoiar e participar de eventos do tipo, mas era difícil conciliar a programação, então a maioria eram recusados.
Mas por que aquele papel estava queimando na palma da mão?
Abriu a gaveta, tirou uma caneta preta. Riscou embaixo do ofício:
“Gabinete 312 — pendente de resposta.
Verena: decidir pessoalmente.”
Fechou a caneta com estalo seco.
Ela sabia exatamente o que estava fazendo.
Escola Estadual Prof. Luiz Roberto Pinheiro — Portão Principal - Sexta-feira — 12h11
Os portões estavam abertos, e a multidão dos segundos e terceiros anos já escapava em ondas barulhentas, vozes misturadas ao som do tráfego e do sino desafinado da escola. As mochilas penduradas num ombro só, o barulho das motos de aplicativo, as vozes altas, os fones divididos no volume máximo.
Valentina saía com o passo apertado, abraçando os próprios braços, como se estivesse protegendo algo precioso — ou perigoso — dentro do peito. O celular ainda estava escondido no bolso da calça jeans escura, mas era como se queimasse a pele.
O coração estava acelerado desde que a diretora havia passado na sala anunciando a tal Semana da Juventude e Cidadania. O nome já fazia as mãos suarem. E agora, na saída, tudo parecia ainda mais real. Ainda mais perigoso.
— Valen! — Carol surgiu do outro lado da grade, abanando o braço. — Aqui!
Ela atravessou rápido, desviando das duplas que se despediam aos gritos. O céu de meio dia era uma mistura de azul brilhante e manchas brancas das poucas nuvens. Calor abafado de asfalto e poluição. Sexta-feira com cara de semana longa.
— E aí, dona Moraes de Souza, pronta pra virar cidadã exemplar da República? — Carol chegou ao lado, com um pacote de biscoito na mão e o sarcasmo nos olhos.
Valentina bufou, os ombros encolhidos.
— Ai, Carol... por que justo agora?
— Agora o quê? Agora que existe a remota possibilidade da excelentíssima deputada pisar no seu colégio e ver você com uniforme de Educação Física e cabelo preso com piranha?
Valentina virou de lado, rindo de nervoso.
— Você acha que ela viria?
— Eu acho que se ela souber que você estuda aqui, ela aparece até disfarçada de merendeira.
— Paraaaa! — cobriu o rosto com a mão. — Você fala como se...
— Como se ela tivesse mandado um boa noite com emoji de lua e você tivesse ignorado por uma semana? — Carol ergueu as sobrancelhas.
Valentina fechou os olhos. O peso daquela notificação não respondida era maior que qualquer lição de matemática da semana. A mensagem continuava lá. Quieta. Cobrando uma resposta que ela não sabia dar.
— Eu não consegui responder... — murmurou. — Eu tentei. Abri. Fiquei olhando. Mas...
— Mas travou, né? Deputada toma toco gospel. É isso que vai sair na próxima edição do Diário Oficial.
— Ai, Carol, para com isso...
— Quê? Vai dizer que não deu mesmo um toco? Você tem noção do que é uma mulher tipo a Verena Castilho mandar boa noite e você deixar no vácuo?
Valentina se encolheu toda. Os olhos cheios de vergonha, ansiedade e... culpa. Era como se tivesse feito algo errado. Mas também era como se qualquer coisa que fizesse fosse errada.
— E se ela nunca mais mandar nada? — perguntou, num fio de voz. — E se ela achar que eu não quero?
— E você quer?
Silêncio.
Carol parou de andar. Estavam perto da banca de jornal fechada, o som dos carros ao fundo. O sol já começava a sumir entre os prédios.
— Valen, vamos fazer um teste.
— Que tipo de teste?
— Você movimenta seu Insta. Posta alguma coisa. Um story fofo, sei lá. Usa aquele filtro que você gosta, escreve qualquer coisa. “Voltando pra casa”, “Sexta-feira demorada”, qualquer frase de drama adolescente. Se ela olhar... você vai saber.
Valentina arregalou os olhos.
— Não... não, Carol. Isso é muito... muito...
— Arriscado?
— É.
— Então perfeito. Você vai mexer com a curiosidade dela. Vai fazer ela sair do salto.
Valentina abriu a mochila devagar, tirou o celular e olhou pra tela. O story da deputada já tinha sumido. As mãos suavam só de imaginar que ela ainda estivesse ali, do outro lado do celular, esperando alguma reação.
— Eu nem sei o que postar...
— Deixa comigo. — Carol tomou o celular da mão da amiga e já abriu a câmera frontal. — Vai, sorri.
— Carol, não! — Valentina tentou cobrir o rosto.
— Sorri, menina, ou eu vou escrever "apaixonada por deputada casada" no story.
Valentina riu, empurrando a amiga de leve, mas já se rendendo. O flash estourou de leve, e a imagem foi capturada: Valentina rindo, meio tímida, cabelo meio preso, com a rua da escola ao fundo.
Carol digitou devagar, com aquele sorrisinho que Valentina já temia.
“Início de tarde com cheiro de confusão 💫”
— Carol!
— Muito melhor que boa noite com lua. Agora é esperar.
Valentina pegou o celular de volta, o coração batendo tão rápido que ela mal conseguia respirar direito.
E ali, no meio da rua esburacada do Ipiranga, com cheiro de asfalto quente e sonho de padaria, ela se sentia prestes a explodir. Entre o medo de ser vista e a vontade desesperada de ser notada.
Restaurante “Il Grano” — Centro de São Paulo - Sexta-feira — 13h12
O restaurante era discreto, com mesas de madeira escura, guardanapos de pano e um menu executivo que mudava pouco, mas agradava. Funcionários da Alesp eram frequentadores fiéis, e Verena e Rafaela tinham até uma mesa cativa, nos fundos, perto da janela alta que deixava entrar uma luz branca e sem calor.
Rafaela já estava sentada, mexendo distraidamente no celular, quando Verena chegou. Trazia os cabelos presos num coque displicente, o paletó desabotoado, e os olhos escondidos por um par de óculos escuros finos demais pra esconder cansaço de verdade.
— Almoçou cedo ou não conseguiu sair da reunião? — Rafa perguntou, enquanto empurrava a carta de vinhos pra o lado.
Verena tirou os óculos e suspirou, jogando o corpo na cadeira.
— Se eu te contar, você jura que não levanta da mesa?
— Depende. Envolve sua esposa, a jornalista ou o jurídico da Alesp?
— Todas as anteriores. — pegou o cardápio, mas não leu. — Eu não durmo no meu quarto desde quarta. A Silvia ainda não olha na minha cara. E agora a Lilian resolveu flertar no direct.
— Oi?
—Ela mandou outra mensagem hoje. Ousada. Como se eu tivesse dado algum sinal.
— Mas você não deu?
Verena virou o cardápio com mais força do que o necessário.
— Não importa. O problema é que... tá tudo acumulando. A coletiva do Carmona ainda tá reverberando, a imprensa já inventou uma segunda amante, a Silvia não fala comigo, e agora o partido vai querer enfiar a bendita da “licença médica”. Tô começando a entender quem desvia verba. Paz de espírito deve ser caríssima.
Rafaela riu, nervosa. E abaixou os olhos, como quem esconde uma culpa. Verena percebeu.
— E você? Por que tá estranha? — perguntou, servindo-se de água.
— Estranha como?
— Rafaela, você tá me olhando como se eu fosse explodir. Eu explodi?
— Ainda não...
— Então fala. O que é?
— Nada. — sorriu, tentando naturalizar. — É só o seu caos diário que me deixa ansiosa.
Verena não respondeu. Pegou o celular enquanto o garçom se aproximava. Pediu o risoto de limão-siciliano sem olhar. E foi ali, no instante exato em que ia guardar o telefone, que a notificação brilhou.
Um story novo de @vemoraes.
Ela clicou.
A imagem apareceu devagar, como se a rede conspirasse com o destino. Valentina sorria. Meio tímida, meio cúmplice. Os cabelos presos de qualquer jeito, o uniforme da escola, a mochila atravessada no ombro. Atrás, o portão da escola e o céu lavado da sexta-feira. A legenda escrita num tom de ironia inocente:
“Início de tarde com cheiro de confusão 💫”
O mundo parou.
O risoto perdeu o gosto.
O estômago virou pó.
Verena encostou-se na cadeira. As pupilas dilataram por reflexo. O coração bateu no esterno como se pedisse licença. A respiração ficou rasa. Rasa demais.
— Verena? — Rafaela franziu a testa. — Você ficou branca.
Ela não respondeu. Só olhava a tela, como se tivesse visto um fantasma. Ou um milagre. A luz do celular refletia nas lentes dos óculos, dando um brilho pálido e quase febril.
Rafaela se inclinou sobre a mesa.
— Aconteceu alguma coisa?
Verena piscou devagar. Desbloqueou o celular. Tornou a abrir o story. Ficou olhando o sorriso da menina como quem vê o mar depois de um tempo no deserto.
— Ah, não... — Rafaela se empertigou. — É da Silvia?
Verena balançou a cabeça, ainda em transe.
— É a Lilian?
Outro não com a cabeça.
— Verena, pelo amor de Deus! Quem é?
Ela virou o celular com a tela voltada pra baixo, como quem tenta conter uma hemorragia.
— Ninguém.
— Ninguém que te faz ficar assim? Essa palavra não serve mais pra você.
Verena enfim respirou fundo. Encostou as costas na cadeira. Fechou os olhos. Depois abriu, encarando a amiga com um meio sorriso.
— Eu preciso tomar ar.
— Verena...
— Só um minutinho. — ela se levantou, pegando o celular. — Pede uma água com gás pra mim.
E saiu, sem olhar pra trás.
Rafaela ficou sozinha à mesa, o garçom chegando com a comanda e a garrafa de água.
Ela suspirou, recostando-se.
— Ou é amor... ou é um surto psicótico muito bem editado.
Restaurante “Il Grano” — Entrada lateral - Sexta-feira — 13h46
O ar ali fora era seco, abafado, com aquele cheiro ácido de escapamento e fritura de almoço. Verena se encostou na parede de azulejos brancos, logo ao lado da porta lateral do restaurante, onde os garçons faziam pausa pro cigarro. Ninguém por perto. Apenas ela e o som de carros ao longe.
Destravou o celular com o polegar e, de novo, abriu o story.
@vemoraes.
Valentina.
A imagem se abriu de novo, como uma pequena tortura: o uniforme azul claro, os cabelos caídos em mechas no rosto, a pele clara sob a luz do sol. Um sorriso que parecia fugir da câmera. Ou de si mesma.
“Início de tarde com cheiro de confusão 💫”
Verena encarou aquele sorriso como quem se debruça num abismo. O coração parecia ouvir outro ritmo. Um pouco mais lento. Um pouco mais mole. Seu dedo deslizou pelo visor até tocar o canto do rosto da menina.
Instintivo. Quase reverente.
Contornou a curva da bochecha, o desenho do nariz, o brilho no olho esquerdo que se destacava sob a luz.
Ridículo. Era ridículo.
Ela era uma deputada estadual. Tinha uma esposa. Uma vida pública. Uma reputação que escorregava por entre os dedos dia após dia.
E mesmo assim...
Mesmo assim ali estava ela, parada, em pé numa calçada do centro de São Paulo, tocando a tela de um celular como se fosse pele.
Tentou respirar fundo.
Mas o ar não entrava direito. E então veio a pergunta. Como um sopro venenoso.
Quem tirou essa foto?
Não parecia selfie. O ângulo era de quem olhava de longe. De quem admirava.
Será que era algum namoradinho?
Um colega?
Um desses moleques cheios de arroba e hormônio que passavam o dia pendurados na grade da escola?
O estômago dela virou.
Não de raiva.
De ciúmes.
Um ciúme tão infantil, tão primitivo, que Verena teve vontade de rir de si mesma. Ou de vomitar.
Era assim que terminava? Ela, que enfrentava Carmona, líderes partidários, jornalistas mal-intencionadas… Derretida por uma foto de adolescente?
Abaixou o celular e passou a mão no rosto. Estava quente.
Como se estivesse com febre. E então, ali mesmo, sem que ninguém visse, ela sussurrou:
— Que droga, Valentina...
Fechou os olhos. Tentou afastar. Desligar. Mas a imagem permanecia.
A luz no cabelo dela.
A curva do sorriso.
O cheiro de confusão.
Abriu o celular de novo. Ficou alguns segundos olhando. Depois, deslizou o dedo pra responder.
Mas não mandou.
Bloqueou a tela.
Guardou o celular no bolso da calça.
E ali ficou. Silenciosa, na entrada lateral do restaurante, parecendo parte do concreto, com o coração batendo como se tivesse doze anos de novo.
Quarto das Irmãs Moraes – Sexta-feira, 15h14
O calor da tarde atravessava a janela com cortina fina, riscando o chão de lajotas com listras de sol. No pequeno ventilador oscilante, apoiado numa cadeira perto da porta, a hélice gemia com dificuldade, lançando rajadas preguiçosas de vento. A cama de Valentina estava coberta de folhas: livro de biologia aberto na página sobre ecossistemas, caderno rabiscado com caneta rosa, o lápis com a ponta mascada. Mas o olhar dela… estava longe.
Ela tentava. Passava os olhos pelos parágrafos, grifava mecanicamente as palavras, rabiscava setas entre conceitos. Mas o conteúdo não se fixava. Era como se a cabeça tivesse sido invadida por um ruído de fundo constante, uma vibração persistente entre ansiedade e esperança.
O celular estava ao lado do livro, virado com a tela para cima. A cada segundo, Valentina desviava os olhos. Como se a qualquer momento fosse surgir ali a mensagem que ela queria. Ou temia.
Respirou fundo, tentando afastar os pensamentos. Puxou o livro mais pra perto e murmurou baixinho:
— Cadeia alimentar... consumidor secundário...
Mas a curiosidade a consumiu. Abriu a foto que postara de mais cedo. E então... Viu. A visualização.
Verena Castilho tinha visualizado seu story.
O coração bateu tão forte que ela precisou se sentar melhor. Piscou. Leu de novo, só pra ter certeza. Sim. Era real. Aquela mulher tinha visto sua foto.
Valentina levou a mão à boca, como se precisasse conter um grito. Sorriu. Mas foi um sorriso breve. Porque logo percebeu que… não havia curtida. Nem mensagem. Nada. Tudo isso ecoava agora como algo tolo, até ridículo. Ela não era assim. Não se expunha. Não provocava. Mas com Verena… com Verena era diferente. Tinha algo ali que fazia tudo parecer desgovernado.
— Ai, Deus… — sussurrou, deixando o celular de lado como se ele queimasse.
Queria apagar. Queria voltar no tempo e nunca ter postado aquilo. Mas também queria saber o que a deputada tinha pensado ao ver. Tinha gostado? Tinha rido? Estava decepcionada por ela não ter respondido o boa noite?
A culpa veio em ondas. Sentiu-se pequena. Imatura. Como se tivesse feito um papelão sem nem perceber. Encolheu os ombros, puxou o travesseiro e o abraçou forte. O rosto encostado no tecido morno.
— Ela deve estar com raiva… — murmurou.
A vontade de ligar pra Carol surgiu como um reflexo. Mas ela se conteve. Já sabia a resposta da amiga: “Ué, não tá apaixonada? Então assume”. Só que assumir... parecia tão impossível.
O livro de biologia seguia ali, aberto, ignorado.
A tarde avançava, lenta. Do quintal, vinham os sons abafados da mãe esfregando as roupas no tanque, cantando um louvor. E dentro do quarto, Valentina, com os olhos perdidos no teto, tentava entender o que doía mais: o medo de Verena não sentir nada… ou a certeza de que ela sentia.
E que, por isso mesmo, o silêncio doía tanto.
Gabinete 312 – Alesp – Sexta-feira, 17h32
O barulho dos papéis deslizando sobre a mesa, dos e-mails sendo lidos em velocidade absurda, do celular vibrando mais uma vez sem que Verena sequer olhasse. A luz do entardecer atravessava a cortina espessa do gabinete, jogando sombras elegantes sobre a mesa de madeira escura, quase como se o ambiente todo estivesse cansado também.
Ela estava ali. Impecável, mas exausta. O colarinho da camisa social começava a incomodar, o relógio pesava no pulso. E a cabeça... girava. As imagens de Silvia chorando no quarto ainda voltavam, insistentes. A ausência dela na cozinha naquela manhã. A mensagem não respondida. As palavras ditas com frieza. E o silêncio que veio depois.
Suspirou fundo, os olhos fixos no monitor com três janelas abertas. Duas planilhas. Um rascunho de discurso. E nenhuma concentração.
Então, entre os muitos papéis empilhados pela manhã, uma pasta azul-marinho repousava discretamente ao lado esquerdo. O post-it em letra fina: “Ofício recebido – Escola Estadual Prof. Luiz Roberto Pinheiro”.
Verena puxou a pasta por reflexo. Abriu.
Lá estava. Papel timbrado, linguagem formal, pedido direto: apoio institucional à “Semana da Juventude e Cidadania”. Sugestão de uma palestra. Ou, ao menos, presença simbólica. Ela folheou sem interesse. Aquilo era comum. Demais até. Chegavam ofícios assim toda semana. Escolas, ONGs, centros comunitários. E geralmente, a resposta era simples.
Virou a folha. Na parte inferior do documento, em caneta preta, a caligrafia clara de Rafaela:
"Gabinete 312 — pendente de resposta.
Verena: decidir pessoalmente."
Ela suspirou. Aquilo já era decisão suficiente. Fechou os olhos por um segundo, passando os dedos pelas têmporas.
O dia tinha sido longo. Pesado. E ainda havia mais uma reunião com o jurídico às 18h. Uma atualização do caso da Comissão de Ética viria na segunda. E Lilian... Lilian agora existia como um ponto de interrogação que ela mesma não queria analisar.
“Não dá. Simplesmente não dá.”
Pegou a caneta que usava sempre — uma Parker discreta, mas pesada — e, acima da anotação da chefe de gabinete, rabiscou sua própria orientação:
"Responder com agradecimento institucional. Incompatibilidade de agenda."
Assinou embaixo com aquele traço rápido e firme.
Jogou a caneta sobre a mesa, mas não soltou o papel. Ele ainda estava na mão.
Por que aquilo lhe chamava tanta atenção?
Verena o olhou de novo, os olhos varrendo o timbre da escola, o nome da diretora. Escola Estadual Professor Luiz Roberto Pinheiro. Algo ali acendeu. Um desconforto súbito, mas ela o ignorou. Pura paranoia. Devia ser só mais um ofício qualquer.
Largou o papel no canto.
Assunto resolvido.
Devolveu o documento pra pasta e, logo depois, se levantou. Pegou tudo que precisava assinar ou revisar e saiu da sala com um andar firme, cansado, mas ainda imponente.
No corredor, o salto soava sobre o piso encerado como um relógio marcando fim de expediente. Verena chegou até a antessala e depositou a pasta sobre a mesa da chefe de gabinete, e amiga, sem sequer olhar.
— Esses já foram. E o parecer da comissão de orçamento, por favor, até segunda — disse, seca.
Rafaela assentiu com um aceno breve.
Só quando a porta se fechou atrás da amiga, puxou a pasta de volta. Começou a rever os documentos para protocolar. Tudo comum — até o ofício da escola.
Mas Ao virar a página, o coração deu um sobressalto. Leu a anotação que ela mesma escrevera mais cedo. E logo abaixo, a resposta de Verena. Aquilo caiu como uma pedra.
Incompatibilidade de agenda institucional.
Respirou fundo.
Por um segundo, ficou ali parada. Não era só sobre o ofício. Era sobre o que ele carregava. O que poderia ter sido. O que ainda era, mesmo que ninguém ousasse dizer. E não teve coragem de mencionar que se tratava da escola da menina. Mas agora… vendo a cena se desenrolar, a dúvida lhe comia por dentro.
Faria sentido avisar?
Verena já estava cercada de escândalos, investigações, imprensa atrás, crise no partido, no casamento. Tinha mesmo necessidade de jogar mais uma granada no meio disso?
Rafaela lutava com o dilema.
Mas o coração — embora sempre fosse prático — tinha memória.
E lembrava muito bem da forma como a chefe olhava para Valentina. De como quase perdia o controle quando a encontrava.
De como se transformava em outra pessoa só em mencionar aquele nome.
Ela mordeu o lábio, indecisa. Não sabia se era covarde ou leal. Só sabia que, por agora, deixaria assim.
Empurrou a pasta pro setor de protocolo e voltou ao computador. Mas o pensamento — como sempre — ficou preso em Verena. Como alguém podia ter tanto poder e, ao mesmo tempo, tanta cegueira?
Bar Junípero – Centro de São Paulo – Sexta-feira, 20h02
O ambiente era calmo, envolto numa penumbra aconchegante. As mesas de madeira escura refletiam a luz âmbar das luminárias baixas, e o som do jazz instrumental preenchia o salão como uma brisa fina, quase imperceptível. No fundo, a parede de tijolos expostos trazia uma sofisticação discreta que combinava com Silvia Moraes Alencar Castilho: impecável até no silêncio.
Ela ajeitou a manga do blazer cru enquanto girava devagar a taça de vinho branco. Tinha recusado o tinto — hoje estava leve demais pra sabores intensos. Ou talvez só estivesse frágil demais.
— Sabe que você me enganou direitinho, né? — Mariana sorriu, inclinando-se sobre a mesa. — Na voz parecia prontíssima pra me dispensar.
Silvia esboçou um riso breve, sem conseguir sustentá-lo.
— E estava mesmo. Achei que fosse algum cliente desesperado com alguma cláusula de contrato.
— E no fim era só sua amiga desesperada com a sua cara de quem tava precisando de vinho — Mariana piscou, com aquele humor de quem conhece a dor e sabe como distrair.
Silvia assentiu devagar, sem pressa de responder. A garganta ardia de cansaço. De silêncio. Daquilo tudo que já vinha represando há dias — ou meses, talvez.
— Eu tô cansada, Mari.
—Eu percebi — respondeu com ternura. — Mas me diz… como você tá de verdade?
Silvia passou a mão nos cabelos, os dedos trêmulos de uma elegância ferida. Olhou o fundo da taça por um segundo, antes de encarar a amiga com uma expressão que ela raramente mostrava.
— Eu não sei mais o que tá acontecendo dentro da minha casa. E o pior é que... acho que não é de agora. — Ela parou. Respirou fundo. — Meu casamento virou um terreno minado. Eu olho pra Verena e não sei mais o que ela tá sentindo, nem o que eu posso dizer sem acionar alguma explosão.
—É por causa daquela entrevista?
Silvia não respondeu de imediato. Apenas assentiu com o olhar.
— O jeito como ela olhava pra aquela mulher... — sua voz falhou. — Como se estivesse sendo vista de verdade. Como se ali ela tivesse… liberdade.
— Ah, Silvia…
— E eu? — ela soltou, num sussurro. — Eu sou a que ela ama. A que ela escolheu. Mas sou também a que vive apagando incêndio, segurando o nome dela no noticiário, fingindo que tá tudo bem em jantar de bancada. E agora, nem em casa eu sou suficiente?
Mariana segurou sua mão com firmeza.
— Você é mais do que suficiente. Ela que precisa lembrar disso.
Silvia sorriu de novo, mas era um riso doído. O vinho já não disfarçava mais.
— E enquanto isso... — ela encarou o copo —... eu tô com vinte e oito anos. E cada dia que passa, esse sonho de ter um filho vai ficando mais longe. Mais... irreal.
Silêncio.
— Eu não queria ser mãe sozinha, Mari. Eu queria uma família. Queria ver a Verena voltando pra casa com a mochila de canguru nas costas e o bebê dormindo no colo. Queria as brigas por causa de troca de fralda e babá. Mas agora eu só vejo… silêncio. E dúvida. E o tempo passando.
— Você nunca falou isso pra ela?
— Já. Algumas vezes. Mas ela sempre dizia que “um dia”... que era muito cedo. E agora, quando olho pra trás, parece que esse “um dia” nunca existiu. E talvez nunca vá existir.
Mariana apertou sua mão outra vez.
— Então talvez você precise pensar no que você quer agora. O que você ainda tá disposta a esperar. Porque se continuar só calando… você vai perder tudo, menos a dor.
Silvia desviou o olhar, tentando conter a lágrima que teimava em surgir.
— Eu não quero perder ela, Mari.
— Então talvez seja hora dela começar a te reconquistar.
A música continuava no fundo, mas naquele momento, Silvia só ouvia o barulho do próprio coração tentando encontrar espaço no meio do vazio.
...
Silvia mantinha a mão apoiada na taça, como se aquilo pudesse lhe trazer algum controle. O anel de prata no dedo parecia mais apertado do que nunca. A cada respiração, um aperto novo no peito. Não tinha chorado de novo, mas os olhos estavam marejados, ameaçando. O vinho branco agora estava quente, quase intocado.
Mariana percebeu o silêncio.
Não era falta de palavras. Era excesso de dor.
— E você ainda quer? — perguntou com calma.
Silvia levantou os olhos, confusa.
— O bebê. A família. Ainda é o que você quer?
Ela demorou pra responder.
— Mais do que nunca. — A voz saiu quase sem som. — É um desejo que tá colado na pele, sabe? Como se eu sempre tivesse me preparado pra isso. Mas agora… parece um sonho ridículo. Um desses que a gente tem que aceitar que não é pra gente.
Mariana se inclinou, séria.
— Não é ridículo. E não é tarde demais.
Silvia tentou rir, mas o som saiu quebrado.
— Mari… olha meu casamento. Olha o que tem sido minha vida nos últimos meses. Briga, silêncio, desconfiança. Eu vou colocar uma criança no meio disso?
— Talvez não seja agora. — Mariana foi firme, sem ser dura. — Mas você precisa decidir o que fazer com esse sonho. Porque ele é seu, Silvia. Ele não é da Verena. Não enquanto ela não se posicionar. E o que não dá é pra você continuar nessa espera eterna, como se ser mãe dependesse do humor do seu casamento.
Silvia desviou o olhar. A mão trêmula agora apertava o guardanapo de tecido no colo.
— Eu não sei se consigo abrir mão dela.
— E consegue abrir mão de você?
Silêncio.
— Silvia... — Mariana falou baixo, como se pisasse em solo sagrado — se você quer ser mãe, e ela não quer, ou não sabe se quer... então uma hora essa decisão vai ter que ser tomada. Por uma das duas. Porque do jeito que tá, só quem tá cedendo é você. Só quem tá se anulando é você. E isso… não é justo.
A frase caiu como chumbo.
Silvia sentiu o gosto amargo do medo. Do tempo. Da solidão.
— Você acha… — a voz falhou — que eu devia me separar?
Mariana não respondeu logo. Bebeu um gole do próprio vinho, sem desviar os olhos.
— Eu acho que você devia se olhar no espelho e perguntar: “Eu ainda tô feliz aqui? Ou só tô insistindo porque tenho medo de recomeçar?”
Silvia olhou pra frente. A taça diante dela, o bar movimentado, as conversas ao redor pareciam tão distantes quanto uma lembrança antiga. Mariana continuou:
— E se você decidir ficar… então dá uma prensa nela. Uma séria. Sem rodeios. Diz tudo. Expõe tudo. Porque ou ela entra nessa com você… ou ela te perde. Simples assim.
Silvia respirou fundo. A lágrima desceu, sem alarde. Só uma.
— Eu não queria ter que escolher entre ela… e o sonho da minha vida.
— Mas às vezes… a vida não espera a gente escolher com calma.
As duas ficaram ali, em silêncio por alguns segundos. O garçom passou, oferecendo mais vinho. Silvia negou com a cabeça, murmurando um "obrigada". Mariana respeitou. Não insistiu.
Porque naquele momento, a amiga não precisava de mais nada. Só de coragem.
E talvez de um pouco de tempo.
Apartamento de Verena e Silvia – Sexta-feira, 22h19
Silvia deixou a bolsa no sofá com delicadeza ensaiada. O som do couro macio afundando no tecido foi o único ruído que ocupou a sala. Do lado da porta, os saltos pretos de Verena — deixados ali de qualquer jeito, como se ela tivesse entrado cansada, ou com pressa, ou ambos.
Olhou em volta, e a sala estava mergulhada numa penumbra suave. As cortinas semiabertas deixavam entrar um filete da iluminação da cidade. A televisão desligada, um copo de água pela metade no aparador, um livro jurídico repousando aberto sobre a mesinha de centro. A mesma imagem de toda semana, mas hoje... tudo parecia carregado de alguma ausência.
Silvia passou os dedos pelo braço do sofá, como se buscasse apoio físico, e então caminhou até a cozinha.
Encontrou Verena ali, de pé, de costas. Ainda vestia a calça social preta, mas agora os pés estavam descalços sobre o porcelanato frio. A camisa branca, levemente amarrotada, tinha os dois primeiros botões abertos, revelando a clavícula. As mangas desabotoadas subiam até os antebraços com dobras tortas, e os cabelos — soltos — caíam desalinhados sobre os ombros. Os óculos de grau meio tortos no rosto, um detalhe que Silvia sempre amou nela, quase como uma marca de quem carrega peso demais nos olhos e na alma.
Verena passava geleia de morango num pedaço de pão integral, o corpo inclinado sobre o balcão, concentrada demais para notar qualquer coisa ao redor.
Silvia encostou no batente, cruzando os braços. Sentiu o coração falhar uma batida. Como podia amar tanto aquela mulher… e ao mesmo tempo estar tão perto de se perder dela?
— Vê...
A deputada se virou, assustada, quase deixando o pote cair. Teve que tossir pra não engasgar com o pedaço que já mastigava. Arregalou os olhos, limpando a boca apressada com o dorso da mão.
— Nossa… que susto. — pigarreou. — Não te ouvi entrar.
Silvia esboçou um sorriso contido, cruzando os braços. A serenidade era falsa. A coluna estava ereta demais, os ombros tensionados demais. Ela ainda era toda elegância. Mas por dentro… era uma vertigem.
— A gente pode conversar?
Verena engoliu o restante do pão, deixando o prato na pia sem dizer nada por alguns segundos. Depois tirou os óculos, passando a mão pelos cabelos e se aproximando devagar, como quem pressente o golpe.
— Aconteceu alguma coisa?
Silvia desviou o olhar. Sabia que se olhasse direto, perderia a força.
— Aconteceu que eu não quero mais fingir que tá tudo bem.
Verena franziu o cenho, mas não disse nada. Silvia respirou fundo.
— Vamos sentar? — Apontou com o queixo para a mesa da cozinha.
Verena assentiu devagar, já sentindo que vinha coisa séria. Pegou o copo d’água que estava no balcão, limpou a mão num guardanapo e seguiu atrás da esposa, os ombros tensos, como quem sabe que já está sendo julgada, mas ainda não sabe o tamanho da sentença.
Sentaram uma de frente pra outra. A mesa estava impecavelmente posta, como sempre. Um descanso de panela que ninguém usava mais, um vasinho com um raminho seco de lavanda, e o silêncio.
Silvia apoiou os cotovelos na borda e entrelaçou os dedos. Respirou fundo.
— A gente precisa conversar. Sério. E dessa vez, eu queria conseguir falar tudo sem que você... tente consertar, ou justificar. Só escuta, tá?
Verena tirou os óculos por um segundo, limpando as lentes com a barra da camisa, antes de colocá-los de volta. Piscou lentamente, e assentiu.
Silvia respirou de novo. Mais fundo agora. O olhar fixo, como se tivesse ensaiado mentalmente aquela cena por dias.
— Você sabe o quanto eu te amo. — A voz saiu firme, mas trêmula no final. — E o quanto eu te admiro. Desde sempre. Mas eu não tô bem, Vê. E não é só por causa de jornalista. Nem das fofocas. É porque eu tô cansada de esperar.
Verena se inclinou, com os olhos marejando devagar. A expressão de sempre — aquela mistura de quem quer abraçar e fugir ao mesmo tempo.
— Esperar o quê?
— A nossa vida começar de verdade. — Silvia encarou, agora com os olhos nos dela. — A família que eu sonho desde sempre. O filho que eu desejo ter. A paz que eu imaginei que a gente fosse construir juntas.
Verena desviou o olhar, desconfortável.
— Sil, eu...
— Eu pedi pra você só escutar. — Ela disse com gentileza firme, mas os olhos já estavam marejando. — Eu sempre soube que sua vida seria difícil. Que eu dividiria você com o Estado, com o partido, com os escândalos, com as sessões infinitas da Alesp. Mas... o meu tempo… o meu corpo… a minha história também têm um relógio. E ele não para por causa da sua agenda. — Silvia tentou conter o choro, mas a voz já vacilava. — Eu não tô dizendo que eu quero um filho agora. Mas eu quero saber se você quer isso comigo. Ou se eu tô sozinha nessa.
Verena não soube o que fazer com as mãos. As deixou sobre a mesa, cruzadas. Apertava um dos próprios dedos com força.
Silvia não cedeu.
— Eu te conheci como uma mulher apaixonante, intensa, corajosa. A mulher por quem eu pensei: “É com ela que eu quero tudo.” Casa. Família. Filho. As coisas simples e imensas da vida. — Ela respirou fundo, a voz embargando. — Mas agora... parece que só eu continuo querendo isso. Que sonhar sozinha virou uma rotina silenciosa. E eu tô exausta de tanto silêncio.
Verena fechou os olhos, segurando a respiração por um instante. Mas ainda não conseguia responder. Sabia que qualquer palavra naquele momento podia virar munição.
Silvia encostou as costas na cadeira, mas não afrouxou a emoção.
— Eu sonho com um filho desde os dezoito. Desde antes de te conhecer. E quando eu te vi, eu imaginei esse filho com você. Com a sua força. Com o seu nome. Mas eu tô vendo o tempo passar. E pela primeira vez... eu comecei a pensar se eu tô errada em querer tanto isso. Se você nunca vai querer. Se nunca teve coragem de me dizer.
Agora as lágrimas escorriam. Lentamente. Como se o rosto da advogada não soubesse mais como reter. Verena parecia em choque. Como se nunca tivesse ouvido aquilo antes — embora já tivesse. Por fim, se inclinou à frente, os olhos também marejados.
— Sil, não é que eu não queira. É que eu nem sei por onde começar. Eu tô atolada no gabinete, com o partido me pressionando, com a imprensa atrás de mim… — ela parou. Suspirou. — Eu não tenho espaço pra mais nada agora.
Silvia apertou os olhos. As lágrimas escorreram mais uma vez.
— Eu sei. — Sussurrou. — E talvez seja isso que me dói. Eu tô sempre esperando o momento certo. Só que ele nunca chega. Mas... E eu? Eu ainda sou sua esposa ou só a mulher com quem você trans* quando sobra tempo? Ou quando a vontade aperta?
Verena se levantou de impulso, puxando a cadeira pra trás. Andou até a janela. Precisava de ar. O coração disparado, os olhos turvos. Encostou as mãos no parapeito, a testa baixa.
— Não fala assim! Eu não quero te perder. — disse, de costas. — Eu só... não tô conseguindo te manter. Nem a mim.
Silvia permaneceu sentada, olhando a mulher que amava com tanta intensidade, e agora parecia tão... distante. Como se o amor não bastasse.
— Eu tenho 28 anos. Eu ainda sou nova, eu sei disso. Mas eu quero viver esse amor de um jeito inteiro. E quero ser mãe, Vê. Eu quero isso com todo o meu coração. Eu não posso mais guardar esse desejo como se fosse uma vergonha. Como se eu tivesse que abrir mão de tudo só pra continuar ao seu lado. E se você quiser mesmo esse filho... — ela sussurrou, — eu preciso que diga. Com verdade. E que viva comigo essa escolha. Ou me liberte pra buscar esse sonho com alguém que queira tanto quanto eu.
Verena se virou devagar. Os olhos vermelhos. E pela primeira vez, parecia que não havia resposta pronta. Nem discurso. Nem retórica. Ela quis dizer alguma coisa. Mas não conseguiu.
E pela primeira vez, desde que estavam juntas, sentiu que podia realmente perder Silvia.
Fim do capítulo
Oii pessoal! Tive que vir aqui no final, pra pedir desculpas pela demora. Também sou lietora e sei como é ruim a demora nas atualizações. Maas peço um poquinho de paciência, a rotina tá me apertando com força rsrs.
Mas tentarein diminuir o delay.
Um abraço, fiquem bem!
P.S.: Escrevendo com um olho aberto e outro fechado rssr. Dormir que tô embriagada de sono rssr
Comentar este capítulo:
Zanja45
Em: 30/06/2025
O papel do Conselho Tutelar nessa suspeita de abuso, muito delicada. A forma de abordar se carece de muito tato, tem que ser pessoas capacitadas e conhecimentos técnicos para ter a sensibilidade de conduzir uma averiguação de forma a não piorar ainda mais a situação. - A maneira como eles chegaram, conversando primeiro com a mãe de Valen, foi muito bem conduzida. - Ana Paula , não me canso de elogiar, muito bem posicionada nas falas delas, sempre tendo um cuidado todo especial na hora de expor os fatos, não fugiando ao que realmente sabia.
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Zanja45
Em: 29/06/2025
Silvia e Verena já foram bem felizes um dia. - Em que nem se importavam em estar dividindo a escova de dente. - Nem um espaço pequeno, livre das interferências de outras pessoas.
Falando em escova de dente, essa piada da escova Oral B, não conhecia. Kkkk!
anonimo2405
Em: 30/06/2025
Autora da história
Pois é. O casamento dela era feliz. Mas... as coisas foram se perdendo em algum ponto, pelo menos da parte da Verena, porque a Silvia ainda sente como no início.
Sobre a piada kkkkkkk, achei ótima kkkkk.
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Zanja45
Em: 29/06/2025
Depois de muitas tensões, finalmente as verbas foram liberadas e cada uma entidade recebeu a fatia do bolo. - Por sinal, muito dinheiro.
anonimo2405
Em: 30/06/2025
Autora da história
Muito. E só o começo.
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Zanja45
Em: 29/06/2025
Tou com uma dó de Valentina, a neném está sofrendo pelas cachorradas de Verena( O coração dela está martelando no peito, feito louco). - E não só ela, Autora.
anonimo2405
Em: 30/06/2025
Autora da história
Tbm tô com uma pena da Valentina. Tadinha, a situação não é fácil.
Ahh, e quanto ao seu coração, vou tentar não judiar muito dele rsrs. Mas a Verena realmente não é uma pessoa fácil rsrs
Zanja45
Em: 01/07/2025
Eh, quem imaginou que ela ia dar mole para uma jornalista em plena rede nacional. - Essa mulher é uma caixinha de surpresa.
Zanja45
Em: 02/07/2025
Ah, obrigada, Autora, por cuidar de manter as bases do meu coração intactas. - Não judia mesmo , não, que o bichinho não aguenta sofrer tanto . kkkkk!
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Zanja45
Em: 29/06/2025
A visualização por parte de Verena da foto que Valentina postou no perfil levantou muitos questionamentos por parte da Deputada, ela meio que ficou enciumada. Valentina consegue tirar ela dos eixos, pois ela estava almoçando com Rafa e de repente fica desnorteada com uma simples foto e suas implicações, porque quem postou foi com intenção d chamar atenção. - E chamou. Kkkkk!
anonimo2405
Em: 30/06/2025
Autora da história
Foi um tiro certo da Carol. Ela sempre movimentando as coisas rsrrsrs. Vamos ver até quando a Verena vai se manter na linha.
Zanja45
Em: 01/07/2025
Carol, gosta de se divertir as custas dos medos da amiga.Rsrsrs!
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Zanja45
Em: 29/06/2025
A expectativa de Valentina quanto a Verena dar início a abertura da Semana da Juventude e Cidadania vai ficar para outra oportunidade, porque ela estava com a cabeça tão cheia que não se lembrou da Escola que ela tinha enviado o ofício era a mesma que ela desconsiderou a ida por incompatibilidade de agenda. - E dessa vez nem Rafa ousou interferir, pois deixou a cargo dela decidir. Mas por obra do destino ela não percebeu, apesar de ter algo dentro de si que gritasse para que prestasse atenção, porém enfim, não foi dessa vez.
anonimo2405
Em: 30/06/2025
Autora da história
Pois é. Verena com a cabeça tão cheia que nem se tocou. Fica pra próxima. Que olha... tá bem próxima rsrsr. Sem spoiler
Zanja45
Em: 01/07/2025
Hummm! S2
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Zanja45
Em: 29/06/2025
Verena encarou o personagem da Deputada de uma forma tão realística que ultrapassou os limites com a jornalista e pisou mais uma vez na bola com Silvia.
anonimo2405
Em: 30/06/2025
Autora da história
Ahh, achei muita falta de respeito da parte dela. Poxa, ainda que a Silvia fosse um mulher que não merecesse. Nem assim justifica. Mas a Silvia é maravilhosa. E essa Lilian tbm...
Zanja45
Em: 01/07/2025
Essa jornalista, foi muito anti profissional. - A magnitude dessa entrevista e ela de flerte com Verena
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Zanja45
Em: 29/06/2025
Estou muito curiosa para saber o desfecho da conversa de Verena e Silvia. - Dessa vez ela não vai ter como sair pela tangente.- Pois a esposa encostou ela na parede de uma forma que ela vai ter que decidir.
anonimo2405
Em: 30/06/2025
Autora da história
Verena entrou numa saia justa. Complicada essa situação do filho.
Zanja45
Em: 01/07/2025
Complicado, pois Silvia nao pode sonhar sozinha, ficar empatada e ver o tempo avançar e não ver futuro ao lado da esposa. - Ela não pode levar a esposa em banho Maria esse tempo todo.
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Zanja45
Em: 29/06/2025
Está desculpada, Autora! Esses dias também estava muito pegada e ainda fiquei uns três dias gripada pra completar.
Entendo, só terei paciência, pois você sempre busca trazer o melhor pra gente. - E com essa escrita, esperarei pelo tempo que for. Rsrsrs!
Kkkkk! Isso que é disposição, até que esgote as últimas forças.
anonimo2405
Em: 30/06/2025
Autora da história
Ahhh, agora sim. Obrigada por ter me perdoado, com um elogio desses, não sei nem como responder rsrs Obrigada mesmo por continuar aqui. S2
Poxa, espero de coração que esteja melhor. Gripe é horrível. Estamos na época né, mas mesmo assim, nunca é bom. Se cuida viu. Se hidrate bastante.
Disposição sempre rsrsrs.
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anonimo2405 Em: 30/06/2025 Autora da história
Siim. Exatamente! Dependendo da abordagem, a situação só piora. Ana Paula vem exercendo bem sua função! Sempre sensata