Agressão
Casa dos Moraes – Quarto da Valentina – 19h05
O quarto estava mergulhado em meia-luz, só o abajur da escrivaninha aceso. Valentina ainda estava deitada de lado na cama, o celular apoiado na almofada, o perfil da Verena aberto como se fosse uma janela proibida pra outro mundo. As fotos deslizavam uma a uma com o toque hesitante dos dedos: Verena sorrindo num evento, Verena abraçada com amigos, Verena de blazer branco no casamento, Verena com Silvia. Sempre Silvia.
O estômago de Valentina apertava a cada imagem. Um ciúme dolorido, quase físico, que ela tentava engolir como se fosse parte do ar que respirava. Mas era inútil. Aquela mulher era linda, poderosa, casada. E mesmo assim, Valentina não conseguia parar de olhar.
— Para com isso… — sussurrou pra si mesma, virando o rosto e pressionando os olhos com as mãos. — Para, Valen. Pelo amor de Deus...
Virou o celular de tela pra baixo, tentando respirar fundo. Mas dois segundos depois, como se tivesse vida própria, pegou de novo. E então... a notificação apareceu.
“@verenacastilho.ofc te enviou uma mensagem.”
O coração dela falhou uma batida. Depois outra. Ela ficou imóvel, como se o tempo tivesse congelado. O quarto inteiro pareceu diminuir, se comprimir em volta daquela tela.
— Não... não... não é possível...
Tocou na notificação com as mãos trêmulas.
Era mesmo ela.
A foto de perfil. O nome. O verificado azul. E a mensagem simples, como um cometa atravessando o céu:
"Boa noite 🌙"
— Mãe do céu...
Valentina cobriu a boca com as duas mãos, os olhos arregalados, o peito disparando como um tambor. Levantou da cama num pulo, andando em círculos no quarto.
— É ela... é ela… ela mandou… meu Deus… ela me mandou mensagem…
Olhou de novo, só pra ter certeza de que não era algum tipo de alucinação. Não era. Tava lá. A bolinha verde indicando que Verena estava online.
— Carol… CAROL… — sussurrou, pegando o celular pra ligar, mas a mão tremia tanto que mal conseguia digitar.
Antes que conseguisse completar o número, ouviu a voz da mãe do outro lado da casa:
— Valentina! Vem jantar, filha!
— Ai não, agora não… — sussurrou, quase chorando de agonia. — Eu não posso... eu não tenho condições de jantar! Eu tô… eu tô vivendo um colapso!
Sentou de volta na cama, abraçando os joelhos, o celular apertado entre as mãos como um tesouro. A felicidade fervia dentro dela, mas junto vinha o medo, a confusão, a dúvida.
“Ela sabe que sou eu?”
“Será que foi sem querer?”
“E se for outra Valentina?”
“E se for só educação?”
— Ai meu Deus… — murmurava, perdida.
Ela abriu a conversa. Digitou “boa noite” de volta. Apagou. Escreveu “oi”. Apagou. Escreveu um emoji de estrela. Apagou. Quase chorou.
Foi até o interruptor, apagou a luz, e antes de sair do quarto, virou-se de novo pra tela. Ainda tava lá. O boa noite. E a bolinha verde.
Aquela noite não ia acabar nunca.
E o jantar seria uma tortura.
Mas por dentro, o peito era puro brilho. Uma felicidade embaraçada, intensa, absurda.
“Ela mandou mensagem. Ela pensou em mim.”
Ela caminhava até a cozinha meio flutuando, meio morrendo. Como quem vive algo que só acontece nos filmes. E sem saber…
A história das duas só estava começando.
Casa dos Moraes – Cozinha/Sala de Jantar – 19h11
A televisão da sala ainda estava ligada, baixinha, no jornal da noite. O cheiro de alho dourado misturado com o do suco de maracujá preenchia o ar quente da cozinha. A mesa já estava posta com simplicidade: arroz soltinho, frango grelhado, salada com cheiro de hortelã recém-picada e suco de maracujá na jarra plástica, com os copos americanos cheios de suco e os talheres arrumados de forma desigual — um ou outro garfo torto, como sempre.
Ana Paula colocou os últimos talheres com aquele cuidado de quem carrega o dia inteiro nos ombros. Carlos, de chinelo e camiseta velha, estava encostado na pia, mexendo o copo de suco com um palito de dente, pensativo, enquanto Isadora, deitada no sofá, cantarolava baixinho uma música do desenho que assistira mais cedo.
— Você chamou de novo? — perguntou, sem levantar os olhos.
— Chamei… — respondeu Ana, suspirando. — Tá lá em cima, disse que já tava descendo.
Ele assentiu devagar, os olhos parados em algum ponto do chão. Desde a ida ao hospital no dia anterior, andava mais quieto. Preocupado. Tentando não demonstrar. Mas era difícil.
— Isadora! Vai lavar a mão, minha filha! — A mulher chamou, num tom automático.
— Já laveeei — respondeu a pequena, sem nem levantar.
Carlos puxou a cadeira e se sentou, coçando a barba.
— Será que ela tá com febre ainda?
— Acho que não... Hoje de manhã parecia melhor. Mas sei lá, tá estranha. Tá meio aérea, né?
Antes que ele respondesse, Valentina apareceu na porta, o cabelo preso num coque torto, o moletom largo da escola e aquele andar arrastado de quem queria estar em outro lugar. Mas… havia algo diferente. Ana percebeu na hora. Um traço quase imperceptível no canto dos lábios. Um leve arquejo nos olhos.
— Oi. — falou baixo, passando direto pra mesa.
— Oi, filha — disse Ana, observando.
— Senta logo, Valen, que a comida vai esfriar — completou Carlos, tentando soar casual.
— Tá quentinho ainda. Come logo — disse Ana, empurrando a travessa de arroz na direção da filha.
Valentina se serviu em silêncio. Serviu mesmo. Não aquele montinho simbólico dos últimos dias. Uma porção normal, de quem estava com fome. E, logo em seguida, colocou também um pedaço de frango no prato.
Carlos observou de canto de olho. Ajeitou a cadeira, pigarreou, mas não disse nada. Isadora já falava sozinha, misturando frango com suco e cantarolando algo do desenho que tinha visto.
— Coloca mais suco, mãe? — pediu, batendo levinho o copo na mesa.
Ana serviu sem responder. Ainda olhando Valentina com atenção discreta. Não era apenas o fato da filha estar comendo melhor. Era o jeito. A postura. O tempo todo nos últimos dias ela tinha estado como quem carrega um peso no corpo. Agora, era diferente. Ainda quieta, ainda distante… mas com alguma coisinha no ar. Um leve reencontro com o próprio corpo. Com a fome. Com o presente.
— Tá bom, filha? — perguntou Ana, do nada, enquanto mexia no prato.
— Tá sim — respondeu sem pensar, dando uma garfada boa de arroz com frango, como há dias não fazia.
Carlos fingia estar mais interessado na TV ao fundo. Mas notava tudo. O jeito como ela mastigava devagar, os olhos fixos no prato, mas vez ou outra se perdendo em alguma lembrança. Uma lembrança boa, ele supôs.
— Fez alguma coisa diferente hoje? — ele perguntou, casual.
— Não… — ela hesitou. — Só... Fiquei com a Carol. E dormi um pouco à tarde.
Ana assentiu, sem comentar.
Valentina tomou um gole grande do suco e, por um segundo, esboçou um sorriso. Pequeno, fechado, mas que apareceu. Carlos viu. E olhou pra Ana, de novo. Aquelas trocas de olhares que pais trocam quando sabem que alguma coisa mudou, mas ainda não sabem o quê. Nem se é bom ou ruim. Só que é diferente.
— Tá cansada? — perguntou Ana, tentando não parecer invasiva.
Valentina fez que não com a cabeça, mas continuou comendo.
— Só... com sono. Mas tô bem.
Isadora bateu a colher no copo, irritada porque o frango tinha “feito bolha” no suco. Carlos riu, tentando conter a risada pra não espirrar arroz.
— Para com isso, menina — ralhou Ana, limpando o copo dela com um guardanapo.
O resto do jantar seguiu com uma simplicidade reconfortante. Ana perguntava se queria repetir, Valentina aceitava só mais um pouquinho. Carlos contava uma história de um cliente que esqueceu o portão trancado com ele dentro, e até Valentina deu uma risadinha baixa. Sincera. Daquelas que não pareciam forçadas.
Depois, ela levantou antes que alguém dissesse qualquer coisa.
— Vou... subir um pouco. Arrumar minhas coisas.
Ana assentiu de novo, levantando da mesa pra levar os pratos. Carlos limpou os dentes com a língua e esperou Valentina sumir no corredor pra dizer:
— Ela tá outra.
Ana só disse “uhum”, lavando o prato.
Mas os dois sabiam que aquela filha apática, ausente e afundada em tristeza…
Hoje, por alguma razão, tinha conseguido voltar pra mesa. Nem que fosse só por um jantar.
Quarto de Ana Paula e Carlos – Sábado, 22h42
A luz do abajur deixava o quarto num tom amarelado e cálido. A casa toda estava silenciosa. Isadora já dormia. Valentina também.
Carlos ajeitou o travesseiro nas costas e se recostou, de bermuda e camiseta. Ana Paula estava ao lado, sentada com as pernas dobradas de lado, vestindo uma camisola clara de algodão, estampada com pequenas flores azuis, o cabelo preso num coque desfeito.
— Ela comeu bem hoje, né? — ele comentou, quase sussurrando, pra não quebrar aquele silêncio novo que havia na casa.
Ana assentiu com um meio sorriso cansado.
— A Carol... deve ter ajudado. Acho que fez bem pra ela ver alguém da idade dela. — Passou a mão distraída na coxa, olhando pro chão por um instante. — Foi a primeira vez em dias que ela comeu de verdade.
Carlos balançou a cabeça.
— Pode até ser... mas aquela menina já veio aqui antes, e a Valentina não ficou diferente. Sei lá, não quero parecer paranoico, mas... alguma coisa mudou de verdade hoje.
Ana respirou fundo. Não queria mais aquela conversa. Estava aliviada, e aquilo bastava por hoje.
— Carlos...
— Eu sei, amor — ele interrompeu antes mesmo dela terminar — você não quer mais mexer nisso agora. Mas eu ainda quero entender. Não desisti. Não enquanto ela continuar com esse olhar perdido de vez em quando. Aquilo... não sai da minha cabeça.
Ela virou o rosto pra ele, o semblante firme e ao mesmo tempo exausto.
— Eu também fico com medo. Mas a gente precisa dar um passo de cada vez. — Passou os dedos no braço dele, tentando apaziguar. — Deus tem um propósito. Ele sabe de tudo.
O homem não respondeu. Só olhou pra ela com os olhos menos preocupados do que nos últimos dias. Havia, no fundo, uma vontade de voltar à vida normal. De reencontrar a mulher que, há semanas, parecia distante dele — até no toque.
— Senti saudade de você. — Ele disse de leve, a voz mais baixa agora, os dedos acariciando o lençol entre eles.
Ana sorriu, sem sorrir de verdade. Levou a mão ao ombro dele e ficou assim, em silêncio.
— Senti mesmo, Paula. De dormir abraçado. De conversar assim, no escuro. De... você.
Ela olhou pra ele, os olhos ternos, mas cheios de hesitação. Apoiou o queixo no ombro e depois desviou o olhar, mexendo o lençol, nervosa.
— Não sei, Carlos... — murmurou — esses dias foram tão difíceis. Me sinto... esgotada.
Ele se aproximou mais um pouco, passando o braço pelas costas dela. Acariciou devagar, com calma, beijando o ombro dela com delicadeza. Não forçava, mas não disfarçava o desejo.
— Eu prometo que só quero estar perto. Te sentir aqui. A gente passou por um sufoco juntos, amor...
Ela suspirou, os olhos fechados. Não queria ceder, mas também não queria brigar. E, no fundo, acreditava que estava sendo egoísta. Afinal, era seu marido. E parte dela se sentia culpada por negar.
Mas ainda estava tensa. Não era desejo. Era o peso de achar que precisava. O dever de esposa, como aprendera em tantos cultos e rodas de oração, onde diziam que o corpo da mulher pertencia ao marido. Que o casamento era também sacrifício.
Carlos a tocou com cuidado. Beijou seu pescoço, seu ombro, o contorno do queixo. Ela respondeu, mas com uma entrega que mais parecia obediência do que vontade.
Ele deslizou a mão pela cintura da esposa mais uma vez, e dessa vez foi Ana quem virou o corpo de frente pra ele. Seus olhos se encontraram num silêncio cúmplice. Não havia euforia, não havia pressa — só o gesto rotineiro de quem se conhece, de quem já compartilhou dores demais pra precisar dizer tudo em voz alta.
Ele puxou a camisola devagar pela barra, e Ana levantou os braços, deixando que ele a despisse com cuidado. Seu corpo ainda trazia marcas da maternidade, do tempo, dos dias de sacrifício. Mas Carlos olhava pra ela como se visse o mesmo encanto de sempre. E ela, mesmo tímida, se deixou ser vista.
— A gente pode parar... — Carlos murmurou entre beijos, com os dedos já acariciando o contorno dos seios.
— Não, amor... tá tudo bem — ela respondeu num fio de voz, quase como se pedisse desculpa por estar ali.
Ele se abaixou, beijando o pescoço dela com mais vontade, o peito, a barriga. Ana suspirava, os olhos fechados, tentando se permitir. Os toques dele eram quentes, conhecidos, quase cuidadosos demais. Quando subiu de novo, os olhos dela estavam úmidos, mas sem dor. Era cansaço. Era entrega.
Ela virou o rosto devagar, as bocas se encontrando num beijo tímido no começo, depois mais fundo. A língua dele buscava a dela com carinho, mas com vontade. Ana foi cedendo. Aos poucos. As mãos dele já exploravam sua cintura, subindo devagar sob a pele arrepiada da cintura.
No meio dos beijos, ela interrompeu num sussurro:
— Tranca a porta...
Carlos parou só o suficiente pra levantar da cama, rápido e sem alarde. Rodou a chave com um clique discreto, e no caminho de volta já abriu a gaveta da cômoda, pegando um preservativo. Voltou pra cama como se nem tivesse saído. O olhar quente. O desejo controlado, mas vivo. Ana Paula já o esperava com o lençol puxado até a cintura. Um pouco envergonhada. Um pouco entregue.
Ele também tirou a camiseta. E em seguida a bermuda, a cueca. Deslizou com cuidado a calcinha bege da esposa. O quarto estava abafado, apesar da brisa gelada que soprava da rua. Vestiu o preservativo com agilidade. Depois voltou, encaixando o corpo ao dela com precisão.
Deitou-se sobre ela com cuidado, apoiando o peso entre os braços. Começou com beijos lentos no pescoço, no colo. A mão descia pelas coxas da esposa, agora nuas, o corpo dela respondendo aos poucos, se moldando ao dele.
Os movimentos começaram lentos, firmes. Ana segurava no travesseiro com uma mão, a outra no ombro dele. Os suspiros foram ficando mais profundos. O calor crescendo no quarto.
— Você é linda... — ele sussurrou no ouvido dela, com a voz embargada pelo prazer.
Os movimentos se intensificaram devagar, com carinho, com desejo contido. A cama, antiga, gasta pelo tempo, começou a ranger. Primeiro discretamente. Depois um pouco mais.
Ana cerrou os olhos, os lábios entreabertos, os braços ao redor do marido. Um gemido escapou baixinho. Carlos apertou seus quadris, embalando o corpo contra o dela com ritmo firme, sem palavras. Apenas os sons abafados da intimidade preenchiam o quarto.
E foi nesse momento que, no corredor...
Corredor – Perto do Quarto dos Pais
Valentina abriu a porta do quarto com passos leves. Ainda estava acordada. O jantar lhe caíra bem demais — depois de tantos dias à base de arroz empurrado com água. Mas o que realmente não deixava o sono vir era a mensagem que ela tinha visto antes de deitar: um “boa noite” vindo do perfil que ela mais visitava em segredo.
Seus pés tocaram o chão frio. Precisava ir ao banheiro. Tentava não pensar. Tentava não surtar. Foi então que, ao passar próxima à porta dos pais, escutou.
Um som. Um rangido. Dois.
Parou.
Os olhos se arregalaram antes mesmo do pensamento se formar.
Mais um rangido. Um ruído abafado. A voz da mãe, quase um sussurro. A cama, seguindo um ritmo.
— Ai meu Deus... — Valentina sussurrou pra si mesma, levando as duas mãos à boca.
Sentiu o rosto ferver. As bochechas queimavam. A ponta do nariz. O pescoço inteiro. O corpo inteiro.
Voltou correndo. Pé ante pé. Quase tropeçou na barra da calça. Entrou no quarto e fechou a porta com o máximo de silêncio possível. Encostou nela por um segundo, sem saber o que pensar, o que fazer. Encostou a testa na madeira e riu sozinha. Riu de nervoso. De vergonha. De choque.
— Ai, não... não, não... — cochichou com os olhos fechados.
Se jogou de novo na cama, abraçando o travesseiro. Se enfiou debaixo da coberta. A cena não saía da cabeça. Por mais que não tivesse visto nada... sabia.
Mas ao mesmo tempo, uma pontinha de alegria brotava ali. Um sentimento quente no peito, sem nome definido. Era bom ver os pais assim. Era bom saber que estavam bem — depois de tanto susto, tanta preocupação. Tanta dor.
Só que... aquela felicidade também trazia outra pergunta. Um sussurro interno. Uma pontada.
Será que um dia ela também teria isso?
Um amor tão próximo. Um carinho que transborda pra dentro da casa. Um corpo que se encaixa no outro.
Será?
Porque quando pensava em amor — não como ensinaram no culto, mas como sentia no fundo do estômago, na pele, no coração — só um nome vinha à cabeça.
Um nome proibido.
Verena.
O pensamento vinha como um choque elétrico. Ela apertava os olhos, como se pudesse apagá-lo. Mas não conseguia.
Verena.
Aquela mulher inatingível. Casada. Adulta. Poderosa. E ainda assim... agora tão próxima. Ela tinha mandado uma mensagem. Uma simples mensagem. Mas pra Valentina, era como se a terra tivesse saído do eixo.
O corpo dela toda reagia só de lembrar. Do “boa noite”. Da taça de vinho.. Do sorriso torto que aquecia seus dias na Alesp. Do cabelo preso com desleixo, mas ainda assim elegante.
Valentina apertou o travesseiro contra o peito, querendo sumir dentro dele.
— Para... para... — sussurrou de novo, baixinho, encolhida, tentando silenciar o coração disparado.
Mas ele não parava.
Apartamento de Verena e Silvia – Domingo, 9h12 da manhã
Jardins, São Paulo
A luz entrava preguiçosa pelas frestas da cortina de linho. O sol já tocava parte da varanda, aquecendo discretamente o chão de pedra fria. Na cozinha, o silêncio ainda dominava, quebrado apenas pelo som ritmado de uma faca contra a tábua.
Silvia cortava frutas. Laranja, mamão, kiwi.
Estava com um vestido leve de algodão branco, de mangas bufantes e cintura marcada. Cabelos presos num coque frouxo, pé descalço, uma taça com água e limão ao lado da tábua. Tinha uma beleza quase cruel de tão serena — daquele tipo que não força presença, mas domina o ambiente só por existir.
Colocou as frutas numa travessa pequena de porcelana japonesa. Em seguida, passou café na prensa francesa e colocou a chaleira no fogo. Tudo com movimentos calmos, quase ensaiados. Domingos eram seus dias preferidos.
Silvia funcionava melhor nas rotinas silenciosas. Nos rituais de cuidar. De montar a casa como se arrumasse um altar. Era sua forma de acalmar o coração.
Enquanto isso, no quarto do casal...
Quarto do Casal – 9h24
O celular vibrava em algum lugar distante — provavelmente no chão, embaixo de alguma peça de roupa que ela deixou cair enquanto trocava de posição mil vezes durante a noite. A cabeça latej*v*. A boca estava seca. O corpo parecia trinta quilos mais pesado.
— Hmmgh... — ela murmurou, enterrando o rosto no travesseiro.
Mais uma vibração. E outra.
— Não. — virou pro outro lado, puxando o lençol com força, mesmo ele já estando todo embolado.
Mais alguns segundos, e então:
— Silvia! Amor... — a voz saiu arrastada, sonolenta. — Traz um café, por favorzinho...
Nada.
Silêncio.
Verena ficou imóvel por um instante. A luz invadia agora parte do quarto, e ela finalmente piscou devagar, se rendendo à realidade.
A realidade era: ressaca.
E mais do que isso — uma leve, incômoda, inevitável ressaca moral.
A cena da noite anterior voltou com a nitidez cruel que só a manhã tem.
O vinho. A foto.
O boa noite.
O direct.
O clique.
O maldito clique.
— Não... não. Eu não fiz isso. — murmurou, esfregando o rosto com as duas mãos. — Diz que eu não fiz isso...
Levantou devagar, os cabelos bagunçados caindo de um lado só. Usava uma calça preta soltinha e uma blusa social de campanha, desgastada, desabotoada no topo. Olhou ao redor e achou o celular, caído perto da poltrona.
Pegou. Desbloqueou.
E lá estava. O direct enviado.
"Boa noite 🌙"
Verena apertou os olhos com força, como se isso pudesse apagar o passado.
— Genial, Castilho. Deputada estadual da República, você.
Responsável por um programa de formação juvenil.
Envolvida até o pescoço num escândalo.
E você manda boa noite pra uma conta anônima de adolescente. Parabéns!
Jogou o celular na cama e se levantou devagar. Os pés descalços tocaram o assoalho frio. Passou as mãos pelos cabelos, tentando prender num coque baixo improvisado. Saiu do quarto com a cara de quem ia processar o mundo por ruído mental.
Cozinha – 9h42
— Acordou? — Silvia perguntou sem virar, ainda terminando de colocar a mesa com frutas, mel, granola, uma manteigueira de porcelana branca e torradas em um pratinho com guardanapo de linho.
Verena encostou na parede, olhos semiabertos, uma mão no quadril, a outra cobrindo a boca num bocejo sonolento.
— Sil, você é um anjo, sabia? — murmurou, voz rouca. — Sério... se eu tivesse que fazer isso tudo de manhã, eu já teria pedido a renúncia.
Silvia soltou uma risadinha leve, mas seguiu firme na tarefa.
— Bom dia pra você também.
— Esse negócio aí é café de verdade?
— Sim. Forte. Como você gosta.
— Eu não sabia que ainda gostava de alguma coisa — resmungou, caminhando até a mesa e se jogando na cadeira.
Silvia a observou, com aquele olhar doce, mas também irônico. Sentou-se de frente e serviu a própria taça de suco.
— Quantas taças ontem?
Verena franziu o cenho, fingindo pensar.
— Taças? Quantas garrafas, talvez... — respondeu com um meio sorriso cínico, passando manteiga numa torrada. — Mas nada fora do habitual. Apenas uma mulher lidando com a hipocrisia institucional e seus próprios demônios internos.
Silvia apoiou o queixo na mão.
— Claro. Ressaca filosófica. E eu achando que era só Sauvignon Blanc barato.
— Tava em promoção. — Verena piscou.
Silvia sorriu. Aqueles domingos, mesmo com o peso silencioso das mágoas do passado, ainda carregavam um tipo de intimidade que nenhuma tempestade tinha conseguido arrancar completamente.
— E vai querer fazer alguma coisa hoje? — Silvia perguntou, pegando uma fatia de mamão.
Verena deu de ombros, bebendo o café.
— Ficar deitada no sofá, tentando descobrir em que momento da minha vida eu virei uma caricatura de mim mesma. Serve?
— Hm. Pode servir também pra esticar a lombar. — Silvia deu uma risadinha leve. — Mas se quiser, eu ia passar na feira orgânica da Rua Haddock. Preciso comprar chá. E você anda precisando mesmo de um banho de sol e de realidade.
— Você me trata como se eu fosse uma planta de apartamento.
— Ué, você é. Só não faz fotossíntese.
As duas riram. Por um momento, esqueceram das mensagens não respondidas, dos processos, das sombras que pairavam sobre os dias.
Mas nem Verena, nem Silvia, sabiam que naquela manhã ensolarada, em outro canto da cidade, uma adolescente sorria sozinha olhando o celular — com um coração que não sabia mais se batia por fé, por desejo, ou por algo novo que ainda não tinha nome.
Apartamento de Verena e Silvia – Domingo, 10h18 da manhã
— Eu não vou. — Verena disse com a firmeza de quem acabou de bater o martelo na CPI.
Estava recostada no sofá, com a caneca de café já fria nas mãos, uma almofada nas costas e uma expressão de desgosto como se Silvia tivesse sugerido que ela fosse voluntária num retiro de yoga com influencers.
— Vê… é só a feirinha da Haddock. É aqui do lado. Dez minutos a pé. — Silvia falava com paciência, enquanto pegava a bolsa e ajeitava os óculos escuro na cabeça.
— Exato. Do lado. O que significa que eu posso continuar aqui, na minha zona de conforto, ignorando a humanidade e o sol.
— Você precisa sair um pouco. Respirar ar puro.
— Ar puro em São Paulo é ficção científica. — resmungou, deitando a cabeça pra trás. — Eu só quero um domingo normal. Sem escândalo, estagiários em crise, sem assessor incompetente me fazendo passar vergonha em sessão extraordinária, e principalmente… sem feira.
— E o que você chama de normal? Dormir até meio-dia e almoçar pão torrado com vinho?
— Exato. O pão já tá até na torradeira.
Silvia deu uma última olhada no espelho de mão, ajustou o brinco e respondeu com um sorriso calmo:
— Tudo bem. Fica aí, então. Mas só pra constar… as pimentas recheadas do Seu Mauro voltaram. Daquelas que você disse que dariam um ótimo presente de Natal pro governador.
Verena fechou os olhos com um suspiro. Apertou a almofada.
— Isso é golpe baixo.
Silvia já saía pela porta quando completou, inocente:
— Ah, e ele trouxe um lote novo de queijo da Serra da Canastra…
Feira da Haddock Lobo – 10h46 da manhã
— Isso é um sequestro. — Verena sussurrou, de óculos escuros enormes, calça preta de linho, tênis branco e uma camiseta cinza básica. O coque preso com pressa e um leve ar de “executiva em licença médica”.
Segurava uma sacola ecológica como quem segura uma sentença judicial.
— Eu devia estar deitada. Você prometeu que era só chá.
— E você prometeu que ia beber só uma taça ontem — respondeu Silvia sem nem virar, examinando tomates num estande.
O sol filtrava entre as tendas coloridas, senhoras passavam de chapéu e sacolas cheias, uma criança passou correndo com um algodão-doce azul e quase bateu na perna de Verena, que se desviou no último segundo.
— E o que é isso agora? — perguntou, olhando a barraca com abóboras. — Plantação de Halloween?
— Escolhe uns tomates pra salada de hoje. Anda.
Verena olhou a pilha. Olhou Silvia. Voltou pros tomates.
Pegou um meio mole.
— Esse? — mostrou com desdém.
Silvia riu alto.
— Esse tá passado. Tem que pegar firme, sem machucar, olha — pegou um e apertou de leve, mostrando como fazia.
Verena tentou copiar. Pegou um. Devolveu. Pegou outro. Olhou desconfiada.
— Eu sou deputada estadual. Não fui treinada pra isso.
— Você legisla sobre alimentação escolar e não sabe escolher um tomate.
— Eu assino projeto. Não molho a terra.
Silvia gargalhou, com aquele jeito doce que ela guardava só pra Verena.
— Vê... você é insuportável, sabia?
— Eu me esforço. — disse com um sorriso debochado, pegando um tomate firme e analisando como se fosse um artefato radioativo. — Esse serve, ou vai me reprovar também?
— Aprovo com ressalvas.
Foram andando mais algumas tendas. Silvia cumprimentava a moça das flores como se fossem velhas conhecidas, comentava com a senhora da banquinha dos temperos sobre a lavanda estar linda, e deu até um gritinho baixo quando viu um bebê de poucos meses no colo de uma mãe do bairro.
Verena observava tudo com um misto de espanto e rendição.
— Você se transforma aqui, sabia?
— Aqui sou feliz. — Silvia respondeu, sorrindo pra uma senhora com olhos azuis que vendia bolinhos de arroz.
— E eu sou o alienígena infiltrado entre os humanos. — resmungou Verena, olhando pra uma barraca de quiabos como se tivessem sido trazidos de outro planeta.
— Isso. Agora pega uma cebolinha. — Silvia apontou.
— Qual é a cebolinha?
— Ai, meu Deus…
Rua da Feira – 11h38 da manhã
Verena vinha alguns passos atrás. Ombros tensionados, boca contraída, óculos escuros já meio tortos no nariz. Carregava cinco sacolas cheias de tomates, alfaces, abóboras, chás, e até uma cachaça artesanal que a esposa comprou como agradecimento pelo enorme esforço, “só pra ela provar”. Os braços já formigavam.
Silvia, elegante com a blusa de linho branco levemente solta, caminhava com uma sacola leve de pano, onde repousavam apenas cebolinhas e um ramo de hortelã. Ela andava como quem passeava em Paris, enquanto Verena parecia ter saído de uma penitenciária rural.
— Posso saber por que eu tô carregando tudo?
— Você disse que queria exercitar a paciência.
— A minha paciência. Não o meu trapézio.
Silvia sorriu, nem um pouco arrependida.
— A gente tá casada. O peso é dividido, amor.
— Isso aqui é opressão doméstica.
— E você tá fazendo uma ótima primeira-dama de feira. — completou Silvia, pegando a chave na bolsa.
Apartamento – Cozinha – 12h05
Verena entrou bufando, largando as sacolas no balcão com um suspiro dramático.
— Se alguém me perguntar como foi meu domingo, vou responder: “carreguei abóbora.”
— E tomates moles. Não esquece os tomates moles que você quase comprou.
— Foi uma pegadinha sensorial. — rebateu, já abrindo a geladeira e enfiando a cabeça lá dentro. — Só essa temperatura aqui já valeu o esforço.
Silvia ria enquanto lavava os legumes na pia. A blusa levemente molhada nas mangas. O cabelo preso de lado com um prendedor de madeira.
— Vem cá, deputada. Hora de aprender a cortar tomate.
Verena ergueu uma sobrancelha.
— Jura que você vai me dar uma aula de horticultura culinária?
— Só até você parar de parecer uma personagem do Osmar, a primeira fatia do pão de forma. Vem.
Verena foi até ela, pegou a faca com relutância e encarou o tomate como se ele fosse emitir uma opinião política.
— Tá, e agora?
Silvia chegou por trás, segurando a mão da esposa com delicadeza, como quem ensina uma criança a andar de bicicleta. O toque sutil, quase inocente, fez Verena gelar por dentro. Não por causa do frio.
— Mão em garra, assim. Pra não cortar o dedo. — Silvia disse baixinho.
— Isso é sexy e assustador ao mesmo tempo.
— Tenta cortar em fatias finas.
Verena tentou. O primeiro corte foi torto. O segundo, idem.
— Tá ótimo, Cirurgiã das Verduras. — Silvia riu, pegando um pra mostrar como fazia.
Verena encostou na pia, observando. O sol entrava pela janela, batendo nas costas de Silvia, e pela primeira vez em dias, ela sentiu uma ponta de sossego. Um momento quase simples. Quase. Porque o nome "Valentina" ainda pulsava por trás da testa, feito uma febre.
Ela desviou os olhos, mas logo voltou a olhar a esposa.
— Você devia abrir um canal no YouTube. “Silvia Gourmet”.
— E você devia dormir mais. Tá com olheira até no queixo.
— Isso é charme. — rebateu. — Charme decadente, mas charme.
Silvia a olhou de lado e sorriu. Por um instante, o tempo parou ali — entre o barulho da água da torneira, o cheiro da hortelã recém-cortada, e as mãos de Verena segurando um tomate com medo de decepcionar.
Silvia secou as mãos, se aproximou devagar, e com um gesto rápido e suave, tirou os óculos de Verena.
— Pronto. Agora consigo ver seus olhos.
— Então me devolve os óculos. — Verena disse, sorrindo de lado, sem conseguir sustentar o olhar.
— Tá com medo de quê?
— Além de não enxergar nada e com uma faca enorme na mão. De tudo.
Silvia apenas passou os dedos pelos fios bagunçados no topo da cabeça dela, com aquele afeto silencioso que só os anos juntos ensinam.
— Vai tomar um banho. Eu cuido do almoço.
Verena hesitou.
— Posso só... ficar aqui mais um pouco?
— Claro. — Silvia respondeu, voltando pra pia.
Verena ficou ali, no canto da cozinha, sentindo o corpo relaxar pela primeira vez desde... nem sabia quando. Mas por dentro, ainda pulsava uma frase.
"Ela viu a mensagem?"
E era isso que doía mais: o silêncio.
Casa dos Moraes – Domingo, 12h17
Na cozinha apertada, Ana Paula picava cebola ao som de um louvor animado que saía de uma caixinha de som em cima da geladeira. A blusa amarela, já um pouco suada, colava nas costas com o calor do fogão. Entre as mãos rápidas e a voz afinada, ela cantava junto:
— “Se eu me humilhar… diante do Teu altar…”
No quintal, Carlos estava agachado, com uma chave de fenda meio enferrujada na mão e uma cadeira de madeira virada ao contrário. Suava também, mas cantarolava baixinho a mesma música da esposa, no ritmo da chave girando.
Na sala, a TV fazia barulho alto com a vinheta do programa Domingo Legal, e Isadora estava hipnotizada no sofá, rindo das brincadeiras de auditório com um copo de refrigerante na mão e um pacotinho de bolacha recheada no colo.
— “Mããããe, o moço vai cair no tanque d’água de novo!!” — ela gritava, gargalhando.
Valentina estava sentada na ponta do sofá, com os joelhos juntos, o celular firme nas mãos. Os olhos fixos. Nem piscava.
Ela estava no perfil. No perfil. De novo.
E... a mensagem.
Ali. No direct.
Duas palavras. Seco. Simples.
Mas era dela. Dela.
Valentina leu pela décima vez. Como se pudesse mudar. Como se houvesse subtexto. Uma vírgula, talvez, que ela não tinha notado. Respirou fundo. O celular quase caiu da mão. Digitou com o dedo trêmulo.
Valentina:
Carol
Ela me mandou boa noite
Carol:
EU TO TENDO UM INFARTO
AMIGA NÃO BRINCA COM ISSO
VC tem certeza que foi no DIRECT???
olha de novo
É a Verena mesmo???
Valentina largou o celular no colo e levou as duas mãos ao rosto, puxando o cabelo pra trás, prendendo a respiração como se tivesse feito uma besteira — mesmo sem ter feito nada. E depois pegou o celular de novo. Abriu. Conferiu.
Sim. Era o perfil oficial. Era ela.
Valentina:
Não é fake
É o perfil com verificado
Ela mandou isso ontem de noite
Eu nem respondi
Carol, eu tô perdida.
Carol:
Manda “bom dia”
ou “oi deputada”
ou finge demência e não responde
NÃO
RESPONDE
NÃO
ESPERA
ELA TÁ ONLINE????
Valentina olhou. Não estava.
Valentina:
Saiu
Carol:
Amiga, você tem noção?
Ela te mandou
Um boa noite
NO DIRECT
Valentina deu um risinho abafado.
Mas por dentro… Estava explodindo.
O mundo parecia distante. Nem ouviu o pai falando do quintal:
— Valen! Traz a fita isolante, filha!
— Hm? Já vou, pai… — respondeu sem levantar.
Ana Paula secou as mãos no pano de prato e olhou pra sala. De novo aquela expressão na filha. O olhar vidrado no celular. Mas dessa vez... tinha um sorrisinho. Pequeno. Envergonhado. Como se tivesse 13 anos de novo.
Carlos apareceu na porta da cozinha e olhou na mesma direção.
— Tá assim desde a hora que acordou.
Ana Paula apenas sorriu de leve.
— Deixa. Pelo menos tá rindo.
Isadora se aproximou com o copo vazio.
— Mãe, posso comer as bolachas que tão na parte de cima?
— Só mais duas, Isa.
Valentina não ouviu nada.
O celular vibrava de novo.
Carol surtando com áudios.
Mas ela não tinha coragem de apertar o play.
Ela só olhava. A mensagem parada ali:
Verena Castilho
“Boa noite 🌙”
E ela nem sabia como responder.
Casa da família Moraes — Almoço, 13h03
O almoço tinha saído. A mesa pequena já estava posta com o que dava. Um pano florido cobrindo o tampo lascado, os pratos de porcelana desiguais, talheres riscados espalhados sem rodem ao redor dos pratos, que
Ana Paula servia com cuidado, ainda com o avental florido por cima da blusa de malha. A boca ainda cantarolava um trechinho do louvor que agora vinha da caixinha mais baixinho, só de fundo.
— “Grandes coisas estão por vir... grandes coisas vão acontecer nesse lugar…”
Carlos entrou do quintal com as mãos ainda úmidas da pia externa, passou um pano no rosto e se sentou na ponta da mesa com aquele suspiro de quem já sentia fome.
— Conseguiu arrumar a cadeira? — perguntou Ana Paula, ajeitando o arroz no prato da filha mais nova.
— Mais ou menos. Amarrei com arame por baixo. Se ninguém sentar igual cavalo, aguenta mais um mês.
— Pai! — Isadora gritou do sofá, correndo com o copo de Guaraná. — Eu quero sentar do seu lado!
— Então vem, pequena. Mas ó, sem balançar a cadeira da mamãe, hein?
Valentina chegou mais devagar. Trazia o celular junto, mas quando sentou, deixou virado pra baixo sobre a mesa. Ainda com a mente num lugar que definitivamente não era ali.
Ana Paula percebeu, claro. A filha estava... diferente. O almoço seguiu de forma leve, com Isadora contando cada detalhe das cenas que viu no programa minutos atrás.
Ana Paula riu baixo e estendeu um guardanapo. O olhar dela passou discretamente por Valentina, que comia com mais apetite do que nos dias anteriores — o suficiente pra manter a mãe observando em silêncio, como quem agradece baixinho por cada garfada. Não era milagre. Não era como se tudo tivesse passado. Mas já era algo.
— Tá bom o frango, Valen? — ela perguntou, casual.
— Tá sim, mãe. Bem temperado.
Ana Paula sorriu e continuou mexendo no suco. Nada de comentários grandiosos. Já estavam todas cansadas de peso, de silêncio. Só o fato de a filha estar ali, respondendo, comendo, participando, era um conforto que não precisava ser dito em voz alta.
O celular da Valentina, escondido entre o joelho e a borda da mesa, piscava de vez em quando. A notificação de mensagem estava ali, chamando. “Carol”.
Ela queria ver. Queria muito. Mas também queria fingir que estava normal, que era só mais um domingo comum, que não tinha passado a manhã ouvindo o áudio da amiga umas sete vezes e voltando a foto da deputada segurando a taça de vinho, analisando cada sombra, cada parte da foto, cada mínimo indício de que sim, aquilo tinha sido pra ela.
“Uma taça. Um emoji. Um ‘boa noite’. E um terremoto inteiro aqui dentro.”
— Você já falou com a Carol hoje? — Carlos perguntou de repente, com naturalidade, passando o sal pra Ana Paula.
Valentina ergueu os olhos por um segundo, sem entender se o pai tinha visto o celular. Mas ele estava só servindo a comida.
— Falei de manhã, rapidinho.
Carlos assentiu.
— Bom saber que vocês tão se falando. Ela é uma boa menina.
— É sim — respondeu Valentina, quase num sussurro, voltando os olhos pro prato.
Isadora falava de um quadro do programa do Celso Portiolli, imitando alguém que tinha caído numa piscina ao vivo. Ana Paula tentava conter o riso, e Carlos já estava com o copo na mão, ouvindo meio distraído.
Valentina ficou em silêncio. Comeu mais uma garfada. E, sem conseguir se conter, desbloqueou o celular embaixo da mesa e respondeu rápido à Carol:
Valentina:
Ela não disse mais nada.
Só aquilo. Boa noite.
Só isso…
Mas não paro de pensar.
A resposta veio em segundos.
Carol:
SÓ ISSO?
Como assim só isso?
Valen, é o suficiente.
A mulher tá dando sinal.
Isso é um código secreto do flerte político.
Valentina mordeu o lábio e engoliu a risada. Disfarçou bebendo o suco. Isadora agora imitava o apresentador do programa e batucava na mesa como se fosse microfone.
— Você viu esse quadro, Valen? — a irmã perguntou, animada.
— Vi sim, Isa. — sorriu — Mas no sábado. Repete tudo né?
— Repeeeete! — ela respondeu, fazendo graça.
Ana Paula passou o pano de prato no colo e olhou pela janela entreaberta, onde o sol já batia quente no quintal. Carlos se levantou, ajeitou a cadeira com cuidado, e pegou o martelo que tinha deixado no cantinho da pia. A vida seguia. As tarefas miúdas, as vozes sobrepostas, o cheiro do tempero. E ali, no meio de tudo, Valentina, com o coração disparado, tentando parecer normal.
Mas não havia nada de normal naquela tarde. Não com uma mensagem tão simples, e tão perigosa, esperando no inbox.
Apartamento de Verena e Silvia — Sala de estar, domingo, 15h17
A luz da tarde entrava preguiçosa pela varanda, riscando o chão com faixas de sol. O silêncio da casa só era interrompido pelo som baixo da TV — um episódio aleatório de algum programa de culinária reprisando em um serviço de streaming. Coisas que só o domingo oferecia: tempo e nenhum senso de urgência.
Silvia estava recostada no canto do sofá, elegante mesmo de short e blusa leve, as pernas cruzadas com cuidado, como se sentasse para um chá no jardim. Segurava a taça de vidro com o sorvete de pistache que havia preparado com todo cuidado depois do almoço. Tinha até colocado raspas de limão por cima. Ela tinha perguntado:
— Quer também?
Verena, que estava largada do outro lado do sofá, com uma almofada no colo e as pernas jogadas por cima das da esposa, fez careta e respondeu, sem nem abrir os olhos:
— Deus me livre! Não vou comer nada até o Natal.
Cinco minutos depois, estava com a colher da esposa na mão.
— Você tem um problema sério, Verena. — Silvia disse, sem conter o riso.
— Um problema? — ela arqueou uma sobrancelha, enfiando outra colherada na boca. — Isso aqui é solução. Você que fica me oferecendo essas coisas indecentes em pleno domingo à tarde.
— Ofereci, você disse que não queria.
— E você acreditou? — Verena abriu um sorriso torto, um daqueles que faziam Silvia perder o foco por um segundo. — Que falta de leitura corporal, doutora Silvia.
Silvia girou os olhos, mas o canto da boca subia. Era sempre assim. A mulher negava, fingia desinteresse, mas bastava ver a colher indo em direção à boca que se esquecia de tudo.
Verena abriu os lábios e aceitou o próximo pedaço com uma lentidão quase provocativa, os olhos semicerrados. A colher deslizou pela língua, e um suspiro abafado escapou, não se sabia se pelo sorvete gelado ou pelo calor que o toque de Silvia começava a provocar embaixo da manta fina que cobria as duas.
— E aí? —Soltou, com a voz arrastada, enquanto empurrava a almofada e se aproximava mais do corpo da esposa, como se buscasse calor mesmo sob o abafado da tarde. — Que horas a gente se joga na cama e finge que o mundo não existe?
— Não começa, Verena. — Silvia disse, o tom quase maternal. Passou a colher por cima do sorvete derretido e a levou à própria boca. — Acabamos de almoçar. A ideia era descanso, não incêndio.
— Incêndio é o que você provoca com esse jeito blasé. — Verena esticou o braço e pegou mais uma colherada. — Vai dizer que essa colherada aqui não é um convite?
— Não. É pistache. E era minha.
Verena riu, jogando a cabeça pra trás no encosto do sofá.
— Fala sério... você adora quando eu roubo de você. Tudo.
Silvia não respondeu. Estava com a boca ocupada e os olhos ocupados em fingir que não gostava de ouvir isso. Mas o corpo dela entregava — o jeito como deixava as pernas entrelaçadas às da esposa, como não empurrava a cabeça que agora se apoiava devagar no seu ombro.
Por um tempo, ficaram em silêncio. A TV seguia com receitas de massas e sobremesas. O cheiro de comida ainda pairava pela casa. Um domingo comum. Ou quase. Verena girava a colher entre os dedos. A taça ainda era da Silvia, mas já parecia compartilhada. A cada nova colherada, ela encostava um pouco mais. O olhar perdido, o pensamento longe. Tinha segurado o celular mais cedo. Olhado. A notificação do Instagram ainda lá. Nenhuma resposta. Nenhum visto.
Silvia percebeu.
Estavam enroscadas. Pernas entrelaçadas, pés descalços, joelhos em contato constante. O braço de Verena repousava por trás do encosto, como se quisesse manter Silvia ali colada a si por mais tempo — ou talvez só fingisse que era distração.
O celular da deputada vibrava de vez em quando ali na mesinha ao lado. Ela não tinha coragem de virar a tela pra cima. O direct ainda não tinha resposta. O “boa noite” ainda estava ali, sozinho. Ignorado.
Ignorado por uma adolescente.
E mesmo assim, o pensamento era constante, corrosivo, absurdo.
Ela apertou os olhos por um segundo, como se isso pudesse empurrar Valentina pra fora da cabeça. Mas era inútil. Era como tentar parar uma febre com pensamento positivo.
Silvia, por outro lado, parecia em paz. Passava a colher lentamente nas laterais da taça, como quem traçava círculos hipnóticos no vidro. A mão livre se movia com naturalidade pela coxa da esposa, alisando, tocando de leve por cima da calça.
— Tá com a cabeça onde? — Silvia perguntou, sem tirar os olhos da colher. A voz baixa, insinuante. Sabia perfeitamente a resposta, mas não queria estragar o clima.
Verena demorou pra responder. Passou a mão nos próprios cabelos, jogando-os de um lado pro outro, depois se ajeitou na posição, aproximando mais o quadril ao corpo da esposa.
— Tô aqui, ué... — mentiu, rindo sem graça. — Com a mulher mais linda dessa casa.
Silvia arqueou uma sobrancelha.
— Dessa casa? Que sorte a minha, então. Concorrência tava pesada.
Verena gargalhou, e a risada foi se perdendo conforme Silvia pousava a taça na mesinha, com calma. Sem aviso, levou os dedos ainda gelados até a cintura da esposa, que deu um pulo leve, rindo mais ainda.
— Você quer me matar do coração?
— Quero ver se ainda tá batendo. Tá tão quietinha hoje...
Verena fez que não com a cabeça, encostando a testa no ombro de Silvia.
— Só tô com a cabeça cheia. Uma semana longa... sabe como é.
Silvia não insistiu. Apenas continuou passando a mão devagar por baixo da blusa dela, que tinha levantado um pouco, deixando à mostra a pele quente do abdômen.
Verena olhou pra ela como se fosse um convite. Sem dizer nada, encostou a boca no pescoço da esposa. Um toque só. Mas foi o suficiente pra Silvia fechar os olhos e se ajeitar ainda mais, colando os corpos.
O clima era morno e lento, como o domingo. As pernas se reencontravam entre os lençóis embolados. O sorvete já não era mais prioridade. Mas Silvia pegou a taça novamente e ainda encheu mais vez a colher e levou à boca da esposa.
— Só mais essa — disse.
— Você fala isso desde a terceira.
— E você aceita desde a segunda. Então cala a boca e abre.
Era estranho como Silvia, com toda a doçura calma que tinha, conseguia silenciar até as febres mais desordenadas dentro dela. Era só um sofá, só uma tarde qualquer. Mas ali, naquele espaço apertado de corpo e taça, Verena encontrava algo que o resto do mundo não dava: trégua.
E mesmo com Valentina ainda pulsando dentro da mente — com aquele direct não respondido como uma agulha atravessada no peito —, ela se permitiu ficar ali. Em silêncio. Fingindo que não queria abrir o celular de novo.
Mas só por um instante.
Silvia pegou a última colherada. Levou à boca da esposa, que abriu os lábios com um sorriso debochado.
— Última, eu juro — Verena repetiu, com aquele tom irônico, abrindo a boca com falsa inocência enquanto Silvia levava a colher.
Ela fechou os lábios com gosto, sugando o sorvete devagar, deixando um fiapo do pistache escapar pelo canto da boca. Silvia ia limpar com o dedo, automática, mas Verena virou o rosto e lambeu por conta própria, com aquele olhar cínico, lascivo, que fazia a espinha da outra enrijecer.
— Você faz isso de propósito — Silvia murmurou, baixinho, tentando manter o controle.
— O quê?
— Essa… cara. Essa sua falta de modos.
— Falta de modos? — Verena fingiu indignação, se aproximando devagar, o rosto a centímetros. — Eu só tô... aproveitando. Você não disse que domingo era dia de descanso?
— Descanso — Silvia respondeu, deixando a taça de lado no chão com cuidado — não de provocação.
A respiração das duas já se misturava.
Verena encostou o nariz no da esposa. E sussurrou, com a voz baixa, carregada:
— E se eu quiser os dois?
As mãos da deputada deslizavam devagar pela cintura fina, e o beijo que veio logo depois tinha mais do que desejo — tinha um pedido silencioso de socorro. E não foi delicado.
Foi um tropeço. Uma urgência abafada há tempo demais. Línguas que se encontraram tortas, com os ritmos desencontrados de quem deseja antes de pensar. A boca de Verena pressionava com força, a língua invadia sem pedir licença.
Como se ela dissesse, com a boca colada à da esposa: me distrai. Me salva de mim mesma.
E Silvia, mesmo com o coração ainda carregando mágoas antigas, parecia ler o pedido sem que ele fosse falado. Beijou com força, com entrega, com aquela intensidade que fazia Verena esquecer que o mundo lá fora estava caindo. Que tinha um escândalo rondando. Que uma garota de dezesseis anos, num bairro simples do Ipiranga, ainda não tinha respondido sua mensagem.
As mãos se procuravam — uma no rosto, outra no pescoço, depois na cintura. As pernas, ainda entrelaçadas, apertavam mais. Verena se inclinava sobre ela com o corpo inteiro, meio jogada, meio impaciente. Silvia gemia baixo contra a boca da esposa, sufocando o som para não perder o fôlego.
O beijo se arrastava, molhado, ruidoso. As bocas se soltavam só por milímetros, os olhos nem abriam. Um beijo sem pausas, com as línguas esbarrando, deslizando, escorregando uma na outra com uma fome desajeitada que só existe entre quem já se conhece por dentro.
— Você tem gosto de... pistache e indecência — Silvia murmurou, ofegante, com o nariz encostado ao da esposa.
— Eu sou o seu inferno gourmet — Verena respondeu, puxando o cabelo dela com delicadeza na nuca, e atacando a boca mais uma vez.
Agora mais lento, mais firme. A língua entrando com precisão, como quem sabe exatamente onde provocar. Silvia gem*u de novo, mais alto, e mordeu o lábio inferior da outra com leveza, fazendo Verena rir no meio do beijo.
— Cala a boca — Silvia sussurrou, puxando-a de volta pela nuca.
— Me manda de novo — Verena provocou, os olhos semicerrados, sujos de desejo.
Mais uma sequência de beijos veio. Longos. Quentes. Os sons das bocas preenchiam a sala silenciosa, abafados apenas pelas respirações cada vez mais pesadas. A colher no chão, a almofada escorregando, e o sofá começando a ranger, cúmplice do tropeço lento das mãos que agora exploravam as curvas por cima da roupa.
Silvia puxou a blusa da esposa devagar, até mostrar um pedaço da barriga. Verena arqueou o corpo, deixando, querendo mais.
Mas foi Silvia quem parou primeiro. Encostou a testa na da esposa, ainda ofegante, os olhos fechados.
— Amor... Agora não.
Verena engoliu em seco. O corpo ainda queria. A boca ainda fervia. Mas ela assentiu. Beijou carinhosamente a testa de Silvia, colocando uma mecha do cabelo castanho atrás da orelha.
Elas não disseram mais nada. Só ficaram ali, unidas, grudadas, com os corações acelerados e as pernas trançadas como promessa adiada.
O gosto do pistache ainda estava nos lábios.
Mas o gosto do desejo — esse ficaria até a noite.
Casa da Valentina — Quarto das irmãs, domingo, 16h48
O ventilador velho, apoiado na cadeira de plástico perto da porta, fazia um barulho intermitente, meio engasgado. Girava devagar, balançando as folhas do caderno esquecido na cama.
Valentina estava sentada no colchão, de pernas cruzadas, com o celular apoiado nos joelhos. A tela ainda mostrava a última notificação do Instagram. Aquela que ela já tinha lido dezenas de vezes.
“Boa noite 🌙”
Só isso. Mas o mundo inteiro parecia comprimido nessas duas palavras.
Ela leu de novo. E mais uma vez. E outra. O coração disparava toda vez como se fosse a primeira. Não tinha respondido ainda. Não conseguia. Tinha medo. Tinha vergonha. Tinha aquela sensação de que... se dissesse qualquer coisa, estragaria tudo. Ou, pior: confirmaria tudo.
— Ai, meu Deus... — sussurrou, com a voz engasgada, jogando o celular no travesseiro e cobrindo o rosto com as mãos.
Tentou respirar. Deitou de lado. Virou de novo. Sentou na cama. Levantou. Foi até a janela. Voltou. E pegou o celular com raiva. Ela fechou os olhos, puxou o ar devagar. O celular tremia na mão. Apertou pra chamada.
Ligou.
— Fala, dramática. — Carol atendeu com aquele tom meio debochado, meio carinhoso.
— Eu não aguento mais... — Valentina desabou de cara, voz baixa, já engolindo as palavras.
— Valen, pelo amor de Deus! RESPONDE! Só isso. Responde esse boa noite. Nem que seja um emoji de lua, um "você também", qualquer coisa.
— Eu não consigo. — Ela dizia como quem admitia uma falha grave.
— Mas por quê?
Valentina respirou fundo, os dedos apertando a borda do celular.
— Porque… se eu responder, vira real. Aí não tem volta. Aí ela pode... querer mais. Ou pior: pode sumir. E se ela acha que eu tô gostando dela? E se... e se ela descobrir tudo?
— Ué, mas você tá gostando mesmo, não tá? — Carol rebateu no ato, como quem diz: qual é o problema?
Valentina ficou em silêncio. O rosto vermelho como tomate maduro, as bochechas quase ardendo.
— Carooool...
— Que foi, menina? — ela riu do outro lado. — Você tá apaixonada. Todo mundo já entendeu. Só falta você aceitar.
Valentina tombou a cabeça pra trás, rolando na cama, afundando o rosto no travesseiro com um gemido abafado.
— Eu vou morrer…
— Vai nada. Vai viver é um romance de novela. Olha só, depois de tudo o que você me contou da deputada… aquela quase-beijoca no carro, o clima, o olhar, a tensão... — ela deu uma pausa dramática. — Amiga, essa mulher tá a fim. E tipo... não parece que ela tá só testando não.
Valentina continuava deitada, agora só os olhos pra fora do travesseiro.
— Não fala assim...
— Assim como?
— Como se fosse fácil. Como se fosse certo. — Ela virou o rosto, encarando o teto rachado com os olhos cheios de confusão. — Ela é casada, Carol. Ela é uma deputada. Eu tenho dezesseis anos. Eu... eu sou uma menina qualquer da Zona Sul que divide o quarto com a irmã e fica vermelha com um emoji de lua.
— E ela é uma mulher feita que manda "boa noite" pra essa mesma menina qualquer da Zona Sul. Valen... você tem noção disso?
Valentina não respondeu. Estava tão dividida entre o medo e a felicidade que o corpo parecia pequeno demais pra tanta coisa ao mesmo tempo. Um formigamento nos dedos, o coração aos pulos e uma vontade absurda de sorrir... misturada com a de chorar.
— E quer saber? — Carol seguiu. — Se ela tiver mesmo a fim, vai ser fácil de descobrir. Uma resposta sua e, ó... a dona Verena se entrega. Tô até vendo.
— PÁRA... — Valentina cobriu o rosto de novo, agora com as mãos. — Eu vou vomitar.
— Vai nada. Vai é beijar essa mulher se ela aparecesse aí na sua frente agora.
— Eu não tenho coragem.
— Então eu respondo por você.
— Não, Carol! — ela quase se sentou, assustada.
— Brincadeirinha. Mas sério… responde logo esse boa noite antes que eu surte no seu lugar.
A menina ficou em silêncio. A voz da mãe vinha abafada do outro cômodo: “Isa, tira esse shampoo do tanque agora, menina! Vai gastar tudo!” E Isadora retrucava, sem pressa.
Valentina olhou pra parede descascada do quarto. Sentiu os olhos arderem. Carol ficou em silêncio por dois segundos. Depois, soltou um:
— Tá. Calma. Respira. Tá respirando?
Valentina assentiu, mesmo sabendo que a amiga não podia ver.
— Eu não sei o que fazer — sussurrou. — Meu coração tá doendo, mas tá feliz, sabe? E... eu fico pensando onde ela tá agora, com quem, o que tá fazendo. E se... se ela mandou isso porque tava... com saudade. Ou sei lá.
— Valen... — a voz da Carol veio mais suave, mais cuidadosa — ...isso é muita coisa pra guardar sozinha mesmo. Você fez certo em me ligar, tá?
Silêncio.
— E o pior é que... eu queria responder. Mas fico com medo. Medo dela... dela ter mandado só por impulso. Medo de... parecer errada. De... errar com Deus, com minha família, com tudo.
— Ai, amiga... — Carol suspirou. — Você não é errada. Tá sentindo. E sentir não é errado. O que ela fez... talvez não seja certo. Mas o que você sente? Isso não é pecado, não é crime, não é nada disso. É só amor, Valen. Amor bagunçado, complicado, mas ainda amor.
Valentina mordeu o lábio. Deitou de novo, o celular colado na orelha, abraçada ao travesseiro.
— Eu queria ver ela agora. Só... ver. Pra saber se ela também sente. Se o que eu vi naquele quase beijo... era real.
— Era. — Carol respondeu sem hesitar. — E essa mensagem? É tipo... ela dizendo: “eu ainda tô aqui”.
Valentina sentiu as lágrimas escorrerem, silenciosas.
— Carol... será que um dia... eu vou poder amar alguém assim, sem medo?
Do outro lado, a amiga demorou. Mas respondeu com firmeza:
— Você vai. Talvez não agora. Talvez não ela. Mas você vai. Porque você tem um coração lindo demais pra não ser amado direito. E sem medo.
Valentina sorriu, ainda aflita, com os olhos marejando. Queria tanto. Mas queria com medo. Queria com culpa. Queria com uma felicidade que mal sabia nomear.
No quintal, Isadora agora penteava as bonecas com uma escova quebrada. Na sala, Celso Portiolli ria de uma competição de torta na cara. E no coração da Valentina… tinha uma mulher de quase trinta anos, com nome de estrela e o poder de virar seu mundo com duas palavras e um emoji.
Plenário Juscelino Kubitschek – Alesp | Segunda-feira, 15h
O ambiente estava carregado. Os corredores da Alesp, sempre agitados nas segundas, pareciam pulsar com uma tensão específica naquele dia. Na tribuna, a pauta era explosiva: um projeto de lei que propunha o corte de verbas destinadas à educação sexual nas escolas públicas do estado.
No plenário, dezenas de deputados se revezavam nas falas, em tons que variavam entre o populismo alarmista e a defesa técnica das diretrizes curriculares. Na galeria, representantes de entidades estudantis, ONGs e professores acompanhavam atentos — alguns com cartazes silenciosos nas mãos, outros murmurando em coro a cada argumento torpe vindo da direita mais conservadora.
— …e por isso, defendemos o redirecionamento desses recursos para reforço escolar em português e matemática, disciplinas que realmente preparam o jovem para o mercado — finalizou o deputado Rodrigo Carmona, sorrindo para a base, como quem espera aplausos.
No canto esquerdo da bancada progressista, Verena Castilho anotava algo em seu bloquinho enquanto ouvia com o cenho franzido a explanação do deputado do partido Patriota, como quem ouve um tutorial de como perder a dignidade em público. Usava um blazer cru sobre a blusa preta, os cabelos soltos, lisos, impecáveis. Ao seu lado, Rafaela, discreta, mas atenta, observava os movimentos do plenário com um olho nos adversários e outro no cronômetro interno.
— Vê, se você for subir, é agora. O líder deles acabou de pedir tempo de fala — sussurrou Rafaela, inclinando-se levemente.
Verena sorriu de canto.
— Que ótimo. Nada melhor do que refutar alguém com microfone ainda quente.
Ela se levantou com calma, pegando o celular antes de ir. Checou a tela: nenhuma resposta de Valentina. Suspirou. E seguiu para a tribuna.
— Deputada Verena Castilho, com tempo regimental de 5 minutos. — anunciou o presidente da mesa.
Ela ajeitou o microfone com elegância, e seu olhar varreu o plenário como quem tomava posse da própria presença.
— Deputado Carmona… fico impressionada com a sua preocupação com a matemática. Imagino que seja por isso que seu gabinete gaste tanto tempo tentando subtrair direitos, dividir a sociedade e multiplicar desinformação.
A plateia reagiu com um misto de gargalhadas abafadas e vaias. Rafaela, sentada logo atrás, sorriu com orgulho e um tantinho de “ai, lá vem bomba”.
— Senhor presidente, senhoras e senhores parlamentares... — começou, a voz firme, educada, mas com o veneno elegante que só ela sabia destilar. — Confesso que, às vezes, tenho a impressão de estar participando de uma peça tragicômica nesta casa. Vejam bem: estamos discutindo o corte de verbas para um dos poucos componentes curriculares que, de fato, salva vidas.
Vozes já começaram a se mover em tom de reprovação. Ela ignorou.
— Educação sexual não é sobre "ensinar depravação", como alguns gostam de sugerir em seus vídeos no Instagram. É sobre ensinar crianças e adolescentes a reconhecerem abuso, a protegerem seus corpos, a compreenderem consentimento. Mas claro... talvez o problema seja exatamente esse.
Alguns deputados murmuraram mais alto.
Verena continuou.
— O que me assusta não é o projeto em si — que já é um desserviço. O que me assusta é ver colegas desta Casa, pagos com dinheiro público, defenderem a ignorância como se fosse valor de família. Como se desinformação fosse virtude.
Nesse momento, o deputado Carmona, conservador raiz, conhecido por seus rompantes e vídeos virais, se levantou com o rosto já avermelhado.
— A senhora está me chamando de ignorante, deputada?
Verena não perdeu o ritmo.
— Se a carapuça serviu, deputado, recomendo trocá-la por um capacete. A realidade tem batido forte.
A galeria riu e a mesa diretora precisou intervir:
— Ordem, por favor. Deputado, a senhora ainda está com a palavra.
Mas Rodrigo estava fora de controle.
— É por isso que essa Casa tá desse jeito! Esses esquerdistas arrogantes, que acham que têm o monopólio da verdade! A senhora não me respeita como pai de família nem como parlamentar!
— O senhor me desculpe, deputado — rebateu Verena, fria como aço. — Mas respeito se conquista. E até agora, o que o senhor conquistou foi só visualização em Reels.
Um “oooooooh” percorreu o plenário.
Carmona avançou alguns passos, como se fosse subir até a tribuna.
— Vai repetir isso aqui embaixo, Castilho?
Rafaela já se levantava, o segurança da Alesp se posicionava discretamente entre as cadeiras.
Verena se manteve parada, imóvel, como uma rocha.
— Eu repito em qualquer lugar. O senhor quer vir aqui ou vai me mandar um vídeo anônimo com ameaça de morte como fez com o último adversário que discordou?
— ORDEM NO PLENÁRIO! — gritou o presidente da sessão, batendo com força a campainha. — Deputado Rodrigo, Vossa Excelência está advertido! Mais um ato de desrespeito e será convidado a se retirar!
O deputado recuou, bufando, ainda soltando xingamentos que o microfone não captava mais. A sessão ficou em suspenso por alguns minutos. Verena, ainda de pé na tribuna, girou os ombros com calma, respirou fundo, e concluiu:
— Se ofender tanta gente for o preço por defender a vida das nossas crianças, podem me chamar do que quiserem. Mas retirem as mãos das verbas que protegem nossos alunos. Porque esse corte, sim, é criminoso.
Aplausos irromperam da galeria.
Ela desceu da tribuna com a calma de quem acabara de assinar um cheque em branco de credibilidade. Sentou-se novamente ao lado de Rafaela, que apenas sussurrou, com a ironia no tom:
— E você ainda reclama que não recebe flores...
Verena sorriu, meio exausta.
— Prefiro votos. Dão menos trabalho.
E o plenário continuava a ferver.
Corredores da Alesp – 15h50 | Logo após a sessão
A confusão começou pequena, como quase sempre: um olhar atravessado, um comentário sussurrado alto demais, uma repórter de bastidor com o celular em mãos e faro aguçado. Os corredores do terceiro andar fervilhavam de jornalistas, assessores e parlamentares saindo da sessão, ainda repercutindo o embate de Verena na tribuna.
Verena saiu da sala já com a postura dura, blazer impecável, as pernas longas cruzando o corredor com rapidez. Ao lado dela, Rafaela tentava convencê-la a ir direto para o gabinete.
— Vê, deixa eles falarem sozinhos, por favor. Já deu. — sussurrava, tensa.
Mas Verena parou. O deputado Carmona, suado e ainda vermelho, estava a poucos metros, cercado por dois assessores. Assim que a viu, inflou o peito e grunhiu como um touro prestes a estourar o cercado.
— Vai sair se achando, né, sua arrogante?
Verena apenas arqueou a sobrancelha, como quem vê uma criança berrando no supermercado.
— Engraçado, deputado. Achei que já tivesse ido embora pra assistir à sua live sobre a "ditadura gayzista". Ou vai fazer aqui mesmo? Quer que eu segure o microfone?
Rodrigo avançou, o dedo em riste, as câmeras já se aproximando.
— Isso! Faz piada mesmo, debocha! Deve ser fácil, né? Quando se vive em suruba de sapatão com dinheiro público!
Silêncio. Por dois segundos.
O sussurro cortou o ar.
Verena riu. Um riso seco, sem humor, quase perigoso. Rafaela segurou o braço dela — era tarde demais.
— Suruba? — ela disse, o tom gélido. — Engraçado ouvir isso de um homem que já se casou quatro vezes e, segundo a própria ex-mulher, não consegue manter nem a cueca limpa.
Algumas pessoas riram, um assessor filmava tudo. O rosto dele virou um tomate.
— Cuidado, deputada...
— Cuidado você, Rodrigo. Porque eu sou mulher, lésbica e tenho mais honra do que você jamais vai ter. E quer saber? — ela deu um passo à frente, olhando direto nos olhos dele — eu sou mais homem do que você já foi um dia.
O corredor explodiu. Microfones se levantaram. Alguém gritou “segurança!”, enquanto um assessor do deputado tentava contê-lo. Rodrigo avançava de verdade agora, o rosto transtornado.
— Vai tomar no seu c... sua desgraçada! Isso aqui não é lugar de sapatona promíscua!
— E não é lugar pra frouxo também, mas olha você aqui. — rebateu Verena, firme.
— VAGABUNDA!
A segurança finalmente se meteu no meio. Rafaela já estava entre os dois, puxando Verena com força, os braços abertos como uma muralha. Dois seguranças da Alesp cercaram o deputado, enquanto outros tentavam manter os jornalistas afastados.
Verena, ofegante, mas intacta, ajeitou o cabelo atrás da orelha. A voz voltou mais baixa, mas cortante:
— Machista, misógino, homofóbico... E ainda por cima, medíocre. Deve ser difícil dormir assim.
— Ainda vai ver onde isso vai parar, Castilho!
— Na sua terapia de raiva, espero. Porque aqui, quem perdeu a linha foi você. Mais uma vez.
Ela se virou, sendo puxada pelo braço pela amiga. A multidão ainda fervilhava, vozes se atropelando. As câmeras já transmitiam o vídeo pelas redes. Nos grupos de bastidores, a frase “sou mais homem que você” já era sticker e manchete.
Gabinete da Verena – minutos depois
Ela entrou e jogou o blazer com força na cadeira. Estava tremendo. Rafaela trancou a porta e ficou em silêncio por alguns segundos.
— Tá tudo sendo postado, Vê. Vai dar repercussão.
— Ótimo. Eles queriam barulho? Vão ter trovão.
Rafaela se aproximou devagar.
— Tá bem?
Verena engoliu em seco.
— Não. Mas eu tô viva. E se tem uma coisa que eu aprendi, é que homem assim só late. Quem morde, sou eu.
Gabinete da Verena – 17h30
O silêncio era espesso. Só o som do ar-condicionado zumbia no fundo. Verena estava em pé, encostada na janela, os braços cruzados. A cidade fervia lá fora — e dentro do gabinete também.
Rafaela entrou apressada, celular em uma mão e o tablet na outra, a expressão carregada.
— Vê... saiu nota no Painel, Antagonista, Estadão... tá viral. Até o Choquei postou, com montagem sua de terno e gravata.
Verena não sorriu. Apenas suspirou, ainda de costas.
— Eles editaram o vídeo?
— Claro que sim. Cortaram a parte do ataque homofóbico. Deixaram só você falando que é mais homem que ele.
Ela virou, cansada.
— Ótimo. Agora vão me chamar de “macho alfa da esquerda identitária”.
Rafaela assentiu, jogando os links no tablet.
— O partido já mandou mensagem. O líder da coordenação quer falar com você. E o jurídico tá preocupado... o Carmona tá dizendo que vai representar por quebra de decoro.
Verena bufou, passando a mão no rosto.
— Ele me chama de promíscua, de sapatona desgraçada, e eu sou a que comete quebra de decoro?
— A diferença é que você falou alto. — Rafaela respondeu, com ironia amarga.
Verena se sentou na poltrona de couro, finalmente deixando o cansaço cair nos ombros.
— Que horas é a coletiva dele?
— Dez da manhã. Vai tentar capitalizar. Já tá dizendo que você agrediu a honra dele.
— Honra? — ela deu uma risada seca. — O homem traiu a última esposa com a assessora de imprensa dentro do gabinete. Tem até print.
Rafaela riu pela primeira vez no dia.
— Mas print não vira manchete. Sua fala vira.
...
O ar-condicionado parecia inútil diante do calor que subia pelas paredes do gabinete. O vídeo já estava em todos os lugares. As manchetes pipocavam como milho em panela quente.
“‘Sou mais homem do que você!’: Verena Castilho protagoniza bate-boca homofóbico na Alesp”
“Deputado Rodrigo Carmona ataca colega com insultos sexistas e homofóbicos; confusão é contida por segurança”
“Verena responde com ironia e acusações pessoais: ‘Não consegue manter nem a cueca limpa’”
A assessoria de imprensa do partido já havia ligado três vezes. A quarta veio com o nome do presidente estadual no visor.
Verena não atendeu.
— Isso vai dar problema... — murmurou Rafaela, lendo o Twitter.
Ela estava sentada no sofá, com o notebook no colo e o celular em outra mão. Os stories no Instagram mostravam trechos do vídeo com trilha sonora dramática, gifs de fogos e montagens de Verena com óculos escuros e legenda “lendária”.
Mas os grupos da bancada estavam fervendo. E o grupo da coligação, pior ainda.
— A base tá dividida. Tem gente te chamando de heroína, tem gente dizendo que você extrapolou. — Rafaela completou, olhando com preocupação.
Verena não disse nada de imediato. Estava debruçada na mesa, apoiando a cabeça sobre as mãos, os dedos apertando as têmporas como quem tenta impedir uma tempestade de começar por dentro.
— Eu não extrapolei. Eu reagi. — disse, enfim, entre os dentes. — Aquele troglodita me chamou de promíscua, de vagabunda. Isso é crime.
— Eu sei. Só que...
— Só que o partido quer que eu me desculpe por me defender. — cortou ela, amarga. — Querem que eu seja o alvo e sorria pra câmera enquanto sou fuzilada.
— O líder da bancada mandou mensagem agora. Quer “entender o que aconteceu”.
— Mandou no pessoal ou no grupo?
— No pessoal.
Verena riu de um jeito seco, sarcástico.
— Então já decidiram que vão lavar as mãos. Se fosse pra me defender, teria sido no grupo. No plenário. No microfone. Mas não: querem entender. Vão chamar de “excesso dos dois lados”.
Rafaela se levantou e se aproximou devagar.
— Vê... Eu tô contigo, mas precisa pensar em como responder. A imprensa vai querer uma coletiva. Já tem nota da OAB sobre o ataque homofóbico. Vão usar seu nome como bandeira — e como alvo.
Verena se virou, os olhos vermelhos de raiva.
— Eu sou política, Rafa. Não freira. Não vou fingir que nada aconteceu. Aquilo ali... — ela apontou para a tela do notebook, onde Rodrigo gritava feito um animal — … é o retrato de tudo que eu combato.
— Eu sei. Mas se for pra enfrentar, tem que ser com estratégia. Responde com nota? Dá entrevista? Ou se cala e deixa o vídeo falar sozinho?
Silêncio. Verena puxou o celular e viu dezenas de notificações. Mensagens de apoio, de ódio, de jornalistas, de colegas. Uma, porém, fez seu estômago revirar:
Amor:
“Vi o vídeo. Me liga quando puder.”
Ela largou o celular devagar.
— Escreve uma nota. Sem me desculpar. Mas com dados. Cita a lei 7.716/89. Cita a jurisprudência. Deixa claro que eu fui atacada. E que não aceito intimidação de macho fracassado.
— Certeza?
— Certeza. E prepara a entrevista com a repórter da Folha. Aquela que odeia o Rodrigo. Vai ser um prazer.
Rafaela sorriu de leve. Mas sabia que aquela movimentação ia custar caro. A ala mais conservadora do partido já se organizava para pressionar a liderança a frear a “Verena-show”.
O gabinete era um redemoinho. E no centro dele, Verena cruzou as pernas, encostou-se na cadeira com um copo de água na mão, e murmurou:
— Se quiserem briga... vieram ao endereço certo.
Escritório de Silvia – Meio da tarde
O sol da tarde entrava tímido pelas persianas do décimo segundo andar, banhando em dourado o ambiente elegante e minimalista do escritório de Silvia Alencar. O espaço era exatamente como ela: sóbrio, organizado e de uma beleza discreta. Móveis em tons neutros, uma estante refinada com livros de direito e política, uma poltrona de couro caramelo no canto. Sobre a mesa, um Macbook aberto, algumas anotações manuscritas à esquerda e uma caneca branca, já esquecida, com o logo do escritório.
Silvia estava de pé, em frente à janela, vestindo um blazer de linho azul-claro, que combinava com a leveza calculada do vestido de cetim off-white. Os cabelos estavam presos num coque impecável, mas uma mecha solta na lateral revelava o turbilhão que fervia dentro dela. Com o celular na mão, ela assistia pela terceira vez ao vídeo que viralizava nos bastidores da política paulista: Carmona, descontrolado, chamando sua esposa de sapatão promíscua, os olhos dele quase saltando das órbitas enquanto Verena, firme e com a voz cortante, devolvia na lata:
“Cuidado você, Rodrigo. Porque eu sou mulher, lésbica e tenho mais honra do que você jamais vai ter. E quer saber? Eu sou mais homem do que você já foi um dia.”
Silvia suspirou, fechando os olhos. A raiva e o orgulho se embolavam num nó no peito. A mão apertou o celular com força. Ela sabia que Verena era capaz de se defender sozinha, mas isso... isso ultrapassava todos os limites.
Ela destravou a tela e digitou rapidamente:
“Vi o vídeo. Me liga quando puder.”
Mandou. Ficou olhando pro ícone de "mensagem enviada" como se fosse uma linha direta com o coração da outra. Andou até a mesa, largou o celular e se sentou devagar, os olhos fixos no nada. Aquilo poderia escalar, e rápido. Já estava vendo os bastidores em polvorosa, grupos do WhatsApp pipocando, o nome de Verena subindo nas conversas como uma faísca em palheiro seco.
O telefone tocou.
Ela olhou a tela. Verena.
Atendeu no segundo toque, a voz tentando manter firmeza.
— Oi, amor...
Do outro lado, a voz de Verena veio mais baixa do que o habitual. Cansada.
— Você viu, né?
— Vi. — Silvia recostou na cadeira, cruzando a perna com elegância. — E por pouco eu não fui até lá arrancar os olhos dele com as próprias mãos.
Verena soltou um riso curto, trêmulo. Havia alívio ali — o tipo de alívio que só vem de se saber amada, mesmo quando o mundo quer te engolir.
— Ele me chamou de tudo, Sil...
— Eu sei. E você respondeu à altura. — Silvia respirou fundo, o tom mudando para algo mais delicado. — Mas, Vê… do jeito que ele tava... podia ter virado outra coisa. Você se colocou em risco. Eu entendo sua revolta, eu sinto a mesma raiva, mas...
— Eu sei — murmurou Verena, quase como uma criança envergonhada. — Eu tentei manter a linha. Mas quando ele veio pra cima...
— Você é melhor que ele. Sempre foi. Mas não pode se nivelar. Ainda mais agora, com tudo o que tá acontecendo…
Silêncio por alguns segundos. Do lado de fora, o barulho dos carros era abafado pelo vidro. Silvia olhou para o próprio reflexo e, mesmo firme, sentiu os olhos marejarem.
— Você tá bem? — perguntou Verena, com um sopro de culpa.
Silvia hesitou. E então sorriu pequeno, amargo.
— Tô tentando. Como sempre. Mas hoje... hoje eu só quero te abraçar e te dizer que vai ficar tudo bem.
— Desculpa. — A voz de Verena saiu rasgada, como se estivesse lutando contra algo dentro dela. — Por colocar você nisso. Por te machucar mesmo quando tô tentando lutar pelo que é certo.
— Ei. — Silvia sentou-se ereta. — Você não me machuca quando luta pelo certo. Me machuca quando esquece que também precisa se proteger. Que não é só uma bandeira, uma figura pública. Você é minha esposa. Minha vida. E eu quero você inteira.
Verena não respondeu de imediato. Era como se estivesse tentando guardar cada palavra. Do outro lado, Silvia ouvia o silêncio denso, o respiro pesado de quem está por um fio.
— Eu te amo, Silvia. Obrigada por me lembrar de quem eu sou.
— Eu também te amo meu amor. Agora respira... e cuida de você. Depois a gente cuida do resto juntas.
Silêncio mais uma vez. Mas era outro tipo agora. Era um silêncio de mãos dadas mesmo à distância.
...
O som do ar-condicionado preenchia a sala em silêncio, quebrado apenas pelo leve tec-tec das unhas bem feitas de Silvia digitando. O blazer de linho azul-claro combinava com a leveza calculada do vestido de cetim off-white — e contrastava com o peso que carregava no peito. Cada respiração era medida.
Do outro lado da mesa, Daniel Souza recostava na poltrona como quem sabia que era dono do próprio tempo. O terno cinza escuro realçava o bronzeado de quem acabara de voltar de Angra. O sorriso, o mesmo de sempre — largo, seguro e perigosamente afiado.
— Sabe que você fica linda concentrada, né? — disse ele, inclinando-se levemente. — Acho que já falei isso antes.
Silvia não ergueu os olhos. Continuou revisando o contrato na tela.
— Já falou. Umas quatro vezes, no mínimo. — A voz veio firme, fria e educada. — E como da última vez, a resposta continua sendo: foco no contrato, Daniel.
Ele soltou uma risada leve, como se estivesse apenas se divertindo.
— Ok, ok... sem clima no expediente. Você é disciplinada. Deve ser... interessante viver com alguém tão centrada.
Aquela frase bateu como um alerta. Silvia parou por um segundo. Mas não cedeu.
— Estou enviando agora a versão final com os ajustes de cláusula. A Juliana te entrega impressa em cinco minutos, se quiser revisar à mão.
Daniel se levantou, passeando os olhos pelo escritório como quem procurava um pretexto para ficar mais. Passou os dedos pelos botões da camisa, desfez um deles. Silvia notou. E odiou ter notado.
— O ambiente aqui é muito mais aconchegante que no meu prédio, sabia? Você devia conhecer o meu novo espaço. Vista panorâmica. Mas nada tão charmoso quanto esse... — Ele virou-se, encostando-se de leve na mesa dela. — E nem com uma anfitriã tão elegante.
Antes que Silvia pudesse reagir, a porta se abriu discretamente e Juliana entrou, entregando uma pasta com os documentos impressos. Estava séria, como sempre ficava quando Daniel aparecia.
— Aqui está. — disse, sem disfarçar a rigidez no tom. Os olhos dela foram direto para Silvia, buscando permissão.
Silvia sorriu, polida.
— Aqui está a cópia, doutora.
— Obrigada, Ju. Pode deixar sobre a mesa, por favor.
Daniel esperou que a assistente saísse, antes de pegar a pasta, mas demorou um segundo a mais com a mão sobre a mesa.
— A gente podia comemorar esse novo fechamento de contrato... fora do escritório. Um jantar, talvez?
Silvia se levantou. Impecável, mas agora com o olhar firme como pedra.
— Daniel, vou ser muito clara. Você é um bom cliente. Mas qualquer outro comentário fora do escopo profissional e esse contrato se encerra hoje mesmo. Está entendido?
O sorriso dele murchou um pouco, mas ainda tentou disfarçar.
— Entendido... — disse, orgulhoso. — Profissional, claro. Sempre fui.
— Eu sou casada. E tenho certeza de que você sabe com quem.
A sala pareceu congelar por um segundo. Ele forçou um sorriso torto, como quem fingia não se abalar.
— Sei, sei... não precisa me lembrar. Impossível não saber, na verdade. Mas isso não impede a gente de manter um bom... relacionamento profissional, né?
— Desde que profissional seja o único adjetivo envolvido, estamos de acordo?
Daniel ficou em silêncio por dois segundos. Depois soltou uma risada abafada, jogando charme pra cima de si mesmo.
— Sempre admirei mulheres decididas.
O homem pegou a pasta com uma mão, ajeitou o paletó com a outra. Antes de sair, ainda tentou mais um:
— Se mudar de ideia... um jantar qualquer dia, sem compromisso. Até sua esposa seria bem-vinda. Imagino que a companhia seja... interessante.
Silvia se levantou, arrumando os cabelos com um gesto contido.
—Acho que é hora de encerrar. Tenha uma boa tarde.
Ele entendeu o recado. E foi. O som das solas do sapato ecoando até a porta, depois sumindo no corredor. Assim que a porta se fechou, Silvia apoiou as duas mãos sobre a mesa, respirou fundo... e deixou a cabeça pender por um breve instante. Sua única preocupação no momento, era a situação da esposa e como as coisas poderiam ser difíceis naquela semana que só estava começando.
Gabinete da Liderança – ALESP – 15h20
A sala era fria, iluminada com luz branca demais e cortinas pesadas demais para uma tarde abafada. Em torno da longa mesa oval, deputados de centro-esquerda, aliados eventuais e nomes da coligação que, em época de eleição, marchavam com o arco-íris no peito… mas que agora trocavam olhares entre o incômodo e o cálculo político.
Verena chegou com o blazer escuro jogado sobre os ombros, expressão neutra e olhos mais baixos que o habitual. Rafaela vinha logo atrás, com a pasta de documentos nas mãos e o celular em modo avião.
— Deputada Castilho — cumprimentou o coordenador da base, Marcelo Duarte, um parlamentar de fala mansa e ambições grandes. — Obrigado por vir. A ideia é só entender melhor o que houve… e como podemos agir de forma coordenada a partir daqui.
Verena se sentou com calma. Não respondeu o cumprimento, apenas assentiu. Os demais deputados foram fazendo o mesmo: movimentos silenciosos, profissionais. Só a tensão falava alto.
— O vídeo tá por toda parte. — começou uma deputada do PSB. — A gente te conhece, Verena. Sabemos que você não tem histórico de confronto gratuito, mas... o momento político é delicado. A presidência da casa não quer crise.
— Crise é o que houve na tribuna. — rebateu Verena, com calma. — Um parlamentar me ofendeu com termos de baixo calão, de maneira misógina e homofóbica. Eu reagi. Dentro do regimento. Sem xingar. Sem agredir. Agora, se a presidência da casa quer evitar crise, que comece punindo quem ataca mulheres no microfone.
Silêncio. Ninguém a contestou… mas ninguém apoiou de forma enfática também.
Marcelo pigarreou, as mãos unidas como quem tenta construir pontes invisíveis.
— A repercussão foi grande. E sim, já há entidades se manifestando. A OAB, o Ministério dos Direitos Humanos, a Defensoria. Isso joga luz sobre o caso. Mas precisamos pensar estrategicamente. O vídeo vai alimentar tanto a sua base quanto os haters. E a imprensa vai explorar cada segundo.
— Que explore! Eu não vou me calar. — respondeu Verena, firme.
— A questão é que isso ultrapassou o debate parlamentar. Há uma movimentação para que a mesa diretora analise uma “quebra de decoro” por parte de ambos. Rodrigo já tá se fazendo de vítima. Disse à imprensa que você o “humilhou publicamente”.
Rafaela bufou de leve. Verena nem piscou.
— Ele me chamou de promíscua e vagabunda. Não estou interessada nos sentimentos feridos de um agressor.
— Nós sabemos. Mas o partido tá preocupado. — insistiu o coordenador. — Você tem apoio, Verena, mas precisa evitar que esse episódio vire munição pro outro lado. Você é um dos nomes com mais visibilidade. Não pode ser arrastada pra lama da polarização.
— Com todo respeito, Marcelo… — ela olhou nos olhos dele pela primeira vez. — Não fui eu quem começou essa guerra. Mas se me atacam, eu reajo. E se meu partido quiser uma deputada decorativa, sorrindo e baixando a cabeça, estão falando com a pessoa errada.
Alguns presentes desviaram o olhar. Um dos deputados mais jovens, do PDT, arriscou uma tentativa de mediação.
— O que você pretende agora? Vai dar coletiva?
Verena respirou fundo.
— Já orientei minha assessoria jurídica. A nota vai sair hoje, citando jurisprudência e leis federais sobre crimes de ódio. Sem recuo. E, sim, vou dar entrevista. Já está agendada com a repórter da Folha. Aquela que fez o dossiê sobre os esquemas do Carmona. Quero garantir que, dessa vez, a narrativa não vai ser sequestrada.
Marcelo cruzou os braços. Já não tentava disfarçar o incômodo.
— Só peço que tome cuidado. O partido não quer te abandonar. Mas você precisa lembrar que essa não é uma guerra individual. É uma construção coletiva. E a sua imagem afeta todos nós.
Verena se levantou. Devagar. A cadeira deslizou para trás sem pressa.
— Então construam comigo. Ou fiquem assistindo da arquibancada.
E saiu da sala, com Rafaela ao lado, ainda com o celular em mãos. O blazer balançando com o passo firme. A postura de quem acabara de ser empurrada para o ringue — e decidiu que, já que era pra lutar, não ia ser com luvas.
Casa de Valentina – Sala
O som da vassoura e do pano sendo arrastado pelo chão ecoava em ritmo constante, quase hipnótico. A luz da tarde entrava suave pela janela da frente, iluminando a sala simples, com o sofá gasto coberto por um tecido florido e uma TV ligada em volume baixo. Valentina estava ali, sentada no canto do sofá, os joelhos dobrados, celular na mão, mexendo sem foco — até que chegou a notificação.
Carol:
“Amiga... você viu isso? É da sua deputada.”
Um vídeo.
Valentina hesitou. O coração disparou, as mãos suando de leve. Apertou o play, com um volume mínimo para que apenas ela conseguisse escutar.
A imagem tremia um pouco — gravação de algum corredor feita por alguém próximo. A voz de Verena surgia firme, forte, cheia de coragem. E então... o caos.
Rodrigo Carmona avançando, gritando. Os dedos apontados com fúria. A palavra “sapatona” cuspida com ódio. “Promíscua.” “Vagabunda.”
A respiração de Valentina travou.
Ela não piscava.
Sentiu o calor sumir do corpo. As palavras ecoavam com força cruel demais. E Verena, ali, em pé, de cabeça erguida — mas os olhos dela... havia algo que doía só de ver.
— Val... tá vendo o que aí? — perguntou a mãe, sem muito interesse, enquanto torcia o pano de chão no balde.
Valentina não respondeu. Nem percebeu. Os olhos ardiam, a garganta apertava. Aquilo...
Aquilo era o que teria que enfrentar?
Era por isso que sua mãe vivia repetindo que Deus não aprovava? Que o mundo não era lugar pra “esse tipo de escolha”?
Ela não tinha feito escolha nenhuma. Só... sentia. Mas ali, vendo o vídeo, ficou tudo ainda mais claro: não era só o medo do inferno. Era o medo do mundo. Das pessoas. Dos nomes. Da violência nas palavras e nos gestos.
O dedo tremia ao segurar o celular.
Verena era uma mulher adulta. Uma deputada. Tinha esposa. Tinha respeito. E mesmo assim, estavam chamando ela daquilo. Valentina engoliu seco. Não sabia se sentia mais vergonha, tristeza, raiva ou pavor. Talvez tudo junto. Talvez estivesse apenas quebrando por dentro, devagarinho, sem som.
— Valentina? — insistiu Ana Paula, agora se virando.
— Nada, mãe. É... só um vídeo da escola. — respondeu baixo, desligando a tela antes que a mulher se aproximasse demais.
Apertou o aparelho contra o peito, tentando conter a enxurrada que ameaçava vir. A alma toda parecia tremer.
Era isso que o mundo fazia com quem amava errado?
Fechou os olhos, e ali, perdida na própria escuridão, pensou em mandar a mensagem. A que ensaiava há dias.
Mas o medo falou mais alto. Como sempre.
E ela ficou ali. Silenciosa. Com o peito pesado. Com o vídeo martelando na mente. E com uma certeza que doía: amar alguém como Verena era mais perigoso do que bonito.
Mesmo que dentro dela, ainda assim, fosse amor.
Fim do capítulo
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Zanja45
Em: 19/06/2025
Ana Paula estava cansada e exaustra, com as preocupações com a filha. - Ela não está com clima para transar com o marido, mas mesmo assim, ela concorda, baseado num conceito moral e não nas vontades dela. - É tanto que ela se questiona se não estaria sendo egoísta em não ceder. Levando para o lado que a mulher tem que estar disponivel para o homem, não importando o que ela está sentindo ou não. - Essa questão traz a baila o quanto as religiões alienam as pessoas de tal modo que até os cuidados para com elas são colocados em segundo plano em detrimento dos desejos delas. - Elas foram condicionadas pelos ensinamentos religiosos a ter esse tipo de comportamento, mesmo discordando dentro dela. - Esse pensamento que a mulher tem que se sujeitar ao marido, suprimir as suas vontades, é extremamente machista e egoísta, vindos de um modelo de sociedade partenalista, que exclui a mulher como ser humano, apenas objeto - sem valor - apenas procriar e ser servil ao homem.
anonimo2405
Em: 24/06/2025
Autora da história
Oiee. Pois é, essa questão da submissão é bem polêmica, sempre gera discussões. Também não concordo. Ainda mais em um relacionamento, as duas partes tem que ter pesos iguais. Se um não quer, dois não fazem. Mas na prática não acontece muito, infelizmente.
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Zanja45
Em: 19/06/2025
Gostei de vocÊ ter colocado Verena para participar das atividades da casa. Foi divertido vê - la escolhendo tomates na feira de Haddock e cortando - os, carregando as sacolas todas das compras ( KKKK). Também ela foi interessada nas pimentas recheadas de Sr. Mauro e no queijo da Serra da Canastra.
Sílvia transmite uma leveza, uma calma contida, até que esta rolando uma trégua entre elas.
O clima na casa delas está até melhorando.
anonimo2405
Em: 24/06/2025
Autora da história
kkkkkkkkkkkk, é interessante ver esse contraste dela em casa, do que as pessoas vêem dela, como figura pública, e da mulher que também é um ser humano. E que por sinal, nem precisa pensar muito pra descobrir quem é que manda em casa rsrssrs.
Eu sou suspeita pra falar da Silvia rsrsrs, gosto muito dela.
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Zanja45
Em: 19/06/2025
E esse quebra - pau no plenário? Verena como sempre com a língua bem afiada. - Mas também Carmona provocou a deputada e de uma forma baixa e até leviana. - Como pode isso, Autora? querer investir as verbas destinadas a Educação Sexual para disciplinas de Portugês e Matematica( reforço). Isso mostra o descaso com a sociedade, sendo que eles demonstram claramente que não estão interessado no esclarecimento da população, mas sim criar um povo cada vez mais de um sistema que escraviza. - Gostei do ponto de vista de Verena - Sou suspeita para falar - Pois ela pode ser errada como for, mas prioriza o desenvolvimento da sociedade.
anonimo2405
Em: 24/06/2025
Autora da história
É chocante. A gente olha e parece que tá entendendo errado, de tão absurdo. Mas... acontece com frequência. A Verena também tá longe de ser um exemplo de integridade moral, já fez tanta coisa errada, mas não dá pra discordar dela rsrs. Eu aplaudo todas as vezes que ela sobe na tribuna, é sempre um show, literalmente rsrssr. Mas concordo com vc,em relação a projetos pra sociedade, ela arrasa.
Acho que tem que ter sim um reforço maior na educação básica, mas não tem necessidade de cortar verba de outra coisa. O Brasil é um país rico, mas tem as riquezas muito mal divididas. Mas sigo acreditando que um dia vamos acertar mais.
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Zanja45
Em: 19/06/2025
Está muito bacana essas trocas de mensagens entre Vê e Valen. - Os dilemas e as implicações que isso vai levar - Principalmente os vindos de Valentina, está muito fofo, pois esses comportamentos são típicos dos adolescentes quando estão apaixonados.
anonimo2405
Em: 24/06/2025
Autora da história
Valentina muito fofinha rsrs, fico com uma pena dela, tadinha rsrs, não deve ser nada fácil.
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Zanja45
Em: 19/06/2025
O pai de Valentina, Carlos, ainda tem algumas ressalvas quanto a mudança repentina da filha e a aproximação de Carol. Mas resolver deixar meio que pra lá, pois o mais fundamental é que a filha apresentou sinais de melhora da apátia. - O bom dos pais de Valentina é que eles são bem presentes na vida das filhas. Apesar de caminhar equidistantes quando os assuntos fogem aos preconizados pela igreja - Não aceitando os diferentes e suas peculiaridades.
anonimo2405
Em: 24/06/2025
Autora da história
Falou tudo. Apesar dessa questão do choque de valores, não dá pra dizer que eles não são bons pais. Sempre presentes e preocupados com o bem estar das filhas.
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Zanja45
Em: 19/06/2025
Qual é a desse Daniel? Ele já deu mostras que tem uma queda por Sílvia, e ela claramente já deixou claro que é uma mulher compromisssada, porém ao que tudo indica ele não leva em conta isso, pois persiste em dar em cima dela, mesmo sabendo que ela é lésbica - gosta de mulher - Vai ter algum lance entre eles? Por que ela disse que não queria ter notado, quando ele desabotou o botão da camisa? Vai haver algum tipo de violência de cunho sexual? Estupro, talvez?! Ela vai ficar grávida e não vai querer tirar o filho?
anonimo2405
Em: 24/06/2025
Autora da história
Daniel é o típico caso que não aceita que levou um fora. É sempre ele que dispensa, nunca o contrário rsrs. Mas a Silvia... Olha eu acho que se ela chega a se separar da Verena por algum motivo, tem mais chance dela se envolver com um homem do que com outra mulher.
kkkkkkk, e caramba, você agora foi longe hein kkk, amei rsrssr. Mas torço pra que não, esse Daniel é muito idiota, nem se fosse um cara legal eu torcia, quem dirá se mostrando um sem noção kkk. Mas suas hipóteses são interessantes.
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Zanja45
Em: 19/06/2025
Boa noite, Autora!
Que choque para Valentina, mesmo antes de se assumir, já está vivendo os anseios do que é ser uma pessoa diferente. - É muito brutal - Pesado. - E a constatação sob a realidade que mesmo a pessoa sendo destaque, com familia e tudo, ainda passa por perseguições. - E como fica a cabecinha da menina ao presenciar tudo isso?
anonimo2405
Em: 24/06/2025
Autora da história
Boa noite Zanja!
A Valen vai precisar de muito apoio, e esse apoio até agora só tem vindo da Carol. Apesar que tem o Léo também, mas agora que eles não se vêem mais, ficou a Carol mesmo. Mas é o que vc falou. Esse processo de descobrir como o mundo machuca, ainda mais se somar com a realidade dela, é muito difícil.
Torço pra que a Valen consiga passar por essa fase sem muitos traumas.
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Hanna28
Em: 18/06/2025
No momento em que te olhei pela primeira vez
Eu soube que ali,era meu lugar, o meu lar
Em forma de jovialidade e timidez
Bastou apenas este mesmo olhar se alinhar com o meu
Para todo meu ser vibrar
Foi a partir daí que percebi que meu mundo não teria sentido sem seu sorriso,seus olhos tão sinceros e o mais importante
Sem seu amor
Seu coração
E nossa alma conectadas por um fio invisível
anonimo2405
Em: 19/06/2025
Autora da história
Nossa! Lindas palavras!
Combinou muito bem com a Verena.
Obrigada pelo carinho!
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Hanna28
Em: 17/06/2025
Estou processando todos as mínimas informações deste capítulo. A mãe da Val, já está percebendo que o casamento não é servir e ser podada,mas,existir cumplicidade e não a falsa sensação de dever camuflada de controle e obrigação de só agradar e ser submissa.
A relação de ambas já é previsto muitas pedras por digamos..."fugir dos padrões".
Uma mulher formada relacionando-se com uma menor seria um verdadeiro caos.Contudo,apesar do desafio crescente ao mergulharem de cabeça,salto alto, terninho e muita citação bíblica no meio kkk..vai ser um ponta pé enxergarem se estão prontas pra enfrentar o mundo tão cruel e hipócrita!.
anonimo2405
Em: 19/06/2025
Autora da história
Rssrsrs, realmente os problemas vão ser gigantescos, ainda mais se tratando de uma pessoa pública. Isso viraria o mundo das duas de cabeça pra baixo.
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anonimo2405 Em: 19/10/2025 Autora da história
Ahh, muito obrigada pelo carinho viu?
Maravilhoso saber que você gostou. Espero que consiga te deixar mais vezes sem palavras, e compensar os meus atrasos, queee. estou no caminho para resolver.
Abraço!