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E.E. Professor Luiz Roberto Pinheiro – Sexta-feira, 10h49
O som da sirene do SAMU cortou o barulho do intervalo como uma navalha no tecido grosso da rotina. As crianças se espremiam no pátio, algumas tentando espiar o que acontecia, outras afastadas por ordem da coordenadora Regina, que levantava os braços tentando manter a ordem com a voz firme:
— Vamos liberar o corredor, por favor! Todo mundo pro lado de lá, agora! Isso aqui não é espetáculo!
Carol permanecia agachada ao lado da melhor amiga, os joelhos ralados no cimento, a mão ainda trêmula segurando a de Valentina. A menina continuava desacordada, os cílios imóveis, a pele pálida contrastando com a camisa branca do uniforme. Dona Dalva, que havia corrido do pátio à recepção para abrir o portão, voltava ao lado dos socorristas com a voz embargada:
— É ali, gente... foi ali mesmo que ela caiu.
Os dois paramédicos, de colete azul com o brasão bordado, se aproximaram com rapidez e precisão. Um deles, um homem negro de uns quarenta anos, ajoelhou ao lado de Valentina com o estetoscópio já pendurado no pescoço.
— Nome dela? — perguntou direto para Regina.
— Valentina Moraes de Souza. Tem dezesseis anos.
— O que aconteceu?
— Ela estava andando com uma amiga, começou a cambalear e desmaiou. Não bateu a cabeça, mas estava muito pálida. A mãe já foi avisada.
O segundo socorrista, uma mulher de cabelo preso em coque e expressão profissional, puxava o oxímetro enquanto o colega aferia a pressão e conferia os sinais vitais.
— Tá com a pressão baixa... pulso fraco. Vamos levantar com cuidado.
Carol se afastou com relutância, os olhos marejados. Ficou de pé, mas não tirou os olhos da amiga em momento algum. A diretora Sônia apareceu ao fundo, acompanhando tudo em silêncio, a boca cerrada, os braços cruzados com força sobre o corpo. Quando os profissionais estabilizaram Valentina na maca e iniciaram a condução para a ambulância, a coordenadora Regina se virou para Dona Dalva:
— Conseguiu falar com algum responsável?
— Consegui falar com a mãe. Ela tava com a caçula em casa. Mas... disse que vem correndo.
Regina assentiu, partindo para a secretaria. Assim que entrou, puxou a pasta de ocorrências da gaveta inferior do armário metálico. Sentou com força na cadeira e abriu o formulário de "Notificação de Situação de Risco / Violência / Acidente Escolar" da Secretaria de Educação. Pegou uma caneta e começou a preencher com a letra firme e clara:
· Nome completo da aluna: Valentina Moraes de Souza
· Série / Turma: 2º Ano C
· Data e horário do ocorrido: 01/06/2025 – 10h38
· Descrição objetiva do ocorrido: Aluna apresentou quadro de mal-estar, demonstrando instabilidade ao andar, seguida de desmaio súbito durante o intervalo escolar. Não houve batida de cabeça, mas sinais de hipotensão. Equipe do SAMU foi acionada às 10h40. Atendimento prestado no local, seguida de remoção ao Hospital Municipal Ipiranga.
· Testemunhas presentes: Professora em horário de apoio, colega de classe (Carol), coordenadora pedagógica e recepcionista.
· Providências tomadas pela escola: Isolamento da área, contato imediato com responsáveis legais, acompanhamento à unidade hospitalar, registro formal da ocorrência.
Sônia entrou na sala nesse momento e pegou uma segunda cópia do formulário:
— Preenche o outro também, o do Conselho Tutelar. Do jeito que a coisa está, não vamos correr risco de omissão.
— Já ia fazer — respondeu Regina, sem tirar os olhos do papel. — A gente já tinha o histórico dela registrado, mas agora a coisa escalou.
— Você acha que isso pode ser... alguma coisa que aconteceu no estágio? — Sônia perguntou baixo, como se tivesse medo da própria hipótese.
Regina hesitou. O silêncio pesou.
— Eu não sei, Sônia. Mas se for... a gente precisa estar coberto.
Ambas sabiam. Aquele não era mais só um caso de evasão escolar, nem de abalo emocional. Era outra coisa. E estava diante dos olhos de todos — tarde demais para fingir que não viram.
Casa da Família Moraes — Sexta-feira, 11h00
Ana Paula apertava com força a borda da pia, a água ainda correndo, enchendo a bacia com a roupa de Isadora de molho. Nem ouviu o celular tocar na sala. Foi a filha quem veio correndo da cozinha, com a boca lambuzada de Toddy, gritando:
— Mãe! Tá tocando!
Ana desligou a torneira, secou as mãos na camiseta velha e andou apressada, já com o coração apertado, aquele pressentimento que toda mãe conhece e odeia. Pegou o telefone:
— Alô?
— Dona Ana Paula? Aqui é a Dalva, da escola da Valentina. Sua filha passou mal. Ela desmaiou no intervalo. Já está sendo levada pro Hospital Municipal Ipiranga.
O mundo pareceu girar ao contrário. Ana apertou o telefone contra a orelha, os olhos arregalados, sem conseguir responder de imediato.
— Como... como assim? Ela... ela tá bem?
— Foi atendida pelo SAMU, mas orientaram levá-la pro hospital. A coordenadora vai explicar melhor assim que a senhora chegar.
Ana respirou fundo, tentando manter a cabeça no lugar, mas o coração já estava aos pulos, o corpo em movimento antes mesmo do cérebro processar. Olhou para Isadora, a filha caçula, de dez anos, parada ali, de olhos assustados e a colher ainda na mão.
— Mãe...? O que foi?
Ana Paula virou devagar, já limpando com a palma da mão as lágrimas que começaram a brotar, forçando um sorriso que não conseguia chegar aos olhos. Ajoelhou e segurou os ombros da menina, com a voz trêmula:
— A sua irmã... passou mal na escola. A mamãe vai lá agora e você vai comigo, tá?
Soltou um suspiro abafado, fechou os olhos por um segundo e depois se levantou com decisão. Olhou rapidamente pela janela da cozinha: o marido não estava em casa, claro, estava na estrada, provavelmente fazendo entrega na zona leste. Puxou o celular e tentou ligar: “Caixa postal.”
Pegou o celular e mandou, com dedos trêmulos:
"Carlos, a Valentina passou mal. Tô indo com a Isa pro Hospital Ipiranga. Me liga."
Não tinha tempo pra procurar vizinha de confiança nem podia deixar Isadora sozinha. A menina sempre teve medo de ficar só, ainda mais em momentos assim.
— Vai calçar seu tênis e vestir uma blusa. Agora.
Isadora arregalou os olhos:
— A gente vai ver a Val?
Ana assentiu, já enfiando os pés descalços numa sapatilha, já puxando a bolsa surrada que ficava pendurada atrás da porta. Enfiou a carteira, pegou o RG da Valentina, que ficava na pastinha de documentos, e também o da Isa, por precaução e todas as carteirinhas do SUS que encontrou.
— Vai, filha, rápido!
Isadora assentiu, já indo buscar o tênis sozinha, rápida, com a eficiência de quem está acostumada a entender o não dito.
Pegou uma blusa de frio pra filha, olhou em volta. Aproveitou pra jogar uma garrafa de água e um pacote de bolacha dentro da bolsa, por instinto de mãe — vai saber quanto tempo ia passar no hospital. Conferiu que estava tudo trancado. O silêncio da casa parecia gritar.
Logo Isadora voltou, calçando os sapatos da escola e uma blusa aberta. Ana puxou a jaqueta da menina e vestiu rápido:
— Tá frio lá fora.
Isadora fungava, a voz assustada:
— A Val vai ficar bem?
Ana fez que sim, enquanto engolia seco:
— Vai... vai sim.
Saíram apressadas, trancando a porta de casa com aquele barulho seco e metálico da fechadura. Desceram os três degraus de escada correndo — o trinco quebrado do portão parecia testar a paciência da mulher.
Na rua, apertou ainda mais a mão da filha, o vento gelado batendo nas pernas. O rosto ainda quente, os olhos marejados, mas o queixo erguido. Isadora, ao lado, olhava pra mãe de canto, sem perguntar mais nada. Só apertava forte a mão dela, como quem diz: “Tô aqui.”
No meio do caminho, Ana Paula pegou o celular de novo, discou:
— Carlos... atende, por favor...
Caixa postal. Suspirou, mordeu o lábio, engoliu seco.
Deu uma olhada rápida na filha e afrouxou um pouco o passo. Não podia sair correndo, nem se desesperar. A Isadora estava ali, precisava que ela se sentisse segura. Olhou pro final da rua e viu o ônibus se aproximando.
— Corre!
E correram, com Isadora quase tropeçando, até a parada, conseguindo subir na hora em que o motorista já fechava a porta.
Ana puxou o Bilhete Único da bolsa e passou as duas catracas. O ônibus sacolejava pela avenida enquanto ela abraçava Isadora forte em seu colo, os olhos fixos na janela, vendo os postes e fachadas passarem rápido, como se o mundo todo tivesse entrado numa urgência que ninguém mais percebia.
O peito apertado, o estômago embrulhado, e o pensamento só num lugar:
“Aguenta, minha filha... a mamãe tá chegando.”
Hospital Municipal Ipiranga — Sexta-feira, 11h35Ana Paula desceu do ônibus com Isadora pela mão, no ponto da Avenida Nazaré, quase em frente à entrada de emergência do hospital. O sol fraco da manhã iluminava o letreiro azul com letras já um pouco desbotadas: “Pronto Atendimento — HMI”.
O movimento era o de sempre: gente entrando com passos apressados, outras esperando nas cadeiras frias de ferro, motoboys largando pacientes, ambulâncias estacionadas de lado, com o motor ainda quente.
Ana atravessou a faixa apressada, apertando a mão da filha. Isadora tropeçou na guia, mas a mãe a puxou firme, segurando, sem perder o ritmo.
— Vai com cuidado, Isa...
Ela já respirava ofegante, não sabia se pelo passo acelerado ou pela ansiedade que fazia o peito doer desde o telefonema. O suor gelado nas costas, a mão apertando com força a alça da bolsa, onde os documentos pareciam pesar toneladas.
Assim que cruzou a porta automática do pronto-socorro, o cheiro forte de desinfetante e álcool tomou conta do ar. Isadora automaticamente tapou o nariz:
— Mãe, tá fedendo...
— Eu sei, filha...
Ana puxou a menina mais pra perto e seguiu direto pro balcão de recepção, onde uma atendente de jaleco branco e máscara digitava freneticamente no computador.
— Moça... minha filha... ela foi trazida pelo SAMU! Valentina Moraes de Souza!
A voz saiu mais alta do que queria, trêmula, quase desesperada. A atendente ergueu os olhos, acostumada com mães assim, e procurou no sistema:
— Nome completo?
— Valentina Moraes de Souza. Dezesseis anos!
A mulher digitou mais algumas teclas e confirmou:
— Deu entrada faz uns 25 minutos. Tá na sala de observação 2. A senhora é a mãe?
Ana só assentiu com a cabeça, os olhos já úmidos.
— E essa é...?
— Minha caçula... Isadora.
— Tá bem. Só aguarda um pouquinho que eu vou chamar alguém pra acompanhar vocês até lá.
Ana olhou ao redor, o ambiente todo em tons frios: paredes brancas, bancos de plástico azul, gente tossindo, um homem com a perna enfaixada cochilando num canto, uma senhora passando mal numa cadeira de rodas.
O coração parecia uma britadeira dentro do peito, e as pernas, bambas.
— Mãe... — Isadora puxou baixinho — A Val tá morrendo?
Ana se abaixou de repente, ficando da altura da filha, segurando os ombros dela com firmeza, mas com a voz ainda embargada:
— Não, minha filha. Ela só tá doente... mas vai ficar bem.
E abraçou Isadora forte, de novo, os olhos apertados com força pra segurar o choro.
Nesse momento, um enfermeiro surgiu do corredor com a prancheta na mão:
— Valentina Moraes?
Ana se levantou num pulo:
— Sou eu! Quer dizer... mãe dela.
— Pode me acompanhar, por favor.
Isadora segurou a barra da blusa da mãe, andando colada.
— A menina tá estável, tá? Tão monitorando a pressão e fazendo exames... Mas ela ainda tá meio grogue do desmaio, normal.
Ana assentiu, sem conseguir responder.
Seguiram pelo corredor de piso encerado, onde as rodas das macas deixavam marcas de borracha preta. Passaram por portas com placas escritas em caixa alta: “SALA DE PROCEDIMENTOS”, “RAIO-X”, “OBSERVAÇÃO 1”... até chegarem à “OBSERVAÇÃO 2”.
O enfermeiro abriu a cortina azul-clara, e Ana viu:
Valentina, deitada numa maca estreita, pálida, com a máscara de oxigênio no rosto, os braços cheios de adesivos de monitoramento cardíaco. Um soro gotejava lento no suporte metálico ao lado.
Ana soltou um soluço e correu pra beira da maca:
— Ai, meu Deus... minha menina...
Ajoelhou-se ali mesmo, sem se importar com o chão gelado, pegando a mão da filha, que estava fria, mas se mexeu levemente com o toque:
— Mãe...?
A voz de Valentina saiu arranhada, fraca.
— Tô aqui, meu amor... tô aqui.
Isadora ficou parada ao lado, olhando assustada a irmã cheia de fios, a expressão abatida.
— Mãe... ela tá com... essas coisas...
Ana puxou a filha mais nova pro lado e a abraçou com o braço livre, tentando protegê-la daquela visão tão dura.
Nesse momento, uma médica jovem, de jaleco branco e óculos quadrados, entrou com a prancheta:
— A senhora é a mãe?
Ana só conseguiu balançar a cabeça afirmativamente.
— Eu sou a doutora Lúcia. A Valentina teve um episódio de hipotensão, provavelmente causado por estresse, alimentação inadequada ou até um quadro viral. Fizemos hemograma e eletro. Não parece ser nada mais grave, mas ela precisa ficar em observação, ok?
Ana engoliu em seco, a mão ainda agarrada à da filha:
— Ela... vai ficar bem, né?
A médica sorriu de canto, tranquila, mas profissional:
— Vai sim. Mas o ideal é ela descansar e, quando receber alta, procurar acompanhamento clínico e psicológico.
Ana assentiu, passando a mão pelos cabelos da filha, o alívio começando a brigar com o medo e a culpa no peito.
Valentina apertou levemente a mão da mãe, sem forças pra falar.
Isadora sussurrou:
— Mãe... a Val tá viva...
Ana riu fraco, emocionada, e abraçou as duas filhas ali mesmo, no meio da sala de observação, o soro pingando lentamente ao lado, o monitor apitando em batidas compassadas, como se dissesse:
“Ela tá aqui. Tá viva.”
Alesp – Departamento Jurídico | Sexta-feira, 14h22
A sala de reuniões do setor jurídico ficava no quarto andar do bloco administrativo. Diferente dos gabinetes parlamentares, ali o ambiente era asséptico, limpo demais, com paredes brancas, móveis padronizados em cinza e um leve cheiro de café morno no ar. As janelas estavam fechadas, e o ar-condicionado soprava num zumbido constante.
Verena entrou com a postura ereta de sempre, o salto firme no piso de porcelanato, a pasta de couro preto sob o braço. Cumprimentou com um leve aceno os dois advogados da casa: Dr. Edson, assessor jurídico sênior da Diretoria Geral, e a Dra. Luísa, técnica da área de integridade institucional. Ambos com semblantes neutros, mas não frios — o tom era protocolar, quase cordial.
— Deputada Verena Castilho — disse Edson, apontando a cadeira à frente. — Agradecemos por ter vindo. Não é nada formal, como já foi informado. Mas, como responsável pelo programa de estágio, gostaríamos de esclarecer alguns pontos.
Verena assentiu com um sorriso leve, contido. Sentou-se com elegância, cruzando as pernas e apoiando as mãos sobre a pasta, sem abri-la.
— Claro. Estou à disposição.
Edson olhou rapidamente para a tela do notebook à sua frente. Sua fala era precisa, pausada.
— O Programa Jovem Futuro, vinculado ao Núcleo de Formação Parlamentar Juvenil, segue critérios definidos por portaria interna, correto?
— Sim — respondeu Verena. — Os critérios de seleção, acompanhamento e desligamento estão todos descritos nos normativos internos. Também há o termo de adesão da Secretaria da Educação.
— Certo. — Ele deslizou a tela mais um pouco. — Em relação à aluna Valentina Moraes de Souza, consta um pedido de desligamento assinado pelo gabinete, alegando motivos pessoais e necessidade de readequação escolar. O pedido foi feito no dia 25 de abril.
Verena manteve o olhar firme.
— Exato. Foi o que nos foi informado pela própria escola. Inclusive, a justificativa veio por e-mail, com o nome da direção em cópia.
Dra. Luísa interveio, com a voz mais branda, mas tão cuidadosa quanto:
— A senhora chegou a ter algum contato com a aluna após esse desligamento?
Verena hesitou por meio segundo. Um piscar demorado, quase imperceptível.
— Não. Não tentei nenhum contato. E, claro, respeitei o limite institucional.
— Declara essa afirmação com absoluta certeza? — Luísa insistiu, com gentileza forense.
Verena franziu o cenho, intrigada.
— Claro que sim. Absoluta certeza. — A resposta veio num tom frio, mas limpo. — Não houve insistência.
Os advogados se entreolharam rapidamente. Edson retomou:
— Entendemos. Sabemos que há envolvimento emocional de muitos parlamentares com os estagiários — são jovens, há vínculos de formação —, mas precisamos sempre zelar pelas formas legais de contato. Por isso o questionamento.
Verena apenas assentiu, tensa.
Luísa voltou a falar, sem tirar os olhos dela:
— Houve também o envio de um ofício, com solicitação de dados pedagógicos à escola da aluna. Documento esse assinado pela senhora e enviado diretamente à Diretoria de Ensino, sem trâmite interno prévio. A equipe do programa, inclusive, só soube depois.
O silêncio que se seguiu pesou.
Verena manteve o olhar direto, mas as mãos apertaram com força os braços da cadeira.
— Foi uma decisão pontual. Havia outras escolas incluídas, e o documento estava embasado tecnicamente.
— A senhora entende que, em meio à situação envolvendo essa mesma estudante, esse movimento pode ser interpretado de maneira… enviesada?
— Entendo. — A resposta veio seca.
Edson então deslizou um papel sobre a mesa. Era uma cópia impressa do pedido de desligamento.
— Mais um ponto: no documento de desligamento enviado pela escola, o nome da aluna aparece como Valentina Moraes da Silva. Um erro simples, possivelmente da secretaria escolar. Mas o erro foi reproduzido no sistema, e isso gerou um descompasso nos registros oficiais.
— E estão sugerindo que isso foi...?
— Não estamos sugerindo nada, deputada — interrompeu Edson, com gentileza calculada. — Só estamos dizendo que, em um ambiente de crise, qualquer ruído documental pode gerar interpretações equivocadas.
Verena respirou fundo. Tirou os olhos do papel, encarando o advogado com firmeza.
— Meu nome está nesse programa porque fui eu quem o tirou do papel. Acompanho cada fase, sim. De perto. Mas sempre dentro da legalidade. Se houve alguma falha de comunicação interna, vamos ajustar. Só não confundam zelo com irregularidade.
Luísa, serena, fechou o notebook à sua frente.
— Não é nosso papel julgar, deputada. Apenas registrar. A senhora será comunicada de qualquer movimentação formal que surgir.
Verena assentiu com a cabeça. Levantou-se num gesto ágil e recolheu a pasta.
— Espero que estejam registrando tudo com o mesmo rigor quando forem ouvir a escola.
— Pode ter certeza — disse Edson. — Todos serão ouvidos.
Ao sair da sala, o corredor pareceu mais longo do que antes. O som dos saltos da deputada ecoava pelo piso como uma espécie de tambor interno: contém, recua, não cede. Ela sabia que aquela conversa informal era só o começo.
E, talvez, o menor dos riscos.
Gabinete 312 – Alesp | 14h46
A porta bateu com força o suficiente pra fazer vibrar a luminária pendurada sobre a mesa. Verena entrou como um furacão domesticado — a expressão dura, o andar rápido, o blazer pendurado no antebraço como se fosse uma armadura arrancada à força. Ela não disse nada. Largou a pasta sobre a mesa de apoio, pendurou o blazer preto de qualquer jeito no encosto da cadeira. As mangas da blusa branca já começavam a se amassar.
— Bom dia, querida. A que devo a honra da ventania? — disse Rafaela, sentada no canto da sala, mexendo em um relatório com um sorriso torto.
— Não começa, Rafaela.
Verena sequer olhou. Passou direto, indo até a garrafa térmica no aparador. Serviu-se de café como quem precisava mais de um ritual do que da bebida. A mão levemente trêmula. O silêncio dizia mais que qualquer frase.
Rafaela largou o relatório no colo, observando.
— Deu ruim lá?
Verena se virou, finalmente encarando a assessora. Os olhos estavam vivos — vivos demais, como quando ela precisava conter algo que queria explodir.
— Ah, então é só a sexta pesada mesmo — Ela marcou algo no papel e suspirou, sem pressa. — Pelo menos me diz que serviram café decente.
— “Conversa informal”, Rafaela. Foi esse o termo que usaram. Com pontualidade britânica, três advogados e uma estagiária fazendo cara de paisagem enquanto anotava cada respiração minha. Me perguntaram se eu sabia do desligamento da Valentina, se eu mantive contato depois. Se eu tava ciente do erro no nome.
— E você colaborou com a sua habitual elegância passivo-agressiva, imagino.
Verena soltou o ar, pegou a xícara e finalmente bebeu um gole do café. Amargo, claro. Tudo nela era tensão: os ombros rígidos, o maxilar travado, o modo como os olhos não paravam quietos.
— E o que você disse?
— O que eu pude. Que o erro foi da escola, que o contato foi mínimo, que tudo foi feito dentro dos trâmites.
Ela começou a andar pelo gabinete como se o corpo precisasse gastar a energia que a mente não conseguia conter.
Pausa.
— E foi?
Verena parou. Olhou pra amiga. Os olhos acesos, cansados, prestes a quebrar.
— Que merd* de pergunta é essa, Rafaela?
— A pergunta que o jurídico fez. E que você devia se fazer também. Foi tudo feito dentro dos trâmites, Verena?
Ela abaixou o olhar por um segundo, os dedos tamborilando na lateral da mesa.
— Eu não sou idiota. Eu sei como isso tudo parece.
— Então por que você fez do pior jeito possível?
Verena soltou um riso fraco, irônico, quase desesperado.
— Porque ninguém aqui se mexia! Porque eu precisava entender o que tava acontecendo com a Valentina, e ninguém fazia porr* nenhuma. Ela foi afastada, sumiu, e a escola não dizia nada. Eu…
E parou.
Rafaela semicerrou os olhos.
— Você… o quê?
Verena bufou. Sentou-se na ponta da mesa, a mão na testa, cabelo caindo pra frente. A voz saiu num tom mais baixo, como se estivesse falando pra si mesma.
— Eu enviei um ofício pra escola. Assinado por mim. Sem passar por ninguém da equipe.
O silêncio caiu com o peso de uma verdade que não pode mais ser escondida.
Rafaela arregalou os olhos devagar.
— Você fez o quê?
Verena fechou os olhos com força. Já não adiantava mentir.
— Foi impulso, merd*. Era sexta-feira à noite, a escola tinha mandado o desligamento com uma desculpa genérica. Eu quis saber se tinha algo mais sério. Escrevi o ofício sozinha e mandei.
— Sem jurídico. Sem comunicação. Sem a minha supervisão.
— Eu sou a chefe, Rafaela.
— Não fode, Verena. Você sabe o que significa usar o carimbo institucional da Alesp num documento não revisado, com erro no nome da aluna e sem protocolo interno?
— Eu não fiz nada ilegal!
— Não, mas fez tudo errado.
O tom de Rafaela subiu. Agora ela estava de pé também, se aproximando.
— Isso não é você. Não é a mulher fria, estratégica, que sempre pensa cinco casas à frente. Isso aqui é um desastre de quem tá agindo no impulso, na emoção, na… porr*, eu nem sei no quê mais.
— Não vem fazer análise emocional agora.
— Por que não? Já tá tudo tão fora do lugar que talvez seja a única coisa verdadeira nesse gabinete.
Verena levantou-se de repente.
— Você acha o quê, Rafaela? Que eu tô obcecada? Que eu perdi a cabeça por uma garota que mal conheço?
Rafaela cruzou os braços, firme, séria.
— Eu acho que você devia parar de se esconder atrás do seu cargo e começar a admitir o que sente.
— Cuidado com onde você tá indo.
— Já que é pra perder o controle, que perca bonito, então. Vai lá. Leva flores. Escreve uma carta. Entrega na portaria da escola junto com a porr* do seu crachá parlamentar.
Verena travou. Os olhos arregalados. Uma fisgada no estômago.
O bilhete.
Aquele bilhete.
Rafaela viu a mudança. O choque silencioso.
— Que foi?
Verena deu um passo pra trás, o rosto tenso, os olhos vacilantes.
— Nada.
— Verena…
— Não é nada, cacete!
O silêncio foi resposta suficiente. Verena estava pálida. A respiração curta.
— Foi sem querer.
— Que porr* você fez?
— Nada. Um bilhete. Escrito à mão. Tava no meio dos relatórios dela. Caiu quando eu fui revisar as pastas.
Rafaela não conseguia acreditar
— E dizia o quê?
Verena não respondeu.
— Verena, dizia... o quê?
— Nada demais Rafaela.
Rafaela sentou-se devagar, como se o chão tivesse saído debaixo dos pés.
— Puta merd*.
Verena virou o rosto, os olhos marejando de raiva e cansaço. Mas não caiu uma lágrima. Silêncio. Rafaela respirou fundo. Baixou o tom.
— Então é isso. Eu sabia que você não tava fazendo isso só pro protocolo. Não foi só preocupação. Foi culpa. Foi saudade. Foi essa porr* toda que você se recusa a admitir.
Verena cerrou os punhos.
— Eu sou a chefe dessa equipe, Rafaela. Você ainda me deve respeito.
— E você ainda deve respeito a si mesma.
As duas se encararam. Quebradas. Orgulhosas. Exaustas. Mas pela primeira vez, inteiras na sua verdade.
O silêncio parecia pesado demais pra existir ali dentro. Quase dava pra ouvir o tic-tac do relógio da parede, meio torto, insistindo em existir mesmo sem ninguém notar.
Rafaela estava sentada, o olhar perdido num ponto qualquer da madeira da mesa. A respiração já tinha voltado ao ritmo normal, mas a cabeça... não. Verena permanecia de pé, de costas, os braços cruzados e os olhos fixos na parede como se ali houvesse alguma saída. Algum alívio.
Rafaela quebrou o silêncio com a voz mais baixa da manhã inteira. Como quem pergunta sem querer a resposta.
— Como é que você consegue...?
Verena não se moveu.
— ...ter a Silvia em casa. Aquela mulher. E ainda assim… desejar uma garota de dezesseis anos que nem saiu da porr* do ensino médio?
Silêncio.
Verena virou-se devagar.
Os olhos frios. Estáticos.
Ela deu dois passos. Depois mais um.
Parou a centímetros de Rafaela. Tão perto que dava pra ouvir a respiração dela mudar.
— Não envolve o nome da minha mulher nessa conversa.
A voz saiu firme. Seca. Baixa, mas cortante como vidro quebrado.
Rafaela não recuou. Mas por dentro, algo gelou. Um milésimo de segundo em que ela viu no rosto da amiga — da deputada — uma tensão que não era mais só verbal. Era o tipo de coisa que podia explodir pra todos os lados, sem aviso.
Ainda assim, manteve o olhar.
— Eu não tô te julgando — murmurou, sem suavizar demais. — Mas alguém precisa dizer o que você não consegue.
Verena apertou os olhos. Respirou fundo. E por um instante, parecia ter esquecido onde estava.
— Você não faz ideia do que acontece dentro da minha casa, Rafaela.
— E nem você faz ideia do que acontece dentro de você. Porque se soubesse, não tava metida nessa espiral ridícula de negação e loucura.
Verena fechou os olhos. Uma. Duas vezes. Como se apagasse as frases.
Deu um passo pra trás.
— Acabou a conversa.
— Não, Verena… — Rafaela se levantou também, tentando alcançar o momento antes que ele fugisse. — Não é assim que se resolve isso. Você precisa falar.
Mas a deputada já estava virando de costas, voltando à mesa. Pegou o blazer, jogou por cima do ombro com um gesto impaciente.
— Eu preciso respirar.
— Você precisa ser honesta.
Verena parou. Deu meia-volta. O olhar de novo cravado no da amiga.
— Um dia, talvez. Mas hoje não.
E saiu.
A porta se fechou com um estalo. Menos violento do que quando entrou. Mas infinitamente mais devastador. Rafaela ficou ali. Sem se sentar de novo. Sentindo o ar rarefeito daquele gabinete onde, pela primeira vez, alguém tinha dito em voz alta o que até então só sussurrava nos corredores da consciência.
Hospital — Final da Tarde
Ana Paula ajeitou a alça da bolsa no ombro, os olhos fixos na filha ainda deitada na maca, enquanto Carlos falava com o celular na mão, do outro lado da sala.
— O Uber tá chegando — ele avisou, com aquela voz meio rouca, de quem não dormia bem fazia dias.
Ana assentiu, mas nem respondeu. Só alisou de novo o braço da filha, como quem ainda não acreditava que podia tocar, sentir quente, viva.
Valentina respirou fundo, devagar, com aquela expressão cansada, pálida, mas já com um pouquinho de cor voltando ao rosto. Tentou puxar o cobertor mais pra cima, e Ana correu pra ajudar.
— Pronto… tá frio? — perguntou baixinho.
Valentina negou com um movimento de cabeça quase imperceptível. Respirou fundo, devagar, e forçou um movimento, se ajeitando na maca, meio impaciente:
— Mãe… eu só quero ir pra casa… — murmurou, num fiapo de voz.
Ana sorriu de lado, emocionada, e fez um carinho de leve no rosto da filha:
— Eu sei, meu amor… já tá quase.
Isadora estava sentada num banquinho ao lado, abraçando os joelhos, os olhos arregalados, meio hipnotizada ainda, como quem não queria perder nem um segundo da presença da irmã ali, viva.
Ana respirou fundo, tentando manter o controle:
— A médica disse que você já vai… só mais um pouquinho.
Valentina assentiu, mas mordeu de leve o canto do lábio, num gesto que misturava ansiedade, cansaço e aquele desconforto de quem não quer mais estar ali nem mais um minuto.
Carlos se aproximou, enfiando as mãos nos bolsos da calça, tentando parecer mais firme do que estava:
— Vamo, Val… sua cama tá te esperando.
Ela soltou um sorrisinho fraco, de canto, meio debochado:
— Já devia estar lá, né…
Ana riu, mas foi um riso quebrado. Passou a mão pelo rosto, afastando uma lágrima que teimava em cair. A enfermeira entrou naquele momento, com a papelada da alta, sorrindo profissional:
— Tudo certo! Só falta assinar aqui…
Ana pegou a caneta, com a mão meio trêmula, e assinou. Quando devolveu, ficou olhando um segundo pra folha, como se ela pudesse rasgar e voltar no tempo, impedir que tudo aquilo tivesse acontecido.
Enquanto isso, Carlos puxava a cadeira de rodas pra perto da maca:
— Bora, guerreira…
Valentina olhou pra mãe, depois pra irmã, e soltou um longo suspiro:
— Tá… vamos…
Carlos ajudou a erguer a menina, com aquele jeito meio desajeitado de quem quer ajudar mas tem medo de machucar. Ela sentou devagar na cadeira, o corpo ainda mole, o braço com o curativo do soro.
Isadora correu e ficou do lado, segurando a mão da irmã:
— Eu vou empurrar!
— Devagar, Isa… — ralhou Ana, mas com aquele sorriso bobo de quem só conseguia agradecer por ver as duas ali, inteiras.
Saíram pelos corredores, as luzes frias refletindo no chão encerado, passando por outros quartos, outros pacientes, outras histórias que não eram deles. Valentina olhava pra frente, os olhos vidrados, mas parecia longe dali. Talvez já no quarto dela, deitada, em silêncio.
Ou…
Ou nela.
Verena.
A imagem invadiu, inevitável: aquele olhar firme, os cabelos sempre impecáveis, a voz grave dizendo “bom trabalho”… e depois, silêncio. Ana apertou de leve o ombro da filha, como quem sente que a mente dela tinha ido pra outro lugar:
— Tá tudo bem… você tá bem… — sussurrou, mais pra ela mesma do que pra menina.
Lá fora, o carro já esperava, o motorista olhando o celular, distraído.
Carlos abriu a porta, ajudando Valentina a entrar no banco de trás, com todo cuidado do mundo. Ana foi logo depois, abraçando as duas filhas num espaço apertado, como se quisesse protegê-las de tudo.
Carlos deu a volta e entrou no banco da frente, soltando um longo suspiro, como quem guardava pra depois o colapso. O carro arrancou devagar, se afastando do hospital, enquanto as luzes do fim de tarde começavam a apagar o dia.
E ali, no banco de trás, com a cabeça encostada no vidro frio, Valentina fechou os olhos, ouvindo a respiração da mãe e da irmã misturadas, e só pensava:
“Casa… só quero a minha casa.”
E, no fundo, sem admitir, também pensava nela.
Na mulher que não saía da cabeça dela…
Apartamento de Verena e Silvia — Sala — 21h48
A luz amarelada do abajur na sala criava um clima morno, quase preguiçoso, contrastando com o vento frio que soprava lá fora, fazendo os vidros tremerem levemente.
Silvia estava deitada no sofá, encolhida sob uma manta fina, as pernas dobradas, os pés descalços apoiados na lateral do estofado. Usava uma camiseta larga, de algodão, e uma calça de moletom clara. O cabelo solto, meio bagunçado, descansava sobre o ombro enquanto ela acompanhava, com atenção, a novela que passava na TV.
Verena, ao contrário, estava na outra ponta do sofá, sentada, os cotovelos apoiados nos joelhos, o olhar fixo no mesmo ponto da esposa, mas sem de fato prestar atenção. Estava inquieta, mexia os dedos, apertava as palmas uma na outra, roía discretamente a pele do polegar.
O clima entre elas era silencioso, mas denso. Não havia briga aberta, não havia acusações... mas havia esse muro invisível, erguido desde semanas atrás.
A novela seguia com aquela trama banal, personagens em diálogos ensaiados. Até que, sem muito aviso, a cena mudou: um casal de protagonistas começava a se despir, a trocar beijos urgentes e famintos, enquanto uma trilha sonora sensual preenchia a sala.
Silvia apertou um pouco mais a manta contra o corpo, como se quisesse se proteger daquela cena, mas o olhar permaneceu ali, preso, quase hipnotizado. O rosto não demonstrava muito… mas o peito sim. E principalmente, as coxas.
Verena, ao lado, percebeu.
Engoliu em seco, desviando rapidamente o olhar para Silvia.
A respiração dela parecia um pouco mais pesada, ainda que discreta, e os olhos… aquela maneira de olhar de esguelha, como quem queria fingir que estava indiferente, mas não conseguia.
Verena respirou fundo. O cheiro da esposa, o calor do corpo dela tão próximo… e, acima de tudo, aquela abstinência que parecia corroer de dentro pra fora.
Fazia semanas. Nem se lembrava mais.
E aquele silêncio entre elas era tão opressor quanto a ausência física.
Sem pensar muito, Verena esticou a mão e pousou, de leve, nos pés de Silvia, ainda cobertos pela manta. Começou um carinho discreto, quase casual: um roçar de dedos, uma massagem leve na planta do pé. Alisou o tornozelo com o polegar, subindo, lentamente, até o ossinho do calcanhar, e depois deslizando pelo dorso do pé, quente, macio, enquanto o olhar permanecia na televisão, como se aquilo fosse casual.
Silvia fingiu que não percebeu. Manteve os olhos na tela, mas, por dentro, o estômago se contraiu. Aquele toque ela conhecia. Muito bem. Conhecia aquele carinho como quem conhece o próprio corpo: a leveza proposital, o jeito de fazer parecer despretensioso… mas não era. Nunca era. Sabia exatamente quando Verena queria apenas afeto… e quando queria mais.
E agora… queria mais.
Silvia respirou fundo, lutando contra a resposta automática do próprio corpo. Mas era difícil…
Aquele carinho evoluiu, os dedos de Verena subiram um pouco, agora traçando o contorno do tornozelo, depois do calcanhar, até a panturrilha, sobre a manta. A respiração dela ficou mais pesada, o olhar fixo nos movimentos, hipnotizado por cada mínimo gesto.
Silvia apertou as pernas uma contra a outra, numa tentativa inútil de conter a excitação que começava a latejar. Respirou fundo, os olhos ainda fixos na cena da novela, onde os personagens agora se beijavam desesperados, se apertavam, arrancando a roupa como se não houvesse amanhã.
A respiração dela falhou.
E o meio das coxas começou a pulsar.
“Não… não, não…” — pensou, fechando um pouco mais as pernas, comprimindo-se sob a manta, como quem ergue uma barreira contra si mesma.
Mas o corpo… o corpo já estava traindo.
Verena percebeu e se aproximou mais. O joelho encostou na coxa da esposa, de propósito. O calor do toque acende algo sutil. Silvia não recua. Mas também não avança.
Ela fecha os olhos por um segundo. A respiração falha. Ela tenta manter a pose, mas o corpo trai. Tenta se afastar, mas Verena acompanha, sem forçar, se inclinando mais, agora com o corpo já próximo, uma das mãos segurando de leve o joelho de Silvia, enquanto o outro braço se apoia atrás da esposa, como quem só está confortável. Mas o rosto chega perto, a boca quase tocando a orelha dela.
Silvia fechou os olhos por um segundo, apertando a manta contra o peito.
— Verena… — murmurou, sem muita convicção.
Mas a deputada já não ouvia.
Se inclinou ainda mais, pousando a mão firme sobre a coxa de Silvia, apertando levemente, deslizando até o limite da dobra do joelho, enquanto o rosto se aproximava do pescoço exposto, ali, ao alcance.
Silvia mordeu o lábio, tentando manter o controle, mas já sentia o meio das pernas pulsar, quente, úmido, aquele fogo insuportável que vinha sempre com o toque da esposa.
Verena encostou o nariz na curva do pescoço dela, aspirando fundo, fechando os olhos, como quem precisava desesperadamente daquele cheiro para continuar viva.
Deixou um beijo lento, quente, na pele. Depois outro. E outro.
— Posso te beijar?
Silvia soltou um suspiro, o corpo inteiro se encolhendo, como se quisesse fugir… mas, ao mesmo tempo, querendo se entregar.
— Não… — sussurrou, com a voz fraca, como quem dizia mais pra si mesma do que pra Verena.
Mas Verena ignorou. Subiu um pouco mais, agora passando o braço pela cintura da esposa, puxando-a de leve, enquanto o corpo se ajeitava por cima, sem nem perceber mais a manta, que se embolava entre as pernas delas.
Os beijos foram subindo, mais quentes, mais molhados, invadindo o maxilar, o lóbulo da orelha, enquanto as mãos apertavam as coxas com uma fome que ela não conseguia mais conter.
— Verena… — Silvia tentou de novo, com mais força, segurando o rosto dela com a mão, afastando levemente. — Não… Não sei se consigo confiar…
Verena encosta a testa na dela. Os olhos fechados. As mãos segurando o rosto da esposa com reverência.
— Não precisa agora. Só sente… — sussurra ofegante, a boca quente contra o rosto da mulher.
Ela se ajeita no sofá, sobe um pouco o corpo, ficando por cima, sem pesar. As coxas pressionam a lateral do quadril da esposa.
— Silvia… — sussurrou, com aquela voz rouca, quebrada, carregada de urgência. — Eu… eu tô… eu não aguento mais…
Silvia apertou os lábios, os olhos marejando, mas não por tristeza… por raiva de si mesma, por saber que…
Não ia resistir.
Não conseguia.
Verena deslizou o corpo sobre o dela, devagar, abrindo espaço entre as pernas da esposa com o joelho, até que ficou ali, entrelaçada, com os rostos ainda próximos.
O cheiro familiar, o calor, a tensão elétrica vibrando entre as duas. Verena passou os dedos pela lateral do rosto dela, afastando um fio de cabelo, o polegar acariciando a bochecha, e então se aproximou mais, bem devagar…
— Você ainda é minha?
Silvia olha nos olhos dela, as pupilas dilatadas, o peito arfando.
— Eu nunca deixei de ser… — sussurra.
Verena morde o lábio, como se segurasse um grito. Os rostos colados. Até que as bocas se tocaram.
Primeiro, um selinho hesitante, inseguro…
Depois, mais um, e outro… até que as línguas se buscaram, se encontraram, se entrelaçaram com fome, com saudade, com fúria. O beijo foi profundo, molhado, arrastado, cheio de gemidos abafados e respirações falhadas. Beijos intercalados com palavras entre suspiros:
— Me deixa te amar de novo…
— Me perdoa com seu corpo…
— Só me sente, Silvia…
Verena apertou ainda mais o corpo contra o de Silvia, que, num ímpeto, agarrou a nuca da esposa com força, puxando-a pra mais perto, como quem precisava sentir até o último milímetro daquela boca, daquele corpo que conhecia tão bem… e que tinha tanta saudade.
O quadril de Verena pressionou firme entre as pernas de Silvia, que gem*u baixo, tentando conter, mas… falhou. As mãos deslizaram pela lateral do corpo dela, puxando a manta de qualquer jeito, embolando-a entre os corpos, até que não restava mais barreira alguma. Os óculos... Já esquecidos no chão.
— Eu te amo… — Verena sussurrou, entre beijos, descendo a boca pelo pescoço, deixando um rastro quente e úmido. — Me desculpa… me desculpa…
Silvia soltou um soluço abafado, com as lágrimas escapando pelos cantos dos olhos, só conseguia dizer:
— Eu… eu te odeio…
Mas o corpo, esse, dizia outra coisa.
E as duas sabiam.
O peito tremendo, as mãos segurando o rosto de Verena, puxando-a de volta pra mais um beijo, agora mais agressivo, mais desesperado, as línguas se enroscando, os dentes se tocando…
Era como se, naquele momento, tudo o que sentiam — amor, mágoa, raiva, desejo — explodisse de uma vez, se dissolvendo em gemidos, em toques, em respirações pesadas.
Verena desceu mais, beijando a clavícula, o seio, enquanto Silvia se arqueava, apertando as costas da esposa, mordendo o lábio pra conter o grito, mas não conseguindo impedir o corpo de vibrar inteiro, de se entregar, de trair a razão.
A manta já estava jogada no chão, esquecida, e o sofá parecia pequeno demais para conter tanta coisa: o corpo quente de Verena, arqueado sobre Silvia, e o dela, estirado, submisso, mas tenso… dividido entre o desejo e a dor.
Verena já não fingia mais controle. As coxas apertadas contra as laterais do quadril de Silvia, montada sobre ela, enquanto as mãos deslizavam com fome pelo corpo da esposa.
O sofá afundava sob o peso dos corpos, rangia sutilmente, apertando ainda mais a posição, deixando Verena sem espaço pra se mover livremente — mas ela nem ligava.
Pelo contrário…
A falta de espaço fazia com que ela precisasse pressionar o quadril ainda mais forte contra o da esposa, num movimento insistente, ritmado, subindo e descendo com força, como quem não aguentava mais segurar nada.
Silvia arfava sob ela, os olhos semiabertos, as mãos cravadas na lateral do sofá, tentando se apoiar, se conter… mas era inútil.
Verena inclinou-se ainda mais, o rosto colado ao pescoço da esposa, o cabelo caindo pelos dois rostos, criando uma espécie de cortina íntima só delas, onde só o calor, o cheiro e os gemidos importavam.
A mão direita de Verena já estava enfiada sob a calcinha de algodão branca de Silvia, os dedos hábeis deslizando entre os pelos macios, afundando sem piedade onde ela sabia que fazia a esposa gem*r daquele jeito…
— Ah… Vê… — Silvia arfou, mordendo o próprio lábio, o olhar suplicante, perdido, como quem odiava tanto quanto precisava.
Verena sorriu de canto, a respiração tão descompassada quanto os movimentos do quadril, que agora rebol*va, subia e descia, enquanto os dedos massageavam, apertavam, invadiam com confiança, mas também com carinho.
— Tão molhada… — sussurrou rouca, a voz quase falhando. — Você sente falta de mim…
Silvia apertou os olhos com força, como quem quer negar, mas o corpo já estava ali, entregue, traidor.
Verena gem*u baixo ao sentir a resposta úmida, escorregadia, e então se inclinou, beijando a boca da esposa com aquela fome toda, as línguas se encontrando, se enroscando de novo, como antes, como sempre.
Enquanto beijava, a mão livre de Verena puxou a blusa larga de Silvia pra cima, expondo o ventre macio, e logo subiu mais, até os seios, empurrando o tecido com pressa, apertando com força, arrancando um gemido rouco da esposa, que arqueou o corpo sob ela, as costas roçando no encosto do sofá, meio sufocada pela posição apertada.
— Ai… tá apertado… — Silvia conseguiu murmurar, com um riso nervoso, sem conseguir disfarçar o arrepio que percorreu o corpo todo.
— Fica… — Verena sussurrou, entre dentes, inclinando-se ainda mais, o quadril afundando ainda mais contra o dela. — Eu quero você aqui… assim…
E então puxou a calcinha da esposa de lado, de qualquer jeito, sem nem perder tempo de tirá-la, enquanto os dedos afundavam de novo, entrando, saindo, deslizando com um ritmo cada vez mais frenético, mais desesperado…
O sofá rangia, os corpos suavam, e Silvia gemia baixo, apertando as costas de Verena com as unhas, puxando, como quem queria que ela fosse ainda mais fundo…
E ela foi.
Enquanto os dedos invadiam, o quadril de Verena não parava de se mover, subindo e descendo com força, roçando a própria excitação na coxa de Silvia, quase se aliviando junto, num ritmo que beirava o descontrole.
As pernas de Silvia se abriram mais, cedendo, e Verena aproveitou pra enfiar a mão livre sob a própria blusa, puxando-a pela cabeça, jogando no chão, sem nem se importar. E agora o corpo nu dela se colava ao da esposa, os seios se espremendo um contra o outro, a pele quente, úmida, arfante.
Silvia gem*u alto ao sentir, puxando a nuca da esposa, beijando-a de novo, agora com ainda mais fúria, mordendo os lábios, sugando, como se quisesse marcar, ferir, gravar aquela cena em algum lugar que nunca mais apagasse.
E Verena, com o quadril ainda pressionando, os dedos invadindo e os beijos desesperados, sentia o corpo vibrar, tremendo, já à beira…
— Amor… — Silvia gem*u, enterrando o rosto no pescoço da esposa. — Eu… eu…
E então arqueou, se contraindo, gem*ndo abafado contra o pescoço de Verena, que não parou, não aliviou, continuou invadindo, pressionando, subindo e descendo, até que o próprio corpo não aguentou mais e se dissolveu também, num gemido rouco, preso na garganta.
As duas ficaram ali, coladas, ofegantes, os corpos ainda tremendo, ainda latejando, enquanto o sofá…
O sofá parecia pequeno demais pra conter tanta coisa: desejo, mágoa, amor, raiva…
E quando Verena tentou se ajeitar, saindo devagar de cima da esposa, as duas riram, sem graça, ao perceberem o estado: as roupas jogadas, as pernas ainda entrelaçadas, os cabelos colados pelo suor…
Mas depois da risada veio o silêncio.
Pesado.
Silvia puxou a calcinha de volta, ajeitando a blusa meio sem olhar, e virou o rosto, como quem não queria encarar o que tinha acabado de acontecer.
Verena, ainda sentada ali, nua da cintura pra cima, ficou olhando…
Sem saber o que dizer.
Só respirando.
O corpo satisfeito… mas a alma…
Ainda faminta.
Ainda quebrada.
...
O sofá ainda estava ali, cúmplice silencioso daquele caos, com as almofadas jogadas pelo chão, a manta embolada entre as pernas delas, as roupas meio que puxadas às pressas, tentando recompor alguma dignidade.
Verena estava com a cabeça apoiada na coxa da esposa, os olhos fechados, respirando fundo, como quem ainda processava o que tinha acabado de acontecer… ou como quem queria congelar aquele momento, esticar até o infinito aquele raro contato.
Silvia, por outro lado, passava a mão devagar pelos cabelos da esposa, aquele carinho automático, que o corpo fazia antes mesmo da cabeça autorizar. Mas o olhar… perdido. Fixo na parede da frente, como quem tava longe, muito longe dali. A TV... praticamente inexistente.
O silêncio pesava.
O cheiro de sex* ainda impregnava o ar abafado da sala.
Até que Verena abriu os olhos, ergueu o rosto, e com aquele sorrisinho de canto que só ela sabia fazer — um misto de cafajeste e apaixonada — se ajeitou, sentando de lado, com as pernas ainda meio cruzadas, olhando para Silvia com aquele olhar de quem queria colo, carinho… redenção.
— Vem cá… — sussurrou, abrindo os braços, puxando devagar a esposa para um abraço.
Silvia resistiu um segundo. Só um segundo.
Mas logo se deixou puxar, se aninhando naquele abraço apertado, com a cabeça escondida na curva do pescoço de Verena. Verena apertou mais, fechando os olhos, respirando fundo o cheiro dela, deixando um beijo leve na testa, depois outro… e outro…
— Me desculpa… — sussurrou, com aquela voz baixa, rouca, que parecia pedir perdão não só pelo agora, mas por tudo. — Eu… só… não aguento mais. Não aguento…
Silvia soltou um riso abafado, irônico, enquanto ainda estava encolhida ali.
— Sempre a mesma coisa, né… — murmurou, sem nem precisar levantar o rosto. — A gente se machuca… se afasta… aí você me beija… e…
Verena apertou mais o abraço, inclinando o rosto até o ouvido da esposa, deixando um beijo ali, quente, demorado, fazendo Silvia arrepiar inteira.
— Mas eu amo você… — sussurrou, como quem suplicava pra que aquilo fosse suficiente. — As coisas vão melhorar… eu juro.
Silvia ergueu um pouco o rosto, os olhos cheios d’água, entre o cansaço, a mágoa… e o amor.
— Você sempre diz isso… — disse, com a voz embargada. — E sempre… acaba aqui…
Verena mordeu o lábio, respirando fundo, puxando ainda mais a esposa pra cima dela, como quem queria engolir, proteger, resolver tudo só com o corpo.
— Eu tô tentando… — sussurrou, beijando de leve a bochecha, depois a mandíbula, subindo devagar até os lábios. — Eu… juro que tô tentando…
Silvia fechou os olhos, sentindo aquele beijo chegando… e quando a boca de Verena tocou a dela, suave, depois mais fundo, mais intenso… as línguas se encontraram de novo, com aquele desespero doce, com aquela necessidade crua, como quem diz "não solta".
E Verena, do jeito dela, predadora, foi apertando, puxando, até deitar Silvia de novo no sofá, por cima, o corpo quente pressionando, o beijo profundo, as mãos firmes segurando o rosto dela, como quem queria dizer:
"Eu tô aqui. Eu sou sua."
Mas Silvia…
Silvia deixou o beijo durar só mais um segundo, depois colocou as mãos no peito da esposa, empurrando devagar, como quem precisava respirar, precisava pensar.
— Não… — sussurrou, com aquele olhar partido, entre o desejo e o medo. — Não agora…
Verena fechou os olhos, respirando fundo, encostando a testa na dela.
— Tá… tá bom… — disse, com aquele sorriso triste, e soltou devagar, se deitando de lado, puxando Silvia junto, pra ficarem ali, abraçadas, emboladas naquele sofá apertado, bagunçado… e tão delas.
E ficaram assim.
Silêncio.
Só o som da respiração das duas, misturadas. Só o calor do corpo uma da outra… tentando, do jeito que dava, aquecer aquele inverno que parecia, às vezes, não ter fim.
Apartamento de Verena e Silvia — Sábado de manhã
O aroma de café fresco, encorpado, preenchia o ambiente, misturado com o leve cítrico da laranja recém-descascada. Sobre a mesa da varanda, uma toalha de linho, pães artesanais cortados em fatias irregulares, um pote de geleia, uma tigela com frutas vermelhas e um bule de água quente ao lado da prensa francesa, que Silvia acabara de usar.
Ela estava ali, sentada, com uma taça de suco natural na mão, o olhar perdido na rua lá embaixo, onde os carros começavam a riscar o silêncio do sábado.
Do quarto, os passos arrastados de Verena ecoaram, misturados a um bocejo longo, meio preguiçoso. Ela apareceu encostada no batente da porta, com aquele ar de quem ainda estava meio entorpecida da noite passada — e das tantas coisas não resolvidas.
— Nossa… — murmurou, coçando os olhos e olhando pra mesa, meio sem acreditar. — Você… montou tudo isso?
Silvia deu um meio sorriso, discreto, mas não virou o rosto.
— Acordei cedo — disse apenas, dando um gole no suco.
Verena se aproximou, arrastando os pés descalços pelo piso frio, o cabelo desgrenhado, a camiseta larga deixando um ombro exposto. Parou atrás da esposa e, num impulso, pousou as mãos nos ombros dela, depositando um beijo suave no alto da cabeça.
Silvia não se esquivou, mas também não correspondeu. Apenas ficou ali, firme, olhando a rua.
— Tá lindo… — Verena falou baixinho, meio envergonhada, puxando uma cadeira ao lado.
Silvia pousou a taça sobre a mesa, respirou fundo e, com uma doçura contida, perguntou:
— Dormiu bem?
Verena sorriu, meio sem graça:
— Bem melhor que nos últimos dias…
Silêncio.
Silvia passou a faca na fatia de pão, espalhando a geleia com movimentos calmos, quase metódicos.
Verena ficou olhando, hipnotizada, sem saber se era medo ou desejo o que sentia.
— Eu tava pensando… — começou, pegando uma framboesa e levando à boca. — A gente podia sair hoje… sei lá… almoçar fora… dar uma volta…
Silvia parou o movimento, respirou fundo e, com um tom doce, mas triste, soltou:
— Não sei se eu tô no clima, Vê…
Verena mordeu o lábio, assentindo lentamente, enquanto passava as mãos nervosas pela caneca vazia.
— Eu sei que ontem… — começou, mas Silvia ergueu a mão, gentilmente, sem grosseria, apenas pra pedir silêncio.
— Não… não agora… — sussurrou, os olhos marejando um pouco, mas com um sorriso terno, como quem ainda quer cuidar, apesar da dor.
Verena soltou um suspiro, apoiando o cotovelo na mesa e escondendo o rosto na mão, frustrada, culpada, exausta.
Silvia ficou olhando para ela, por alguns segundos, com aquele olhar de quem ama, mas tá ferida… e não sabe muito bem o que fazer com isso.
O barulho do bule sendo pousado de volta à mesa quebrou o silêncio, mas a tensão continuava ali, invisível, grudada no ar, no aroma do café, na textura da toalha de linho.
Verena ergueu os olhos e soltou, num fio de voz:
— Desculpa…
Silvia não respondeu. Apenas passou a mão delicadamente pela mão da esposa, fazendo um carinho rápido… e levantou-se, indo até a varanda, ficando ali, de costas, olhando o mundo passar… enquanto dentro dela tudo parecia parado.
E Verena ficou sentada, sozinha, olhando aquela mesa tão bonita… e tão vazia.
Casa da Valentina — 10h de sábado
O barulho da campainha ecoou pela casa silenciosa. Ana Paula olhou para a filha, que ainda estava largada no sofá, encolhida sob a coberta fina, os olhos vidrados na televisão desligada.
— Val... sua amiga — avisou, caminhando até a porta.
Valentina não respondeu, apenas ajeitou o cabelo e respirou fundo, como se se preparar para qualquer interação fosse uma tarefa gigantesca.
Logo, a porta se abriu, revelando Carol, com aquele sorriso meio sem jeito, mas cheio de carinho, segurando uma sacolinha de pão de queijo e dois sucos de caixinha.
— Ei... — falou baixinho, entrando depois que Ana deu passagem.
Ana apenas assentiu, se afastando para deixá-las à vontade. Carol se aproximou, deixando a sacola sobre a estante, ao lado de alguns porta retratos da família.
— Trouxe uns pães de queijo... não tive muita ideia melhor — soltou uma risadinha leve, se sentando ao lado da amiga. Olhou para Valentina, avaliando com um olhar cúmplice e preocupado. — Tá melhor?
Valentina ergueu um pouco o rosto, os olhos ainda inchados e meio opacos, mas com um vestígio de tentativa de sorriso.
— Tô... mais ou menos.
Carol respirou fundo, apoiando os cotovelos nos joelhos e olhando fixamente para a amiga.
— Nem precisa responder, né? Eu sei que não tá.
Valentina soltou uma risadinha fraca, passando a mão pelo rosto.
— Eu sou uma idiota, Carol.
— Não começa. — Carol pegou a mão dela e apertou firme. — Tá aqui, tá viva. Não é idiota, só tá... sei lá... perdida.
Valentina mordeu o lábio, segurando as lágrimas, mas elas insistiam em marejar.
— Minha mãe fica me olhando como se eu fosse quebrar a qualquer momento. E eu... não sei, eu só queria que tudo fosse diferente.
Carol assentiu devagar, sem soltar a mão dela.
— Eu sei, amiga. Mas olha... — sorriu meio travessa — queria te dar uma bronca, né? A clássica: “não faz mais isso, hein?”.
Valentina soltou um riso abafado, pela primeira vez com um resquício de leveza.
— Tá bom, não faço mais.
Carol suspirou, aliviada com o mínimo de resposta, e então, ajeitando a postura, olhou de canto para ela, com um olhar maroto.
— E aí... nem quer saber das fofocas da cidade?
Valentina arqueou a sobrancelha, sem entender muito, mas com aquela curiosidade involuntária despertando.
— Fofoca?
Carol deu de ombros, mas o sorriso denunciava que era algo que ela sabia que mexeria com a amiga.
— Ah, sei lá... só tava vendo umas coisas na internet. Uns vídeos de umas falas de uma deputada, sabe... aquela...
Valentina mordeu ainda mais o lábio, apertando a manta contra o peito, o coração acelerando sem controle.
— Verena... — sussurrou, quase sem perceber.
Carol sorriu de canto, percebendo.
— É... ela mesma. Tava lá, toda... — fez um gesto com a mão, imitando um ar confiante e charmoso — toda deputada, falando de ética, de direitos... até que mandou uma direta pros opositores, bem na lata. O povo na internet tá doido com ela.
Valentina respirou fundo, os olhos marejados agora por um motivo estranho: um misto de saudade, admiração, desejo e uma culpa esmagadora.
— Para, Carol... — pediu baixinho, mas com um sorriso torto nos lábios.
Carol soltou uma risadinha, percebendo o leve rubor no rosto da amiga, aquele brilho involuntário que surgia sempre que falava de Verena.
— Não consigo, Valen... é só falar dela que você muda o olhar.
Valentina fechou os olhos por um segundo, como se quisesse apagar aquilo, mas quando os abriu, a expressão era de rendição.
— Eu não queria sentir isso...
Carol encostou a cabeça no ombro dela, abraçando de lado.
— Eu sei, amiga... sei mesmo. Só que... sei lá, às vezes a única coisa que tira você desse buraco é justamente o que não devia, né?
Valentina riu fraco, limpando as lágrimas que escorriam devagar.
— Não devia mesmo...
Carol apertou o abraço, dando um beijo carinhoso na bochecha dela.
— Vamo só combinar uma coisa: não se julga tanto, tá? Tá viva, tá aqui, tem muita coisa ainda pela frente.
Valentina assentiu, sem conseguir falar, apenas abraçando Carol com força, deixando as lágrimas escorrerem livres, agora misturadas com aquele alívio estranho: o de poder falar — mesmo que indiretamente — de quem mais ocupava seus pensamentos.
Carol soltou, com aquela voz de quem não sabia se estava fazendo certo ou errado:
— Se quiser... posso te mandar o vídeo depois.
Valentina olhou pra ela, com aquele sorriso triste e cúmplice.
— Manda.
E ali ficaram, as duas abraçadas, enquanto o sol entrava pela janela, aquecendo o ambiente silencioso, onde o soro e o monitor hospitalar já não existiam, mas as marcas na alma... ah, essas demorariam muito mais pra cicatrizar.
Casa da Valentina — Quarto da Valentina — 11h de sábado
Carol fechou a porta do quarto com um cuidado quase exagerado, como se aquele simples clique fosse selar um pacto de confidência. Valentina se jogou na cama, puxando a manta junto, enfiando a cabeça no travesseiro e soltando um suspiro pesado.
— Pelo menos aqui a gente tem paz, né? — Carol disse, se encostando na beirada da cama, os braços cruzados, olhando para a amiga com um sorriso meio sem jeito.
Valentina soltou um risinho abafado no travesseiro e virou o rosto de lado.
— Isadora ainda tá com a minha mãe na cozinha, né?
Carol assentiu, sentando-se na ponta da cama e cruzando as pernas.
— Tá, elas tão lá fazendo bolo... ou brigadeiro... sei lá. Só sei que tá um cheiro bom.
Valentina riu fraco, ajeitando o cabelo no rosto.
— A Isadora é muito fofoqueira, não dá pra falar nada na frente dela.
Carol gargalhou e deu um leve empurrão no ombro da amiga.
— Mais uma razão pra gente falar aqui, longe.
Valentina puxou a manta até o peito, se encolhendo, o olhar meio perdido, meio desconfortável. Carol percebeu e se aproximou, apoiando o cotovelo no colchão e ficando ali, bem perto.
— Valen... — chamou num tom mais suave. — Sério... tô feliz de te ver assim... meio caída ainda, mas... alegre.
Valentina soltou um suspiro, fechando os olhos.
— Eu achei que... — a voz falhou. Ela respirou fundo. — Que nem ia ter mais essa chance, sabe?
Carol apertou de leve o braço dela, sem dizer nada. Só ficou ali, fazendo aquele papel silencioso de quem segura o mundo do outro por alguns minutos. Depois de alguns segundos de silêncio confortável, Carol quebrou o clima, com aquele jeitinho provocador:
— Ó... tava pensando numa coisa...
Valentina abriu um olho, desconfiada.
— O quê?
Carol mordeu o canto do lábio, meio que se divertindo com a própria ideia.
— Você podia mandar uma solicitação pra... você sabe quem... — ergueu a sobrancelha, como quem provoca.
Valentina arregalou os olhos na hora, quase engasgando com a própria saliva.
— O QUÊ?! — tossiu, se ajeitando na cama, o coração disparando do nada.
Carol não conseguiu segurar a risada, jogando a cabeça pra trás.
— Ai, meu Deus! Olha só a sua cara!
Valentina colocou as mãos no rosto, envergonhada, sem saber se ria ou se chorava.
— Você tá maluca, Carol! Não, não... nem pensa nisso...
Carol deitou de lado, apoiando a cabeça na mão e olhando pra ela com aquele ar meio debochado, meio cúmplice.
— Por que não? Só uma solicitaçãozinha... perfil privado, super de boa. Nem precisa escrever nada, mas só de mandar... sei lá, já é uma coisa, né?
Valentina apertou a manta com força, sentindo o peito explodir.
— Meu Deus... eu não consigo nem... nem pensar nisso!
Carol riu, se aproximando mais.
— Ah, Val... para! Você não se aguenta só de ouvir o nome dela, imagina se ela visse sua solicitação!
Valentina fechou os olhos com força, balançando a cabeça.
— Não faz isso comigo...
— Tô tentando animar você, amiga. E, convenhamos... — fez uma pausa dramática, inclinando-se bem perto — falar dela é a única coisa que faz você... sei lá, brilhar um pouquinho.
Valentina abriu os olhos, lentamente, e ficou olhando pra amiga. Não tinha como negar. O coração estava acelerado, as bochechas quentes, o peito apertado de um jeito bom e ruim ao mesmo tempo.
— Você percebeu... — murmurou, meio derrotada.
Carol assentiu, com aquele sorriso doce.
— Claro que percebi. E quer saber? Tudo bem. Não tô aqui pra julgar, só pra... sei lá... te ver viva de novo.
Valentina respirou fundo, tentando segurar as lágrimas de novo. A sensação era confusa: queria rir, chorar, se esconder, se jogar no colo da amiga.
Carol, vendo a amiga toda enrolada na própria emoção, soltou:
— Então... posso ou não posso mandar a solicitação?
Valentina ficou em silêncio por um segundo, olhando pro teto, como quem tentava ouvir o coração no meio do caos.
— Você é maluca, Carol! — Valentina gritou, a voz abafada pelo tecido do travesseiro.
Carol deu um tapa leve no pé da amiga.
— E você é toda travada! Tá achando o quê? Não dá nem pra você mandar uma solicitação sozinha?!
Valentina virou de barriga pra cima, olhando pro teto, com um olhar derrotado, mas com aquele sorrisinho que não conseguia conter.
— Eu nem tenho Instagram, sua doida...
Carol ergueu as sobrancelhas, fingindo indignação.
— Como assim você não tem?! Ai verdade, esqueci disso. Ai amiga como você consegue viver sem rede social?
— Ué... minha mãe nunca deixou... E também... sei lá, nunca quis...
Carol ficou em silêncio por dois segundos e então, como se uma lâmpada acendesse sobre a cabeça:
— Tá decidido. Você vai criar. Agora.
Valentina arregalou os olhos, sentando-se na cama.
— O quê?! Não... imagina! Minha mãe vai surtar...
Carol se inclinou, pegando o celular e mostrando o próprio perfil pra amiga, como quem exibe um troféu.
— Olha aqui! Nem precisa ser pra postar coisa. Só pra você... acompanhar quem você quiser...
Valentina mordeu o canto do lábio, nervosa.
— Ai, Carol... sei lá...
Carol sorriu, se levantando e puxando a amiga pela mão.
— Bora. Fala com a sua mãe. Agora.
Valentina arregalou ainda mais os olhos.
— Agora?!
— AGORA! — Carol respondeu, rindo e puxando Valentina pra fora do quarto.
Casa da Valentina — Cozinha — Instantes depois
Ana Paula estava de costas, mexendo a massa de bolo com Isadora ao lado, toda lambuzada de chocolate. O cheiro doce tomava conta do ambiente, aquecendo a casa com aquele ar de normalidade que parecia ter fugido há dias.
Valentina parou na porta, sentindo um frio na barriga. Carol ficou logo atrás, incentivando com um cutucão nas costas.
— Mãe... — chamou, com a voz meio encolhida.
Ana virou-se, limpando as mãos num pano de prato e sorrindo fraco.
— Oi, filha... tá tudo bem?
Valentina respirou fundo, juntando as mãos à frente do corpo.
— Tá... tá sim. É que... eu queria te perguntar uma coisa.
Ana franziu o cenho, preocupada.
— O quê?
Valentina mordeu o lábio, encarando o chão.
— Eu... queria... sabe... criar uma conta no Instagram...
Isadora arregalou os olhos, já abrindo a boca:
— O QUÊ?!
Valentina lançou um olhar fulminante pra irmã mais nova, que se calou, mas ficou ali, de olhos esbugalhados, pronta pra fofocar.
Ana ficou em silêncio por um momento, olhando para a filha mais velha, depois para Carol, que fez aquele sorrisinho de "não tenho nada a ver com isso, só tô acompanhando".
— Instagram, filha? — Ana perguntou, mais suave, mas ainda cautelosa. — Agora?
Valentina encolheu os ombros, tímida.
— É... só... sei lá... não precisa ser pra postar coisa... Só pra... ver umas coisas...
Ana cruzou os braços, pensativa.
— Nunca quis antes...
Valentina suspirou, a voz saindo fraca, quase um pedido de socorro:
— É que... acho que... vai me distrair... E... dá pra aprender bastante coisa também...
Ana respirou fundo, percebendo aquele brilho diferente no olhar da filha — um brilho que não via fazia tempo. Não tinha certeza se era bom ou ruim, mas... era vida.
Depois de alguns segundos, soltou um suspiro resignado.
— Tá...
Valentina arregalou os olhos, surpresa.
— Tá?!
Ana sorriu de canto, acariciando o rosto da filha.
— Tá. Mas... só se for privada. E... eu posso ver de vez em quando.
Valentina assentiu com força, quase se jogando no colo da mãe.
— Obrigada!
Ana riu fraco, apertando a filha num abraço.
— Só me promete uma coisa...
Valentina se afastou um pouco, encarando-a.
— O quê?
— Não vai usar isso pra... fazer nada de errado, que te machuque, tá?
Valentina respirou fundo, segurando o choro e assentiu, sem conseguir prometer com palavras.
Carol sorriu, de canto, aliviada.
— Bora criar então? — perguntou, erguendo o celular.
Valentina riu fraco, limpando os olhos.
— Bora...
Isadora, do outro lado, gritou:
— Eu também quero um!
Ana e Valentina responderam ao mesmo tempo:
— NÃO!
E a cozinha explodiu numa gargalhada, pela primeira vez em dias.
Casa da Valentina — Quarto — Minutos depois
Valentina se sentou na beirada da cama, as mãos cruzadas entre os joelhos, os dedos apertando um ao outro com força, como se criar um perfil no Instagram fosse assinar um contrato vitalício.
Carol, ao lado, já estava com o celular aberto, empolgadíssima, a tela iluminada refletindo no rosto.
— Tá… bora! — disse, estendendo o celular pra amiga.
Valentina arregalou os olhos e se afastou, como se o aparelho fosse um bicho selvagem.
— Quê? Não… faz você…
Carol soltou aquela risada alta, debochada:
— Valen, pelo amor de Deus! Não posso criar pra você! Tem que ser você, ué…
Valentina respirou fundo, pegou o celular com as pontas dos dedos, como quem segura uma bomba, e ficou olhando pra tela, imóvel.
— Tá… mas… o que eu coloco?
Carol revirou os olhos, arrancou o celular da mão da amiga e digitou na barra de pesquisa:
— Ó… primeiro: nome. Vai ser o quê? Valentina_Moraes?
— Não! — Valentina gritou, quase tropeçando na própria palavra. — Não quero meu nome!
Carol arregalou os olhos, surpresa e rindo:
— Tá bom! Tá bom! Relaxa! Não precisa!
Valentina respirou aliviada, ajeitando a franja nervosa.
— Então… sei lá… coloca… V...V... alguma coisa…
Carol ergueu uma sobrancelha, maliciosa:
— “V misteriosa”?
Valentina jogou a almofada nela:
— Para!
Carol desviou, rindo ainda mais:
— Tá… “V só observa”… ou… “V em silêncio”…
Valentina enfiou o rosto nas mãos, vermelha:
— Paraaaaa…
Carol colocou o braço ao redor da amiga, sacudindo de leve:
— Tô brincando, boba! Ó… que tal… “vemoraes”... bem disfarçado…
Valentina pensou por uns segundos, mordendo o canto do lábio, e assentiu, sem coragem de discutir.
— Tá… pode ser…
Carol sorriu, satisfeita, digitando com rapidez:
— Fechou! Agora… foto!
Valentina arregalou os olhos de novo, quase pulando da cama:
— O quê?! Não!
— Valen… tem que ter uma! Nem que seja uma dessas bem… sem rosto, meio artística…
Carol abriu a galeria de fotos da Valentina, que entrou em pânico:
— NÃO! Nem pensar!
Carol caiu na gargalhada.
— Relaxaaa! Só uma dessas da paisagem que você tirou, olha… essa aqui, do céu…
Valentina olhou de canto e assentiu, tímida:
— Tá… pode ser…
Carol selecionou a foto de um céu azul com nuvens delicadas, que Valentina tinha tirado meses atrás, sem nem lembrar.
— Pronto! Bem conceitual! Ninguém vai nem saber quem é você…
Valentina sorriu de canto, meio aliviada, meio assustada.
— Agora… bio… — Carol começou a digitar, mas Valentina puxou o celular, indignada:
— Nem pensar! Deixa em branco!
Carol ergueu as mãos, rendida:
— Tá… tá… calma… só falta… deixar privada… — e marcou a opção — e… pronto!
Ela soltou um suspiro vitorioso, entregando o celular pra Valentina como quem entrega uma medalha olímpica.
Valentina segurou o aparelho com as duas mãos, olhando aquela tela nova, vazia, mas que parecia… cheia de coisas que ela nem conseguia nomear.
— Meu Deus… — murmurou.
Carol a cutucou, rindo:
— Viu? Nem doeu…
Valentina soltou um risinho abafado, encolhendo os ombros:
— Sei lá… tô meio… nervosa…
— Normal… — Carol respondeu, apoiando o queixo na mão e olhando a amiga com carinho. — Tá viva, né? Tá sentindo coisa… já é um começo…
Valentina sorriu, os olhos marejando discretamente, mas com aquela sensação quente no peito.
Carol ergueu o celular de novo, abrindo o perfil da deputada:
— E agora… quer mandar a solicitação… ou…
Valentina arregalou os olhos, travando:
— Ai… não sei…
Carol riu:
— Relaxa! Não precisa responder nada… só mandar. Só… um clique.
Valentina respirou fundo, fechou os olhos, e…
— Vai… — sussurrou, entregando o celular pra Carol.
Carol abriu o perfil privado da deputada. A tela inicial apareceu: foto de perfil pequena, circular, sem acesso às publicações, mas com a contagem de seguidores.
A foto? Bem diferente da pública: Verena, cabelos soltos, uma taça de vinho na mão, meio sorriso de canto, o olhar levemente inclinado para a câmera, um fundo desfocado de luzes quentes — claramente um momento pessoal, intimista, talvez em um jantar ou em casa.
Carol segurou o riso:
— Aham… olha quem você foi se apaixonar…
Valentina, ao ver a foto, sentiu o rosto inteiro arder. Levou as duas mãos às bochechas, sufocando um gemido.
— Aiiii, paraaa, Carol…
— O QUÊ? Eu nem fiz nada! Só mostrei! — Carol gargalhava, cutucando a amiga no ombro. — E olha essa sua cara! Tá roxa, mulher!
Valentina balançava a cabeça, nervosa, mas o olhar não desgrudava da tela.
— Meu Deus… ela tá… tá… diferente... tá... tão bonita… — confessou num fio de voz.
Carol arregalou os olhos, teatral:
— Ihhh… a santa se entregou!
Valentina tampou o rosto com as mãos, rindo e gem*ndo de vergonha:
— Aiiii, Carol… eu não devia… não posso sentir isso… não posso…
Carol se aproximou, falando com mais doçura agora:
—Valen… sentir não é pecado. Você não tá fazendo nada de errado. Só tá… sentindo. E olha… foi você mesma que disse: ela te ajudou várias vezes lá no estágio. Normal que seu coração fique balançado…
Valentina suspirou, ainda meio escondida atrás das mãos.
— Mas… não é certo, ela é casada… e… e… é mulher… e eu não sei nem o que pensar…
Carol apertou de leve o braço da amiga, com carinho:
— Relaxa, boba… não tô dizendo pra você fazer nada. Só… não se martiriza. E se te ajuda a ficar mais alegre, mais viva… por mim, já valeu a pena.
Valentina sorriu, tímida, o olhar marejado de emoção e um leve brilho novo no fundo dos olhos.
Carol piscou:
— Mas que a deputada é um avião… ah, isso ela é!
Valentina riu, batendo de leve no ombro da amiga:
— Ai, paraaaaaa!
Mas por dentro, sentia algo quente crescendo no peito — um misto de medo, culpa… e aquela pontada incontrolável de desejo e encantamento que insistia em florescer, mesmo quando ela tentava podar.
— Tá pronta?
Valentina riu fraco, meio envergonhada, mas sentindo o coração aquecer de uma forma estranha, nova. Respirou fundo, fechou os olhos, e…
— Vai...
Carol, sorrindo, apertou o botão: “Solicitação enviada”.
Valentina abriu um olho, como quem teme o impacto, e quando viu, arregalou os dois, levando a mão à boca.
— Ai meu Deus…
Carol gargalhou:
— Pronto! Agora é só esperar…
Valentina caiu pra trás na cama, rindo e gem*ndo:
— Ai, Carol… você é doida…
Carol se deitou do lado, olhando pro teto:
— E você tá apaixonada…
Valentina ficou em silêncio, com um sorriso tímido, meio assustado, meio rendido… E ali, as duas ficaram, olhando o teto, enquanto, num outro canto da cidade… a notificação ainda não tinha chegado… mas estava prestes.
...
Valentina ainda estava deitada, tentando recuperar a compostura depois da tal solicitação enviada. O celular repousava no colo, como se fosse uma granada prestes a explodir.
Carol, com aquele sorrisinho maroto no rosto, pegou o próprio celular.
— Tá, agora vamos espiar um pouco… só pra você ir acostumando… — disse, abrindo o app.
Valentina sentou-se devagar, espiando por cima do ombro da amiga, o coração martelando no peito.
— Mas… não é errado ficar fuçando assim? — sussurrou.
— Errado? Val… o perfil é público. Isso aqui é rede social, não é confessionário — respondeu Carol, dando uma piscadinha.
Ela digitou o nome: Verena Castilho.
— Ó… tá aqui, o oficial, verificado… — e clicou no perfil público.
A tela se abriu: uma foto de capa com a bandeira do estado, algumas imagens de eventos, discursos, fotos em plenário.
Carol deslizou o dedo, mostrando as fotos:
— Tá vendo? Tudo profissional. Deputada, reuniões, fotos com as comissões… — virou o rosto pra amiga e sussurrou com ironia — …e você querendo se esconder.
Valentina mordeu o lábio, os olhos grudados na tela, mas com uma expressão de puro fascínio. E ali, naquele quarto pequeno, diante daquela tela de celular, um mundinho novo se abria… perigoso, confuso, mas estranhamente irresistível.
Apartamento de Verena e Silvia — Sala — 11h50
O relógio de parede marcava quase meio-dia, mas o apartamento permanecia num silêncio incômodo.
Verena ainda estava na varanda, terminando de beber o último gole do café já frio, com os olhos perdidos no horizonte da cidade. Silvia havia saído da mesa minutos antes, dizendo que precisava ver um e-mail importante do escritório. Mas Verena sabia que não era só isso.
Suspirou fundo, passando a mão pelos cabelos soltos, a cabeça girando em mil direções.
“Tô forçando a barra? Não... ela que não quer se abrir... ou será que tô mesmo? Merda.”
Deu um último gole, se levantou. A calça de tecido leve preta flutuando sobre as pernas. Quando chegou à porta do home office, parou ao ouvir a voz de Silvia:
— ...não, imagina... vai ser bom, sim. Faz tempo que a gente não conversa.
A voz era doce, diferente do tom frio que vinha usando com ela.
— Uhum. Tá, umas três da tarde? Combinado então, Mari. Beijo.
Verena engoliu seco e se afastou da porta, voltando à sala como se não tivesse ouvido nada. Aquela pontada de exclusão ainda latej*v* no peito da deputada.
“Tá tudo certo, né. Claro. Melhor assim. Evita briga.”
Sentou-se no sofá, jogou a cabeça pra trás, exalando um suspiro frustrado. Pegou o celular largado na mesinha lateral. A tela acendeu com o rosto da deputada refletido de baixo pra cima.
Rafa.
Abriu o WhatsApp.
Rafaela estava online. Sem pensar muito, digitou:
Verena:
Silvia vai sair. Chamei ela pra almoçar fora e ela recusou. Que merd* tudo isso.
Ficou olhando a mensagem, os três pontinhos de digitação surgiram... desapareceram... voltaram... e nada. Jogou o celular no sofá, se levantou, caminhou pela sala inquieta. Mas logo pegou de novo o aparelho, quase como um vício.
Abriu o Instagram.
A conta pública estava cheia de notificações — marcações em fotos da semana anterior, mensagens de apoio, ataques também. Nada novo. Mas então, um aviso no canto superior chamou a atenção:
1 nova solicitação para seguir seu perfil privado.
Franziu o cenho.
“Tão me seguindo no público e no privado? Mas que porr*...”
Abriu a notificação.
vemoraes.
A tela do perfil se abriu. O coração da deputada deu um pequeno salto.
Foto de perfil: um céu. Azul, com algumas nuvens.
Seguidores: 1 — carol.s.oliveira
Seguindo: 2 — carol.s.oliveira e @verenacastilho_oficial
Publicações: 0.
Verena arqueou as sobrancelhas, puxando o celular mais pra perto dos olhos, desconfiada.
— Mas que diabos... — murmurou.
“Quem é essa Carol?”
Com um gesto rápido, clicou no perfil carol.s.oliveira.
A página carregou.
Foto de perfil: uma selfie da garota, de cabelo solto, maquiagem leve mas bem feita, batom rosado, sobrancelha feita, um olhar esperto para a câmera. No fundo, um quarto com prateleiras cheias de livros e algumas plantas.
Bio: “✨ Estudante | viciada em café & séries | sonhando alto ✨”
Publicações: 68
Seguidores: 1.245
Seguindo: 1.080
Perfil privado.
Verena mordeu o canto do lábio inferior.
— Hm... espertinha. — murmurou.
Não conseguia ver as fotos, mas o conjunto já dizia muito: uma adolescente, perfil claramente pessoal, típico de estudante. O desconforto aumentou. Voltou ao perfil vemoraes. Olhou mais uma vez para o céu do avatar. A dúvida corroía. Sentiu o coração acelerar um pouco, a paranoia cutucando. Voltou a olhar o nome.
vemoraes...
O estômago revirou sem ela saber bem o porquê. O sobrenome parecia ecoar em algum canto esquecido da memória recente.
Moraes... moraes... onde já...?
Fechou os olhos por um instante, tentando puxar a lembrança. O cérebro trabalhando rápido. Não precisou pensar muito. O nome bateu na memória como um raio: Valentina Moraes.
Engoliu em seco, o estômago apertando.
— Não... não é possível. — sussurrou, mais para si mesma.
Mas o nome estava ali. E aquela timidez escancarada no perfil... um céu no avatar... seguindo só a Carol e ela. O peito se apertou, uma onda estranha de calor subindo pelo pescoço.
“A Valentina... não. Não deve ser. Deve ser coincidência. Um fake? Mas por quê seguir o público e o privado?”
Olhou de novo. Passou o dedo sobre o avatar, como se pudesse arrancar dali alguma pista invisível. O celular já parecia mais quente na mão. As pontas dos dedos suavam.
“E se for ela... por que agora?”
Mordeu o lábio inferior com força. Quis apertar recusar, o dedo quase tocando o botão — mas travou no último instante.
— Merda... — murmurou, encostando as costas no sofá. — Merda.
Jogou a cabeça pra trás, fechando os olhos por um segundo. A cabeça rodava. A raiva pela situação com Silvia... esquecida.
As preocupações com o dossiê... esquecidas. Agora só existia aquilo: a dúvida corrosiva, a curiosidade latejando, a vontade quase infantil de clicar em aceitar e ver o que acontecia.
Mas e se fosse uma armadilha? E se fosse ela mesma, de verdade? E aí? O celular apitou com uma notificação qualquer, mas Verena nem viu. Continuava ali, com o polegar suspenso no ar, entre a razão e o desejo.
— Que porr* que você tá fazendo comigo, menina... — sussurrou, com um sorriso nervoso.
Abaixou o celular no colo, o peito arfando leve. Não ia aceitar. Não ainda. Mas o perfil ficou ali, piscando na tela como um convite proibido. E no fundo — bem no fundo — ela já sabia que, mais hora, menos hora... não ia resistir.
Casa da Valentina – Quarto – Sábado, fim da manhã
A luz entrava preguiçosa pela janela, desenhando faixas de sol no chão. Carol estava largada na cama de solteiro, o celular entre os dedos, os olhos atentos. Valentina, sentada na beirada da cama, balançava a perna nervosamente.
— E aí... ela aceitou? — perguntou, a voz um fio.
Carol soltou um suspiro.
— Ainda não. Mas ó... ela com certeza já viu. Aposto que entrou no perfil, viu que não tem quase nada e ficou encucada.
Valentina enterrou o rosto nas mãos.
— Ai meu Deus... pra que que eu deixei você me convencer disso...
Carol virou o corpo de lado, apoiando a cabeça na mão
— Calma, Valen — Carol riu, dando um tapinha leve no braço da amiga. — Olha só, isso aqui não é nada demais. Você nem colocou seu nome completo, a foto é de um céu. Mas, se você quer MESMO que ela aceite, vai ter que parecer mais... de verdade.
Valentina levantou o rosto, os olhos grandes, ansiosos.
— Como assim? Mas eu já coloquei o céu! — rebateu, aflita.
Carol deu uma risada curta.
— Val... um céu? Sério? Imagina você recebendo uma solicitação assim. Com o tanto de coisa que tá rolando com ela? Ela vai achar que é perfil fake, qualquer coisa.
Valentina apertou os lábios. A garganta seca. O coração doendo de nervoso e de vontade.
— Mas... e se alguém... sei lá... um sequestrador ou bandido me ver? E se hackearem meu perfil?
Carol segurou o riso, balançando a cabeça.
— Meu Deus, Val, você é uma senhorinha com vinte anos de antecedência. — E, mais suave, completou: — Não tô falando pra colocar seu rosto, relaxa. Mas pelo menos uma foto que mostre que o perfil é real.
Valentina desviou o olhar, o peito arfando de leve.
— Tipo o quê...?
Carol pensou por um segundo, depois apontou.
— Vem cá. Fica ali, sentadinha na beirada da cama, olha pra janela. Eu tiro uma foto. Não precisa olhar pra mim, nem mostrar o rosto.
— Ai, Carol... — gem*u, mas foi.
Se ajeitou, nervosa, sentindo o sangue pulsar no pescoço.
Carol ergueu o celular.
— Tá linda. Fica aí.
Um clique.
Valentina virou um pouco o rosto, ansiosa.
— Ficou ruim?
Carol virou o celular pra ela: a imagem mostrava Valentina sentada de costas, os cabelos caindo sobre os ombros, o perfil suave do rosto apenas insinuado enquanto ela olhava a luz suave que entrava pela janela.
— Essa aqui. Perfeita. Tem você, mas não expõe. Mostra que é um perfil real.
Valentina hesitou, o peito batendo descompassado.
— Tem certeza...?
— Tenho. E você também tem. Vai... coloca.
Mordendo o lábio com força, com medo, com desejo, com tudo misturado, Valentina pegou o celular, atualizou o perfil com a foto.
— Pronto... — sussurrou, o coração saindo pela boca.
Carol sorriu, cúmplice.
— Agora sim... se ela não aceitar com essa, aí já é outra história.
Valentina deitou de costas na cama, cobrindo o rosto com as mãos.
— Eu vou ter um treco, Carol... sério...
— Se tiver, vai ser de amor platônico, amiga. Mas pelo menos um treco feliz.
Valentina não conseguiu evitar um sorriso bobo, o peito explodindo de nervosismo e excitação. Agora era esperar. Esperar que aquele gesto tão pequeno — uma simples foto — fosse suficiente pra que a mulher que ocupava todos os seus pensamentos a visse, e soubesse.
Apartamento de Verena e Silvia — 12h20 de sábado
Verena estava largada no sofá da sala, as pernas esticadas sobre a chaise. A luz do fim de tarde entrava pelas janelas amplas, dourando o chão de madeira. Silvia tinha ido para o quarto, sob o pretexto de ler. A última troca de palavras, durante o café, ainda pesava no ar.
O celular preso entre os dedos, como se o aparelho tivesse virado uma extensão do próprio corpo. Ainda não tinha aceitado a solicitação. Não conseguia parar de olhar.
vemoraes.
"É ela? Não é?"
Os minutos se arrastavam como horas. A paranoia rondava.
"Isso pode ser coisa do mesmo desgraçado que mandou aquela foto meses atrás. Pode ser alguém tentando me espreitar de novo."
Mas tinha algo que não batia. Era tudo… sutil demais.
Uma garota envolvida num jogo político? Não parecia. Mas vai saber. O celular vibrou. Notificação de atualização no perfil.
vemoraes mudou a foto do perfil.
O coração de Verena pulou no peito. Rápida, tocou no perfil de novo. Os olhos prenderam na nova imagem.
Valentina. Era ela. Não tinha como não reconhecer.
Sentada de costas, na beira de uma cama, o rosto levemente inclinado na direção da janela. O corte dos ombros, o jeito como os cabelos caíam, o perfil delicado só insinuado na luz suave.
Verena apertou os lábios, o peito agora em chamas.
Um soco de lembrança veio: o dia em que a vira pela primeira vez, entrando no gabinete, nervosa, com aquele mesmo jeito tímido de baixar o rosto.
— Droga, menina... — murmurou.
Mas a voz interna mais fria, racional, não calava:
"Pode ser alguém com acesso a fotos dela. Isso pode ser só mais um jogo. Não seja idiota."
Só que... a foto parecia caseira. Real. Não dava a impressão de montagem, nem de imagem roubada.
Era o tipo de coisa que alguém tiraria pra si mesma, com confiança… ou, talvez, com a ajuda de alguém. O estômago de Verena se revirou. As mãos estavam geladas.
Olhou de novo. Tocou na imagem. Ampliou.
A parede do quarto, simples. Cortina clara. Nada chamativo.
"Por que você faria isso? Depois de tudo… por que agora?"
Engoliu em seco.
A boca formigava. O polegar pousou sobre o botão “aceitar”... ficou ali, suspenso.
— Não… ainda não. — sussurrou, com uma risada amarga.
Ela queria aceitar. Mas o medo de cair numa armadilha era maior.
O desejo lutava com o instinto de autopreservação.
Olhou a hora. Quase uma da tarde.
Silvia continuava no quarto, e o celular parecia pesar toneladas na mão.
Verena soltou um suspiro longo, tombou a cabeça no encosto e fechou os olhos por um instante. Mas a imagem dela não saía da cabeça. Aquela curva suave do rosto, o jeito que Valentina tinha de existir até no silêncio de uma foto.
E, no fundo, bem no fundo, Verena sabia: se aquilo era real… e se Valentina realmente tinha feito aquilo… então era porque ela também sentia falta.
Talvez só disso ela tivesse certeza.
O resto… bom, o resto ainda era um campo minado. Mas o coração já tinha pulado o arame farpado há muito tempo.
Apartamento de Verena e Silvia — Almoço de sábado, 12h59
A mesa estava posta com o mesmo capricho de sempre — Silvia, sem dizer nada, tinha preparado um almoço simples mas bonito.
Um risoto de cogumelos, uma salada fresca com nozes e queijo de cabra, pão quentinho numa cestinha.
A cozinha estava banhada pela luz do fim de manhã, que invadia pela varanda de vidro aberta. Verena chegou devagar, elegante mesmo em casa: calça de alfaiataria preta, camiseta branca de tecido fino, cabelos soltos e perfeitamente alinhados.
O olhar, no entanto, denunciava uma leve sombra.
Silvia já estava sentada, mexendo distraidamente a taça de água. Vestia um vestido leve, azul-marinho, o cabelo preso num coque frouxo. Havia um ar de cansaço delicado em seu rosto. E uma distância educada nos gestos.
— Hmmm… — murmurou Verena, sentando-se à frente da esposa com um sorriso que não chegou aos olhos. — Isso tá com uma cara maravilhosa.
Silvia deu um meio sorriso, breve.
— Fiz o que tinha. Você gosta desse risoto. — colocou a concha, servindo as duas.
Verena assentiu, pegando a taça de vinho branco que já estava servida.
— Perfeito. — disse, com aquela suavidade que ela dominava tão bem.
O silêncio se instalou por alguns minutos, confortável demais para duas mulheres que ainda sentiam o peso da noite anterior, cortado apenas pelo tilintar leve dos talheres, o risoto sendo saboreado devagar. Verena fingia naturalidade, mas cada movimento de Silvia parecia medido.
"Você não quis sair pra almoçar comigo… mas vai sair à tarde."
O pensamento latej*v*, insistente.
Foi Silvia quem quebrou a quietude, com um tom casual — ou pelo menos tentando soar assim:
— Ah… e mais tarde vou lá na casa da Mari, tá? Combinei de passar um tempinho com ela.
— Que bom. Faz tempo que vocês não se veem, né? — respondeu, impecável. Como se a informação fosse nova. Como se não tivesse ouvido tudo pelo telefone de manhã.
Por dentro, claro, o orgulho já estava envenenado.
"Não quis sair comigo, mas vai sair com a amiga. Lindo."
Silvia, sem perceber, girava a taça pelos dedos.
— É. Ela insistiu. E… eu preciso espairecer um pouco.
Verena manteve o sorriso, os olhos levemente cansados.
— Claro. Acho ótimo você ter com quem conversar.
Silvia ergueu um olhar rápido, captando o subtexto. Mas não rebateu. Apenas respondeu com calma:
— Eu preciso um pouco disso… sabe? — respirou fundo. — De espaço. De… leveza.
O garfo de Verena parou por um instante, antes de voltar ao prato.
— Claro. — respondeu, quase suave demais. — Entendo.
"Espaço." Leveza." Pois é."
Silvia pareceu perceber a tensão que pairava. Mordeu o lábio de leve, depois tentou suavizar.
— Não é que eu não quisesse sair com você, amor. — falou baixo, escolhendo as palavras. — Eu só… hoje não tava no clima. Tô tentando lidar com as coisas ainda.
Verena sustentou o olhar dela por um segundo. Queria dizer tantas coisas.
Queria gritar, queria dizer que ela mesma também estava tentando lidar, sozinha, na porr* de um campo minado emocional.
Mas tudo que saiu foi um leve sorriso forçado.
— Eu sei. Tá tudo bem.
Silvia baixou o olhar, desconfortável.
O almoço seguiu em um silêncio denso.
Verena comia pouco, sem prestar muita atenção no sabor que antes adorava.
Na cabeça, martelava a imagem da notificação mais cedo no celular.
vemoraes.
A nova foto. A quase certeza. O quase não era um lugar confortável pra ela.
"Ela… por que agora?"
Silvia bebeu um gole de água, rompendo o silêncio:
— E você? Vai fazer o quê à tarde?
Verena deu de ombros com elegância.
— Não sei ainda. Talvez… — fingiu pensar, olhando o prato. — Ficar por aqui. Ler alguma coisa. Colocar uns documentos em dia.
Mentira. Não ia conseguir se concentrar em nada com aquela maldita notificação piscando na cabeça. Silvia assentiu.
— Bom… qualquer coisa me avisa. — disse, com um tom gentil, mas ainda com aquela camada fina de vidro entre elas.
Verena sorriu de volta. Mas por dentro, ardia.
"Você não quis estar comigo. Mas ela… ela veio até mim."
"Quer ser vista. Quer ser notada."
O garfo pousou no prato vazio. A taça de vinho, esquecida de lado.
— Claro, amor. — respondeu. Mas a palavra soou oca.
Silvia pegou o celular, deu uma olhada rápida e se levantou.
— Vou terminar de me arrumar. — disse, com um sorriso leve. E foi.
Verena ficou sozinha à mesa.
Suspirou fundo, pegou o celular. A tela acendeu com o último registro aberto:
vemoraes. Foto nova. Solicitação pendente.
A ponta dos dedos roçou o vidro.
"Você é mesmo você?"
"Essa menina vai me matar ainda." — pensou, com um sorriso amargo, o ego ferido pela manhã e a mente embriagada pela curiosidade.
"Que sábado interessante."
Casa da Valentina — Quintal — Sábado, 15h30
O sol já começava a baixar um pouco, mas o calor seguia firme no quintal de chão batido, com marcas de água perto do tanque de cimento no canto junto com alguns baldes plásticos no canto, além de um pouco de entulho encostado perto de um canteiro improvisado. Na parede de tijolos vermelhos, algumas roupas secavam penduradas em um varal improvisado. O cheiro de bolo de brigadeiro ainda pairava no ar.
Carol e Valentina estavam sentadas em duas cadeiras de plástico, perto de uma mesinha improvisada com um pano de florzinhas cobrindo. Sobre ela, um prato com fatias generosas do bolo — simples, fofo, com cobertura caprichada de granulado.
O rádio da cozinha tocava uma música brega baixinha, quase imperceptível.. Valentina mordiscava a beirada do doce, mas o olhar… estava grudado no celular, pousado no colo.
Carol ria, de braços cruzados.
— Menina, pelo amor de Deus… você já olhou esse celular umas quinhentas vezes. Vai comer logo esse bolo, senão derrete com o calor.
Valentina suspirou, largou o garfo, pegou o celular mais uma vez.
— Ai, Carol… e se ela não aceitar? Ou pior… se ela achar que é um perfil estranho… ou se ela mostrar pra alguém… ou se ela bloquear…
— Calma, Valen! — Carol deu um tapa de leve no braço da amiga, rindo. — Você tá pirando, amiga. Tá pior que aquelas tiazinhas esperando o crush responder no Whats! É só uma solicitação, não é uma confissão de amor não! E outra… a foto tá perfeita, vai por mim.
Valentina mordeu o lábio, o peito batendo descompassado.
— Você fala assim porque não é você… — murmurou, os dedos roçando a borda do celular.
Carol pegou um pedaço de bolo, deu uma mordida generosa e falou com a boca cheia:
— Hmmm… se eu soubesse que ia te ver tão animada com uma deputada, tinha feito isso antes.
Valentina corou, baixando o olhar.
— Não é assim…
Carol engoliu o bolo, limpou a boca com a palma da mão.
— Não é assim… mas tá toda boba aí com a mulher, né? Ah, Valen… você é um caso perdido.
Valentina ficou ainda mais vermelha, tampando o rosto com a mão.
— Ai, Carol… para! Não fala assim… eu tô com vergonha só de lembrar que mandei aquilo.
— Vergonha de quê? Você não pediu ela em casamento, só clicou lá no seguir, oras! — Carol deu uma piscadinha. — E outra… se ela aceitar é porque quis, né não? Vai ser um baita sinal.
Valentina suspirou, a perna balançando de nervoso.
— Eu devia era apagar tudo… meu Deus, e se alguém ver isso? E se ela me achar louca?
Carol soltou um gargalhada.
— Louca? Louca ela vai achar se você continuar surtando desse jeito. Valen… até sua foto ficou linda, viu? De costas, toda misteriosa… aposto que ela vai olhar mais de uma vez.
Valentina enfiou a cara entre as mãos.
— Paraaaa! — saiu abafado. — Você não ajuda, Carol!
Carol pegou o celular da amiga, riu, e devolveu.
— Eu ajudo sim. Ajudo você a sair desse luto que não tem nada a ver. Tá mais do que na hora de se sentir viva de novo, Valzinha.
Valentina, vermelha, abaixou um pouco o rosto.
— Eu sei... é que... sei lá... — a voz saiu fraca, embargada.
— Vai me dizer que se ela aceitar você não vai sair pulando? — provocou Carol, sorrindo de canto.
Valentina mordeu o lábio, o olhar correndo de um lado pro outro, como se alguém pudesse ouvir aquela conversa.
O coração batia tão forte que chegava a doer. Deu mais uma olhada no celular. Nada.
Suspirou.
— Acho que ela não vai aceitar... deve ter achado estranho.
Carol deu de ombros, pegando mais um pedaço do bolo com o garfo de plástico.
— Ou tá ocupada, né? Não é como se ela vivesse no celular. Deputada e tal... Deve ter um monte de coisa pra resolver.
Valentina assentiu, mas o peito pesava. Um turbilhão de culpa e desejo a consumia por dentro. O que estava fazendo? Por que aquilo a deixava tão... viva? Carol percebeu e quis aliviar o clima.
— Olha, se ela não aceitar também, dane-se. Você já fez sua parte. Tá linda naquela foto. E o perfil tá discreto. Não tem nada demais.
Valentina mordeu o lábio, os olhos marejando sem querer.
— Eu sabia… não devia ter feito isso… foi ridículo.
Carol largou o garfo e se inclinou pra frente, o olhar sério agora.
— Ei, para com isso. Você não fez nada errado. E outra — deu um leve empurrão de brincadeira no braço da amiga — você tá nessa de se punir por tudo que sente. Não é errado gostar de alguém, mesmo que não dê em nada. Você tá viva, tá sentindo… isso é bom. Melhor do que ficar se apagando.
Valentina respirou fundo, a vergonha misturada com um nó na garganta.
— Mas não é certo… eu não devia sentir isso.
Carol rolou os olhos, com aquele jeito prático de quem não tem paciência pra drama que não leva a nada.
— Quem foi que te enfiou essas besteiras na cabeça? Ah, já sei… — e apontou pro céu como quem falasse da mãe e da igreja.
Valentina soltou um riso nervoso, sem negar. Carol completou, com um sorriso mais doce:
— Valen… gostar de alguém não te faz errada. Só te faz humana. E se ela não aceitar… é só isso. Não muda quem você é. Agora, por favor, come esse bolo antes que você derreta aqui nesse quintal.
Valentina sorriu um pouco, enxugou discretamente os olhos e pegou o garfo.
— Tá bom…
Carol piscou.
— E fica tranquila. Vai ver ela só tá ocupada, ou sei lá. Não morre por isso, não.
Valentina olhou o celular mais uma vez, ainda com o coração apertado e então... Os olhos se arregalaram.
Ela piscou, sem acreditar.
O perfil não estava mais travado. As fotos apareciam. E no botão... "Seguindo". O sangue sumiu do rosto.
— C-Carol... — sussurrou, engolindo em seco. — Eu... eu acho que... ai meu Deus...
Carol imediatamente largou o garfo e se inclinou, achando que a amiga ia desmaiar de novo.
— Valen? Que foi? Tá passando mal? Quer que chame a sua mãe?
Mas Valentina só tremia, o dedo trêmulo apontando pra tela.
Carol pegou o celular e viu. Valentina piscou, como se estivesse saindo de um transe.
— E-e-ela... aceitou... — sussurrou, quase sem voz, mostrando a tela para Carol.
Carol soltou um gritinho abafado, as mãos nas bochechas.
— MENTIRAAA! — cochichou alto. — Meu Deus, ela aceitou mesmo!!
— Ai, amiga... — riu, provocando. — Pronto, agora tu vai ter um treco mesmo, hein? Aposto que vai ficar com o celular na mão até ela postar qualquer coisa.
Valentina cobriu o rosto com as mãos, ainda tremendo.
— Carol... eu não acredito... e agora? E se ela achar que eu sou... que eu tô... que eu... — gaguejou, em pânico.
Carol segurou o riso.
— Que você tá apaixonada? — sussurrou no ouvido da amiga, só pra vê-la morrer de vergonha.
— Caaaaroool! — Valentina se jogou pra trás na cadeira, vermelha até a raiz do cabelo. — Não fala essas coisas, pelo amor de Deus…
Valentina gem*u baixinho, o rosto completamente vermelho. Carol, feliz por ver a amiga reagindo, sentou de lado, sorrindo.
— Ah, amiga — disse, mais carinhosa agora. — Relaxa. Você não tá fazendo nada de errado. É só um perfil... e se ela aceitou, bom... é porque quis, né? Não se culpa tanto. Você tem o direito de sentir o que sente. E, olha... você não tem noção de como tá fofa nessa foto. Aposto que ela reconheceu você na hora.
Valentina enterrou mais ainda o rosto nas mãos. O coração não parava de bater feito louco. Respirou fundo, ainda zonza, o bolo esquecido no prato.
Agora era real.
A mulher que ocupava os seus pensamentos mais proibidos... havia aceitado vê-la. De verdade. E aquilo... deixava seu coração completamente perdido. O peito pesava, mas de um jeito diferente. Não era mais só tristeza. Era desejo, medo… e uma pontinha perigosa de esperança.
Casa da Valentina — Quintal — Sábado, 15h50
O celular ainda tremia na mão dela, mesmo depois da vibração ter cessado. Como se o corpo estivesse tentando acompanhar o que o coração não dava conta de segurar.
Carol, ao lado, já não provocava. Só observava.
Valentina deslizou o dedo na tela. Entrou no perfil.
Aquele perfil que, por tanto tempo, era um mosaico fechado — só a foto de Verena no ícone, os números frios da bio, a distância de quem parece inalcançável.
Mas agora…
Tudo se abriu.
"Verena Castilho"
Perfil privado → agora visível.
A primeira imagem, logo no topo: uma selfie boba, sem maquiagem, segurando uma caneca de café. Legenda: “Sobrevivendo à segunda-feira. (Silvia que lute)”.
Valentina sentiu o estômago revirar.
Deslizou mais. E as fotos vieram em sequência — íntimas, coloridas, reais.
Verena rindo com Silvia num churrasco com amigos.
Silvia fazendo careta com chantilly no nariz.
As duas abraçadas num parque, de toucas e casacos, com a legenda "meu lar, mesmo no frio."
Um álbum do casamento. No story fixado.
Elas dançando. Trocando alianças. A mesa decorada com flores amarelas.
O vestido branco da Silvia. O olhar de Verena — aquele olhar, que Valentina nunca viu dela... mas que agora estava ali, na tela. Olhando alguém com amor.
Verena de terno, segurando Silvia pela cintura.
Verena sentada numa poltrona, com Silvia no colo, rindo.
Verena ajeitando o colar da esposa, num gesto tão delicado que parecia até mentira.
E a legenda:
“Com você, sempre.” 💍
Valentina apertou o celular com mais força.
Sentia o rosto esquentar. O peito doía de um jeito que nem sabia explicar.
Era uma mistura de vergonha, de culpa, e de um sentimento que ela sabia que não devia sentir, mas que estava ali — forte, apertado, impossível de esconder: ciúmes.
Aquele tipo de ciúmes besta, que começa devagarzinho, mas vai crescendo até tomar tudo. Ela rolou mais uma vez. Mais fotos. Mais abraços. Mais legendas. Uma pontada atravessou o peito.
— Nossa… — Valentina murmurou, mais pra si do que pra Carol.
— O que foi?
— É que… é muita foto das duas. Muita. — A voz embargou sem querer. — Eu sei que ela é casada, mas… ver assim… ver elas juntas assim…
Carol chegou mais perto, espiando o celular com o canto do olho.
— Ai, Valen…
— Não, tá tudo bem. — Valentina passou rápido pelas imagens, como se isso tornasse mais fácil. — É bonito… elas são bonitas juntas. É só que…
Parou numa foto. Verena de camisa social azul clara, as mangas dobradas, cabelo preso num coque frouxo.
Silvia à frente, encostada nela, rindo enquanto recebia o abraço por trás — os braços da deputada firmes na cintura da esposa.
A legenda dizia:
“quando a vida fica leve só porque você chegou”.
O coração apertou. Valentina ficou ali, parada. Sem respirar direito.
— É só que eu queria que tivesse uma foto dessa… comigo.
— Mesmo sabendo que não pode. Que não devia.
Carol ficou em silêncio. Olhou a amiga como quem vê uma corda sendo puxada no escuro.
— Você tá com ciúmes dela, né?
Valentina balançou a cabeça, tentando negar.
— Eu não sei o que é isso. É tipo… sei lá… é um vazio aqui. — Tocou o peito. — Uma coisa quente que começa bonito e vira um buraco. E aí eu penso: “que inveja da Silvia”… e depois me sinto horrível por pensar isso.
Ela é a esposa. Ela é quem devia estar nessas fotos. Eu sou só… eu.
Carol apertou o braço dela de leve.
— Você não é “só” nada. Você é alguém sentindo coisas. Tá tudo bem.
— Não tá. — A voz veio mais baixa. — Não tá, porque eu não devia sentir isso.
— Porque eu não posso nem dizer em voz alta o que eu sinto… e mesmo assim, cada vez que eu vejo a Silvia do lado dela, eu queria que fosse eu.
Ela abaixou o celular. A tela escureceu, refletindo só o próprio rosto — os olhos marejados, o bolo esquecido, o céu azul contrastando com tudo que doía por dentro.
Carol tentou sorrir.
— Você não é a única que já se apaixonou por alguém que não podia ter.
Mas olha pra mim, Valen… — esperou que a amiga erguesse os olhos. — Você também não tá sozinha.
Valentina respirou fundo, tentando empurrar o nó de volta pra garganta.
— Eu não consigo deixar de sentir, Carol.
— E você não precisa. Só… tenta não se afogar nisso, tá?
Valentina não respondeu. Só voltou a olhar o celular.
As imagens da Verena seguiam ali, estáticas. Sorrindo. Amando. Vivendo outra vida. E, no fundo, o que mais doía…
Era perceber o quanto ela queria ser parte daquilo.
Mesmo sabendo que não podia.
Apartamento de Verena — Sala — Sábado, 16h12
O silêncio tinha um peso incômodo.
Verena recostada no sofá de linho bege, uma perna dobrada sobre a outra, a camisa social desabotoada nos dois primeiros botões, como quem tentou relaxar — mas não conseguiu.
A xícara de café na mesinha lateral já esfriara, esquecida. No centro da sala, o sol atravessava as cortinas translúcidas com uma luz morna, dourando o piso de madeira, a estante de livros, o vaso com as flores que Silvia havia comprado na terça.
Ela passou a mão pelo rosto, devagar.
Tentou focar no noticiário que ainda murmurava na TV. Economia, votação de urgência, crise no setor de transportes.
Mas tudo que conseguia pensar era: Valentina.
Pegou o celular de novo.
Abriu o perfil. De novo.
@vemoraes
Perfil fechado. Nenhuma publicação. Nenhum story ativo.
Só a imagem de perfil. Aquela maldita imagem. Verena ficou ali, olhando pra foto como quem decifra um segredo.
Os dedos coçavam. Ela queria clicar. Queria comentar, puxar assunto, cutucar. Queria mais.
Mas aquilo era loucura.
“Você é uma deputada estadual, Verena.
Você tem um casamento — ou algo perto disso.
E ela é uma estudante. Uma aluna. Uma menina que você não devia nem ter deixado chegar perto da sua vida.”
Mas a menina tinha chegado. E agora, estava ali.
Verena largou o celular no sofá, levantou num impulso. Foi até a varanda. Respirou fundo, os olhos se perdendo nos prédios ao longe.
Silvia já tinha saído com Mariana. Tinha se trocado com calma, passado um batom discreto, dado um beijo rápido na bochecha antes de sair, como quem faz um favor.
Verena fingiu um sorriso, desejou “se divirtam” — e depois ficou com aquele gosto metálico na boca.
Voltou pro sofá. Pegou o celular de novo.
Abriu o próprio perfil privado.
Depois abriu a opção: “Solicitações pendentes. Nenhuma.”
Ela mordeu o lábio inferior.
Digitou @vemoraes de novo.
Ali estava.
O botão azul: “Enviar solicitação.”
Seu polegar ficou parado sobre ele.
O coração começou a bater mais rápido.
“Só uma solicitação. Só isso. Você só quer saber se é ela mesmo, só confirmar. Nada demais. Você é adulta. Você é racional.”
Mas não era. Largou o celular no colo e esfregou o rosto com as duas mãos, irritada.
A imagem da menina sentada na cama voltava com força. A curva das costas. O jeito como a luz entrava pela janela. A atmosfera quase íntima, como se ela tivesse sido flagrada num momento de silêncio, de pausa.
Aquilo era proposital? Ou era só... espontâneo?
Ela lembrava daquela luz. A luz do gabinete. A voz baixa. A mão suada quando ela se aproximava.
“Você precisa parar.
Você já passou dos limites.”
Mas o botão azul seguia ali.
Verena puxou um cobertor do encosto do sofá, jogou sobre as pernas e se deitou.
Ficou olhando pro teto, o celular firme na mão. E tudo que conseguia pensar era:
“Será que ela sente minha falta também?”
...
Verena ainda estava estirada no sofá, o cobertor sobre as pernas, o celular pendurado na mão. A TV já não dizia nada — um fundo qualquer de telejornal misturado com o som abafado da rua.
Os olhos fixos naquele botão azul.
“Enviar solicitação.”
Ela apertou os lábios, como se fosse uma votação difícil no plenário.
Respirou fundo. Soltou com força.
— Que saco...
Tocou a tela.
Abriu o perfil. De novo.
Passou a mão pelo rosto, depois pela nuca.
Estava suando. Literalmente.
“Você só quer saber se é ela.
Confirmar. Só isso. Não é sentimento, é... é protocolo. Investigativo. É cuidado.”
Ela riu sozinha.
— Vai se ferrar, Castilho.
Abriu uma nova aba. Foi até o próprio Instagram privado — o que ela usa com amigos mais próximos, longe da esfera pública. Tinha pensado em mandar pela conta institucional, mas isso seria demais. E idiota.
“Se ela aceitar... é porque quer também. Se não... tanto faz.
E você nem vai puxar assunto. Você só vai... ver.”
Ela voltou. O botão ainda ali.
“Enviar solicitação.”
— Você é uma deputada, Verena. Você não tem dezessete anos.
O polegar dela pairou no ar.
Tic-tac imaginário na cabeça. Até que apertou.
Seco. Sem hesitação.
Solicitação enviada.
Ela prendeu a respiração.
Depois soltou, como se tivesse mergulhado por muito tempo e voltado à superfície. Jogou o celular no sofá e levantou num pulo, andando até a cozinha.
Abriu a geladeira. Pegou uma latinha de água com gás. Fechou. Abriu de novo.
Nada fazia sentido. E tudo fazia.
— Idiota. Idiota, idiota, idiota...
Bebeu um gole. Encostou na pia.
O coração acelerado. A mão tremendo um pouco. Na cabeça, um turbilhão:
“Ela vai ver. Vai aceitar? Vai ignorar? Vai achar que é provocação? Que é fraqueza?
E se ela mostrar pra alguém?
E se ela aceitar na hora?
E se ela não aceitar nunca?”
Mas no meio de tudo, um sorrisinho escapou.
Cínico. Quase cruel. Quase doce.
Voltou pra sala, jogou o corpo no sofá e, pela primeira vez no dia, sentiu uma coisa muito parecida com... excitação.
Torta. Proibida. Quase infantil. Afinal, ela tinha feito.
Tinha cruzado a linha. Mas era só uma solicitação, certo?
Casa dos Moraes — Quarto de Valentina — 17h02
A janela entreaberta deixava um ventinho morno entrar, bagunçando de leve a cortina branca. A colcha da cama seguia meio amarrotada, com o travesseiro puxado pro meio — como se alguém tivesse se agarrado nele por horas.
Valentina estava deitada de lado, celular na mão, encarando a tela com uma rigidez quase doente. A aba de pesquisa ainda aberta. O nome da deputada escrito ali em cima. A mesma conta privada, sem foto nova, sem publicações. Ela já tinha olhado umas cinquenta vezes.
Ela sabia até o nome completo do usuário. Sabia a posição de cada ícone no perfil. Sabia que tinha cinquenta e três publicações, oitenta e nove mil seguidores, e seguia duzentas e quarenta pessoas.
Desceu devagar, outra vez.
A primeira imagem era uma dela com Silvia. As duas num café bonito, rindo de alguma coisa que não dava pra saber o que era. O rosto da Verena inclinado, olhando pra esposa como se ela fosse a única pessoa no mundo.
A legenda:
“Tudo que é leve me lembra você.”
Valentina respirou fundo, tentando não se deixar afetar. Mas era impossível.
Cada foto das duas juntas parecia uma facada.
Mesmo as mais antigas, até mesmo as que a Verena nem sorria tanto.
Era como se estivesse diante de algo que não podia tocar — uma vida que não era dela, um amor que já tinha dona.
Desceu mais.
Verena de terno em algum evento, Silvia ao lado com a mão entrelaçada na dela.
Verena sentada num banco de madeira, com Silvia abraçada por trás, o queixo encostado no ombro da esposa.
Verena ajeitando o cabelo da Silvia, rindo, num take que parecia ter sido feito sem elas perceberem.
Aquilo doía.
Doía porque ela não conseguia desver.
Porque mesmo tentando esquecer, o coração insistia.
Porque aquela mulher com quem sonhava… já era de alguém.
Valentina passou a mão no rosto, sentindo os olhos arderem de leve.
Não era exatamente tristeza.
Era aquele tipo de dor confusa, meio calada, que mistura vergonha, desejo, raiva de si mesma e uma vontade quase insuportável de estar perto.
— Ai, pelo amor de Deus... — murmurou, largando o celular no colchão e rolando de costas, os olhos espremidos como se isso pudesse apagar tudo da cabeça.
Mas não podia.
“Para de olhar, Valentina.”
“Para. Você não devia nem tá vendo isso.”
Ficou um tempo olhando pro nada. O celular quieto ali, mas parecendo pesar uma tonelada.
Até que... vibrou.
Uma notificação no canto da tela.
Ela apertou o botão com o coração disparado, ainda tentando parecer calma — mesmo que só pra si mesma.
“@verenacastilho.ofc enviou uma solicitação para seguir você.”
O mundo parou.
O ar sumiu.
Ela piscou, como se tivesse lido errado.
Mas o nome estava ali.
A foto também.
A mesma. A oficial. A de verdade.
— Não… não é possível… — murmurou, apertando o celular com as duas mãos.
Olhou de novo. Conferiu se não era algum perfil falso, algum erro.
Não era.
Era ela.
Verena Castilho.
A mulher que ela não conseguia tirar da cabeça. A que ela achava inalcançável. A que agora… tinha enviado uma solicitação pra ela.
— Meu Deus… — a voz saiu num sussurro, quase engasgada.
Ela se levantou da cama, andando pelo quarto com passos curtos, sem saber o que fazer.
— Carol, cadê você quando eu mais preciso?! — disse baixinho, como se a amiga pudesse aparecer magicamente ali.
Sentou de novo. Depois levantou. Depois sentou de novo. O celular ainda na tela da notificação, como se estivesse rindo da cara dela. Fechou os olhos. Riu nervosa.
— Ai, meu Deus... eu não posso aceitar... eu não posso...
Mas a mão desceu até o botão.
Ali, brilhando.
“Aceitar.”
Ela respirou fundo.
Fundo mesmo.
Como se fosse mergulhar. O coração disparado. A cabeça girando. As mãos tremiam.
E por mais que quisesse fazer qualquer coisa, ela não conseguia sair dali. Só conseguia olhar.
Olhar pra aquele nome.
Aquela foto. Aquele pedido. Ela queria a amiga ali agora. Queria alguém pra dizer o que fazer. Mas não tinha ninguém. Só ela. E a mulher que virou seu mundo de cabeça pra baixo, agora… querendo vê-la de volta.
— Eu não tô acreditando nisso… — Valentina murmurou pela décima vez, sentada na beirada da cama com o celular apertado entre as mãos.
Olhou de novo pra tela.
A solicitação continuava lá. Parada. Piscando como se fosse um aviso de que sua sanidade estava por um fio. Ela andou até a porta, trancou, voltou, pegou o celular de novo, se jogou de bruços na cama e escondeu o rosto no travesseiro por um segundo.
“Eu vou surtar.”
Num impulso desesperado, deslizou o dedo até o contato da amiga.
Chamou. Uma, duas vezes. E nada.
— Atende, Carol, atende… — sussurrou, quase chorando.
Na terceira tentativa, a chamada foi aceita com o som do fundo todo bagunçado — voz de gente, barulho de talheres, TV ligada.
— Oiêê! — Carol atendeu animada. — Menina, deixa eu te contar o babado que…
— Carol! — a voz da Valentina saiu aguda, urgente. — Pelo amor de Deus, é sério! Você tá em casa?
— Tô, mas tô aqui na sala com minha mãe, por quê?
— Vai pro seu quarto! Agora! Rápido! — ela pediu, sentando na cama como se o quarto fosse pegar fogo.
— Ué, que foi, Valen? Que desespero é esse? — Carol riu, mas deu pra ouvir os passos rápidos subindo as escadas. — Tá bom, tô indo. Pronto, cheguei, fala!
Valentina respirou fundo, o coração ainda martelando no peito.
— Ela… ela mandou. Ela me mandou uma solicitação. No Instagram.
Silêncio.
— Quem?
— A Verena, Carol! A Verena! Ela me mandou uma solicitação pra me seguir de volta!
— …como é?
— Você ouviu! — Valentina quase gritou. — É sério! Eu tava vendo as fotos dela de novo, e aí do nada chegou a notificação! Eu achei que fosse bug, mas não é! É ela, o perfil azulzinho, com o selinho e tudo! Eu juro, Carol! Ela me mandou.
O que veio do outro lado foi um grito abafado seguido de uma gargalhada.
— Aaaaaaai, meu Deus, é o fim do mundo! A patroa tá sedenta!
— Para! — Valentina levou a mão à testa, morrendo de vergonha. — Fala baixo, Carol, pelo amor de Deus!
— Gente, a Verena, a própria deputada, a mulher casada, a esposa da Silvia… te mandando solicitação? Valentina, minha filha, você vai ser a ruína dessa república! — Carol gargalhava. — Eu tô passada!
— Para, para com isso… não brinca, é sério! Eu tô aqui tremendo, eu não sei o que fazer! Você acha que eu aceito?
— Amor… é óbvio que você aceita! Você quer o quê? Ignorar? Fazer a superior? Ela já tá no seu perfil, ela tá te procurando, mulher!
— Mas e se for só curiosidade? — Valentina perguntou baixinho. — E se ela só quis saber se era eu mesma? E se for só isso? Se eu aceitar e ela sumir?
— Então você vai saber. E vai parar de viver nesse inferno de dúvida aí. Agora, se ela continuar… a história muda de figura.
— Ai, Carol… — ela murmurou, encolhida na cama. — Eu queria que você estivesse aqui. Eu tô com medo. De me enganar… de me iludir.
Carol ficou em silêncio por um instante. Depois falou com a voz mais calma:
— Você já tá iludida, Valen. E não tem problema nenhum. Isso acontece. É ruim, eu sei… mas também é real. Não adianta fingir que não tá sentindo, porque tá.
— Mas eu não queria tá sentindo! — ela apertou os olhos, as lágrimas quase escapando. — Eu juro que não queria. Eu oro, eu tento tirar ela da cabeça, eu…
— Eu sei, eu sei. — Carol suspirou do outro lado. — Mas agora ela tá aí. Na sua tela. Te pedindo pra ver mais de você. A pergunta é: você vai deixar?
Valentina mordeu o lábio inferior.
Olhou pro celular. O ícone ainda lá, firme, esperando.
— …tá. Eu vou aceitar.
— Aí, garota! Isso! — Carol comemorou. — Vai com Deus e com filtro, viu? Nada de postar loucura.
— Caroool. Eu nem vou postar nada…
— Então melhor ainda! Não tem perigo de dar ruim. Só… respira. E me liga se ela curtir uma foto sua, porque aí a gente entra oficialmente no apocalipse.
Valentina soltou uma risada nervosa.
— Você é impossível.
— E você tá vivendo um fanfic ao vivo. Agora vai. Aceita logo. E depois me conta tudo. Tudinho!
Valentina respirou fundo mais uma vez.
Olhou pra solicitação.
E com o dedo trêmulo… apertou “Aceitar.”
Apartamento das Castilho — Sala de Estar — 17h42
A taça de vinho pela metade descansava sobre a mesinha de centro, ao lado do celular que ela já tinha virado pra baixo pra tentar resistir, enquanto se mantinha deitada no sofá.
Mas era inútil.
O silêncio do apartamento parecia zombar dela.
E aquele nome — vemoraes — piscava na mente com a insistência de um alarme.
Ela esticou o braço. Pegou o celular.
Virou de novo.
Desbloqueou.
Instagram. Notificações.
Nenhuma pendência.
O coração deu um salto tão abrupto que ela teve que se apoiar no braço do sofá. A solicitação havia sido aceita.
— Ai, meu Deus… — murmurou, em voz baixa, quase como se dissesse algo indecente.
Era ridículo. Completamente ridículo.
Deputada estadual por São Paulo, presidente da Comissão de Educação, vinte e nove anos, casada, com uma agenda que mal cabia num planner eletrônico...
E ali estava ela. Surtando. Sozinha.
Por um clique.
De uma menina.
“Uma garota de dezesseis anos, Verena. Pelo amor de Deus.”
Mas não adiantava.
A sensação era como se uma brisa invadisse o cômodo fechado — leve, inquietante, perfumada de algo que ela não sabia nomear.
Ela queria sorrir.
Queria rir alto.
Mas se sentia patética.
Levou a mão à testa, os olhos semicerrados.
— O que você tá fazendo… — sussurrou, balançando a cabeça.
Apertou o ícone da notificação.
Perfil de vemoraes.
Seguia de volta.
Nenhuma postagem, nenhum conteúdo. Nem mesmo uma biografia. Ainda sim ela tocava a tela em branco com cuidado, como se estivesse tocando uma relíquia. Mas a foto... fazia o estômago dela dar um nó mais forte do que os discursos mais acalorados da tribuna.
Tudo contido. Tímido. Comedido.
Como ela.
Verena soltou o ar devagar.
Deixou o celular no colo e recostou a cabeça no encosto do sofá.
A sala parecia enorme agora. Silenciosa demais. A sensação não era só de euforia. Era de vertigem.
Porque, por mais que tentasse racionalizar — que dissesse a si mesma que era só curiosidade, que talvez fosse um gesto de carinho, ou até um impulso político desavisado — no fundo, sabia o que aquilo significava.
Ela estava, sim, envolvida.
Mais do que deveria.
Mais do que podia.
Mais do que qualquer código de ética permitiria.
E ainda assim… sorriu.
Um riso fraco, quase infantil, escapando sem que ela conseguisse conter.
— É só o Instagram… — sussurrou, como se estivesse tentando convencer a si mesma. — Não é crime gostar de uma foto. Não é crime seguir alguém…
Mas sentia. No fundo dos ossos, no ritmo acelerado do coração, na forma como os dedos ainda tremiam um pouco. Era perigoso.
Mas era inevitável.
Fechou os olhos. Por um instante.
E imaginou Valentina olhando pro celular. Imaginou o susto. O nervosismo. Aqueles olhos castanhos arregalados, as mãos pequenas segurando o aparelho como se fosse uma bomba.
A imagem a fez rir de novo, mais abertamente dessa vez.
Mas logo o riso se dissolveu num suspiro carregado.
— Você vai acabar com a sua própria paz, Castilho… — disse pra si mesma, pegando de novo a taça de vinho.
Tomou um gole. Depois outro.
E mesmo assim, não tirou os olhos do celular.
Esperando.
Quem sabe por um story. Uma curtida. Um sinal qualquer.
“Ridícula”, pensou. “Completamente ridícula.”
Mas não conseguia parar.
Apartamento dos Castilho — Sala de Estar — 18h17
A taça já não era mais a mesma da primeira dose. Verena tinha se servido outra — talvez a terceira — sem perceber muito bem. A garrafa, encostada de lado na mesinha de centro, ficava cada vez mais leve. O celular, por outro lado, pesava cada vez mais na mão dela.
Estava com os pés descalços agora. Tinha tirado as meias no meio de uma conversa mental que nem terminou. Os cabelos, que antes estavam presos num coque frouxo, agora estavam meio soltos, caindo com um charme que ela nem se deu conta de ter.
Mas o olhar… ah, o olhar.
Ficava voltando.
Pro mesmo lugar.
Pro mesmo ícone.
vemoraes está online.
Ela apertou o botão de bloquear a tela como quem leva um susto.
— Isso é doentio. — riu sozinha, balançando a cabeça e se jogando de novo no sofá.
Pegou a taça. Girou o vinho devagar, vendo o líquido deslizar pelas paredes do vidro como se isso fosse dar alguma resposta.
Mas o que ela queria mesmo...
Era outra reação.
— Você tá maluca, Verena… — disse em voz baixa, quase rindo.
Levantou do sofá, andou até a varanda. A brisa da tarde roçava seu rosto com um frescor que não ajudava em nada a esfriar os pensamentos. A cidade lá embaixo seguia o ritmo caótico de sempre. Mas ela…
Ela estava num ritmo completamente diferente. Tomou mais um gole de vinho, sentindo o calor suave do álcool subindo pela pele.
"Postar uma foto."
O pensamento veio como quem sussurra tentação no ouvido. Nada demais. Só uma imagem casual. Elegante. Neutra.
Mas ainda assim... com uma intenção.
Verena mordeu o canto do lábio.
Abriu a câmera do iphone.
Focou na taça, contra a luz amarelada da sala. A mão bem posicionada, com os dedos longos, o esmalte claro. O fundo desfocado com o toque discreto da poltrona e uma almofada. Quase uma pintura.
Clic.
Escolheu o filtro com cuidado. Algo quente, acolhedor.
Legenda? Não.
Só o emoji de uma taça de vinho. 🍷
Nada mais.
E postou.
Ficou parada. O coração acelerado.
Ridículo.
Completamente ridículo.
Mas ela não conseguia evitar.
Voltou pro sofá. Deixou o corpo cair com mais liberdade dessa vez, rindo sozinha enquanto tomava mais um gole.
— Se você curtir, Valentina Moraes… eu juro que largo o mandato — disse, em voz alta, como se estivesse fazendo um pacto com o universo.
Minutos depois, recarregou a página.
Nada.
Mais um gole.
Riu sozinha.
— Isso aqui é o fundo do poço com design assinado.
O celular vibrou. Era uma notificação de curtida. Mas não era ela. Verena revirou os olhos e largou o aparelho no sofá, afundando-se mais no estofado. O álcool começava a deixar tudo levemente mais solto. Mais leve. Mais vulnerável. Inclusive os impulsos.
E foi aí que ela pensou — ou melhor, sentiu — um desejo quase adolescente: postar outra coisa. Algo mais ousado. Uma frase. Uma indireta. Uma imagem borrada de um vinil tocando no fundo. Uma playlist melancólica.
Mas segurou.
O celular vibrou. Mas era curtida da Rafaela. Ela virou os olhos. E no fundo… queria mais. Pensou em postar outra. Uma frase. Um story. Uma trilha sonora com Ella Fitzgerald e um boomerangue da taça balançando. Mas se conteve.
"Ainda não."
Só que o desejo...
O desejo já tinha sido postado. E agora… era tarde. O jogo estava em campo. E a jogadora mais improvável de todas — a deputada Verena Castilho — estava esperando uma curtida.
Apartamento das Castilho — Sala de Estar — 18h34
A quarta taça se esvaziava com mais facilidade que as outras.
Verena recostou-se no sofá, as pernas dobradas, uma jogada por cima da outra, como quem tentava manter alguma compostura, mesmo já levemente descomposta.
A blusa branca seguia aberta nos dois primeiros botões, agora com a gola torta, pendendo suavemente pra esquerda. Um vinco marcava o tecido próximo à cintura.
A taça pousada no joelho fazia equilíbrio com o mesmo requinte de um cristal num palácio... até que balançava.
Só não caía porque nem o caos ousava contrariá-la.
Pegou o celular de novo.
Olhou o feed.
Nenhuma curtida nova de vemoraes.
— Claro que não curtiu, Verena. Ela tem 16 anos. Deve estar... sei lá, ouvindo louvor. — disse, como se estivesse dando uma bronca em si mesma, sem conseguir conter o riso abafado logo depois.
Pigarreou.
Girou o vinho.
— Ou tá olhando as minhas fotos. Também não seria absurdo... ninguém manda fazer aquele perfil tão mal disfarçado. — ergueu uma sobrancelha. — Ve Moraes? Ah, por favor...
Riu sozinha. Um riso baixo, bonito.
Deslizava os dedos pelo celular. Recarregava a página. Voltava pro perfil.
Repetia.
Como quem espera um sinal de vida vindo de um canto proibido.
“Online há 5 minutos.”
Verena mordeu o canto do lábio.
— Hm... cinco minutos. Deve ter visto. — sussurrou, inclinando a cabeça, como se estivesse falando com o próprio vinho. — Viu, sim. Só não sabe o que fazer. Também... é adolescente, né, Vê? E você? O que você é?
Ficou em silêncio por três segundos.
— Uma mulher casada. Deputada. Em pleno processo de investigação institucional por uma denúncia de abuso envolvendo uma estagiária. — tomou um gole. — Brilhante, Castilho.
Deu mais uma olhada no perfil.
Respirou fundo.
Fechou os olhos.
"Que mal tem?
É só um boa noite."
Ela se inclinou. Digitou lentamente.
"Boa noite."
Leu.
Apagou.
Escreveu de novo.
"Boa noite."
Mandou.
Congelou. Ficou olhando a tela como se o universo inteiro tivesse parado ali. O envio confirmado. A mensagem marcada.
— Verena... você perdeu a sanidade. — disse, rindo baixinho, mas com a mão na testa, meio que tentando esconder a própria cara de vergonha de si mesma. — Eu mandei. Eu. Mandei.
Silêncio.
— Eu... eu mandei um boa noite pra uma adolescente, no Direct, enquanto a minha equipe jurídica tá tentando limpar meu nome. — ela riu outra vez, agora mais solta, num tom quase cínico, delicioso. — Maravilhoso. Inacreditável. Parabéns. Você é uma visionária do colapso emocional.
Ela se levantou, pegou a garrafa com uma mão só, serviu mais um pouco, como quem já nem se preocupava mais com medidas.
Deu outro gole. Andava pela sala com os passos de quem não tem pressa, mas também não tem rumo.
— Boa noite. Isso nem parece coisa minha. Não tinha uma frase melhor? Um... "como você está?" "Foi bom te ver online hoje"? Um emoji, talvez? Não... emoji não. Já basta a decadência atual.
Deu outro gole.
Sentou-se de novo. O barulho da chave na porta soou como o tilintar de um gongo no meio de um número de circo. Verena endireitou o tronco, mas era tarde demais. Silvia já havia girado a maçaneta.
A porta abriu devagar, revelando a esposa. Vestido leve com um casaco pra aplacar o frio paulista, o cabelo com um pouco de frizz da garoa, um sorriso manso nos lábios que logo se franziu ao ver a cena.
Verena, de blusa torta, taça na mão, uma aura de vinho, perfume e caos.
Silvia fechou a porta sem pressa.
— Boa noite...? — disse, confusa, o olhar percorrendo a cena. — Aconteceu alguma coisa?
Verena respirou fundo.
Sorriu. Lindo. Impecável. Desgraçado.
— Nada demais. Só... aproveitando o sábado. — levantou a taça, com uma leveza debochada.
Silvia olhou pra mesa: celular, vinho, mais de uma taça.
Ergueu uma sobrancelha.
— Aproveitando... com quem?
Verena respondeu com o olhar.
Fugindo. Fingindo. Mas o brilho nos olhos entregava tudo. Silvia caminhou com cuidado, como quem tentava não espantar o clima — ainda que ele já estivesse visivelmente… alterado.
Verena ajeitou-se no sofá com uma elegância alcoólica, o cotovelo no braço do estofado, os dedos ainda enrolados na haste da taça. Os olhos semicerrados, mas atentos. Charmosa de um jeito decadente e misterioso, quase como uma atriz francesa em fim de carreira, escondendo escândalos com perfume e vinho.
— Eu devia me preocupar com esse cenário? — Silvia perguntou, pendurando a bolsa no encosto da cadeira da sala de jantar. — Porque tem algo aqui que tá me soando... muito estranho.
Verena sorriu. Aquele sorriso que vinha dos olhos antes mesmo de chegar à boca.
— Amor, você se preocupa demais... — disse, arrastando a voz com um toque adocicado. — É sábado, eu tô em casa, de calça confortável e... vinho. Isso é o que se espera de mim, não?
— Três taças vazias, Verena. — Silvia rebateu, apontando discretamente com o queixo.
Verena ergueu a taça que ainda estava pela metade, deu um gole, sem quebrar o contato visual.
— Quatro. Se for contar essa aqui. — disse, como quem oferece uma confissão só pra provocar.
Silvia caminhou devagar até o sofá, parou atrás dele e apoiou as mãos no encosto, olhando Verena de cima.
— O que tá acontecendo?
Verena soltou um riso curto, virou o rosto pro lado, como se estivesse ouvindo uma música interna.
— O mundo. O mundo está acontecendo. Acontece todo dia, Sil. O mundo continua girando, a imprensa continua escrevendo bobagens, e eu continuo tentando entender o que eu tô fazendo com a minha vida.
Silvia inclinou o corpo pra frente.
— Verena. — o tom agora era levemente sério. — Não faz isso. Eu te conheço. Você só bebe assim quando tá escondendo alguma coisa.
Verena girou a taça, os olhos ainda fixos no vinho que rodava no cristal.
— Você quer mesmo saber? — murmurou.
— Quero. — Silvia respondeu sem hesitar.
Verena riu. Baixo. Irônica. Virou-se de leve pra encará-la. Estava claramente alterada. Mas ainda linda. E ainda dona de si — ou tentando ser.
— Não importa.
Silvia rodeou o sofá devagar, sentou-se no outro canto. Ficaram as duas ali, em silêncio por alguns segundos. O som do relógio da parede era o único barulho.
Verena soltou o ar devagar.
Olhou o celular em cima da mesinha de centro.
— Você me ama ainda? — perguntou de repente.
Silvia piscou, pega de surpresa.
— Que tipo de pergunta é essa?
— Uma que só faz sentido depois de quatro taças de vinho. — respondeu, cruzando as pernas devagar. — E talvez depois de um colapso emocional moderado.
Silvia suspirou.
— Vê... o que tá acontecendo com você?
Verena sorriu, triste. Silvia deu um meio sorriso, mas os olhos continuavam atentos.
— Você tá bêbada?
— Só… livre. — Verena rebateu com charme, cruzando uma perna sobre a outra. — A liberdade do sábado, da taça, do celular silencioso.
— Você tá estranha. Com aquele olhar de quem tá escondendo alguma coisa. Você sumiu hoje à tarde.
— Fiquei em casa. — deu outro gole. — Pensei. Li. Vi umas coisas no celular.
Silvia arqueou uma sobrancelha.
— Que coisas?
Verena hesitou. Apoiou a taça na mesinha de centro. Passou a mão no cabelo, meio nervosa, mas tentando parecer displicente.
— Nada demais. Uns perfis aleatórios. Gente que me segue. Gente que eu não sei se é quem diz ser.
Silvia piscou devagar.
— Verena...
— O quê? — disse, rindo. — Você tá me interrogando agora?
— Não. Só... tentando entender por que você tá com esse jeito de quem cometeu um pequeno crime.
Verena virou o rosto, o sorriso ainda nos lábios, mas sem mostrar os dentes.
— Não dramatiza, Silvia. Eu só tô... um pouco reflexiva. E talvez... um pouco mais sociável do que o normal.
— Sociável como?
Verena pegou a taça de novo. Olhou pra dentro dela como se fosse um oráculo.
— Do jeito moderno. Sabe? Curtidas, perfis, essas coisas. — tomou o resto de um gole. — A tecnologia aproximando as pessoas. Um milagre da civilização.
Silvia ficou em silêncio, analisando. Verena olhou pra ela e soltou, com uma leve inclinação da cabeça:
— Você tá com ciúmes?
— De quem?
— Não sei. — deu de ombros. — Só senti um tom… investigativo.
— Verena… — Silvia repreendeu, mais séria agora.
A deputada inclinou o corpo pra trás, largando-se no sofá, com uma risada abafada.
— Verena… — Silvia chamou de novo, mais próxima agora, os olhos dançando entre a taça quase vazia e o sorriso preguiçoso da esposa. — Você tá bêbada.
— Eu estou absolutamente lúcida. — Ela rebateu, solene. — Talvez até mais lúcida do que devia.
Silvia cruzou os braços, inclinando o corpo com uma leveza quase ensaiada.
— Ah, então é isso. Um momento de clareza existencial?
— De expansão. — corrigiu, com um gesto teatral da mão que segurava a taça. — Do pensamento. Do sentir. Do ser. O sábado permite essas brechas.
— Claro. — Silvia fingiu concordar, sentando-se ao lado com a postura de quem assistia a uma peça de teatro. — Eu amo quando você filosofa depois de duas taças. A quarta camada do seu discurso costuma ser genial.
— Não são duas. Foram… quatro. Talvez quetro e meia. Mas o ponto não é esse. — Ela virou mais um gole e se ajeitou no sofá como uma rainha pensadora. — Você sabia que o tempo todo a gente acha que tá no controle, mas na verdade a gente só tá reagindo?
— Reagindo a quê?
— Aos outros. Ao que não foi dito. Aos gestos mínimos. Uma curtida, uma imagem, uma ausência. Às migalhas que nos dão e que a gente aceita como banquete.
Silvia mordeu o lábio pra não rir.
— Migalhas, é? Estamos nessa fase do vinho?
Verena ignorou, os olhos já um pouco mais marejados, mas ainda afiados.
— É fácil se enganar achando que tudo é institucional. Que tudo pode ser delimitado pela razão, pelos compromissos, pelas leis da República. Mas aí vem uma notificação, uma imagem qualquer… e pronto. Toda a estrutura desmorona.
— Entendi. Você tá combatendo o neoliberalismo emocional.
Verena deu um risinho torto, apoiando a taça na mesinha com cuidado exagerado.
— Zomba, Silvia. Zomba. Mas você também sente. Só que disfarça melhor.
— Não tô zombando, meu amor. — Silvia alisou o joelho dela com carinho, como quem apaziguava um galo de briga embriagado. — Tô aprendendo. Com a deputada.
— Ex-deputada. — murmurou, dramática. — Se continuar assim, nem suplente eu viro. Estou sendo investigada por que um estagiário foi embora.
— Foi embora com um ofício. Assinado. Impecável. E por motivos administrativos. Tudo protocolado.
— Mas e se o motivo real não foi esse?
— Verena… — Silvia sorriu, paciente. — A gente pode ter essa crise moral depois do banho?
A outra virou o rosto lentamente, desconfiada.
— Você tá me despachando?
— Não. Tô cuidando de você. E do piso de madeira. — Ela se levantou e estendeu a mão. — Vamos, antes que esse monólogo se transforme em tese.
— Mas eu tava inspirada...
— Eu sei. — Silvia deu um beijo rápido na testa dela. — Por isso quero aproveitar enquanto você ainda lembra como anda.
Verena hesitou por dois segundos, mas deixou-se guiar com dignidade exagerada, como se Silvia fosse uma assistente pessoal e ela, uma diva de cinema nos bastidores de um festival francês.
— Eu não tô bêbada, só pra constar.
— Jamais diria isso. — respondeu Silvia, com um sorrisinho.
No corredor, já indo pro quarto, Verena se virou com um ar de quem ainda tinha algo importante a dizer:
— O mundo é uma ironia vestida de formalidade. A gente devia brindar a isso.
— Depois do banho. — disse Silvia, empurrando-a gentilmente pra dentro do banheiro.
A porta se fechou com um clique suave.
E o celular... seguia em silêncio no sofá. Com uma mensagem enviada no direct.
“Boa noite 🌙”
Visualizada.
Mas ainda sem resposta.
Fim do capítulo
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Zanja45
Em: 14/06/2025
É bom se ter amigos a quem possa recorrer quando não pode contar com seus familiares. - Porque a amiga de Valentina elevou um pouco a autoestima dela ao incentivar ela a interagir com Verena de alguma maneira. - Porque ficou claro o que acontece com Valen não é um sentimento unilateral, mas compartilhado por Verena, também. A criação do perfil do Instagram serviu pra trazer a vida de volta, o sorriso ao rosto dela. - Foi um passo importante da parte de Valentina.
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Zanja45
Em: 14/06/2025
Verena soube como fazer toda a jogada, finalmente conseguiu penetrar na área adversária, desmoronar as defesas da esposa e marcar um lindo gol - Foi um chute certeiro de esquerda. - Acertou bem no centro. Esse, foi indefensável. Kkkkk! Essa Deputada é uma mulher pra ser disputada!
anonimo2405
Em: 17/06/2025
Autora da história
Kkkkkkkk
Ela soube kkkkkk. Ela tem um charme que fica difícil pra Silvia kkkkk. Ela tenta mas... É a Verena né rsrsrs
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Zanja45
Em: 11/06/2025
Vai dar mais merda para Verena essa requisição de amizade de Valentina. - A Deputada já está metida até o pescoço em atitudes tomadas no calor da emoção. - Que só vai juntando.- Quando explodir não quero estar na pele de Verena. - Porque não vai ter escapatória para ela. - O jurídico já está acareando os fatos do envolvimento dela com a estagiária e agora, mais essa para constar nos autos.
anonimo2405
Em: 17/06/2025
Autora da história
Oiee!
Ah, também não consigo nem pensar quando tudo transbordar. É muita coisa envolvida, muita gente. Um caos rsrs. E mesmo assim a Verena continua insistindo no perigo.
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Zanja45
Em: 11/06/2025
Estou amando esse jeito sedutor e cafajeste de Verena. - Muito apaixonada pela personagem.
Autora, queria beijar seus pensamentos, mas, infelizmente, não posso, porque ainda estou de ressaca, pois mesmo depois de terminar a leitura não consegui dormir, porque fiquei fazendo leituras mentais desse capítulo.- seria mais ou menos assim,o capítulo não termina com o ponto final - Ele continua reveberando em nossas cabeças.
anonimo2405
Em: 17/06/2025
Autora da história
Ahhhh, fico muito feliz que esteja gostando assim. A Verena é incrível, apesar do jeito "calminho" dela rsrsrs.
Sério, é maravilhoso ler um comentário assim. Sensacional. Só tenho a agradecer pelo carinho e dar sempee meu melhor pra continuar te deixando com mais ressacas rsrsrrs.Tô rindo muito com essa parte da ressaca rsrsrs
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Zanja45
Em: 11/06/2025
"Boa noite", Autora!
anonimo2405
Em: 17/06/2025
Autora da história
Opa, boa tarde rsrs. Um pouquinho atrasada, mas o carinho de sempre! ????
anonimo2405
Em: 17/06/2025
Autora da história
Ahh, como assim não dá pra mandar emoji :)
Se a Cris quisesse eu dava uma olhada na programação da página e configurava isso rsrs
Zanja45
Em: 17/06/2025
Kkkk! Seria possível?
Os emojis daí são limitados.
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Zanja45
Em: 11/06/2025
Incrível. - o impacto começou antes mesmo de iniciar a leitura - E essas reflexões de Verena no final do capítulo só serviram para me deixar mais pensativa. - Estupendo.
anonimo2405
Em: 17/06/2025
Autora da história
Obrigada pelo carinho! ;)
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Zanja45
Em: 11/06/2025
Parabéns, Autora !
Você arrasou! Nunca mais peço "bis", se não amanheco o dia. Rsrsrs!
Quando coloquei meus olhos sobre o quantitativo de palavras - 22.884 - Disse para mim mesma : " Hoje viro a noite". Terminei 00:12 minutos.
Estou lamentando aqui, quando terminei de ler, fiz o comentário quando ia clicar em enviar, o celular descarregou totalmente. ( Perdi tudo)
anonimo2405
Em: 17/06/2025
Autora da história
Nossa, eu que tenho que agradecer por todo esse carinho e essas reflexões tão incríveis que vc faz com seus comentários.
Bom, eu tenho pra mim que você vai querer pedir bis de novo hein rsrsrs. Sem querer dar spoiler, mas... pode ser que vc vire mais noites? Rsrs
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Hanna28
Em: 11/06/2025
Acho crucial a dinâmica das duas em permitir apesar dos riscos ter este momento gay panic kkk
anonimo2405
Em: 17/06/2025
Autora da história
Kkkkkkkk, o que eu tô rindo com esse gay panic não tá escrito
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk...
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Hanna28
Em: 11/06/2025
Gente... que capítulo foda!
Autora devo literalmente lhe aplaudir de pé por esta história tão envolvente e com uma dinâmica gostosa de acompanhar.Super intensa e com questões bem complexas da psique humana ao tratar de sentimentos. Eu leria trilhões de vezes sem enjoar
Parabéns!
anonimo2405
Em: 17/06/2025
Autora da história
Ahhhh, eu que tô te aplaudindo agora. Obrigada mesmo pelo carinho, por continuar na história. Por sempre trazer reflexões certeiras e incríveis. Isso dá muito gás pra fazer cada vez melhor.
Fico muito feliz de saber que está gostando assim. Darei sempre meu máximo! :)
Hanna28
Em: 17/06/2025
Nem precisa se esforçar para ficar melhor. Pois,já observo sempre sua dinâmica detalhista e com uma pitada de humor para não deixar a história cansativa.
Seria muito te pedir um capítulo para depois de amanhã?
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anonimo2405 Em: 17/06/2025 Autora da história
Oiee!
Concordo com você! Ficar fingindo que não sente não tava fazendo bem pra ela. E lidar com tudo sozinha é muito complicado. Esse empurrãozinho da Carol fez muito bem pra ela.