Caps. 2 – Bia – Um motivo para seguir
– Mamãe... mamãe me leva pra cola.
– Hei... – a recepção barulhenta como sempre, peguei a criança que se jogou em meu colo, rindo, fiz cócegas perguntando – por que essa agitação toda?
– Cola, me leva.
– Levo sim, amor, mas cadê a mamãe?
– Tá dodói... – abaixou a cabeça triste, rapidamente segui para nosso quarto, onde encontrei minha esposa saindo do banheiro, coloquei nossa filha sobre a cama e a ajudei, perguntando.
– Tudo bem, amor?
– Estou sim – chegamos na cama onde ela se deitou sorrindo, me sentei ao seu lado e nossa filha deitou do outro, em seu colo, disse alisando a pequena cabeleira – hoje não vou conseguir leva-la na escola, você pode ir?
– Claro, meu amor, mas não quero deixar você sozinha – segurei sua mão forte, inspirei fundo perguntando triste – por que não me ligou se estava ruim?
– Não quis atrapalhar seu trabalho, meu amor, e não é nada, apenas um mal-estar por conta do remédio.
– Tudo em você é importante para mim, por favor, não me esconda nada.
Sua mão pousou em meu rosto no momento em que terminei de falar, senti minha lágrima cair e ela limpar, dizendo sorrindo.
– Não precisa ficar assim, prometo te ligar a qualquer hora e momento se acontecer novamente, tudo bem?
– Agora ficarei – sorri ainda triste, e ela inspirou fundo dizendo.
– Preciso descansar um pouco, hoje é seu dia de passar o tempo com ela na escola.
– Sabe que não levo jeito para isso, amor.
Sorri constrangida, passando a mão sobre a nuca, ela sorriu divertida.
– Um dia você terá que enfrentar esse medo Bia, e esse dia por coincidência, é hoje.
– Quem disse que tenho medo? – Levantei dizendo desafiante e lá da cama ela gargalhou.
– Desde que chegamos aqui nessa cidade que não passa um dia dos pais sozinha com nossa filha na escola, amor, do que chama isso?
– Receio? – Sorri, voltando a me sentar ao lado dela. – Sabe que Izzie tem uma energia que não controlo.
– Isso porque faz todas as vontades dela – me olhou desafiante, sorri concordando.
– Eu não sei dizer não a ela, sabe disso, vocês duas são os meus maiores tesouros.
– Oh, meu amor, precisa aprender a dizer não um dia – a olhei dengosa, passou a mão em meu rosto sorrindo – amo quando me olha assim, sabia?
– Assim como, boba apaixonada? – Aproximei beijando seus lábios recebendo um afago gostoso no cabelo. – Sou louca por você.
– Eu também te amo, e por isso te peço, vá passar esse dia com nossa filha na escola.
– Sim senhora, mas não me responsabilizo pelo que vier a acontecer – Izzie perdeu o interesse pelo brinquedo e começou a pular na cama, cantando, a peguei antes que pisasse na mãe, dizendo – vem cá, dá um beijo na mamãe que hoje nós vamos passar o dia juntas.
– Oba oba, tem sorvete... gudão doce... pipoca... – já ia enumerando as coisas que comia quando saíamos juntas, Sara olhou dela para mim, desafiando eu dizer algo, sorri dizendo apenas.
– Não Izzie, hoje nós vamos passar o dia na escola, talvez depois eu possa pensar nessa possibilidade – abri um sorriso para a menina que me abraçou pelo pescoço, levei um beliscão na altura da costela dizendo – aí amor, isso dói.
– Quero as duas em casa antes das 18h para jantarmos juntas, entendeu?
– Sim senhora! – Fiz nossa filha dar um beijo na mãe e ir buscar a mochila, me aproximei dela perguntando. – Tem certeza que está bem, amor? Estou te sentindo abatida – passei a mão sobre seu rosto complementando – e ainda por cima está febril.
– Estou bem, Bia, sabe que fico assim depois que voltamos da quimioterapia, e ficarei assim pelos próximos três dias.
– Eu sei amor, mesmo assim não acho justo um remédio que diz ajudar, deixar você mal antes do efeito. – A abracei beijando de leve sua testa, ela jogou os braços em volta de minha cintura me apertando, ficamos naquele contato até nossa filha aparecer, me afastei um pouco dizendo. – Vou te ligar a cada cinco minutos, sabe disso, não é?
– Sei sim meu bem, mas dessa forma não irei descansar.
– Tudo bem, ligo a cada vinte minutos, e não falamos mais nisso.
Sorri beijando seus lábios e levantando, ela gargalhou na cama balançando a cabeça. Peguei nossa filha no colo e mandamos um beijo da porta, saímos em direção a escolinha de Izzie, que ficava duas quadras da nossa casa. Seguimos conversando animadamente, hoje seria um daqueles dias típicos de pais na escola, dia das crianças, onde passamos o dia com nossos filhos, vendo seus trabalhos sendo expostos em suas salas de aula e por toda a escola, apresentações de dança e música.
Consegui ir em algumas dessas apresentações, um ano atrás, logo que chegamos na cidade, mas disse a Sara que não iria mais, as crianças me deram um cansaço que vocês não fazem ideia. Apesar de irmos pelos nossos filhos, temos que dar uma atenção especial a todas as crianças, principalmente aquelas que os pais não podem estar presentes, por conta de serviço e outros motivos.
Esse ano fui no dia das mães apenas, não consegui ir em outro evento assim, por conta do trabalho, como estava à frente dos negócios para não forçar muito Sara que tem trabalhado de casa. Nas últimas semanas ela tem andado muito debilitada, então não a forçava muito, apesar de insistir para ocupar a mente.
Enfim, lá estava eu chegando com nossa filha tagarelando ao meu lado. No portão da escola ela soltou minha mão e correu em direção aos seus coleguinhas, sorri seguindo até elas, cumprimentando alguns pais que reconheci, saudando outros, até chegar ao momento da reunião com a professora, antes de começar toda a apresentação. Sabia que minha filha tinha seguido para a sala dela, por isso fui atrás.
Quando cheguei, a professora a segurava no colo, sorriam juntas, Izzie respondia algo que ela perguntava e naquele momento me viu apontando em minha direção. Me aproximei delas no momento em que a moça perguntava.
– Olá, Beatriz, tudo bem?
Colocou a menina no chão que saiu correndo, esticou a mão apertando a minha, concordei apertando a mão que ela estendia, dizendo.
– Tudo sim, e você como vai, Pamela?
– Tudo ótimo, agradeço a pergunta – sorriu divertida – seja bem-vinda.
– Obrigada e desculpa estar deslocada, é a primeira vez que venho a um evento assim, sozinha.
– Tudo bem! – Seu semblante mudou. – Sara está bem? Normalmente é ela quem vem em festas na escola?
– Pois é, sinto que falho em estar presente na vida de nossa filha, principalmente na escola, mas estou remediando isso – sorri inspirando fundo, ela era bem receptiva, olhei em volta ainda dizendo – Sara não está muito bem hoje, espero estar à altura dela.
– Com certeza, fica à vontade e qualquer coisa não hesite em me procurar, tudo bem?
– Agradeço a atenção, certamente a procurarei mais cedo do que esperado – sorri e ela me acompanhou.
Logo me indicou uma cadeira para sentar e me entregou o itinerário daquele dia, começaríamos com uma pequena reunião na sala e depois o evento se abriria no salão principal. Izzie se sentou em meu colo passando os pequenos bracinhos dela em volta de meu pescoço, juntas ouvimos o que sua professora falava e não demorou muito, seguimos em um tour pelos corredores onde estavam expostos os desenhos de nossos filhos.
Vi com carinho que nossa filha adorava pintar três borrões que representava eu, Sara e ela. Em cenários diversos, e mais a frente com algo que parecia um cachorro, sorri, sabia que ela andava pedindo um “au au” para Sara, estávamos tentando adiar aquela aquisição diante de nossa situação, mas nossa filha já se via com um pequeno cachorrinho ao lado. Conversaríamos com ela quando chegássemos em casa.
As primeiras horas até que foram calmas, como prometido, liguei para minha esposa de tempo em tempo, não queria ser invasiva ao extremo, mas me preocupava deixa-la sozinha nos últimos meses. Quando nos despedimos, senti que sua voz estava bem fraca, encostei na mureta fechando os olhos com minha cabeça em nossa casa, a tristeza tomou conta de meu coração, sem me dar conta acabei deixando uma lágrima cair. Senti um toque carinhoso em meu braço, quando olhei, a professora de Izzie estava ao meu lado com um lenço estendido em minha direção, sorri dizendo.
– Obrigada.
– Você está bem? – Olhei para ela balançando a cabeça, sorri triste dizendo apenas.
– Não estou em uma fase boa da minha vida, se é que me entende.
– Claro, entendo sim.
Apenas concordei, minha filha apareceu correndo me trazendo um pacotinho de pipoca e depois sumiu entre as crianças novamente, sorri dizendo.
– Ela cuida de mim as vezes – a moça ao meu lado sorriu.
– Izzie é uma criança muito especial, ela é carinhosa com tudo e todos, sempre está ajudando do seu jeitinho delicado.
– Ela tem as características de Sara, minha esposa é assim também, procura ajudar a todos sem pedir nada em troca.
– Mas fisicamente ela é mais parecida com você – sorri.
– Todos dizem isso – disse orgulhosa, segundos depois olhei para a moça sorrindo – Sara e eu queríamos um bebê, ela me disse que gestaria um, com uma condição – em meus olhos um brilho emocionado, disse – que eu doasse meu óvulo, pois ela queria que nosso bebê tivesse a cor de meus olhos, não era certeza de acontecer, sempre disse isso a ela, mas a minha esposa é teimosa e quando coloca algo na cabeça, ninguém consegue tirar.
– Bom, ela estava certa em pedir isso, seus olhos são lindos mesmo – desviei os olhos da moça que sorria ao meu lado, segundos depois se desculpou – não quis ser invasiva, desculpa.
– Tudo bem, não foi – comecei a comer a pipoca perguntando – e então, há quanto tempo dá aula para crianças?
– Nossa, tem um tempo já – ela parou pensando e disse por fim – quase oito anos.
– Muito tempo – concordou sorrindo e conclui – leva jeito com as crianças, mas eu sou desajeitada para isso.
– Sara me disse que você faz todas as vontades da filha de vocês – sorriu, olhei admirada para ela perguntando.
– Ela disse isso?
– Sim, entre tantas a coisas que me diz quando conversamos.
– São amigas, esqueci, desculpa.
– Tudo bem – sorriu – apesar de não nos vermos sempre, estamos em contato direta e indiretamente.
– Entendo – me olhou com ternura, perguntei – deve saber da situação atual dela?
– De tudo o que ela me conta – passou a mão em meu braço quando deixei meu ombro cair em desânimo, se aproximou dizendo – eu sinto muito.
– Sinceramente, não sei mais o que fazer, estou lutando com todas as minhas forças para que ela não... – não consegui dizer a palavra sofra em voz alta, simplesmente deixei no ar.
– Você tem feito tudo o que pode, Beatriz, tem sido uma esposa amorosa e carinhosa em todos os momentos, Sara me fala com orgulho da sua atitude diante de todo esse processo, não se abata ou se cobre tanto, tenho certeza que está fazendo o seu máximo.
– Eu a amo tanto, sinto que posso não suportar quando ela nos deixar.
– Sei que deve ser doloroso, mas precisa pensar na filha de vocês, ela precisa de você mais do que nunca nesse momento – olhei para ela sentida que sorriu continuando – precisa da sua atenção e carinho, e assim como me coloquei a disposição para Sara, me coloco para você, o que precisar, pode contar comigo.
– Obrigada, Pamela, significa muito isso para nós, sua amizade e compreensão.
– Que isso, estou sendo apenas sincera.
– Mamãe... mamãe... – lá estava minha filha se jogando em meus braços, sorri a recebendo e perguntando.
– O que foi, amor?
– Vem, eu vou cantar.
– Você vai cantar? – Olhei para a professora que disse.
– Vamos finalizar a festa com o coral que as crianças montaram.
– Essa eu quero ver...
Sorri colocando Izzie no chão que saiu correndo, segui com a professora dela ainda conversando ao meu lado.
A apresentação foi linda, gravei todos os momentos para mostrarmos para Sara quando chegássemos em casa, foi muito divertido aquele dia. Emocionante também, pois podia ver o quanto nossa filha estava amadurecendo, apesar de ter apenas quatro anos, ela era muito inteligente e entendia certas coisas, e por conta disso, Sara e eu privávamos ela de certas dores que poderiam ficar marcadas.
(...)
Três meses depois daquele dia, Sara nos deixou, infelizmente aquela doença havia tirado sua vida, e agora só nos restava as lembranças e a saudade enorme que sentíamos dela todos os dias. Tivemos que voltar para a cidade grande, onde ela ficou internada praticamente duas semanas, pedi licença na escola de Izzie, como estávamos no final de ano, isso não abalou tanto sua rotina escolar.
Quanto ao meu trabalho, deixei minha pequena Editora aos cuidados do pessoal que trabalhava conosco. Sara era jornalista, trabalhava com seus pais em um jornal famoso na capital, estava afastada e por isso quando nos mudamos, abrimos uma pequena filial na cidade em que escolhemos para viver, trabalhávamos juntas desenvolvendo uma pequena revista de “Bem-estar, moda e arte!”, correspondente do jornal na Capital.
Hoje, olhando as paredes de nosso apartamento na cidade, resolvi deixar de lado isso um pouco, e curtir mais a nossa filha, essa que dormia em sua caminha no quarto, depois de chorar quase duas horas, a dor dela naquele momento era a minha dor. Não sabia como iríamos sobreviver sem Sara junto conosco, mas precisava ficar viva e sobreviveria por Izzie, ela era o meu maior motivo para seguir em frente agora.
Fim do capítulo
Boa noite, meninas, tudo bem?
Postando o segundo caps, ainda sem muitas informações, mas já dá pra ter ideia de como serão nossas protagonistas...
Próximo caps sábado agora...
Bjs... se cuidem e até a próxima...
Bia
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Lea
Em: 30/06/2025
Mesmo sabendo que,a Sara não sobreviveria,ainda assim, é muito triste!
Bia Ramos
Em: 11/07/2025
Autora da história
Oiie Lea, tudo bem?
Foi curta a participação dela, mas deixou marcas que vamos lembrar até o fimm... S2
Agradeço o comentário...
Bjs, se cuida
Bia
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Rafaela L
Em: 09/06/2025
Que triste!
A pequena,vivenciando luto tão cedo.
Sábado?envia um extra, o clima pesou????
Bia Ramos
Em: 17/06/2025
Autora da história
Boa tarde, Rafa... tudo bem?
Uma fase muito ruim para se vivenciar um luto, a criança está começando a entender as coisas.. enfim, momento delicado...
rs... tem caps novo no ar... pode ser que eu poste um mais tarde... vamos ver...
Agradeço o comentário...
Bjs, se cuida
Bia
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