Início de abril, semana chuvosa e frio aqui em Campo do Jordão, particularmente, prefiro o clima assim, não sou muito fã do calor, um dos motivos de ter escolhido aqui para viver. Quem não gostava muito era as crianças, porque acabavam fechadas nas salas ou no salão principal, para não se machucarem, uma vez que não paravam quietas.

Segunda semana do mês, choveu a manhã toda, agora a tarde deu uma amenizada, as crianças chegavam animadas, para mais um dia de aula. Os pais a deixavam na porta, conversavam um pouco e iam, outros sem muito tempo, quase não entravam, deixavam-nas no portão e acenavam de lá, quando viam que estavam seguras.

Mas uma mãe em particular, não, essa participava de cada momento com a filha e ficava até não poder mais, Sara Bitencourt Ferraz, jornalista bem conhecida na Capital, ela e a esposa Beatriz, se mudaram pouco tempo para a cidade, abriram uma pequena editora, correspondente de um jornal famoso.

Nos tornamos amigas logo na primeira semana que sua filha, Izzie, entrou para a escola, uma criança adorável e muito inteligente, avançada para sua idade, superativa também como todas as crianças na sua faixa etária. Sempre que chegava, me abraçava forte, ficava um pouco com sua mãe e quando seus amiguinhos chegavam, dava um abraço forte em Sara e corria para o interior da sala.

– Elas não cansam nunca? – Sara perguntou sorrindo.

– Imagina, seria tão bom se elas tivessem um botão de liga e desliga.

– Até parece, sei que você ama essa bagunça.

– Quase sempre esqueço que sou a professora e entro na brincadeira – sorri dizendo, ela jogou a cabeça para trás gargalhando.

Quando a conheci, tinha um cabelão loiro, um olhar de certa forma arrogante, mulher rica e famosa, achei que fosse diferente, hoje com o cabelo mais curto, devido sua doença, e toda a medicação que tomava, ainda assim linda e deslumbrante, posso dizer que a primeira impressão nem sempre é a que fica, mudei a minha totalmente depois que a conheci de verdade, e me entreguei aos seus encantos.

Superativa na escola, como havia dito, quase sempre que podia estava se voluntariando para ajudar no que pudesse, fortalecemos nossa amizade, porém, um ano depois, descobri que ela estava doente, se afastou um pouco, mas não deixava de estar presente, datas especiais, reuniões de pais.

Quando Izzie entrou na escola, as duas mães eram presentes, porém, Sara era mais ativa, Beatriz estava mais focada na reforma e inauguração do espaço que montaram sua Editora, mas participava das festas e reuniões da filha.

– Queria saber se podemos almoçar no sábado, gostaria de sair um pouco e conversar? – Estava divagando, quando Sara perguntou.

– Claro, Sara, inclusive estou devendo um almoço para você, podemos almoçar em casa, eu preparo algo especial para nós.

– Muito fofa você, Pam, não vou recusar, faz tempo que não como uma refeição caseira.

– Ótimo, só você e Izzie ou sua esposa vai também?

– A Bia vai viajar na sexta e só volta no domingo, era para eu ir, mas como não estou muito bem, ela vai no meu lugar, só assim pra ela me deixar respirar um pouco... – Sorriu, mas em seus olhos o amor brilhando pela esposa.

– Ela está marcando em cima?

– Desde que voltamos de viajem com o último diagnóstico, não me deixa fazer nada, e isso acaba me deixando com zero opções para ocupar a cabeça – sorriu triste, desviando o olhar, mas logo voltou a dizer – felizmente tenho um compromisso no sábado, e estou ansiosa.

– Já que ela vai voltar só no domingo, pode ficar na minha casa, vou ficar muito feliz em recepcionar vocês, não tenho nada agendado, assim podemos conversar bastante.

– Não vou recusar, Pam, sério?

– Seríssimo, podemos ir nos programando durante a semana, e assim ficamos livre para a diversão sábado e domingo.

– Vamos adorar, agradeço, você é um amor.

– Amigos são para essas coisas... – sorriu, nos despedimos, ela se foi e entrei em sala.

Naquela semana conversamos durante a semana, nos programamos e no sábado por volta das 10h as duas chegaram em casa, estava começando a preparar o nosso almoço. Ela trouxe a nossa sobremesa, pudim, meu favorito. Foi um almoço agradável, nos divertimos.

Depois de muito ela insistir em me ajudar a organizar a cozinha, fomos para a sala, lá Izzie entretida pintando desenhos, sentamos e conversamos, sobre tudo, e em certo comento ela parou pensativa.

– Sabe, Pam, embora não pareça, estou preocupada com a Bia.

– Com relação a quê? – Ela me olhou, um brilho triste passou em seu semblante.

– Demorou muito tempo para ficarmos juntas, ela foi muito paciente, e hoje vejo que não a ter notado antes, nos privou de mais tempo juntas.

– Sabe que as coisas acontecem no tempo de Deus, minha amiga, quem dera se fosse como queríamos – sorri, ela me acompanhou – me diz, por que da preocupação com ela?

– A Bia é muito “devota” a mim e Izzie, tudo o que ela faz é pensando em nós, embora não demonstre tanto, para não me deixar preocupada, sei que ela está sofrendo muito, e temo dela não conseguir se levantar quando eu partir.

– Não fala assim, Sara, você ainda vai viver muito tempo conosco – ela sorriu, uma lágrima escapou de seus olhos.

– Fui desengana pelos médicos, Pam, e embora tenha fé de que as coisas mudem com o tempo, sei que não posso confiar nisso.

– Mesmo assim, sua fé está abalada, deveria acreditar em milagres.

– E acredito, os médicos me deram seis meses, na última vez que fui, e estou entrando no segundo semestre...

– Então, por que não acredita que vai conseguir?

– Porque estou sentindo minhas forças sumirem – ela me olhou, o pânico em seus olhos – sinto dores horríveis, e todos esses remédios que me deixam pior, não consigo ver uma luz no fim desse túnel.

– Sara... – sensibilizada em ver a fortaleza daquela mulher ruir na minha frente, não sabia o que dizer para que ela se sentisse bem

– Mamãe, olha que lindooo – Izzie veio em nossa direção, trazendo seu desenho, todos rabiscado, porém, aos seus olhos, o máximo, sorri.

– Que coisa mais linda, meu amor – abraçou a filha, sorrindo, me olhou – é ela e a Bia quem me fazem acreditar no amanhã.

– Deveria se apegar a isso, sua família é perfeita... – estiquei a mão pegando em seu braço a apertando carinhosamente.

– Obrigada, conversar sobre isso me alivia um pouco, já que a Bia não gosta muito quando começo a falar sobre.

– Eu a entendo, Sara, mas sei que você precisa desse momento, e pode contar sempre comigo, minha amiga.

Foi um final de semana muito gostoso, usei de tudo o que podia para não deixar a tristeza se abater, e pude ver o grude da esposa que ligava ao tempo todo para saber como ela estava, e perguntando se estava bem, se tinha tomado remédio, se estava com dores, e posso jurar que elas passaram metade da noite conversando, via vídeo, porque umas duas vezes que fui beber água, ouvi vozes no quarto onde elas estavam, como a porta estava entreaberta, pude ouvir.

Fiquei imaginando como elas eram ligadas, o amor que as unia era puro e verdadeiro, desejava um amor assim, alguém que cuidasse assim de mim, que se preocupasse, e de certa forma, senti uma pitada de tristeza por nunca ter vivido algo próximo a isso.

Meu último relacionamento, acabou em traição, inclusive, ela trabalha na escola onde eu dou aula, foi uma indicação minha, lógico que me arrependi depois, mas já tinha feito, era conviver com isso.

Estávamos juntas pouco mais de oito meses, quando a peguei aos beijos com outra, não foi um choque, porque já tinha ouvido histórias, do outro relacionamento dela, e também, nem de longe éramos um casal apaixonado, talvez o sex*, que não era ruim, nos unia ou a carência do dia a dia, hoje não saberia dizer o porquê acabamos juntas, mas, isso era passado agora. 

Aquele final de semana ficaria para sempre na minha memória... os dias foram passando, pelo menos uma vez no mês, Sara e eu nos reuníamos para passarmos um dia juntas, conversávamos muito, aliás, ela falava mais, gostava de ouvi-la falar sobre sua vida, família, entendia que ela precisava daquele momento.

O dia das mães chegou, a escola fez uma homenagem linda a elas, apesar de pouco tempo, Sara estava mais debilitada, retornara com as sessões de quimio, o que a deixava cada dia mais afastada da escola, sempre que podia, ia visitá-la, embora sempre com o sorriso otimista nos lábios, emagrecera muito, estava perdendo a minha amiga, e comecei a sentir isso.  

Fim do capítulo