Ela Foi Embora
Cafeteria próxima à Alesp — Início da noite
O lugar era discreto, com mesinhas de madeira escura, um ar meio retrô, o tipo de cafeteria onde ninguém presta muita atenção no outro — ideal para encontros que precisam de descrição.
Verena chegou primeiro, pediu um expresso curto e ficou mexendo no celular, impaciente, checando as mensagens do segurança particular, que seguia apurando quem poderia ter tirado aquela foto da Valentina — mas até agora, nada conclusivo.
“Merda”, pensou, enquanto os dedos tamborilavam na xícara.
O sino na porta tilintou quando Rafaela entrou, ajustando o colarinho da camisa social, o semblante fechado, carregando uma pasta fina, com aquele jeito prático de quem não tinha tempo a perder.
O cheiro de café coado e pão na chapa misturava-se ao burburinho abafado dos poucos clientes.
Rafa parou diante da mesa, largou a pasta sobre ela com um baque seco.
— Pra variar, você adiantada.
Verena nem ergueu o olhar.
— Relógio não falha.
Rafa puxou a cadeira e sentou, pedindo um café puro com o garçom. Depois abriu a pasta, revelando alguns papéis impressos e um tablet, já preparado com as imagens e relatórios que Benedito e Daniel tinham enviado.
— Vamos ao que interessa.
Verena largou o celular na mesa, cruzou as pernas com aquele movimento ensaiado, erguendo enfim o olhar com a sobrancelha arqueada, o tom frio:
— Não me poupe de detalhes.
Rafa ligou o tablet, puxou pra si e começou, olhando rápido o ambiente antes de baixar o tom:
— Sobre o vídeo… conseguimos determinar que foi gravado num ângulo muito específico. Só podia ter sido alguém que estava na lateral do salão, no andar superior.
Verena apertou a borda da mesa, tensa.
— E quem estava lá?
Rafa virou a tela, mostrando uma sequência de imagens congeladas, que tinham sido puxadas de vídeos públicos da festa.
— O salão estava lotado. Mas… — ampliou uma foto —… esse grupo aqui subiu pro mezanino. São amigos da Luana. Gente que ninguém conhece direito.
Verena ficou em silêncio por alguns segundos, olhando a imagem.
— Não é possível que só tenha isso.
— Foi o que deu pra conseguir, até agora. A Luana não se lembra dos nomes de todos que convidou… festa grande, bebida… — Rafa fez um gesto desdenhoso —. E o vídeo vazou de forma anônima, você sabe. O envio foi feito de um IP mascarado, nada que a gente consiga rastrear com rapidez.
Verena esfregou a mão no rosto, irritada.
— Então você tá me dizendo que qualquer um desses estranhos pode ter filmado a minha intimidade e jogado na rede, assim?
— Sim, Verena. Foi exatamente isso.
Um silêncio denso se instalou. O garçom trouxe o café da Rafa, que agradeceu com um aceno.
Verena se inclinou pra frente, apoiando os antebraços na mesa, o olhar duro:
— E o dossiê?
Rafaela folheou os papéis, separando alguns.
— Aqui. — empurrou pra Verena. —Eles conseguiram mapear os documentos que foram incluídos nesse “dossiê”.
Verena analisou as folhas. Eram relatórios internos, registros de reuniões, cópias de emendas que não tinham saído oficialmente…
— Como isso saiu do gabinete? — perguntou, a voz mais baixa, quase um sussurro.
Rafa mordeu o canto da boca, incerta.
— É o que a gente tá tentando entender. Não foi via sistema. Não há rastros de envio, nem cópias nos backups oficiais. Parece coisa feita à moda antiga… impressos e escaneados.
Verena fechou os olhos por um segundo, respirando fundo.
— Alguém… — ela disse, abrindo os olhos e cravando-os em Rafa —… esteve fisicamente com isso.
— Sim.
O silêncio ficou ainda mais pesado. Verena girou a xícara de café vazia, os olhos perdidos, até que soltou, num tom seco, ácido:
— Maravilhoso. Além de exposta, estou cercada de incompetentes ou traidores.
Rafa franziu a testa, soltando o papel na mesa:
— Não começa, Verena. A gente tá fazendo o possível.
Verena ergueu o olhar, e pela primeira vez naquele dia, sorriu — aquele sorriso frio, cortante:
— O possível nunca foi suficiente, Rafa. Não no meu gabinete.
A amiga suspirou, passando a mão nos cabelos cacheados, impaciente:
— Você quer que eu faça o quê? Que revire a mochila de todo mundo? Que vasculhe armário por armário?
Verena se inclinou ainda mais pra frente, os rostos a centímetros um do outro, os olhos faiscando:
— Eu quero que descubra quem tá me fodendo pelas costas.
Rafa manteve o olhar firme.
— E eu tô tentando. Mas você… — apontou discretamente —… não tá ajudando muito.
Verena arqueou a sobrancelha, com aquele ar de quem não tolera ser cobrada.
— O que quer dizer com isso?
Rafa fez aquele gesto clássico de abrir os braços, exasperada:
— Tá distraída, tá emocionalmente instável… — abaixou ainda mais o tom —… e tá se deixando levar por coisas que você mesma sabe que são perigosas.
Verena deixou sair um sorriso debochado, apoiando o queixo na mão:
— Tá falando de quê, Rafaela?
— Não se faz de idiota.
Verena soltou uma risada seca.
— Eu não faço. Parece que eu que tô sendo a idiota aqui.
Rafa esfregou o rosto, respirando fundo.
— Olha… só tô dizendo… segura a onda. Não é hora de perder o foco.
Verena ficou olhando pra ela, imóvel, como uma estátua, até que soltou:
— Já perdi o controle. Só tô tentando salvar o que ainda dá.
Rafa ficou quieta, sem saber o que responder.
Depois de alguns segundos, Verena puxou a bolsa, levantando-se com aquela elegância automática, mas os olhos estavam cansados, fundos, como quem já não dormia direito há dias.
— Manda o Benedito me atualizar assim que tiver mais.
— Verena… — Rafa chamou, mas não terminou a frase.
A deputada parou, olhou por cima do ombro, com aquele ar de quem já não espera muita coisa.
— Cuida de mim, Rafa. Só isso.
E saiu, deixando a amiga sozinha na mesa, olhando o tablet com as imagens da festa e pensando:
“Ela tá por um fio…”
Apartamento de Verena e Silvia — 19h45, algumas semanas depois
Sem ninguém perceber, o tempo tinha passado.
Três semanas… E tudo estava prestes a mudar de novo.
O som das chaves girando na porta quebrou o silêncio confortável do ambiente. Verena empurrou a porta com o ombro, equilibrando a bolsa, algumas pastas e o sobretudo, o ar exausto estampado na postura.
— Silvia? — chamou, jogando as chaves na mesinha da entrada, sem esperar resposta, já seguindo em direção à sala, desabotoando o casaco.
Mas parou, os olhos arregalando, o corpo todo tenso.
— Meu Deus… o que é isso?
Bem no centro da sala, Silvia estava sentada no tapete, com uma criança de não mais que dois anos no colo, que balançava alegremente um ursinho de pelúcia, enquanto ria de alguma coisa que Silvia fazia.
Verena piscou, como quem duvidava da cena.
— Silvia… você… — ergueu uma mão, gesticulando, meio zonza —… você sequestrou uma criança?
Silvia soltou um suspiro e rolou os olhos, já prevendo a piada antes mesmo que ela viesse completa.
— Boa noite pra você também, amor.
Verena largou a bolsa no sofá, tirou o casaco e ficou parada, ainda em choque, apontando:
— Silvia, tem… uma criança… na nossa sala.
A esposa sorriu de canto, ajeitando a pequena no colo, que continuava entretida com o ursinho.
— Eu percebi.
— Eu… não sei como dizer isso, mas… acho que a gente não tem uma dessas.
Silvia soltou uma risada baixa, enquanto a criança olhava curiosa para Verena, balançando o urso como se a desafiasse.
— A Bianca me ligou desesperada. — Silvia começou, enquanto ajeitava o cabelinho da menina atrás da orelha. — O marido dela ficou preso no trânsito, ela precisava ir resolver uma coisa urgente, pediu pra gente cuidar da filha por duas horinhas.
Verena ergueu as sobrancelhas, cruzando os braços, com aquele olhar cético clássico:
— Bianca… aquela amiga sua do pilates?
— Ela mesma.
A deputada mordeu o canto da boca, analisando a cena, até que soltou, com aquele tom debochado:
— Duas horas, né? — olhou para o relógio de pulso, exagerando. — Acho que já podemos começar a planejar o chá de fraldas e o batizado.
Silvia soltou outra risada, balançando a cabeça, sem paciência, mas claramente divertida.
— Você é um exagero.
Verena deu alguns passos, agachando-se um pouco, olhando pra criança com a expressão desconfiada.
— Como é que ela chama?
— Lia.
Verena fez um aceno solene para a menina:
— Prazer, Lia. Até que você parece com sua mãe… e não faço a menor ideia do que estou fazendo aqui.
A pequena soltou uma gargalhadinha, batendo o ursinho nas pernas da Silvia, sem entender nada, mas se divertindo com a energia estranha daquela mulher nova. Silvia acariciou os cabelos da filha da amiga, enquanto olhava para a esposa com aquele olhar cansado, mas afetuoso:
— Só duas horinhas. Prometo.
Verena suspirou, passou a mão pelo rosto, soltando aquele sorrisinho torto:
— Claro… só duas horinhas…
E ficou ali, olhando para a cena, a respiração desacelerando aos poucos, como quem, pela primeira vez em semanas, parava de pensar em tudo que deixara do lado de fora daquela porta: o dossiê, o vídeo, os vazamentos, a Valentina…
Ali, naquele momento, só Silvia… e Lia.
Silvia percebeu o olhar da esposa suavizar e, com aquela precisão que só ela tinha, estendeu a mão, puxando Verena para sentar ao lado.
— Vem… você parece que correu uma maratona.
Verena se deixou puxar, sentando-se ao lado, ainda olhando de canto pra Lia, como quem esperava que a menina puxasse uma arma a qualquer momento.
— Ela morde? — perguntou, sem conseguir segurar a piada.
Silvia soltou uma gargalhada e deitou a cabeça no ombro da esposa, fechando os olhos por um segundo, deixando que aquele momento improvável quebrasse, ainda que por pouco tempo, o peso das últimas semanas.
Lá fora, o vento frio batia nas janelas, e a cidade seguia…
Casa da Valentina — Quarto / Sala — 22h30
O quarto estava mergulhado na penumbra, só o reflexo pálido da luz da rua atravessando a fresta da cortina. Isadora já dormia, encolhida em sua cama, a respiração lenta e tranquila, abraçada ao bichinho de pelúcia que foi acostumada a dormir desde bebê.
Valentina, ao contrário, estava acordada.
Virada para a parede, com o rosto esmagado contra o travesseiro, os ombros sacudindo levemente, tentando conter um choro mudo, abafado… quase envergonhado. As mãos apertavam o tecido da fronha com força, como se aquilo pudesse conter o nó que parecia rasgar o peito por dentro.
O cansaço era tanto que doía até respirar… Mas, mais do que o corpo… era a alma que parecia se despedaçar, um pouco a cada dia.
Ali, sozinha… invisível.
Do outro lado da casa, na sala… a tensão era palpável.
Carlos andava de um lado pro outro, as mãos na cintura, o cenho franzido, os olhos apertados, como quem já havia tomado uma decisão e só estava esperando a esposa aceitar.
Ana Paula estava sentada no sofá, com as mãos entrelaçadas, olhando para o chão, respirando fundo, tentando organizar as palavras.
— Ela não tá bem… — começou Carlos, com aquela voz firme, carregada de certeza. — Desde que começou esse estágio, desde que entrou nesse projeto… é só ladeira abaixo.
Ana Paula fechou os olhos, pressionando os dedos.
— Ela tá passando por muita coisa, amor…
— E quem não passa? — ele rebateu na hora, impaciente, fazendo um gesto brusco com a mão. — Só que ela é uma menina! Uma criança! E não tem estrutura pra isso.
Ana Paula ergueu o olhar, buscando os olhos do marido, tentando encontrar ali algum espaço pra diálogo.
— Mas tirar ela de lá… só vai empurrar o problema pra debaixo do tapete, Carlos. Ela vai continuar mal…
— E você quer o quê? — ele se virou, abrupto, apontando para o quarto das filhas. — Quer esperar ela desabar de vez? Quer que aconteça alguma coisa pior?
Ana Paula respirou fundo, segurando as lágrimas.
— Eu tô preocupada com ela tanto quanto você…
— Não parece! — Carlos interrompeu, a voz mais alta, ríspida. — Porque se estivesse, já teria concordado comigo. Ela vai sair. E ponto final.
Ana Paula ficou em silêncio por alguns segundos, os olhos marejados, mas segurando firme, como sempre fazia.
— Carlos…
Ele se inclinou um pouco, o rosto tenso, o maxilar travado:
— Eu sou o pai dela. É a minha responsabilidade.
Ana Paula mordeu o lábio, respirou fundo e soltou, com a voz baixa, mas firme:
— E eu sou a mãe.
Os dois ficaram se encarando por alguns segundos, aquele duelo mudo, cheio de coisas que nunca eram ditas… mas que estavam ali, entre eles, o tempo todo. Carlos então se afastou, esfregando o rosto com as duas mãos, andando até a janela, olhando a rua vazia, como quem precisava daquele silêncio pra não explodir ainda mais.
E então, soltou, ainda de costas:
— Desde que ela começou a trabalhar nesse lugar… você mudou também.
Ana Paula franziu a testa, confusa:
— O quê?
O homem virou de lado, olhando pra ela, os olhos duros:
— Você. Tá diferente. Tá… mais… permissiva. Como se estivesse deixando ela… escapar.
Ana Paula soltou uma risada triste, balançando a cabeça, sem acreditar:
— Carlos… pelo amor de Deus…
— É sério — ele insistiu, com aquele tom de quem acreditava piamente. — Eu não sei o que tá acontecendo com vocês duas… mas eu não vou deixar a nossa família desandar desse jeito.
Ana Paula se levantou, passando por ele, indo até a cozinha, como quem precisava de um espaço pra respirar, pra não dizer alguma coisa da qual se arrependesse. Carlos ficou ali, parado, olhando a porta da cozinha, sentindo-se, mais do que nunca, no controle…
E completamente perdido.
Apartamento de Verena e Silvia — Quarto — 23h15
O quarto estava silencioso, exceto pelo barulho abafado da cidade atravessando a vidraça fechada. O inverno começava a se fazer presente, e a coberta grossa já tomava o lugar do lençol fino.
Silvia acabava de tirar os óculos de leitura, dobrando-os com aquele cuidado metódico de quem já tinha um ritual antes de dormir. Fechou a Bíblia com um suspiro discreto, deixando o livro sobre a mesinha de cabeceira.
— Boa noite… — disse num tom baixo, como quem já se entregava ao sono, virando-se de costas, ajeitando a coberta até os ombros.
Do outro lado da cama, Verena estava ainda acordada, deitada meio de lado, com o celular na mão, assistindo a um vídeo sobre um debate político recente, em Brasília. O brilho da tela iluminava seu rosto sério, concentrado… ou pelo menos tentando se concentrar.
Mas a cabeça estava em outro lugar.
Ou melhor… na mulher deitada a poucos centímetros dali.
Respirou fundo, desligando o celular com um toque decidido, como quem queria também desligar aquele monte de pensamentos que a consumiam. Colocou o aparelho no criado-mudo, junto dos óculos que tirou logo depois, esfregando os olhos cansados.
Deitou de lado, puxou a coberta até a altura do peito… e ficou ali, parada, olhando para as costas da esposa, que respirava calma, os cabelos soltos espalhados pelo travesseiro. Só o som da respiração dela já fazia o corpo de Verena formigar.
Desde a festa da Luana… não se tocavam mais.
Nem um beijo, nem um carinho… nem mesmo aqueles selinhos distraídos de quem se cruza pela casa.
Nada.
Era como se um muro invisível tivesse se erguido entre elas.
Verena sentia o calor do corpo de Silvia tão perto, o cheiro familiar e confortável da pele dela… e aquilo parecia um castigo. Seu peito apertava, os músculos todos tensos, o corpo implorando por aquele contato que antes era tão natural.
Suspirou fundo… e então apagou a luz do abajur, mergulhando o quarto naquela escuridão confortável, cortada apenas por um fiapo de luz que vinha da cidade do lado de fora.
Se virou mais um pouco, deitando de lado, aproximando-se lentamente das costas da esposa… mas sem tocar ainda. Como se estivesse estudando, medindo… esperando o momento certo.
O silêncio parecia gritar.
Arriscou:
— Boa noite… — sussurrou, a voz rouca, quase quebrada.
Do outro lado, Silvia ouviu.
Seu estômago se contraiu de imediato.
Fechou os olhos com força, respirando fundo.
Também sentia falta.
Também queria…
Mas a maldita cena continuava na cabeça, como uma lâmina: Verena, no auge do prazer, soltando aquele nome… "Valentina".
Como apagar aquilo?
Como fingir que não doeu?
Doeu. Ainda doía.
E mesmo agora, sentindo o corpo latejar de saudade, o meio das pernas pulsar só com a presença dela tão próxima… Silvia não sabia mais se queria ceder. Verena, do outro lado, não aguentou mais.
Se inclinou, se aproximou, e num gesto quase instintivo… a abraçou por trás, encaixando o corpo ao da esposa, formando aquela conchinha que tanto conheciam. Enterrou o rosto na curva do pescoço dela, aspirando fundo aquele cheiro que tanto amava.
— Tô com tanta saudade… — sussurrou, com um fio de voz, apertando um pouco mais o abraço. — Sinto falta de você…
Silvia fechou os olhos, mordeu o lábio. Seu corpo respondeu no mesmo segundo, se arrepiando inteiro, o coração acelerando.
Mas não podia…
Verena começou a deixar beijos lentos, suaves, na pele exposta do ombro de Silvia, se inclinando um pouco mais, como quem pedia passagem, como quem suplicava…
Silvia soltou um suspiro, tentando manter o controle.
— Não… — disse, mas o tom saiu mais manhoso do que firme, como se o "não" fosse mais pra si mesma do que pra esposa.
A deputada sorriu de canto, percebendo.
Ignorou a resistência e continuou, subindo um pouco o corpo, pressionando a esposa contra o colchão, enquanto os beijos se tornavam mais quentes, mais famintos. Silvia apertou os olhos, soltando outro suspiro, as pernas involuntariamente já se fechando um pouco, sentindo aquela tensão toda queimar por dentro, tentando conter toda a excitação concentrada naquela região.
Mas não…
Não podia.
— Verena… — sussurrou, com um último fio de força, virando um pouco o rosto. — Não… é não.
Verena parou.
Ficou ali, com o corpo meio por cima, apoiada nos cotovelos, os olhos fixos nos dela, ofegante.
O silêncio pesou no ar.
— Você… — começou, mas parou, engolindo seco.
Silvia respirou fundo, virando de vez, ficando de frente, mas mantendo uma mão no peito de Verena, como uma barreira.
— Não é assim… — disse, com a voz baixa, mas firme. — Eu não consigo…
Verena franziu o cenho, confusa, frustrada, desejando.
— Você não quer? — perguntou, meio magoada, meio provocando, como quem não queria ouvir a resposta, mas precisava.
Silvia fechou os olhos, respirou fundo e soltou:
— Não é questão de querer…
Abriu os olhos de novo, encarando a esposa.
— Eu só… não consigo esquecer.
Verena afastou o olhar, respirando fundo, passando a mão pelos cabelos, frustrada.
— Silvia… pelo amor de Deus… já expliquei, já desculpa mil vezes…
— Eu sei… — ela cortou, num tom mais baixo, puxando a coberta até o queixo, como quem precisava de uma proteção física contra aquela vulnerabilidade. — Mas não dá.
Verena mordeu o lábio, se afastando, se jogando de costas na cama, olhando pro teto, com aquela sensação horrível de derrota e… carência.
O silêncio voltou a pairar.
Silvia se virou de novo de costas, puxando a coberta, fechando os olhos, mas com o coração disparado. Verena ficou ali, imóvel, sentindo o corpo inteiro pulsar, tenso, frustrado… e sozinho. E o frio, que antes parecia só do inverno…
Agora parecia morar dentro daquela cama.
Assembleia Legislativa — 10h49 Gabinete de Verena
O dia começava a ganhar aquele tom opaco típico de São Paulo no outono, frio e cinzento. A movimentação pelos corredores era a de sempre: passos apressados, telefonemas, o vaivém de assessores. Mas dentro do gabinete de Verena, o ar estava ainda mais denso.
Rafaela fechou a pasta com um estalo seco, respirando fundo, e jogou o corpo para trás na cadeira, girando levemente até encarar Verena, que, de pé, à frente da mesa, passava os olhos rapidamente pelo relatório.
— Aqui, ó. — Rafaela apontou, impaciente, batendo o dedo no papel. — De novo. A data errada no ofício que ia pra comissão de Finanças.
Verena estreitou os olhos, lendo o trecho.
— "São Paulo, 14 de maio de 2025"... — leu, em voz baixa, puxando outro papel da pilha ao lado.
Rafaela cruzou os braços, soltando um suspiro irônico.
— Pois é. E a assinatura dela tá aqui.
Verena largou o relatório sobre a mesa com um tapinha seco, fechando os olhos por um segundo, como quem tentava se manter no controle.
— Tá… — soltou, passando a mão pelo cabelo, frustrada. — Eu falo com ela depois.
— Depois? — Rafaela arqueou a sobrancelha, inclinando o corpo pra frente. — Verena… esse "depois" já tá durando semanas.
A deputada girou lentamente o rosto, encarando a amiga com aquele olhar frio que só usava quando queria cortar uma discussão.
— Não é o fim do mundo, Rafaela. É um erro, acontece. A gente corrige.
Rafaela soltou uma risada seca, incrédula.
— Ah, claro… acontece. — Bateu com o indicador na pasta outra vez. — Só que não foi a primeira vez. Nem a segunda. Nem a terceira. Aquele outro relatório sobre o IPTU também veio errado, lembra? E o ofício pro Tribunal de Contas, semana passada?
Verena respirou fundo, cerrando os dentes. A cabeça latej*v*, ainda pesada da noite mal dormida, do corpo rejeitado na cama, da tensão não resolvida com Silvia…
E agora Rafaela vinha jogar mais isso no colo dela?
— Eu sei — respondeu, seca, dando um passo para trás e apoiando as mãos na cintura. — Eu sei de tudo isso.
Rafaela se levantou de uma vez, fechando a pasta e a colocando debaixo do braço.
— E até quando você vai continuar protegendo essa menina?
Verena virou lentamente o rosto pra ela, o olhar afiado.
— Não tô protegendo ninguém.
— Tá, sim. — Rafaela rebateu sem hesitar, dando um passo à frente, diminuindo a distância. — Tá passando a mão na cabeça dela desde que começou a perceber que ela tá indo ladeira abaixo. Se fosse qualquer outra pessoa que tivesse errado uma vírgula, já tava indo pra forca
Verena soltou uma risada amarga, passando as mãos pelo rosto.
— Eu não tenho tempo pra isso agora, Rafa…
— O problema é que você nunca teve tempo pra separar o pessoal do profissional quando se trata dela.
O ar ficou mais pesado, denso, quase palpável.
Verena ergueu o olhar lentamente, os olhos faiscando.
— Cuidado com o que você tá insinuando… — soltou, num tom grave, mas contido.
Rafaela não recuou.
— Eu não tô insinuando nada, Verena. Tô falando a real. — Apertou ainda mais a pasta contra o corpo, como se aquilo a mantivesse firme. — Tá todo mundo vendo. Ela tá cometendo erros grotescos. E você… — deu uma breve pausa, pesando as palavras — …não tá fazendo nada, só passando pano.
Verena apertou as mãos em punho, sentindo o sangue ferver, a respiração se acelerar.
— Você quer que eu faça o quê? Demita ela?
— Não tô dizendo isso! — Rafaela rebateu, a voz um pouco mais alta. — Mas pelo menos converse, chame atenção, oriente. Seja a chefe que você sempre foi com todo mundo aqui!
Verena deu um passo à frente, invadindo o espaço da amiga, o olhar duro, cortante:
— Eu vou falar com ela, Rafaela!
Rafaela sustentou o olhar, sem desviar, mas o maxilar tenso denunciava o quanto segurava pra não ir além.
— Só espero que não seja tarde demais… — soltou, por fim, virando o corpo e começando a sair da sala.
Antes de cruzar a porta, parou e virou o rosto por cima do ombro:
— O gabinete é seu, Verena. Mas os erros dela… tão começando a ser seus também.
E saiu, batendo a porta com força moderada, mas suficiente pra deixar o recado. Verena ficou ali, sozinha, no meio da sala, respirando fundo, olhando para o relatório sobre a mesa… e depois para a cadeira vazia onde Rafaela estava segundos antes.
Passou a mão pelo rosto, soltando um suspiro longo. De repente, tudo parecia mais difícil. O erro de Valentina… a cobrança de Rafaela… a distância de Silvia… E, no meio disso tudo… ela mesma, tentando manter uma compostura que já começava a se desfazer nas rachaduras invisíveis.
Assembleia Legislativa — Gabinete de Verena — Início da tarde
O relógio marcava pouco depois das duas. O som da porta fechando às costas de Valentina soou mais alto do que deveria. Ela caminhou lentamente até a cadeira à frente da mesa de Verena, os olhos baixos, segurando a pasta de relatórios com força demais, como se aquilo pudesse sustentá-la.
Vestia uma camisa social simples, branca, que já mostrava sinais de desgaste, e uma calça preta de tecido leve, que ela guardava só para os dias de estágio. O sapato também era básico, daqueles que doem os pés depois de muitas horas em pé.
Assim que entrou, manteve a postura: pernas juntas, alinhadas, os braços segurando a pasta contra o corpo, o olhar tentando, em vão, se manter firme na direção da chefe.
Do outro lado, Verena estava em pé, braços cruzados, apoiada de leve na borda da mesa. Tentava manter a expressão fechada, o tom duro… mas não conseguia evitar aquele incômodo no peito desde que viu Valentina entrar na sala, os ombros mais caídos, o rosto ainda mais pálido do que nos últimos dias.
— Pode sentar, Valentina — disse, seca, apontando com o queixo para a cadeira.
Ela obedeceu, ajeitando a calça antes de se acomodar na cadeira à frente da mesa. Sentou com as pernas bem juntas, encolhida, segurando a pasta sobre o colo, como se fosse um escudo. O olhar da menina tentou, com esforço, se manter firme, mas só conseguiu por poucos segundos. Logo desviou para a borda da mesa, para o chão, para qualquer lugar que não fosse o olhar atento e pesado de sua chefe.
Verena respirou fundo, observando tudo em silêncio por um segundo a mais, percebendo — sem verbalizar — o abatimento evidente: a pele pálida, o olhar fundo, a expressão cansada.
Mas se manteve no modo profissional.
— Chegou até mim que alguns relatórios recentes… — pegou um dos papéis sobre a mesa e ergueu levemente — … com sua assinatura… apresentaram erros de datas. Coisas pequenas, mas que podem gerar problemas lá na frente, principalmente no administrativo.
Valentina arregalou um pouco os olhos, encolhendo ainda mais os ombros, sem saber onde enfiar as mãos. Passou o polegar sobre a borda da pasta, nervosa, e forçou um olhar para Verena, tentando demonstrar atenção… mas, de novo, desviou.
— Eu… eu sinto muito… deve ter sido… falta de atenção — balbuciou, engolindo em seco, o rosto esquentando de vergonha.
Verena inclinou um pouco o corpo, apoiando as mãos na mesa, e manteve o tom calmo, mas assertivo:
— Eu não tô aqui pra ouvir desculpas, Valentina. Se estiver com dificuldade em alguma coisa… pode me dizer. Você sabe disso, não sabe?
Verena inspirou fundo, sentindo a tensão crescer. Sabia que precisava manter a firmeza, mas o semblante da menina… aquilo a desmontava.
Valentina apertou os joelhos, sentindo um peso enorme dentro do peito. Tentou, pela terceira vez, erguer o olhar, mas foi vencida pela própria vergonha. Verena soltou um suspiro contido, observando atentamente o jeito retraído da menina, os movimentos automáticos, o desconforto evidente.
— Porque não é normal, viu? — continuou, mantendo o tom técnico. — Você é atenta, sempre foi. Mas, de umas semanas pra cá, você tem cometido erros recorrentes. Coisas básicas… que você mesma não cometia no início.
Valentina sentiu o golpe seco, como se cada palavra fosse uma estocada no peito. Forçou um sorriso amarelo, mas o brilho que costumava ter nos olhos simplesmente não estava mais lá.
E então… uma ardência.
A garganta fechou, o estômago revirou e, antes que percebesse, uma lágrima já se formava, grossa, nos olhos. Tentou, rápido, passar a mão e disfarçar, como quem espanta um cisco…
Mas Verena viu.
E, naquele segundo, todo o ar profissional que ela vinha tentando manter se desfez. Deu um passo à frente, inclinando o corpo:
— Valentina… — chamou, num tom muito mais suave.
Valentina respirou fundo, fechando os olhos por um segundo, lutando contra as lágrimas, mas o corpo já começava a falhar. Verena suspirou, buscando forças pra não se render de vez.
— Alguém falou alguma coisa pra você? — perguntou, de supetão, o tom protetor. — Te pressionaram? É o projeto? Tá achando demais?
Valentina negou com a cabeça, mas a respiração estava descompassada, o rosto mais pálido do que antes.
— Não… não… eu… só…
E então, o corpo dela vacilou. E antes mesmo que pudesse perceber, a vista começou a escurecer nas bordas. Levou a mão à testa, como se o mundo girasse sob seus pés. Verena imediatamente percebeu a mudança, o olhar dela se arregalando.
— Valentina?
A menina soltou um gemido fraco, apoiando o cotovelo no braço da cadeira, mas o corpo já dava sinais claros de que algo não estava bem. Num impulso, Verena se aproximou bruscamente e se agachou à frente dela, segurando as mãos geladas da menina com firmeza.
— Ei… ei… olha pra mim! — ordenou, agora num tom urgente, quase desesperado.
Valentina ergueu os olhos, mas eles estavam vidrados, desfocados.
— Minha… cabeça… — murmurou, com dificuldade.
Verena colocou a mão na nuca dela, segurando firme.
— Tá tendo uma queda de pressão… fica calma… respira… — disse, guiando a respiração da menina com a própria.
Valentina tentou obedecer, mas o suor frio já começava a brotar na testa. Verena olhou rapidamente pra porta, depois de volta pra Valentina.
— Vai ficar tudo bem… fica tranquila… — disse, segurando com firmeza agora os pulsos gelados da jovem. — Respira, tá? Assim…
Fez uma respiração longa e profunda, demonstrando, e Valentina tentou acompanhar, mas estava fraca demais.
— Merda… — Verena murmurou, olhando em volta, como se buscasse algo.
Pegou uma garrafinha de água sobre a mesa e abriu, inclinando levemente na direção da menina:
— Bebe um pouco… devagar…
Valentina obedeceu, as mãos trêmulas segurando a garrafa, o olhar baixo, fixo no chão, completamente envergonhada.
— Você… almoçou?
Valentina abriu um meio sorriso fraco, sem força:
— Mais ou menos…
Verena soltou um suspiro frustrado, passando a mão no próprio cabelo, quase irritada:
— Mais ou menos?! Você não pode vir trabalhar sem almoçar, Valentina…
A menina mordeu o canto da boca, os olhos fixos em um ponto qualquer na madeira da mesa. Encolheu ainda mais o corpo, como se fosse desaparecer. Verena passou a mão no cabelo novamente, já impaciente, mas também lutando contra o impulso de perguntar o que, de fato, tava acontecendo.
Ficou ali, agachada, segurando o joelho da jovem com uma mão e a garrafinha com a outra.
— Vou te levar pra enfermaria — disse, decidida, já se levantando e ajudando a menina a se pôr de pé devagar. — Não dá pra continuar assim.
Valentina fez um esforço pra endireitar a postura, tentando se mostrar forte, competente, mas, quando olhou de novo pra Verena, os olhos começaram a arder…
— Não… não precisa… só… preciso descansar um pouco…
Verena soltou um suspiro, fechando os olhos, o instinto de protegê-la gritando mais alto do que o protocolo.
— Não — disse, agora mais firme. — Eu não vou deixar você aqui assim.
E, devagar, passou o braço pelas costas dela, ajudando-a a se levantar, sentindo o corpo frágil, leve demais. Enquanto saíam da sala, o braço de Valentina enlaçado na cintura da deputada, o silêncio dizia tudo que nenhuma das duas conseguia colocar em palavras.
Corredores da Alesp — 15h02
Verena saiu do gabinete com a mão firme no braço de Valentina, guiando a menina pelo corredor em direção à enfermaria. Sua era fechada, séria, mas quem prestasse atenção perceberia o olhar atento que lançava a cada passo que a menina dava, como quem monitorava discretamente se ela ia aguentar chegar até o destino.
Valentina seguia ao lado, em silêncio, a postura mais encolhida do que o normal, os olhos fixos no chão e o rosto ainda pálido.
Assim que passaram pela sala de apoio, alguns estagiários pararam o que faziam, desviando o olhar em seguida, fingindo concentração nas telas e papéis. Outros lançaram olhares rápidos, curiosos. Uns cochichos surgiram, abafados, enquanto alguns assessores mais antigos, sentados em suas mesas, apenas ergueram o olhar, mas ninguém se atreveu a perguntar ou oferecer ajuda.
— Precisa de ajuda, deputada? — arriscou um dos assessores que cruzou com elas no corredor.
Verena apenas balançou a cabeça de forma contida, num “não” seco, sem diminuir o passo. O salto batendo compassado no piso frio ecoava pelo espaço silencioso.
Nos corredores, os passos agora ecoavam, abafados pelos tapetes grossos, mas os olhares eram agudos. Um assessor, parado ao lado de uma máquina de café, ergueu a sobrancelha ao ver a cena. Duas funcionárias, que organizavam documentos sobre um carrinho, interromperam o que faziam, trocando olhares rápidos. Um dos seguranças à porta, com postura sempre rígida, acompanhou com os olhos a movimentação, mas, como os demais, não se atreveu a intervir.
O protocolo ali era claro: quando a deputada agia, ninguém se metia.
Verena caminhava com o maxilar tenso, sentindo o calor do corpo de Valentina pesar sobre seu ombro, ao mesmo tempo em que ouvia a respiração irregular da menina.
— Tá aguentando? — perguntou em voz baixa, o tom mais prático do que doce, mas ainda assim menos frio do que costumava ser.
Na altura do elevador, um grupo de funcionários abriu espaço automaticamente, percebendo que o semblante da deputada não deixava margem para muita interação.
Enfermaria da Alesp — Minutos depois
A enfermeira plantonista, uma mulher na casa dos cinquenta, de jaleco azul claro e óculos pendurados na ponta do nariz, ergueu o olhar quando viu Verena empurrar a porta com certa urgência.
— Boa tarde… — ela começou, mas Verena já se adiantava.
— Boa tarde… Deputada? — Ela franziu o cenho ao reparar em Valentina, apoiada na chefe. — O que houve?
Verena foi direta:
— Está passando mal. Fraqueza, tontura. Acho melhor fazer um exame de pressão e de glicemia. — disse com a voz firme, conduzindo Valentina até uma das cadeiras junto à maca.
A enfermeira se aproximou de imediato.
— Oi, meu bem… como você tá se sentindo? — perguntou suavemente, enquanto já começava a colocar o aparelho de pressão no braço de Valentina. Está se sentindo enjoada?
Valentina apenas fez que sim com a cabeça, sem conseguir responder de imediato, as mãos frias apoiadas sobre as coxas, o peito subindo e descendo num ritmo mais lento.
Verena ficou de pé ao lado, os braços cruzados, mas o olhar cravado na menina, acompanhando cada movimento da profissional.
— Tá se alimentando direitinho? — perguntou a enfermeira, enquanto inflava o manguito.
Valentina hesitou, e antes que dissesse qualquer coisa, Verena respondeu, impaciente:
— Não. Ela não comeu direito.
Valentina arregalou os olhos, surpresa com a intervenção. A enfermeira lançou um olhar de canto para Verena, depois voltou a atenção para o aparelho. Enquanto a profissional ajustava a braçadeira no braço fino de Valentina e começava a inflar o aparelho, Verena desviou o olhar rapidamente para a janela, onde a luz do fim de tarde entrava, dourando parte do ambiente.
— Tá um pouco baixa mesmo… — informou, anotando no prontuário. — Mas não é grave. Provavelmente jejum prolongado, estresse… — murmurou, anotando os números.
Em seguida, com precisão, fez a punção no dedo de Valentina para medir a glicemia.
— Tá doendo? — perguntou a profissional, num tom automático.
Valentina só balançou a cabeça, os olhos ainda baixos. Verena soltou um suspiro, esfregando a mão no rosto.
— Glicemia um pouco abaixo também… — a enfermeira concluiu. — Provavelmente falta de alimentação ou estresse mesmo.
Verena soltou outro suspiro discreto, que podia ser tanto de alívio quanto de irritação.
— Vai precisar ficar um tempo deitada. Vou providenciar um soro glicosado, só pra estabilizar.
— Obrigada. — Verena respondeu, com a mesma firmeza de sempre, mas os olhos demoraram-se alguns segundos a mais sobre Valentina, que agora ajeitava-se na maca, fechando os olhos.
A enfermeira saiu rapidamente, deixando as duas sozinhas por um instante. O silêncio se instalou, pesado. Verena apoiou as mãos no encosto de uma das cadeiras de metal ao lado da maca, o olhar fixo na menina. Queria dizer algo, qualquer coisa, mas não havia espaço nem autorização tácita pra isso.
Verena respirou fundo, desviando o olhar rapidamente, antes de voltar a encará-la.
— Você… vai ficar bem, tá?
O silêncio ficou pesado por alguns segundos, até Valentina balbuciar:
— Obrigada…
Verena apenas assentiu, se endireitou e ficou ali, em pé, com as mãos nos bolsos do blazer, esperando que ela se recuperasse o suficiente pra poder levá-la de volta ou decidir o que fazer.
Enfermaria da Alesp
O relógio digital preso à parede marcava 15h43. O ar na enfermaria era abafado, o zumbido do aparelho de pressão misturava-se com o chiado baixo do ar-condicionado velho. Valentina, deitada na maca, respirava com mais regularidade, ainda pálida, mas estável. A enfermeira ajeitava uma bolsa de soro, preparando-se para deixar a menina descansar.
Encostada na parede oposta, com os braços cruzados sobre o peito, Verena observava em silêncio. Os olhos fixos naquele rosto jovem, as sardas quase imperceptíveis sob a pele clara, o cabelo meio bagunçado… e aquela expressão vulnerável que a fazia querer, num ímpeto irracional, estender a mão e tocar.
Mas não fez. Mordeu o canto do lábio e desviou o olhar, apertando os punhos.
“Segura Castilho...”
Num rompante, saiu da enfermaria ajeitando o blazer, as mãos tremendo levemente. Parou diante do painel de ramais ao lado da porta, apertou a sequência do RH e encostou o ombro na parede fria, respirando fundo enquanto ouvia os toques.
— Recursos Humanos, Amanda falando — atendeu a voz habitual, eficiente.
Verena apertou os olhos, soltou o ar devagar.
— Amanda… preciso que entre em contato com algum familiar da estagiária Valentina Moraes.
Uma pausa breve do outro lado.
— Claro, deputada. Quer que eu fale com alguém específico?
Verena fechou os olhos, como se aquele detalhe fosse mais um fardo.
— Não… só precisa ser algum responsável legal. Só avisa que ela passou mal, tá na enfermaria… tá sendo medicada, mas não tá bem o suficiente pra ir sozinha pra casa.
— Tá certo. Quer que mantenha atualizada?
Verena hesitou meio segundo.
— Não. Só comunica e orienta a virem buscá-la.
— Ok.
Desligou sem dizer mais nada.
Ficou ali, imóvel por alguns segundos, olhando para o visor escuro do telefone. Depois soltou o ar de uma vez, ajeitou de novo o blazer como quem veste uma armadura e entrou novamente na enfermaria.
Enfermaria da Alesp — fim da tarde
O relógio de parede marcava pouco mais das quatro horas quando Verena entrou, depois de resolver o chamado ao RH. Valentina estava deitada, os olhos semicerrados, meio tonta ainda pelo soro e pelo cansaço acumulado dos últimos dias — ou talvez semanas.
Quando viu a silhueta da deputada se aproximando, ergueu levemente a cabeça, com aquele movimento automático, como quem quer parecer forte, mas não consegue mais sustentar. Verena ficou de pé ao lado da maca, as mãos cruzadas à frente, e forçou um sorriso profissional.
— Já avisei o RH… eles vão chamar alguém da sua família pra vir te buscar.
Valentina mordeu o canto da boca, desviando o olhar, assentindo devagar.
— Tá…
Verena respirou fundo, ajeitando a manga, como quem se protege atrás daquela formalidade que ela mesma construiu tão bem.
— Preciso… resolver umas coisas.
Fez uma pausa. O olhar fugiu para o monitor que apitava com o soro, depois voltou para Valentina — e ficou preso ali, mais tempo do que devia.
— Mas… você vai ficar bem aqui.
A voz dela saiu mais suave do que pretendia, quase como um cuidado que não cabia naquele tom profissional. Valentina franziu um pouco a testa, confusa, sem entender se aquela suavidade era real ou apenas mais uma camada do teatro que ambas pareciam encenar desde o início.
Verena percebeu o olhar da menina e logo tentou se recompor, puxando o ar e ajeitando a roupa de novo, num gesto automático.
— Logo alguém chega pra te levar.
Valentina apertou o lençol com os dedos fracos, sem saber exatamente o que responder.
— Tá… obrigada…
A voz saiu num fio.
Verena virou-se para sair, mas hesitou, como quem queria dizer mais alguma coisa… ou talvez apenas olhar de novo.
E olhou.
Por um segundo longo demais, encarou a menina frágil na maca, a pele pálida, os olhos vermelhos.
— Descansa.
Saiu então, quase atropelando a própria respiração, com o salto ecoando no corredor vazio. Valentina ficou ali, sozinha, olhando pro teto, com o peito apertado e a cabeça rodando — e não era só pela queda de pressão. Fechou os olhos com força, como se quisesse apagar tudo aquilo… mas, claro, não conseguia.
Gabinete — minutos depois
Verena entrou de uma vez, séria, com um olhar duro e expressão cansada. Bateu a porta com mais força do que pretendia. Rafaela estava de pé, inclinada sobre a mesa, organizando papéis e o notebook aberto. Quando viu Verena entrar, ergueu uma sobrancelha com aquele ar debochado que não perdia nem em reunião de crise.
— Até que enfim… achei que tinha encerrado o expediente mais cedo.
Verena soltou um suspiro impaciente, parando do outro lado da mesa, apoiando as duas mãos no tampo.
— O que foi?
Rafa largou os papéis e cruzou os braços, encostando de leve na mesa, com aquele jeito meio despojado, meio desafiador.
— O primeiro repasse foi agendado.
Verena manteve a expressão quase inalterada, só inclinando levemente a cabeça.
— Quando?
— Quarta que vem, fim do expediente. A empresa laranja fez a solicitação, o empenho foi liberado hoje à tarde, já tá no sistema.
Verena soltou um “hm” abafado, desviando o olhar pro notebook.
Rafa arregalou os olhos, escancarando a ironia:
— Nossa… tá bom de entusiasmo, hein?
Verena lançou um olhar cortante, os dedos tamborilando discretamente sobre a madeira.
— Quer que eu bata palma?
Rafa riu de canto, aproximando-se mais:
— Não, imagina… Só achei curioso. Quando alguém dá um passo errado, todo mundo vai pra fogueira, mas quando dá certo… nem um “ok”, nem um emoji de foguinho, nada…
Verena soltou uma risada seca, inclinando o corpo um pouco mais pra frente:
— Agora vou ter que elogiar vocês por estarem fazendo o trabalho que têm que fazer?
Rafa sorriu, mas havia um traço de irritação por trás.
— Não é por mim… É pela sua sanidade mental. Você tá tão no automático que nem percebe quando a coisa anda.
Verena ficou em silêncio, fitando a tela aberta no notebook com os relatórios financeiros.
Rafa então soltou:
— E não me vem com esse papo de “não é nada”, tá? Você tá… travada.
Verena ergueu o olhar devagar, o maxilar marcado de tão contraído.
— Não tô travada.
Rafa abriu os braços, como quem dizia “pelo amor de Deus”.
— Tá. Tá se deixando levar, e você sabe.
Verena soltou um suspiro impaciente, passando a mão no rosto, pressionando a testa.
— Não tem nada a ver com o que você tá pensando.
Rafa inclinou a cabeça, afiada:
— E no que eu tô pensando?
Verena fechou os olhos por dois segundos, depois abriu e disse, seca:
— Só tô… cansada.
Rafa deu uma risadinha irônica, balançando a cabeça, afastando-se e pegando uma caneta que girou entre os dedos:
— Claro… cansada. E eu sou a Monja Coen.
Verena respirou fundo, se afastando da mesa, indo até a estante e se apoiando ali, olhando para um ponto aleatório, como se precisasse daquela distância pra manter a compostura. Rafaela ficou em silêncio por alguns segundos, depois completou, num tom menos ácido, mas ainda firme:
— Só tô dizendo… segura a onda. Tá misturando tudo.
Verena virou um pouco a cabeça, sem olhar de fato:
— Não tô misturando nada.
Rafa se aproximou, parando a poucos passos:
— Tá sim… e se continuar assim, vai acabar… se perdendo.
Silêncio. Verena apertou os olhos, respirou fundo, depois girou, pegou a pasta de couro jogada na poltrona, e andou até a porta. Antes de sair, soltou, com aquela voz fria que usava quando queria matar o assunto:
— Quarta que vem. Repasse. Me atualiza se mudar alguma coisa.
E saiu, fechando a porta sem bater, mas com firmeza. Rafa ficou ali, parada, olhando pra porta fechada, e sussurrou pra si mesma:
— Tá se afundando, Vê…
E jogou a caneta sobre a mesa, soltando um suspiro longo, pesado.
Casa da família Moraes – Quarto de Valentina, por volta das 19h50
O som da televisão ecoava baixo da sala, onde Isadora assistia a um desenho antigo pela terceira vez na semana. No quarto, Valentina estava sentada na beirada da cama, ainda com a calça social escura do estágio, mas agora com uma blusa larga de casa. O rosto pálido, as olheiras profundas, e a respiração curta denunciavam o cansaço acumulado — físico, mental, emocional. O celular apagado na mão, a mente a quilômetros dali.
A porta se abriu devagar. Ana Paula entrou primeiro, com o olhar cauteloso. Carlos veio logo atrás. Aquele silêncio carregado já dizia tudo antes mesmo das palavras.
— Filha… — Ana Paula chamou com delicadeza, como quem pisa em solo instável.
Valentina levantou os olhos devagar. Não sorriu, mas também não pareceu surpresa. Ela sabia que viriam. Ana Paula entrou com cuidado.
— A gente… queria conversar com você — disse, sentando-se aos pés da cama, como quem não queria invadir demais o espaço da filha. Carlos ficou de pé, próximo à porta, hesitante, observando.
Valentina assentiu lentamente, sem dizer nada. Só passou os dedos pelo tecido do cobertor, distraída, como se aquilo a ajudasse a manter o controle.
— Como você tá se sentindo? — Ana Paula perguntou, o olhar cheio de cuidado.
— Melhor… — respondeu baixo, quase num sussurro. — Só um pouco de dor de cabeça ainda.
— Já vai passar tá bom?
Ela assentiu de novo.
Silêncio.
Carlos pigarreou, deu um passo adiante. Parou de novo, cruzando os braços, firme.
— Val… — começou, com a voz mais grave. — Eu e sua mãe… a gente conversou bastante hoje. A gente decidiu que… seria melhor se você encerrasse o estágio. Amanhã eu vou na escola. Vou pedir o encerramento. Acho que… isso tudo tá sendo demais pra você.
Valentina congelou. Os olhos fixos no chão. O silêncio se estendeu por longos segundos antes dela conseguir reagir.
— Eu… — ela começou, a voz falha. — Eu tô aprendendo tanto, pai. É importante pra mim.
— A gente sabe — Ana Paula respondeu de imediato, tocando com leveza o joelho da filha. — E você tem sido incrível. Mas é muita coisa. Você é só uma menina, meu amor.
— Eu não sou só uma menina — ela respondeu, quase sem pensar. Mas sem levantar o tom. Era mais um pedido do que uma defesa.
Ana Paula se moveu pra abraçá-la, mas Valentina recuou um pouco. Estava lutando pra ficar em pé emocionalmente.
— A gente entende que você gosta do que tá fazendo. De verdade — A mãe tentou, mais suave. — Mas hoje foi um susto. E a gente ficou com medo… medo de ter deixado passar alguma coisa.
— Não é nada demais — Valentina interrompeu, baixinho. — Só foi um dia ruim.
Ana Paula respirou fundo.
— Mas tem sido vários dias ruins, não tem?
Valentina mordeu o lábio inferior. Não respondeu. Só abaixou o olhar. Carlos cruzou os braços, firme, se aproximando, mas com cuidado. Sentou-se na cadeira do canto do quarto.
— Olha… eu sei que o dinheiro te ajudava. Eu sei. Mas aqui em casa nunca vai faltar comida, nem nada do que você precisa. E você pode encontrar outra atividade, alguma coisa mais leve. Ou só focar na escola, como devia ser desde o começo.
— Não é só isso — Valentina disse, num fio de voz.
Ana Paula percebeu. Ela percebeu. O modo como a filha segurava as palavras como se fossem demais pra sair. O jeito como os olhos dela começavam a brilhar, mas ela não deixava as lágrimas descerem. Ainda não.
— Filha… — ela disse, quase num sussurro. — O que mais tá acontecendo com você lá?
Valentina balançou a cabeça. Rápido. Como quem quer negar, mas na verdade só quer fugir da resposta.
— Nada. Só… eu não quero sair. Por favor. Eu… eu sei que parece besteira, mas… isso me faz sentir que eu sou boa em alguma coisa. Que eu posso fazer diferença.
Carlos desviou o olhar por um instante. Respirou fundo. Tentou digerir.
— Você é boa. Muito. Isso ninguém tá te tirando. Mas minha preocupação é com a sua saúde, com sua cabeça. Não quero ver você… assim de novo. Distraída, se fechando. Passando mal sempre.
A voz saiu embargada. As lágrimas vieram antes que ela pudesse impedir.
— Por favor, pai… — ela disse baixinho, implorando quase sem voz. — Por favor… não faz isso…
Ela ergueu os olhos, finalmente, encarando Carlos. E ele viu — não birra, não rebeldia. Era desespero. Silencioso. Contido. Doído. Ele hesitou. Respirou fundo. Abriu a boca pra dizer algo, mas travou.
Valentina se virou então pra Ana Paula, como quem busca um último refúgio.
— Mãe…
Só isso. Um chamado. E foi o suficiente pra Ana Paula sentir o coração despencar. O pai continuou, a voz agora mais suave, mas com a mesma convicção:
— Você chegou num ponto em que a gente não pode mais ficar assistindo. E como pai, eu não vou.
Valentina soltou um soluço baixo. Fechou os olhos. Ana Paula então se aproximou, finalmente a puxando num abraço.
— A gente só quer te proteger, filha. Só isso…
Mas Valentina já não conseguia ouvir mais nada. Estava ali, entre os braços da mãe, sentindo o mundo ruir em silêncio. Porque o que ela realmente queria proteger… era o que ela nem conseguia contar.
Gabinete da Deputada Verena Castilho – 10h42
A luz natural entrava pelas persianas parcialmente abertas, refletindo sobre a mesa de madeira escura onde repousavam três pilhas organizadas de documentos. Verena revisava com atenção os relatórios de emendas para o segundo semestre, rabiscando anotações com uma caneta tinteiro. O rosto concentrado, o blazer alinhado — mas os olhos, quando não fixos no papel, pareciam vagar por pensamentos distantes.
O telefone fixo do gabinete tocou, com o bipe interno característico das ligações da Casa. Rafaela, sentada à frente do computador, atendeu antes que o segundo toque soasse.
— Gabinete da deputada Verena Castilho, bom dia.
Ela ouviu por alguns segundos, assentindo levemente, antes de tampar o fone com a mão e se virar discretamente.
— É a Camila, do RH. Pediu pra falar com você. Disse que é sobre a Valentina.
Verena largou a caneta devagar. O nome da menina fez algo dentro dela apertar com força.
— Passa. — respondeu, sem hesitar.
Rafa transferiu. Verena pegou o telefone.
— Camila? Verena falando.
— Oi, deputada. Bom dia. Me desculpe o incômodo, mas estamos com uma atualização aqui relacionada à estagiária Valentina Moraes. Um pedido de desligamento que acabamos de receber por parte da escola.
Silêncio por um segundo. Verena sentiu o corpo gelar.
— Como assim, desligamento? Assim... de um dia pro outro?
— Sim, o protocolo foi formalizado pela coordenação pedagógica da escola e anexado com um ofício assinado. Caso prefira, podemos conversar pessoalmente e te explico melhor os detalhes.
Verena congelou por um instante. Só um. O bastante pra que Rafaela percebesse o leve enrijecer dos ombros.
— Estou indo agora. — respondeu, levantando-se imediatamente.
— Verena… — A amiga tentou intervir, talvez pra lembrar de um compromisso às 11h, ou só pra suavizar aquele furacão em gestação.
Mas era tarde. A porta já tinha batido.
Corredores da Alesp – 10h45
Os saltos da deputada Castilho ecoavam forte pelo piso polido. O blazer impecável não escondia a tensão nos ombros, nem o jeito como ela apertava os próprios dedos enquanto andava. Funcionários abriram espaço. Ela não olhava pra ninguém.
Chegando na porta do RH, Verena a empurrou sem cerimônia.
Departamento de Recursos Humanos da Alesp – 10h47
O barulho ritmado dos teclados foi interrompido quando a porta de vidro se abriu. Verena entrou com a postura impecável de sempre, embora os olhos traíssem uma noite mal dormida.
Camila levantou-se da estação ao vê-la.
— Bom dia, deputada. A senhora poderia me acompanhar, por favor?
Verena assentiu em silêncio.
As duas seguiram para a sala de atendimento interno, separada por divisórias foscas e com uma mesa circular no centro. Ao entrar, Camila já tinha uma pasta nas mãos.
— O motivo do chamado diz respeito à estagiária Valentina Moraes. Como a senhora é supervisora de atividades e responsável legal pelo vínculo, achei prudente informar antes de qualquer trâmite oficial, como conversado em nossa última conversa.
Verena se sentou lentamente, o corpo tenso.
— O que houve?
A mulher abriu a pasta e extraiu um documento impresso.
— Recebemos, esta manhã, um ofício da escola da Valentina. O conteúdo solicita, em nome dos responsáveis legais, o desligamento imediato da aluna do programa de estágio.
Verena franziu o cenho.
— Desligamento imediato? Sem aviso prévio?
— O ofício está assinado pela coordenação pedagógica da unidade e fundamenta a solicitação em "questões familiares e necessidade de readequação escolar". O pai da estudante compareceu pessoalmente à instituição e formalizou o pedido.
A deputada manteve o olhar fixo no papel por alguns segundos, tentando absorver a informação.
— Mas… o contrato não previa ao menos uma notificação com 24 ou 48 horas?
— Prevê, em casos internos. Mas solicitações externas, vindas da instituição de ensino ou dos responsáveis, têm tramitação diferenciada. São considerados prioritários por envolverem menor de idade. — Camila folheou mais uma folha. — O jurídico da Casa já foi acionado para validar o procedimento. Está em análise apenas para formalização. O encerramento em si não depende mais de deferimento do setor.
— Mas... Eu enviei o relatório de atividades — Verena cortou, com o tom mais agudo que gostaria. — Na semana passada. Com as metas do projeto em andamento, conforme solicitado.
— Sim, o relatório foi protocolado. E inclusive ajudaria, caso o desligamento partisse do setor. Mas nesse caso… — hesitou, como se já soubesse que não havia um jeito delicado de responder. — trata-se de uma decisão dos responsáveis legais, baseada em razões extra-administrativas. Ou seja, mesmo com o projeto, a permanência não pode ser mantida sem a anuência da escola e da família.
Verena engoliu seco.
— A estagiária foi ouvida?
— Não há registro de consulta direta. O procedimento foi iniciado exclusivamente via ofício escolar. E como envolve o bem-estar da aluna, a decisão foi acolhida de imediato, como prevê o protocolo do programa.
Verena respirou fundo. Cruzou os braços.
— Ela esteve ontem na enfermaria. Teve um mal-estar.
— Sim, a informação foi registrada no prontuário interno. Mas, até onde sabemos, a saída não tem relação direta com o episódio. Pelo menos, não oficialmente.
Verena abaixou os olhos por um instante. O coração parecia bater em falso. Uma pausa.
— Camila... você tem certeza de que ela está bem? Digo, de saúde? Ela passou mal ontem. E agora, isso. Parece... abrupto demais.
Do outro lado, Camila hesitou antes de responder:
— Eu compreendo sua preocupação. Mas o documento da escola não especifica detalhes clínicos. Só cita "recomendação familiar diante de fragilidade emocional da aluna". E como é um direito da família suspender ou encerrar o estágio a qualquer momento, a Casa não tem margem para interferência.
Aguardou alguns segundos antes de continuar.
— A senhora gostaria de enviar um parecer complementar, para registro? Pode ser uma nota técnica sobre o andamento do projeto ou o impacto institucional da saída. Isso fica no dossiê da aluna.
Verena assentiu lentamente.
— Enviarei até o final do dia.
— Perfeito. Assim que o jurídico retornar com a formalização, eu encaminho uma cópia à senhora.
Verena se levantou. A voz, contida:
— Peço que me mantenham informada de cada etapa do processo. Se possível, antes da assinatura final.
— Com certeza, deputada.
— Obrigada pela transparência.
Camila apenas assentiu.
Verena saiu sem olhar para trás. Mas a imagem do ofício parecia seguir com ela. Como se cada palavra lida ainda ecoasse dentro do peito.
E dessa vez, não era política. Nem burocracia.
Era perda.
Era vazio.
Gabinete da Deputada Verena Castilho – 11h19
A porta se fechou com um clique quase inaudível. Verena caminhou em silêncio até a própria mesa, se “jogando” sobre a cadeira com um movimento automático. O blazer ainda alinhado, os gestos controlados. Mas o olhar...
Rafaela não precisou de dois segundos pra perceber. Abandonou o que estava fazendo e se virou com atenção.
— Aconteceu alguma coisa?
Verena não respondeu de imediato. Retirou os óculos com delicadeza, e os deixou sobre os papéis como quem deposita um peso. O silêncio se alongou. Era denso. Desconfortável.
Rafaela franziu levemente a testa.
— Verena.
A deputada soltou o ar devagar. A voz veio baixa, tensa, controlada demais pra ser real.
— A Valentina foi desligada do estágio.
Rafaela piscou. Por um instante, achou que tinha entendido errado.
— Como assim desligada?
— Os pais pediram à escola. A escola acionou o RH. Tudo protocolado. Tudo “oficialmente justificado”. — a ironia era sutil, mas o veneno estava ali. — Eu fui comunicada. Só isso.
Rafaela se recostou na mesa, os olhos atentos ao rosto da amiga. Um traço tênue de água se formava no canto do olho esquerdo de Verena. Ela piscava rápido, mas não adiantava.
— Merda…
Verena riu. Um som seco, amargo.
Rafaela hesitou. Sabia que qualquer palavra poderia ser gasolina. Mas ainda assim, falou.
— Talvez... — escolheu com cuidado — talvez seja melhor assim. Você sabe o quanto essa história estava...
— Cuidado com as palavras, Rafaela.
Verena levantou o olhar devagar. Era um aviso. Um último fio de contenção.
Mas Rafaela não se intimidou.
— Tá, então vamos parar de fingir. Eu não vou bancar a assessora muda enquanto você desmorona por dentro e finge que é só pelo “relatório do estágio”. — ela deu um passo adiante, a voz firme. — Eu sei que você sabe que no fundo, isso vai te ajudar. E vai ajudar a garota também.
Verena se levantou. O estopim.
— Chega.
— Por quê? Porque eu disse o que ninguém teve coragem de dizer?
— Porque eu tô cansada! — a voz subiu. Pela primeira vez em muito tempo. — Cansada de todo mundo achar que tem direito a opinião sobre a minha vida! Sobre o que eu devo sentir, fazer, decidir... Cansada de você, inclusive, achar que entende tudo.
Rafaela cruzou os braços, mas a postura era quase serena.
— E você acha que não tô cansada também? De ver você se arrastando todos os dias, fingindo que ainda sabe quem é? Se agarrando na primeira fagulha de vida que apareceu — que por acaso, é uma menina de dezesseis anos — e achando que isso vai te salvar? Não é sobre sua vida pessoal Verena, é sobre todo mundo que tá no barco que você comanda.
Verena respirava rápido. Estava no limite. Mas não conseguia rebater. Porque doía. Porque, de algum modo, era verdade. Rafaela se aproximou mais um passo.
— Você não é uma vilã de novela, Verena. Mas também não é vítima de um grande complô. Você é uma mulher em colapso. E tá tentando dar nome bonito pra isso.
A deputada baixou os olhos, os punhos cerrados. Não havia mais força pra sustentar o orgulho.
— Eu só... preciso de um tempo. Pra... organizar os protocolos.
— Ok. — a voz da Rafaela amaciou. Um pouco só. —Vê, você precisa entender que isso tudo tem consequências. Que você não é só a mulher que sente. É a mulher que representa. E às vezes, isso pesa mais do que devia.
Verena ficou em silêncio. Por dentro, tudo doía. A raiva, a impotência, a culpa.
Rafaela se afastou devagar.
— Eu tô aqui, tá? Mesmo quando você me odeia. Mesmo quando você quer me matar. Eu tô aqui.
Ela não esperou resposta. Saiu da sala com sobriedade, mas o coração apertado. Verena, sozinha de novo, encarou a própria imagem refletida no vidro da janela. A capital pulsava lá fora, indiferente ao abismo que se abria dentro dela.
Quarto de Valentina Moraes – 14h03
A luz do dia mal entrava pela fresta da cortina. O quarto estava frio, apesar sol que brilhava no céu naquela tarde. Valentina estava deitada de lado, encolhida sob a coberta. Não era exatamente sono — era mais um torpor. Aquele tipo de cansaço que não começa no corpo, mas na alma.
O uniforme da escola, ainda dobrado sobre a cadeira, denunciava que ela nem tentou sair de casa naquela manhã. Ana Paula não insistiu. Só olhou a filha com um cuidado silencioso, preparou um chá e deixou do lado da cama antes de ir trabalhar. Isadora estava na escola. E Carlos... Carlos tinha saído cedo para o trabalho, dizendo que passaria na escola. Ela sabia o motivo.
Desde então, o dia parecia se arrastar dentro dela.
Valentina virou-se de barriga pra cima, os olhos fixos no teto. A respiração curta. O peito... o peito queimava. Um calor estranho, que começava atrás das costelas e subia feito nó na garganta. Era angústia. Era tristeza. Era a dor de uma ausência anunciada.
Ela já sabia. Já sentia.
Não ia vê-la mais.
Nem hoje, nem amanhã, nem... Ela fechou os olhos com força, como se isso pudesse impedir o pensamento de se completar. Mas não podia. Com os dedos trêmulos, puxou o celular do travesseiro. Desbloqueou a tela. Por um segundo hesitou — como quem vai tocar numa ferida aberta. Mas foi.
Abriu o navegador e digitou:
"Verena Castilho deputada estadual"
As sugestões apareceram logo:
“Verena Castilho Alesp”
“Verena Castilho biografia”
“Verena Castilho fotos”
Ela clicou em “imagens”.
O carregamento foi rápido. E ali estavam.
Fotos da deputada discursando no plenário, recebendo homenagens, participando de audiências públicas. Roupas formais, ternos escuros, expressão firme. Às vezes sorrindo para a imprensa. Às vezes com os olhos duros de quem luta por algo.
Fechou o navegador. Abriu a galeria. Foi numa foto específica que Valentina parou.
A palestra na Alesp. Aquele sorriso, aquele toque tão firme. Estava ali, ao lado dela, respirando o mesmo ar, sendo tocada por aquelas mãos, sentindo o perfume intenso, o calor da mulher que roubava até mesmo seus sonhos. Valentina passou o dedo pela tela devagar, como se pudesse tocar. Como se aquele gesto pudesse segurar alguma coisa.
Mas não podia.
A imagem ficou turva pelas lágrimas. Silenciosas. Molhando o travesseiro, o queixo, o pescoço. O choro não veio com soluços. Veio quieto. Desesperado na sua mudez. Mas o que podia dizer? O que podia fazer? Era só uma estagiária. Era só uma menina.
Só?
Valentina cobriu o rosto com o cobertor. O celular ainda nas mãos.
E ali, escondida do mundo, sentiu o vazio engolir tudo. Porque doía mais do que deveria.
Porque estava doendo demais pra ser só o fim de um estágio. E porque, no fundo, ela sabia: Essa dor tinha nome. E sobrenome.
Casa da família Moraes – 14h37
O portão se abriu devagar, com o rangido de quem já não era lubrificado há tempos. Carol empurrou com cuidado, sentindo o coração bater mais rápido a cada passo. Tinha mandado mensagem, tinha ligado, mas Valentina não respondeu nenhuma. Nem um emoji, nem um “já te chamo”. E isso… isso não era normal.
Ana Paula foi quem atendeu. A expressão cansada no rosto gentil não escondia a preocupação.
— Ela tá no quarto… Nem saiu da cama.
Carol assentiu devagar, os olhos buscando alguma explicação, mas Ana Paula só suspirou.
— Eu… vou deixar vocês sozinhas. Talvez com você ela converse. — disse com um tom afetuoso, tentando sorrir.
Subiu os poucos degraus do corredor interno e, antes de bater à porta, chamou baixinho:
— Valen… tem visita. A Carol veio te ver, filha.
Dentro do quarto, Valentina se sobressaltou. O coração acelerou como se fosse fugir pela boca. Com um gesto rápido e tremido, bloqueou o celular e o jogou de lado no colchão. Esfregou o rosto com força, na tentativa inútil de apagar as marcas das lágrimas. Os olhos ainda ardiam.
Se sentou, ajeitando os cabelos, respirando fundo. Mas não adiantava. O rosto estava inchado, os lábios trêmulos. E os olhos… ah, os olhos sempre entregavam.
Carol entrou com passos lentos. Parou perto da porta, como se pedisse permissão com o próprio olhar. Ana Paula deu um último olhar preocupado às duas e saiu, fechando a porta com delicadeza.
Silêncio.
— Oi Valen. Posso entrar? — Carol perguntou, com a voz baixa, mas firme.
Valentina olhou pra ela, mas não respondeu. Tentou engolir em seco, mas o ar parecia não colaborar. Então, desviou o olhar. Não conseguia fingir, não com Carol. Carol se aproximou, mesmo sem resposta, sentando-se devagar na beirada da cama. Os olhos buscavam os da amiga, mas encontraram apenas o vazio à frente.
— Valen, fala comigo. O que aconteceu?
E aí não deu mais.
Valentina virou o rosto, o corpo encolhido. E chorou. Mas não foi um choro contido — foi um soluço profundo, daqueles que saem com o peso do mundo. O rosto apertado contra o travesseiro abafava o som, mas Carol sentia. Sentia no ar, no ambiente, na alma.
Viu a amiga ali, tão pequena, tão quebrada, tão diferente da menina que vivia sorrindo, que ficava vermelha com suas piadas bobas. E aquilo doeu mais do que qualquer resposta. Carol sentiu os próprios olhos encherem. Engoliu o choro, mas só por um instante. Em silêncio, se inclinou e envolveu a amiga num abraço apertado, o mais forte que conseguiu.
Valentina não tentou resistir. Se afundou naquele abraço como quem encontra ar depois de muito tempo submersa. Os soluços se intensificaram, e a amiga a segurou ainda mais forte.
— Tô aqui… tô aqui com você, tá? — disse, baixinho, sem saber direito o que dizer.
Porque às vezes não precisa dizer.
Só estar. E ali, naquele quarto abafado, duas adolescentes dividiam um silêncio cheio de dor, de cuidado e de tudo aquilo que não cabe em palavras.
Quarto de Valentina – 15h39
O quarto estava abafado, com as cortinas meio fechadas e o ventilador girando no canto. Carol sentou na beirada da cama sem saber direito o que fazer. Ainda estava digerindo a cena anterior: a amiga em prantos, o rosto afundado no travesseiro, o choro sufocado. Nunca tinha visto Valentina daquele jeito.
Agora, mais calma, Valentina ainda estava deitada de lado, os olhos inchados, o rosto marcado.
Carol, cautelosa, resolveu começar:
— Tá... quer me contar o que aconteceu?
Valentina hesitou. Os dedos brincavam com a costura do lençol, nervosos. Ela mordeu o lábio antes de falar, quase sem voz:
— Meu pai foi na escola hoje cedo. Pediu pra me tirar do estágio.
A revelação caiu pesada no ar. Carol franziu a testa.
— Como assim? Do nada?
Valentina assentiu.
— Ele... disse que não acha adequado. Que eu tô ficando “envolvida demais”, essas coisas. — O tom foi ficando mais amargo. — Disse que é um ambiente político, adulto demais, cheio de influência... que não era lugar pra mim. Ontem. Ele foi conversar com a escola, disseram que estavam preocupados. Que eu andava estranha, quieta demais, meio... desligada.
Carol assentiu lentamente, conectando os fios. O comportamento distante das últimas semanas, as mensagens não respondidas, o olhar vazio nos intervalos.
— E você… queria sair?
— Claro que não. — A resposta veio rápida, engasgada. — Lá era o único lugar onde eu sentia que... eu tava tentando ser alguém.
Carol franziu a testa, o tom mais suave.
— E eles acham que era o estágio que tava te fazendo mal.
Valentina assentiu, sem encarar a amiga.
— Disseram que era estresse, que eu tava muito nova pra ficar nesse ambiente cheio de pressão, política, adulto demais… — A voz dela ia falhando aos poucos. — Mas não é isso. Eles não fazem ideia do que tá doendo.
Carol encostou uma das mãos nas costas da amiga, num carinho silencioso.
— E o que tá doendo, então? — perguntou, mesmo que soubesse no fundo, mas precisava ter certeza, antes de continuar a conversa.
Valentina fechou os olhos com força. Não respondeu. O silêncio ficou ali, entre elas, tenso, cheio de coisas que não se dizem fácil. Foi quando se mexeu na cama, tentando mudar de posição, e sem querer o quadril pressionou o botão lateral do celular. A tela acendeu. E Carol viu.
Uma foto da deputada Verena Castilho apareceu por um segundo. A mesma foto que a amiga já havia mostrado. No dia em que também a viu chorar, confusa sobre o que sentia. Sobre o abraço que, pela foto, parecia normal a qualquer um, mas que para Valentina, era quase como uma autoconfirmação de que também era vista de outra forma pela deputada. Como quem guarda algo precioso. Um retrato de admiração. De afeto. De amor.
Carol não disse nada. Fingiu que não viu. Mas seu coração apertou.
— Valen... — sussurrou. — Você tá assim... por causa dela, né?
Valentina não respondeu. As lágrimas começaram a escorrer de novo, discretas. Ela virou o rosto pro travesseiro, tentando esconder, mas era tarde demais.
Carol insistiu, com delicadeza:
— Você... se apegou muito?
Valentina assentiu com um movimento mínimo.
— Eu não sei explicar. Só sei que... eu não quero sair de perto dela.
A amiga respirou fundo. Agora entendia. A angústia, a apatia, o silêncio. Suspirou pausadamente, tentando absorver tudo.
— E você tentou explicar? Falar com eles?
Valentina soltou um riso seco e triste ao mesmo tempo.
— E falar o quê? Que eu fico com o peito explodindo cada vez que ela passa por mim? Que só de ouvir o salto dela no corredor, meu coração acelera? — a voz falhou. — Que a única coisa que me fazia levantar da cama era a chance de vê-la, nem que fosse de longe?
Carol baixou os olhos, sentindo o impacto daquelas palavras.
— Ai amiga... Eu sabia que você tava apaixonada. Mas não que… era desse jeito.
Valentina tentava enxugar as lágrimas que escorriam sem parar.
— Eu também não sabia que podia ser assim.
Carol olhou por um segundo. Não disse nada logo de cara. Só suspirou.
— Valen… — a voz era um pouco mais suave agora. — Isso tá maior do que você consegue carregar sozinha.
Valentina virou o rosto, como se estivesse envergonhada.
— Eu não escolhi isso, Carol.
— Eu sei. Ninguém escolhe.
— Mas eu não posso sentir isso. — os olhos dela se encheram de novo. — Não posso. Você sabe o que a Bíblia diz. Você sabe o que meu pai pensa. Você sabe Carol.
A amiga assentiu devagar, segurando a emoção.
— Sei. Sei de tudo isso. Mas também sei o que é ver você sumindo aos pouquinhos, como se estivesse apagando por dentro. Isso... isso não é certo, Val. Isso não pode ser amor errado. Amar não é errado.
Valentina desviou o olhar, apertando os dedos no tecido do cobertor.
Carol engoliu seco. O coração apertado.
— Valen... eu tô aqui, tá? Tô contigo nisso. Mesmo que eu não saiba o que dizer… eu tô.
A mão dela segurou a de Valentina com força, os olhos marejando. Na tela do celular, já apagada de novo, o reflexo tênue da imagem da deputada ainda brilhava na memória de Valentina, uma imagem que era quase sagrada. Como um lugar onde ela já não podia mais voltar.
Gabinete da Deputada Verena Castilho – 9h11 da manhã
A luz natural entrava filtrada pela persiana da janela. Na mesa de madeira escura, alguns processos abertos, mas intocados, um calhamaço de páginas revisadas com anotações em vermelho, um tablet com o parecer técnico da assessoria jurídica, e mais adiante, um envelope timbrado com o carimbo da Diretoria de Orçamento. Verena encarava um ponto fixo, as mãos cruzadas sobre a boca, como se calar fosse a única forma de se manter de pé.
Na tela do computador, o cursor piscava no mesmo lugar havia minutos.
Ela ainda tentava se convencer de que aquilo era só mais um dia.
O clique da maçaneta não a surpreendeu.
— Trouxe o protocolo do ofício da Comissão. — Rafaela entrou com passos leves, mas firmes. — E os pareceres do jurídico sobre o fundo de mobilidade urbana.
Verena não respondeu. Apenas assentiu com a cabeça, sem desviar os olhos da tela.
Rafa colocou os papéis sobre a mesa. Observou o semblante da amiga com atenção. Não precisava perguntar — a dor estava toda ali, disfarçada sob a maquiagem e os óculos.
— Não dormiu de novo, né?
Verena apenas balançou a cabeça.
— Vê... — Rafa falou com cautela, sentando-se na poltrona à frente. — Desde ontem você não conseguiu voltar ao normal. Sei que tenta disfarçar, mas… você tá um caco.
A deputada respirou fundo, desviando o olhar.
— Aprecio a sinceridade. — rebateu, ainda sem erguer o olhar.
— Sinceridade que você mesma me ensinou a não evitar.
Verena fechou a pasta à sua frente com um estalo seco. Depois tirou os óculos e os apoiou com cuidado sobre a mesa.
— É sempre reconfortante quando os próprios ensinamentos voltam pra nos morder, não é?
Rafa cruzou os braços.
— Você não vai me provocar com cinismo. Eu te conheço melhor que isso. Aliás, é justamente por te conhecer que tô preocupada.
Verena arqueou uma sobrancelha. Mas o tom dela permaneceu neutro. Respirou fundo. Voltando a se concentrar na pasta.
— Estou apenas sobrecarregada. É normal. — disse, pausadamente. — O caso da estagiária não tem absolutamente nada a ver com o meu estado.
Rafa sorriu de canto.
— Tá vendo, você mesmo se entrega Verena. — ela se aproximou com calma. — Você, que já enfrentou duas CPIs, greve de servidor e sabotagem interna no partido... de repente, tá fora do eixo por um protocolo simples de saída de uma estagiária.
Verena ergueu o olhar devagar. Havia algo duro ali — orgulho ferido, talvez, ou apenas cansaço. Arqueou uma sobrancelha. Mas o tom dela permaneceu neutro.
— Você tá sugerindo o quê?
— Nada. — Rafa deu de ombros, mas os olhos diziam o contrário. — Só estou dizendo que essa sua tentativa de fingir normalidade é, no mínimo, medíocre.
Rafa puxou a cadeira à frente e sentou-se sem pedir permissão. Cruzou as pernas, como quem se acomoda para algo que já sabe que vai demorar.
— A menina foi desligada ontem. Do nada. Você saiu do RH como se tivesse levado um tiro. E hoje não consegue nem revisar um parecer. Mas claro, não tem nada a ver. Verena voltou a encostar-se na cadeira, os olhos fixos em algum ponto indefinido da parede. A mandíbula tensa.
— Não é sobre ela. — disse, mais para si do que para a outra.
— Não é sobre ela. — Rafa repetiu, com ironia leve. — É sobre o clima seco, talvez. Ou a falta de café.
— Você está me irritando.
Um silêncio firme se instalou.
Rafa, então, suavizou o tom:
— Eu não tô aqui pra jogar pedra. Só acho... que você precisa parar de fingir que é impermeável. Até aço oxida, Verena. E por isso vou repetir: o afastamento dela foi o melhor que podia acontecer.
A deputada olhou para a amiga, séria.
— Melhor pra quem, exatamente?
— Pra todos. Inclusive pra ela.
— Interessante. — Verena se inclinou ligeiramente. — Porque do lado de cá da decisão, tudo parece ruir. Mas talvez eu esteja com um senso equivocado de “melhor”.
— Você está com um senso equivocado de muita coisa. — rebateu Rafa, com firmeza. — Você acha que tem controle. Mas se tivesse, não estaria desse jeito.
Verena se encostou na cadeira, cruzando os braços.
— Você fala como se eu tivesse cometido um crime.
— Não. — Rafa se aproximou, agora com voz mais baixa. — Mas você sente como se tivesse cometido. E isso diz muito.
Silêncio.
— Eu não passei dos limites. — disse Verena, quase em desafio.
— Não. — Rafaela confirmou. — E espero que continue assim.
A resposta veio gelada. Verena estreitou os olhos.
— Isso foi uma insinuação?
— Foi uma constatação. — disse Rafaela, firme. — Você sabe o quanto isso tudo é delicado. Uma adolescente, Vê. Com um universo emocional em ebulição. E você... você é a projeção de tudo o que ela admira e deseja. É poder, é segurança, é afeto. Como ela não se perderia nisso? Isso pode causar um problema grande pra ela também, será que não percebe isso? Acha que eu não vejo você brincando com essa menina como se fosse um predador cercando o alvo?
Verena se levantou da cadeira devagar. O semblante estava calmo. Calmo demais.
— Você me vê como uma ameaça?
Rafa respirou fundo.
— Eu te vejo como alguém prestes a cruzar linhas que não deveriam sequer ser imaginadas. E te conheço o bastante pra saber que, se isso acontecer, você não vai sobreviver emocionalmente.
— Eu não sou uma mulher fraca.
— Não. Mas é humana. E apaixonada. E essa combinação, no seu caso, é nitroglicerina.
Verena apoiou as mãos na beira da mesa. O olhar, ainda contido, brilhava em ameaça.
— Eu não preciso da sua proteção. Nem do seu juízo moral.
— Não é juízo moral, Verena. É lucidez. — Rafa deu um passo à frente. — E você perdeu um pouco dela. Tá aí, fingindo trabalhar, fingindo que está no controle… quando na verdade tá soterrada por um sentimento que não cabe.
— Você não sabe do que tá falando Rafaela. Você quer o quê, que eu solte fogos por ela ter saído? Ela era uma boa estagiária. — a voz saiu num rompante. — Isso, pelo menos, eu não vou negar.
Rafaela suavizou o tom. Seu olhar, agora, era de compreensão — mas também de limite.
— Então me diz, me fala. Aqui. Agora. Que se fosse qualquer outro estagiário saindo desse gabinete, que você também estaria assim.
Verena se virou de costas, sem suportar o peso daquele diálogo nos olhos da amiga.
— Você pode sair, por favor?
Rafa hesitou. Mas respeitou o pedido. Sabia que tinha ganhado aquela discussão, mesmo que preferisse ter perdido.
— Tô na sala ao lado, se quiser deixar de fugir.
A porta se fechou com leveza. E Verena permaneceu ali, estática, encarando o reflexo difuso na janela. Pela primeira vez, deixou que as lágrimas descessem sem pressa. O silêncio no gabinete pesava. E tudo dentro dela... pesava mais ainda.
Gabinete 312 – Alesp | 10h12 – Dia seguinte
A manhã seguia arrastada no gabinete da deputada Verena Castilho. Os barulhos do centro de São Paulo atravessavam as vidraças fechadas com certa insistência. As persianas meio cerradas deixavam a sala em meia-luz, filtrando o brilho do sol da manhã mas ali dentro reinava uma calma ensaiada, quase fria.
Verena estava sentada à cabeceira da mesa de reuniões, corpo inclinado sobre os documentos, como quem tentava se esconder sob uma pilha de papel timbrado. Os olhos por trás das lentes de grau corriam pelas linhas com pressa, mas pouca atenção. De tempos em tempos, ela parava, apertava a ponte dos óculos e soltava um suspiro contido.
Folheava com precisão técnica uma sequência de pareceres jurídicos, ofícios de comissão e notas fiscais de eventos. Documentos ordinários — nada que exigisse dela tanto esforço mental. E ainda assim, sua leitura era vagarosa, irregular. O olhar parecia atravessar o papel sem absorver o conteúdo.
A porta se abriu com um leve estalo.
— Bati, mas você nem respondeu — disse Rafaela, já entrando com a pasta do dia. — A Cláudia já organizou a agenda com os prefeitos. E o assessor do relator mandou confirmar presença pra terça.
Verena assentiu com a cabeça, sem desviar o olhar dos papéis.
— Deixa a pauta impressa. Eu leio antes de descer pro plenário. Quero revisar antes de ir pra reunião com o relator.
Rafaela pousou a pasta sobre a mesa com leveza e se sentou diante da amiga, observando por alguns segundos aquele comportamento contido demais pra ser natural.
— Conseguiu descansar? — murmurou, num tom leve.
— Dormiu alguma coisa?
— O suficiente. — Verena respondeu automaticamente, olhos fixos na folha.
— Precisa de ajuda com alguma coisa? Tô te achando um pouco, metódica demais.
Verena apenas ergueu os olhos por cima dos óculos, franzindo o cenho.
— Que tipo de insinuação é essa?
— Nenhuma. — respondeu, leve. — Só tô dizendo que, de repente, você ficou muito meticulosa. Muito comprometida com prazos e protocolos. Impressionante.
— Precisa de alguém metódico nessa casa. A maioria tá preocupada demais em aparecer no Instagram.
— Não foi uma crítica, Vê. — Rafa sorriu de canto. — Só uma constatação. Até sua caneta tá alinhada com o rodapé da folha. Isso é novo.
Verena baixou o olhar lentamente para o papel. Uma pausa se instaurou.
— Foco. Só isso.
— Foco é bom. Quando não vira fuga. — Rafaela falou como quem lança uma pedra no lago só pra ver as ondas.
A deputada pousou os papéis sobre a mesa com calma exagerada, ajeitando a pilha como quem precisa manter algo — qualquer coisa — sob controle.
— Não tô fugindo de nada. Só quero... manter a produtividade.
— Tá certo. — Rafaela se levantou, puxando a pasta de volta pra si. — Só fica esperta com o excesso de zelo. Às vezes, ele denuncia mais do que esconde.
Antes de sair, virou-se com naturalidade:
— Ah, e o Eduardo comentou que a chefia de gabinete do Centro Paula Souza ligou perguntando sobre um relatório de atividades. Parece que foi entregue ontem à noite. De última hora, né?
Verena sequer reagiu de imediato. Apenas assentiu, seca:
— Foram só ajustes de protocolo.
— Claro. — Rafa sorriu, discreta. — Só achei curioso você mesma ter assinado. Coisa rara.
E com isso, deixou a sala — sem portas batidas, sem confrontos diretos. Mas com o silêncio cheio de significado.
Verena suspirou fundo. E, por um instante, não olhou mais os documentos. Apenas deixou o olhar vagar pela superfície da mesa — onde, no canto direito, estava repousado o carimbo oficial do gabinete.
Gabinete 312 – Alesp | 11h48
A sala estava em silêncio absoluto, exceto pelo som ritmado das teclas sob os dedos da deputada. Verena digitava com a precisão de quem tenta deixar o pensamento correr na frente das emoções.
Na tela do notebook institucional, ela montava um esboço de documento. O cabeçalho padrão da Assembleia Legislativa já preenchido, brasão incluso, e a fonte Times New Roman obedecendo cada critério do manual de redação oficial.
No campo de assunto, ela digitou:
“Solicitação de acompanhamento institucional – Programa de Acompanhamento de Egressos do Núcleo de Formação Parlamentar Juvenil”
Abaixo, iniciou a justificativa:
“Considerando a necessidade de acompanhamento pedagógico e institucional dos alunos vinculados aos programas de formação cidadã promovidos por esta Casa Legislativa, em parceria com a rede estadual de ensino, venho, por meio deste, solicitar autorização para coletar dados qualitativos sobre os impactos do programa de estágio na formação cidadã e acadêmica dos estudantes participantes vinculados à E.E. Professor Luiz Roberto Pinheiro...”
Ela respirou fundo ao digitar o nome da escola. O cursor piscando parecia zombar da hesitação que ela lutava pra controlar.
“...com o intuito de coletar dados qualitativos sobre os impactos do programa de estágio na formação cidadã e acadêmica dos estudantes participantes.”
Pura burocracia. Racional, justificado, legal.
Mas por trás da frieza do texto, havia uma intenção silenciosa: saber sobre Valentina. Nem que fosse de longe. Nem que fosse só pra ter certeza de que ela estava bem.
Verena ajustou o corpo na cadeira, leu e releu o texto mais três vezes. Corrigiu um “os” que deveria ser “às”. Inseriu o código do programa de estágio: PLFJ-2025/ALSP. Digitou o número da portaria de parceria com a Secretaria da Educação. Tudo perfeitamente embasado.
Depois anexou um quadro-resumo com as datas dos últimos anos do programa, e incluiu o nome de três escolas públicas já visitadas — uma forma de mostrar que não se tratava de um caso isolado.
Só então assinou digitalmente:
Deputada Estadual Verena Castilho
Presidente da Comissão de Educação e Formação Cidadã
Ela salvou o documento em PDF e o anexou a um e-mail endereçado ao gabinete da Diretoria de Ensino Centro-Sul, com cópia institucional para a Secretaria da Educação.
Antes de clicar em “enviar”, hesitou. Seus dedos pairaram sobre o teclado, os olhos fixos na tela. Mas enviou. Sem consulta prévia à equipe, sem comentários à Rafaela. Um movimento solitário. Frio por fora. Latejante por dentro.
Escola Estadual Professor Luiz Roberto Pinheiro | Sala da Coordenação | 14h22
O ar-condicionado fazia um barulho incômodo, mas ninguém ali parecia se importar. A coordenadora pedagógica, Regina, passava os olhos pela lista de frequência do 2º ano C. Ela franziu o cenho ao ver a sequência de faltas de Valentina Moraes.
— Já são sete faltas em 20 dias. — comentou, batendo com a ponta do dedo no papel. — E três delas justificadas como “problema de saúde”, mas sem atestado.
Do outro lado da mesa, a orientadora educacional, Luciana, balançou a cabeça devagar.
— E o que me preocupa mais, nem são as faltas. É o olhar dela. A menina de uns dias pra cá ficou completamente diferente. Não fala com quase ninguém, vive com o moletom fechado até o pescoço. Não interage nas aulas, não entrega trabalho. E você sabe... ela sempre foi participativa.
Regina suspirou, se inclinando pra frente.
— O pai veio aqui formalizar o pedido de cancelamento do estágio, lembra? Disse que Valentina andava triste, mais fechada em casa... mas nada grave. Agora tô começando a achar que tem coisa ali que nem a família tá conseguindo ver.
Luciana assentiu, puxando da gaveta uma pasta azul com anotações da equipe pedagógica.
— Eu fiz um registro. A professora de Literatura anotou que Valentina chorou discretamente na aula semana passada. E a de Biologia pediu pra que a menina fosse chamada na orientação porque não respondeu nada na avaliação.
— A gente precisa chamar os pais de novo. Mas com cuidado, sem parecer acusação. Talvez marcar uma conversa mais sensível, oferecer apoio... — Regina concluiu, já pegando o telefone da secretaria para fazer o agendamento.
Casa dos Moraes | Quarto de Valentina | 16h07
O quarto estava escuro, as janelas fechadas, só uma fresta da cortina deixava entrar o sol já tímido da tarde. Valentina estava encolhida na cama, o celular ao lado, a tela preta. Ela já não olhava tanto pra ele como antes.
Seu corpo doía. Não por doença, mas por peso. Um peso que não dava pra mostrar no termômetro ou justificar com febre. Carol havia tentado várias vezes ligar. Algumas mensagens no WhatsApp piscavam na notificação. Até mesmo Léo, que seguia inconformado com a saída repentina da colega. Mas ela não respondia. Não porque quisesse magoa-los. É que tudo... doía demais.
O rosto de Verena vinha em lampejos. A sala do gabinete, o sorriso raro, o quase beijo. A voz firme que ela ouvia do corredor. E depois o nada. O silêncio. O fim. O choro não vinha mais em soluços. Agora era um vazio silencioso. Como se o peito estivesse amortecido. Como se o tempo andasse devagar.
Ela se levantou só pra ir ao banheiro. No espelho, mal se reconheceu. A olheira marcada, a expressão apagada. E se sentiu ridícula por isso. “Drama”, diriam. “É só uma fase.” Mas dentro dela não era fase. Era queda livre.
Escola | Dia seguinte | Sala de Aula – 2º ano C | 09h42
Valentina estava lá. Mas não estava. O corpo na cadeira, o olhar vago. Os colegas falavam sobre uma apresentação de artes, uma excursão próxima, o Enem... Mas ela só via os lábios se mexendo. O mundo parecia em outra frequência.
A professora de História passou perto, parou por um segundo.
— Valentina, tudo bem? — perguntou com voz suave.
A menina só assentiu com a cabeça, sem olhar nos olhos. A professora anotou discretamente algo no caderno de chamada. Mais um registro.
Escola Estadual Professor Luiz Roberto Pinheiro – Sala da Orientação Educacional
Quinta-feira, 10h34
A mesa era pequena, mas organizada. Uma garrafa térmica com café morno repousava ao lado de uma caixinha de chá de camomila e dois copos plásticos descartáveis. A orientadora Luciana ajeitava seus papéis, enquanto a coordenadora pedagógica Regina conferia o nome da responsável na ficha.
— Ana Paula Moraes... — murmurou Luciana, com o dedo marcando a página. — É a mãe mesmo. Já esteve aqui quando formalizaram o cancelamento do estágio.
Luciana assentiu.
— Ela chegou na recepção. Já pedi pra subirem com ela.
Um leve toque na porta. Um funcionário da secretaria abriu e, atrás dele, surgiu Ana Paula — blusa de tricô bege, calça jeans escura, cabelos presos num coque simples. Tinha os olhos ligeiramente inchados, como quem já sentia que aquela não era só mais uma reunião comum.
— Bom dia, dona Ana Paula. Obrigada por ter vindo. — Regina se levantou para cumprimentá-la, gesto repetido por Luciana.
Ana Paula sorriu de forma educada e sentou-se.
— Imagine... sempre que precisarem, tô à disposição. É sobre a Valentina, né?
Regina se inclinou devagar, com o tom gentil e cauteloso.
— É sim. Nós temos observado algumas coisas que... nos preocupam. E queríamos conversar com você com bastante cuidado, sem julgamentos, mas com muita seriedade.
Ana Paula franziu levemente a testa, o corpo se enrijecendo na cadeira. Luciana pegou um formulário de acompanhamento e passou a mão por ele como se fosse um mapa.
— A Valentina sempre foi muito participativa. Estava se destacando, engajada, ótima aluna. Mas de algumas semanas pra cá, principalmente depois que ela deixou o estágio, o comportamento dela mudou drasticamente.
— Ela tem faltado bastante. — completou Luciana. — Sete faltas em menos de um mês. Algumas justificadas como indisposição, mas sem atestado médico.
Ana Paula mordeu o lábio inferior. Evitou encarar as duas diretamente.
— Ela disse que tava com dor de cabeça, enjoo... uma dessas vezes foi até dor de estômago. Mas depois ela voltou a ir.
Luciana cruzou as mãos sobre a mesa, paciente.
— A gente não tá aqui pra duvidar dela, nem de você. Mas o que preocupa... é o conjunto. Mesmo quando vem, ela não participa. Os professores relatam que ela fica com o olhar perdido, que não interage, que não entrega atividades. E teve uma situação, na aula de Literatura, em que ela chorou discretamente. A professora percebeu e anotou.
Ana Paula fechou os olhos por um segundo. Um silêncio incômodo se instalou. Então ela inspirou fundo.
— Eu... eu percebi que ela tava mais quieta, sim. Mas achei que era só uma fase, sabe? Adolescente... essas coisas. Depois que saiu do estágio, ficou mais dentro do quarto, sim, mas... não imaginei que fosse nada tão sério.
Regina falou com o mesmo tom calmo, mas firme:
— Justamente por isso a gente quis conversar com você. Pra pensar em como a escola pode ajudar, e como vocês, em casa, podem começar a olhar pra isso com mais atenção.
Luciana completou:
— Ana Paula, só reforçando que não estamos dizendo que a sua filha tá com depressão, porque esse tipo de diagnóstico é feito por um profissional de saúde mental. Mas os sinais de alerta estão aí. E precisam ser levados a sério.
Ana Paula piscou várias vezes, como quem tentava segurar a emoção.
— Vocês acham que... que eu devo levar ela num psicólogo?
— Seria o ideal. — disse Regina. — A gente pode, inclusive, fornecer uma carta de encaminhamento, caso vocês queiram atendimento pela rede pública. E se tiverem plano de saúde, talvez seja mais rápido por fora. O importante é que ela tenha com quem conversar.
Luciana abriu uma pasta com o protocolo escolar.
— Aqui tá o registro das observações dos professores, o resumo da nossa conversa e a sugestão de acompanhamento psicológico. Nenhuma dessas informações vai no histórico dela. É tudo confidencial, pedagógico.
Ana Paula pegou os papéis com cuidado. Os olhos agora já estavam marejados.
— Eu... eu vou dar um jeito. Juro que vou.
Regina esticou a mão por cima da mesa, tocando levemente a dela.
— A gente sabe que você se importa. Você e seu esposo sempre foram pais presentes. E é por isso que estamos aqui. Qualquer coisa, qualquer sinal... liga pra gente. A gente quer ajudar. Ela é uma menina brilhante.
Ana Paula assentiu. Mas a angústia no peito dela pesava como um mundo. E, no fundo, sabia que a filha vinha sofrendo por algo que ela ainda não conseguia alcançar.
Escola Estadual — Secretaria
Sexta-feira, 8h52
A impressora laser chiava num ritmo constante, cuspindo os últimos boletins parciais dos alunos do primeiro ano. O ar condicionado soprava um vento gelado que fazia a recepcionista Dona Dalva, de sessenta e poucos anos e óculos pendurados na ponta do nariz, manter o xale florido apertado sobre os ombros.
Ela mal ouviu o bip da notificação no sistema. Estava ocupada demais tentando fazer o toner da copiadora voltar a funcionar. Só depois de três tentativas frustradas e um suspiro de resignação, puxou a tela do computador para si.
— “Ofício 143/25 — Gabinete Deputada Estadual Verena Castilho”… — leu em voz baixa, os olhos se estreitando atrás das lentes. — Mas o que é isso...?
Clicou. O documento abriu em PDF, com o brasão oficial da Alesp no cabeçalho e o papel timbrado inconfundível. Seu olhar percorreu o cabeçalho, os detalhes técnicos, até que parou em um nome conhecido.
— Valentina Moraes? — sussurrou.
Ela leu com mais atenção:
*"*"Prezada Direção da Escola Estadual Professor Luiz Roberto Pinheiro,
Considerando a relevância do Programa Jovem Futuro e o desempenho da estudante Valentina Moraes de Souza durante o estágio supervisionado no gabinete parlamentar nesta instituição, solicitamos, dentro dos parâmetros legais, informações sucintas sobre a participação da aluna e eventuais observações pedagógicas que possam constar em seu histórico escolar, especialmente no período correspondente ao estágio (fevereiro a maio/25).
Atenciosamente,
Verena Castilho — Deputada Estadual (SP)."*
Dona Dalva franziu a testa. Levou a mão ao peito, surpresa. Pegou o ramal e ligou direto pra Regina, a coordenadora.
— Regina... você tá com um minutinho? Acho que chegou uma coisa... importante. E meio estranha também.
Do outro lado da linha, Regina bufou:
— Não me diga que é mais boleto vencido.
— Não, minha filha. É da Assembleia Legislativa. Da deputada Verena Castilho. E tá perguntando da Valentina.
Silêncio do outro lado.
— … da Valentina? — Regina repetiu, mais baixo.
— Uhum. E tá assinado mesmo. Documento oficial. Assunto do estágio.
Minutos depois, as duas estavam lado a lado na tela do computador. Regina lia com atenção, a testa franzida.
— Ela tá pedindo um relatório técnico com base no tempo da aluna no estágio. E menciona que a jovem demonstrou “interesse genuíno pelas rotinas institucionais, merecendo acompanhamento contínuo do ponto de vista social e educacional”.
— Isso é normal?
— Normal, normal… não é. Mas também não é ilegal. — Regina cruzou os braços. — Mas é incomum. Nunca recebemos nada direto de gabinete parlamentar. E ainda com um pedido desses... técnico, protocolado... mas com foco total em uma aluna específica.
Regina olhou pro teto, pensativa.
— Se bem que… é a primeira vez que a nossa escola participa desse programa estadual. Os estágios geralmente ficam com as ETECs, colégios particulares, escolas técnicas.
Dalva se recostou na cadeira, pensativa.
— Será que ela fez alguma coisa errada? — arriscou.
— Não, não parece. Tá tudo muito cordial, bem redigido. Não há qualquer menção a erro ou conduta irregular. Só querem dados oficiais. É como se quisessem manter vínculo, ainda que simbólico. E me disseram que ela levava os papéis tudo organizado, fazia anotações das reuniões... mesmo com aquele jeitinho mais quieto dela, tinha gente elogiando.
— Deve ser orgulho mesmo — disse Dalva, mais leve agora. —Ela deve ter se destacado e a deputada quis acompanhar. Isso é um orgulho pra escola.
— É sim. — Regina respondeu, embora um tanto intrigada com o pedido.
Ela respirou fundo.
— Vou falar com a direção. Podemos montar um dossiê simples: frequência, desempenho durante o programa, e uma notinha da professora Márcia que supervisionava o estágio. Só o que for permitido por lei. Sem nada pessoal. Mas quero consultar a direção antes. Isso... isso não é simples.
— Claro — respondeu Dalva. — E... é bonito, né? Quer dizer, alguém lá de cima se importar com uma aluna nossa. Dá um calorzinho no peito.
Regina sorriu com o canto dos lábios.
GABINETE DA DEPUTADA VERENA CASTILHO
10h37 – Quatro dias após o desligamento de Valentina
O som abafado do ar-condicionado preenchia o gabinete como um pano cinza. Verena folheava com os olhos fixos e vazios a terceira minuta de parecer da manhã. A caneta de ponta fina girava entre os dedos, mas a assinatura teimava em não sair. Um leve movimento na porta antecedeu a entrada contida de Joana, assessora jurídica vinculada diretamente à liderança da bancada.
— Deputada, chegou esse ofício via e-mail institucional — disse ela, depositando com cuidado um envelope impresso sobre a mesa. — Veio do Núcleo Técnico de Estágio da Escola Estadual Professor Luiz Roberto Pinheiro, com cópia para a Diretoria Regional de Ensino.
Verena assentiu em silêncio. Não perguntou do que se tratava. Só esperou a porta fechar.
Ela já sabia.
Seus dedos pairaram sobre o envelope. Não imediatamente. Primeiro, o olhar ficou preso à borda do papel. Depois, com um gesto quase clínico, ela o puxou para si e retirou o conteúdo: três páginas timbradas. O brasão do Governo do Estado no topo, o carimbo digital de recebimento no rodapé.
Assunto: Resposta ao Ofício nº 143/25 – Solicitação de Documento de Encerramento Antecipado de Estágio.
Verena leu cada linha.
Duas vezes.
Três.
O texto era objetivo. Técnico. Neutro.
“Comunicamos, conforme previsto na cláusula 9.3 do Termo de Compromisso de Estágio, que o encerramento do vínculo foi solicitado formalmente pelos pais/responsáveis legais da aluna Valentina Moraes de Souza, matrícula 100248X. O motivo informado foi de ordem pessoal, sem especificações adicionais, conforme direito previsto na legislação vigente.”
“Informamos que a documentação de desligamento será arquivada nos termos da Instrução Normativa SE nº 02/2021, e o nome da aluna será retirado do sistema da SEDUC no prazo de 5 dias úteis.”
O resto eram anexos.
A assinatura da coordenadora pedagógica — Regina Medeiros Melo, aquela mesma com quem Verena havia trocado e-mails nos últimos dias — parecia ter sido datilografada. Fria. Oficial.
Ela soltou o papel devagar, sem ruído. A mão esquerda pousou sobre o envelope novamente, mas desta vez apenas para alisá-lo, como quem acaricia um nome que não pode mais dizer em voz alta.
Seu rosto, inexpressivo, permaneceu voltado para o vazio por alguns segundos longos.
Não piscava.
Não reagia.
Até que a porta se abriu de novo — Rafaela, carregando uma pasta de orçamentos e a expressão prática de sempre.
— Vê, a reunião com o pessoal da CEJESP foi adiantada pra daqui a pouco, e...
Ela parou. Bastou um segundo.
A tensão no ar era sutil, mas ali.
Rafaela não sabia o que era o papel sobre a mesa. Nem sobre o que tratava.
Mas o jeito como Verena olhava pra ele — ou não olhava — dizia tudo o que ela não ousaria perguntar.
— Tá tudo certo? — perguntou, firme mas com cautela, tentando manter o tom neutro.
Verena ergueu os olhos. O gesto foi lento, como se os músculos do rosto estivessem operando sob protesto.
— Tá sim. Só… burocracia de rotina — disse, forçando um leve movimento nos lábios que queria passar por um sorriso.
—Vão querer café na reunião?
— Melhor sim. Com açúcar — respondeu, recostando-se um pouco na cadeira, como se quisesse empurrar o peso de volta pra longe.
Rafaela assentiu e saiu.
E só então, com o gabinete em silêncio, Verena se permitiu apoiar os cotovelos na mesa e fechar os olhos por um instante — um único segundo — antes de voltar à postura rígida.
As páginas foram guardadas dentro da pasta pessoal, lacradas, sem chance de voltar à superfície. No sistema da Alesp, o nome de Valentina já não constava mais.
No coração de Verena, no entanto, o espaço que a garota deixara seguia aberto, doendo em silêncio, como um arquivo que ninguém sabe onde arquivar — porque jamais deveria ter sido removido.
Fim do capítulo
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Sem cadastro
Em: 28/05/2025
O universo tentando ajudar Verena... mas não tem jeito, aquela voz lá dentro insistindo pra ela se jogar do penhasco e cair nos braços de Valentina
O melhor é a Valentina longe
Só assim pra afastar o risco
Valentina sofrendo com a paixão
É bem assim mesmo
Quando a história é boa, a gente sente arrepios em certos momentos
Se a Verena se permitir, vai bagunçar a vida das duas
Dois mundos completamente distintos
Luxúria por parte dela
Paixão?
Ou amor?
A Valentina claramente está apaixonada
Quem manda no que o coração deseja, afinal...
N@ty
Em: 27/05/2025
O universo tentando ajudar Verena... mas não tem jeito, aquela voz lá dentro insistindo pra ela se jogar do penhasco e cair nos braços de Valentina
O melhor é a Valentina longe
Só assim pra afastar o risco
Valentina sofrendo com a paixão
É bem assim mesmo
Quando a história é boa, a gente sente arrepios em certos momentos
Se a Verena se permitir, vai bagunçar a vida das duas
Dois mundos completamente distintos
Luxúria por parte dela
Paixão?
Ou amor?
A Valentina claramente está apaixonada
Quem manda no que o coração deseja, afinal...
Hanna28
Em: 27/05/2025
Já estive na mesma posição da Verena...e o mais irônico é que a pessoa tinha a mesma idade da Valentina.Digo com propriedade absoluta não se tratar apenas de capricho ou um fetiche e sim,de amor,paixão,desejo...amar quando tudo nos mostra ser errado é uma tormenta que levamos pesadamente
As vezes esperar signifique abdicar da única certeza que nos motiva a permanecer vivos quando já estamos nos sentindo mortos por dentro...
É errado querer apressar as coisas mas,nem sempre teremos a certeza sobre o outro
anonimo2405
Em: 29/05/2025
Autora da história
Oiii. Boa noite!
Mas é isso mesmo N@ty,, adorei suas palavras. A Valentina tá totalmente apaixonada mesmo, imersa nesse sentimentos delas. A Verena, eu acredito que seja algo mais profundo também. pelo menos eu torço pra ser rs.
Nossa Hanna, então você deve conseguir compreender muito bem o que a Verena passa. Eu imagino que deve ser muito complicado passar por isso.
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Zanja45
Em: 25/05/2025
oh, lindas palavras de Verena, muito poetico. Capitulo excelente! "[...] como um arquivo que ninguém sabe onde arquivar[...]" . - Esse coração já tinha endereço certo. - Mas não era o momento ainda, por isso foi removido para depois ser restaurado.
anonimo2405
Em: 29/05/2025
Autora da história
Ahh, me deixa muito feliz que você tenha gostado. Objetivo atingido! :) Eu não queria que a Valentina tivesse saido, mas nada acontece por acaso né, então... O que tiver que acontecer, vai acontecer.
"
...Mas não era o momento ainda, por isso foi removido para depois ser restaurado." Nossa, adorei essa frase. Bonitas palavras.
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Zanja45
Em: 25/05/2025
"e essa combinação, no seu caso, é nitoglicerina". Essa contastação de Rafa em oposição a Verena ser uma mulher fraca, foi icônica.
anonimo2405
Em: 29/05/2025
Autora da história
Bem estilo dela rsrs
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Zanja45
Em: 25/05/2025
Muito profundas as palavras que Rafa disse para vê que ela já vinha colapsando há muito tempo e se apegou a primeira fagulha de vida que apareceu no caminho dela. - Muito corajoso da parte dela em falar isso - Se isso não for amizade não sei o que é isso? Pois, Rafa está sendo sempre original e não tem medo das represalias que possa vim da amiga.
anonimo2405
Em: 29/05/2025
Autora da história
Rafaela, é a única que tem coragem de trazer a Verena pra realidade. E ainda bem que ela tem essa coragem, porque senão, acho que as coisas já teriam saído do controle. Também acho bonita a amizade delas.
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Zanja45
Em: 25/05/2025
Esse passar mal de Valentina foi o estopim para que eles a tirassem do estágio. Mas ver ela nesse desalento foi pior, porque ela não pode dividir com a familia o porque ela não querer sair de lá. - os verdadeiros motivos.
anonimo2405
Em: 29/05/2025
Autora da história
Valentina tá numa situação muito difícil. E como você mesma já disse antes, ainda bem que ela tema a Carol,, pra desabafar, senão as coisas estariam bem mais complicadas.
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Zanja45
Em: 25/05/2025
Verena deu muito bandeira novamente ao do jeito quen saiu, amparando Valen em frente a todos os funcionarios do gabinete, ela se expos exarcebadamente, vai dar muita fofoca. - Ela já está sendo alvo, pior ainda.
anonimo2405
Em: 29/05/2025
Autora da história
Exatamente. E com o caos que ela já tá passando, deveria ter maia cautela, sobretudo com a Valentina, porque isso pode causar alguma dor de cabeça até pra ela.
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Zanja45
Em: 25/05/2025
Juro que pensei quando Verena ligou para o RH fosse para pedir o desligamento de Valentina. - Fiquei na expectativa - Mas, não se confirmou.
anonimo2405
Em: 29/05/2025
Autora da história
kkkkkkkk. Olha, mais fácil ela brigar com o RH pra não desligarem ela rsrs
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Zanja45
Em: 25/05/2025
Haja coração, viu autora? A repreensão de Verena em Valentina doeu até em mim. - Chorei junto - Ela está muito fragilizada devido aos sentimentos adversos e também pelo que ouviu seus pais falarem. - Isso está reverberando na mente dela, por isso esses erros insistentes. - o medo de eles tirarem ela de perto de Verena está atrapalhando mais o desenvolvimento das atividades dela.
anonimo2405
Em: 29/05/2025
Autora da história
kkkkkk, espero não ter feito você sofrer muito. Mas, olha, essa cena foi mais dura. Acho que Verena exagerou, acabou descontando a raiva de si propria na Valentina, que tadinha, não tá acostumada a ler broncas como essas. Até eu choraria ali rs.
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Zanja45
Em: 25/05/2025
Poxa! Sei que Valentina está passando por uns processos dificeis na vida dela, mas será que ela está cometendo esses erros mesmo? Mas concordo com Rafaela que Verena deveria orientar melhor a menina, não deixando os erros passar sem chamar a atenção. - Essas sequencias de erros vão prejudicar a própria Valen. - Porque ela está em fragalhos com a descoberta sobre a sexualidade dela e ainda ter que abafar o que ela está sentido. - Por isso, é proválvel está levando ela a distração, como resultado, falta de rendimento esperado tanto no trabalho quanto no trabalho.
anonimo2405
Em: 29/05/2025
Autora da história
Menina, acho que ela tá errando mesmo. Mas dá pra entender também. Ela não tá sabendo lidar com esses sentimentos novos. E ver a Verena ali todo dia, acaba alimentando, ao mesmo tempo que a culpa aumenta. Mas concordo com vc, a Rafa tem razão mesmo, porque é bom pro crescimento dela, pro aprendizado. A Verena acha que tá ajudando, mas é melhor é ela corrigir do que passar a mão. O que os outros dificilmente vão fazer.
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Zanja45
Em: 25/05/2025
KKKK! Sílvia jogou duro, mesmo querendo, botou Verena para bem longe do colchão dela. - Daqui a pouco a Deputada vai voltar a pegar as raparigas que ela pegava antes. - Porém não tiro a razão de Sílvia em não ceder. - Ela está apenas reagindo - visto que foi machucada.
anonimo2405
Em: 29/05/2025
Autora da história
kkkkkkkkkk, ela foi bem fria. Não é fácil resistir ao charme da Verena. Mas quando a mágoa tá grande, é compreensível. Nossa, espero mesmo que a Verena não traia ela de novo. Muita covardia.
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Zanja45
Em: 25/05/2025
Complicado a decisão de tirar Valentina do estágio, pois como disse Ana Paula isso não resolver a situação - só vai acarretar mais sofrimento para ela. Mas já deu para mensurar o quanto está sendo dificil para os pais dela, porque apesar da mãe dela discordar da posição do marido, tem que acatar a vontade dele porém ele já percebeu que ele não está tão no controle assim.
anonimo2405
Em: 29/05/2025
Autora da história
Também não sei se foi a melhor decisão, mas eu entendo a angustia deles de não saberem o que fazer. Ver a filha sofrendo e o único indício é de que é algo com o estágio. Mas tadinha da Valentina, tá sofrendo bastante.
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Zanja45
Em: 25/05/2025
Maravilha! A pequena Lia trouxe um pouquinho de leveza para o ambiente da casa de Silvia e Verena.- MUito fofa e divertida essa cena. Verena precisava aliviar a tensão que ela está vivendo ultimamente. Nada como uma criança para proporcionar isso.
anonimo2405
Em: 29/05/2025
Autora da história
Aiii eu amo crianças. Elas trazem um clima tão bom. Uma paz tão boa. Fico imaginando como é a Verena mamãe rssr.
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Hanna28
Em: 25/05/2025
Eu tenho um palpite sobre quem pode está compactuando contra a deputada.
Aquele tal de Fernando, que foi super desagradável com a Rafaela ao mencionar um interesse da ruiva em ficar no gabinete permanentemente. Depois tem aquela Gabriela/slut e talvez... a própria
Zanja45
Em: 25/05/2025
Ele não é o presidente do Partido? Não me recordo dessa Gabriela, mas também tem outro cara que deu o ultimato a Rafaela a respeito da ausência de Verena. - Não me recordo do nome dele.
Hanna28
Em: 25/05/2025
Eduardo ou algo assim
Tá difícil lidar com cobras dessa magnitude
Golpear pelas costas é um ato de covardia extrema
Zanja45
Em: 25/05/2025
Sei. É, na política é difícil saber em quem confiar.
anonimo2405
Em: 29/05/2025
Autora da história
É muita gente envolvida. É de enlouquecer pensar que qualquer um pode estar jogando contra. E ainda com o desvio, um passo errado e acaba tudo. É um risco muito sério. A lista é grande de suspeitos. Márcio, Eduardo, Gabriela...
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Hanna28
Em: 25/05/2025
Doeu até em mim ler cada linha e as expressões das duas ao baque de que foi um "adeus" da rotina...dos olhares quentes direcionados de uma pra outra,do pulsar de seus corações ao se conectarem.
Um amor proibido dependendo do contexto machuca mais que um amor não correspondido...posso até está equivocada mas,é minha opinião
Zanja45
Em: 26/05/2025
Difícil mensurar qual dói mais, pois vai depender de como cada um reage.Creio que o não correspondido é mais sofredor da parte de quem senti enquanto que o proibido tem a possibilidade de se viver, pois o gostar é mútuo. No caso de Valentina e Verena podem aguardar ela atingir a maioridade.Todavia ainda tem os dilemas da própria Valen por ela ser evangélica e tal. - Ela estar se reconhecendo ainda. É muito complexa a vida de Valentina. Não sei como ela lidará com toda essa carga emocional que ela está passando. Por que ao que tudo indica a depressão já está tomando conta dela.
anonimo2405
Em: 29/05/2025
Autora da história
Aiii, eu concordo com as duas rsrs. Depende muito do contexto, porque gostar de alguém, saber que o outro gosta, mas não poder ou não ter coragem de viver é muito difícil. Mas gostar e não saber se é saber se é correspondido também deve ser horrível. Enfim, não sei qual dói mais rs.
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Zanja45
Em: 25/05/2025
Está dificil para Verena esses ataques indiretos, os quais ela vem sendo submetida,mas o pior é saber que qualquer pessoa dentro de seu gabinete pode estar trabalhando contra ela. - Porque com a revelação de que os documentos do dossiê vieram a moda antiga e não por arquivos enviados. Qualquer um pode ser suspeito, principalmente que manipula tais documentos que está tendo acesso a informações sigilosas. - Então mesmo fazendo o possível não está sendo suficiente, pois o inimigo está trabalhando lado a lado.
anonimo2405
Em: 29/05/2025
Autora da história
Exatamente. Eu até entendo algumas escorregadas dela. É muita coisa ao mesmo tempo. Até que ela tá segurando bem as coisas. Só não sei por quanto tempo.
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Zanja45
Em: 25/05/2025
Gostei da investigação sobre a gravação do vídeo. - Que pena que não teve grandes avanços, mas quem gravou fez de caso pensado, foi proposital. - Ainda mais que foi uma festa privada. - Muito estranho, eles filmarem, justamente o casal Silva e Verena na hora da intimidade, apesar que a Deputada estava em alerta até certo ponto, porém Silvia começou a seduzir, ela acabou relaxando. Quem das convidadas de Luana teve acesso ao primeiro andar? Tem que pedir a lista de convidados e ver quem tinha interesse de prejudicar Verena.
anonimo2405
Em: 29/05/2025
Autora da história
Oiii, boa noite!
Pois é, ela tentou manter a postura, mas não teve jeito. E poxa, que difícil não poder relaxar nem em particular. Mas é isso, a profissão que ela escolheu, tem dessas coisas. Mas acredito que ela vai conseguir descobrir quem foi.
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