Capítulo 28
Assim que entramos na casa de Érica — eu, ela e Vitor! — me joguei no sofá e falei:
— Eu estou impressionada!
Minha prima colocou Luize no chão — que imediatamente saiu correndo — antes de dizer:
— Com o que, exatamente?
Vitor sentou ao meu lado assim que eu respondi:
— Com você! Com essa evolução…
Érica sorriu e me olhou diretamente ao falar:
— Meu convívio com Ciça e os meninos mudou muito minha forma de ver o mundo… Ver as pessoas…
Tentei parecer indiferente à menção daquele nome. Continuei o assunto:
— Achei que sua mãe fosse cair dura ali mesmo.
Nós três rimos e Vitor falou:
— Gente, não teria problema nenhum eu ir dormir lá, não precisava disso.
Mas Érica se manteve firme:
— Eu sei que você não se importaria, mas não é essa a questão. Já tá na hora da minha mãe viver na realidade. Parar de fingir que não sabe das coisas, que não enxerga.
Nesse momento Luize voltou para a sala carregando uma boneca e minha prima falou para ela:
— Vem, Lu, vamos tomar um banho pra dormir.
Luize correu para mim e abraçou minhas pernas, querendo fugir. Eu a abracei, levantei um dos bracinhos dela e fingi sentir um cheiro muito ruim, fazendo uma careta:
— Nossa… Que fedor é esse?
E completei fazendo cosquinha:
— Tem uma porquinha que precisa tomar banho.
Luize correu de volta para o colo da mãe, que falou:
— Fiquem a vontade. Cozinha e banheiro, podem usar a hora que quiserem.
Vitor perguntou:
— Tem algum lugar aqui que eu possa comprar um cigarro? Meu último fumei na festa.
Érica olhou para o relógio na parede:
— A lanchonete deve ser o único lugar que ainda está aberto. Você sabe onde é, né, Marcela? Ou quer que eu vá com vocês?
Não queria atrapalhá-la, sabia que já tinha passado da hora de Luize dormir:
— Não precisa... Não vamos nos perder nessa cidade…
Mas não levei Vitor comigo, ele ficou para tomar banho. Era visível o cansaço dele, depois das horas de viagem e da festa em seguida:
— Vai adiantando o seu banho, quando eu chegar tomo o meu.
Desci as escadas e entrei no carro dele. Manobrei e desci pela rua. A rua de Ciça. Passei devagar em frente à casa dela, esperando ver algo… Mesmo se fosse a sombra dela. Não vi nada além do carro estacionado.
Parei perto da lanchonete, peguei meu cartão, meu celular e desci. Assim que coloquei os pés para dentro eu percebi a presença dela. Parada na minha frente, pegando uma sacola. Não tive tempo de raciocinar ou me preparar. Ciça se virou. O sorriso que tinha nos lábios se desfez na minha frente. Ela rapidamente caminhou, disse um “oi” baixo, passando por mim sem me olhar diretamente.
Eu também meneei a cabeça, abri a boca, mas nem mesmo eu ouvi o “oi” que falei. Olhei para trás. Ela saiu sem nem hesitar. Fiquei parada, sem saber o que fazer. A atendente chamou minha atenção:
— Boa noite! Deseja alguma coisa?
Eu olhei para a moça ainda perdida. Depois falei rápido:
— Eu já volto.
Saí quase correndo. A vi virando a esquina. Acelerei mais ainda. Quando também dobrei a esquina, chamei:
— Ciça!
Ela parou. Mas não olhou para trás instantaneamente. Virou para mim quase em câmera lenta. Eu me aproximei, mas a uma distância considerável. Sorri um pouco ao olhá-la:
— Oi…
Ela não sorriu de volta, só respondeu:
— Oi.
Fiquei sem saber o que dizer:
— Eu vim pro aniversário da minha tia…
Ela não facilitou:
— Érica me disse.
Eu podia sentir no tom de voz, podia ver nos olhos dela, o quanto ela ainda estava… magoada.
— Como você está?
Ciça soltou um risada curta:
— Bem.
Naquele momento eu busquei, tentei ver nos olhos dela a Ciça que conhecia. Por quem eu tinha me apaixonado. A mulher que eu…
Segurei a última palavra. Não me permiti pensar.
Me aproximei um pouco, ela se manteve estática.
— Será que a gente pode conversar?
Ela demorou para responder. Olhou para o chão. Depois disse baixo, tanto que eu quase não ouvi:
— Sim.
Enfim me olhou:
— Onde?
— Eu tô de carro.
Ela balançou a cabeça concordando comigo.
— Só preciso comprar um cigarro antes.
Ciça me olhou interrogativamente. Eu quis explicar:
— Pro meu amigo… que veio comigo do Rio.
Ela não concordou nem discordou. Apenas disse:
— Te espero em frente à minha casa.
*****
Saí daquela lanchonete sem saber como estava conseguindo andar. Minhas pernas fracas. Meu coração martelando no peito. Justamente quando eu não estava procurando… a encontrei.
Parei de respirar quando dobrei a esquina e escutei meu nome. A voz inconfundível para mim. Demorei um pouco para me virar.
— Oi…
Automaticamente busquei minhas defesas. Respondi a tudo que ela disse da forma mais fria que consegui.
— Será que a gente pode conversar?
Não! Eu não podia. Eu não tinha forças. Mas olhar para Marcela, parada ali na minha frente, era como um sonho se tornando realidade. Quantas vezes eu quis, desejei, esperei, mesmo tentando me convencer do contrário. E agora era verdade.
Continuei andando em direção à minha casa e ela voltou em direção à lanchonete. Entrei e deixei a sacola com o lanche em cima da mesa. Não conseguiria comer nada naquele momento, de qualquer forma. Não me olhei no espelho, não pensei na minha roupa. Voltei para a calçada do jeito que estava. Não tinha intenção nem esperança de que acontecesse algo entre nós. Além do que, eu não iria ser nada além de mim mesma. Se ela gostasse, se quisesse…
Meu pensamento foi interrompido pelo farol do carro. Ela parou perto de mim. Ouvi o barulho das portas destravando. Entrei, mas não a olhei.
— Pra onde nós podemos ir?
Pensei um pouco. Um lugar que não fosse movimentado, mas também não muito distante para caso acontecesse algum imprevisto, como um pneu furar.
— Sobe por aqui.
Ela acelerou.
— Entra nessa rua.
Marcela obedeceu.
— Pode parar ali na frente.
Quando ela desligou o carro e o farol apagou, quase não nos enxergamos, pois o poste mais perto era a alguns metros de distância.
Eu fiquei olhando para as minhas mãos, esperando uma iniciativa dela.
— Senti sua falta.
A declaração não me deixou feliz. Me fez sentir aquele gosto amargo na boca. Era horrível ter que viver sabendo que você tinha sentimentos tão intensos por uma pessoa e que havia — ao menos um pouco — reciprocidade, sem que vocês estivessem juntas.
Me mantive calada, até sentir a mão de Marcela tocar meu braço gentilmente. Olhei para ela, para o pouco que a luz me permitia enxergar e fui sincera:
— Eu também.
Tudo fazendo com que eu ficasse ainda mais triste. Porque eu sabia que aquela conversa não mudaria nada. Dali a menos de vinte e quatro horas Marcela já estaria longe de novo. Desviei meus olhos novamente, como se isso fosse capaz de aplacar um pouco meu sofrimento.
— Ciça…
Olhando para minhas próprias mãos, eu não tinha percebido que ela tinha se aproximado tanto. Só me dei conta ao sentir a respiração, o hálito, a voz dela sussurrando no meu ouvido:
— Morri de saudades de você.
Fechei meus olhos. Minha respiração se alterou. Podia sentir Marcela ainda perto demais. Eu não conseguiria resistir daquela forma. Nem sabia se eu queria. Virei meu rosto devagar e olhei para ela. Nossas bocas a pouquíssimos centímetros uma da outra. O cheiro de Marcela me inebriando. Quando percebi, minha mão direita estava no rosto dela. Senti os lábios de Marcela contra os meus. Devagar, delicados. O metal frio do piercing na minha pele. Suspiros e gemidos que eu não sabia de quem vinham. As mãos desceram pelo meu ombro, meus braços, e pousaram na minha cintura. Eu inclinei mais o meu corpo, buscando contato. Minha mão foi para a nuca de Marcela, acariciei, apertei e ela gem*u dentro do beijo.
Nós duas suspiramos quando o celular dela começou a tocar. Separamos as bocas, mas as testas ficaram unidas. Ela disse, ainda sem se afastar:
— Preciso atender.
Eu me afastei lentamente. Ela pegou o aparelho e deslizou o dedo na tela:
— Oi… Achei, já estou levando pra você… Beijo.
Olhou para mim penalizada:
— Preciso entregar o cigarro, senão Vitor entra em abstinência.
Sorriu, me causando um estremecimento por dentro.
— Tudo bem…
Ela ligou o carro, os faróis se acenderam, mas não acelerou. Tocou meu braço e me olhou:
— Eu posso entregar e a gente… volta pra cá…
Naquele momento toda a minha razão, meu bom senso, minha autopreservação, não conseguiriam me fazer recusar:
— A gente pode ir pra minha casa, se você quiser.
Falei rápido, num fôlego só, morrendo de medo da rejeição dela. Mas não foi o que aconteceu. Marcela sorriu para mim. Aquele exato sorriso que me deixava derretida por ela. E só então falou:
— Perfeito.
*****
Subi as escadas galgando dois degraus de cada vez, enquanto Ciça me esperava dentro do carro. Vitor estava na sala, já de pijamas, assistindo alguma coisa na televisão. Joguei o maço de cigarros para ele e parei em sua frente:
— Você vai ficar muito chateado se eu não dormir aqui hoje?
Ele me olhou boquiaberto:
— Gente, você saiu pra comprar um cigarro e achou uma foda… nesse lugar de trinta habitantes?
Eu contestei, sem conseguir tirar o sorriso do rosto:
— Não é uma foda… Se alguma coisa realmente acontecer, o que eu vou fazer se chama amor.
Depois de me certificar que ele ficaria bem e que não teria problemas em deixar o carro comigo, desci as escadas quase correndo. Entrei no carro e segui o olhar de Ciça. Ela olhava para cima, na varanda da minha prima, onde Vitor estava já com o cigarro aceso, olhando sem disfarçar para o carro.
— Esse é Vitor?
Eu balancei a cabeça, sabendo que os dois não conseguiam divisar mais que as sombras e silhuetas um do outro.
Quando estacionei em frente à casa dela, Ciça desceu imediatamente, sem nem me olhar. Fiz o mesmo, travei o carro e a segui. Entrei pelo portão que ela segurava para que eu passasse. Depois a segui pelo corredor, sem acreditar que aquilo era realidade. Subimos as escadas, entramos pela cozinha. Percebi a sacola em cima da mesa:
— Atrapalhei seu jantar?
Ela se virou para mim:
— Não tava com fome. Você quer comer alguma coisa?
Fiz que não com a cabeça.
Ela saiu andando pelo corredor e eu fiquei sem saber se deveria ir junto ou não. Ciça voltou um pouco e me olhou, como se não tivesse entendido por que eu estava parada. Só então eu caminhei na direção dela, ainda hesitante. A segui até o quarto que era iluminado apenas pela luz do poste na rua, já que a cortina estava aberta.
Ela não acendeu a luz. Ficamos paradas, as duas sem saber o que dizer ou fazer. Até nossos olhares se prenderem. Avançamos juntas uma para a outra. Ciça me enlaçou pela cintura, eu passei os braços pelo pescoço dela. Nos beijamos numa imensa mistura de saudade, amor e sensualidade. Fomos para a cama ainda vestidas. Ficamos um bom tempo apenas nos beijando, nos olhando, acariciando. Até as mãos se enfiarem por debaixo das roupas, que foram caindo no chão, peça por peça. Nem eu nem ela dissemos uma palavra. Esfregamos os corpos nus, como se quiséssemos nos transformar em uma só. Senti minha excitação aumentar, latejante, torturante, próxima do desfecho final, e a chamei:
— Vem comigo…
Ela me atendeu. Os gemidos ficaram mais altos. Se esfregou com mais intensidade, até atingirmos juntas o clímax.
*****
De manhã, quando acordei, Marcela já tinha despertado. Estava ao meu lado, me olhando. Não sorriu ao falar:
— Bom dia.
Eu respondi da mesma forma:
— Bom dia…
E como se o sonho tivesse acabado de novo, ela disse:
— Preciso ir.
Frase que não se resumia apenas ao momento presente.
— Eu sei…
Nos levantamos e nos vestimos caladas. Quando fomos para a cozinha, perguntei:
— O que você quer comer?
Ela agradeceu, mas disse que não queria nada. Iria almoçar com a família e depois ela e Vitor pegariam a estrada.
— Quer ir almoçar com a gente?
Eu sorri tristemente e balancei a cabeça em negativa.
— Bom, então… eu já vou…
Marcela se aproximou e me abraçou. Ficamos daquele jeito, unidas, respirando juntas, cada uma com seu próprio sofrimento. Depois ela se afastou. Descemos a escada e já no portão eu falei:
— Boa viagem…
Ela agradeceu e disse:
— Se cuida.
Antes de entrar no carro e acelerar para longe de mim. De novo. E daquela vez, eu decidi que seria para sempre.
Fim do capítulo
Oi :) Chegamos aos últimos capítulos da história, por isso os três últimos vou postar em sequência: domingo, segunda e terça. Um abraço!
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Raf31a
Em: 23/05/2025
Dos 7 últimos capítulos esse foi o mais doloroso de ler... dessa vez não consegui segurar a lágrima. ;(
Que raiva dessa Marcela. kkkk É muito ruim da minha parte desejar que Ciça conheça e se envolva com outra pessoa?
Dessinha
Em: 25/05/2025
Concordo com você, viu? Senti raiva da Marcela. Pareceu que só usou a Ciça, terminando o que ela disse ser amor com um “preciso ir”. Sacanagem!
AlphaCancri
Em: 25/05/2025
Autora da história
Olha, a culpa não é minha, tá? Elas é que são assim… :x
Marcela vai achar ruim da sua parte, com certeza! Kkkk
AlphaCancri
Em: 25/05/2025
Autora da história
Acho que foi a sensação de Ciça também… de ter sido usada de certa forma :/ Como se Marcela só quisesse aplacar o próprio sofrimento, sem pensar no depois.
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HelOliveira
Em: 23/05/2025
Mais sofrimento e com decisão de Fim....
Ainda bem que domingo já está perto....
AlphaCancri
Em: 25/05/2025
Autora da história
Será que Ciça vai sustentar essa decisão?
Capítulo de hoje postado :)
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Dessinha Em: 25/05/2025
Concordo com você, viu? Senti raiva da Marcela. Pareceu que só usou a Ciça, terminando o que ela disse ser amor com um “preciso ir”. Sacanagem!