Capitulo 64 - O grande dia
Os meses seguintes foram intensos. Camila faria a mudança de cidade para morar com Mariana, o que não só mudaria suas vidas, mas também impactaria profundamente aqueles que as cercavam. A mãe de Camila, Rute, se viu tomada pela tristeza, sabendo que o convívio diário com os netos seria interrompido. A casa, que antes era cheia de risadas infantis, agora se tornaria silenciosa, e Rute não sabia como se sentiria sem a presença das crianças ao seu redor. A cada dia, ela chorava ao se dar conta da mudança iminente.
O pai de Camila, atento ao sofrimento da esposa, tomou uma decisão para aliviar essa dor: se aposentar mais cedo e compraria uma casa na mesma cidade onde os netos iriam morar. Isso fez a alegria de Rute, que se iluminou ao saber da novidade. Sua vida, em breve, teria uma nova rotina, mas ao menos ela teria a proximidade da filha, dos netos e, claro, de Mariana, que sempre foi um apoio constante.
O casamento de Mariana e Camila não seria uma grande celebração. As duas optaram por uma cerimônia simples, mais íntima, com apenas algumas poucas pessoas presentes. Era o que elas desejavam: algo genuíno, sem ostentação, apenas o momento delas. A cerimônia seria um reflexo de tudo o que elas haviam vivido e construído juntas, e Mariana estava grata por isso. Afinal, mesmo sem grandes festas, esse dia representava o começo de uma nova etapa em suas vidas.
Na noite anterior ao casamento, Mariana se hospedou na casa de Diana, já que a amiga insistiu que ela não poderia ver a noiva antes do grande dia — algo que, segundo ela, dava azar. Embora Mariana achasse a superstição um tanto exagerada, ela decidiu não brincar com o destino. No fundo, queria que tudo corresse bem, sem nenhuma interferência do além.
Manu estava visivelmente empolgada. Ela sorriu largo, fitando Mariana com olhos cheios de carinho e até um toque de incredulidade.
- Nem acredito que você está se casando. - Manu exclamou, a voz cheia de admiração.
Mariana sorriu, um sorriso tímido, mas sincero, tentando disfarçar o nervosismo que começava a se instalar no fundo de sua barriga.
- Nem eu... - respondeu, com um risinho nervoso. - Parece que foi ontem que você ria quando encontrava a Camila.
A memória das primeiras interações entre ela e Camila era vívida. Era impossível não se lembrar de quando as conversas delas eram pequenas, furtivas, e a relação parecia um jogo complicado de esconder sentimentos. Mas o que as duas tinham hoje era real, sólido, e Mariana sentia uma felicidade profunda por ter encontrado, no fim, seu lugar.
- Eu era uma pirralha metida. - Manu fez uma careta engraçada. - Queria te juntar com a minha professora. Camila me contou!
Mariana deu uma gargalhada, sentindo o alívio das risadas. O nervosismo parecia um pouco mais distante agora.
As horas foram avançando lentamente, sem pressa, e Mariana ficou ali, admirando o vestido branco que estava pendurado, esperando por ela. As lembranças invadiam sua mente, mas ela tentava se concentrar no momento presente. O vestido era a materialização de um sonho que, até pouco tempo atrás, parecia impossível. Cada costura, cada detalhe representava um passo em direção ao futuro, com Camila ao seu lado. Ela sentiu uma onda de emoção ao ver o vestido, algo que só tornava o dia ainda mais real.
Enquanto observava o vestido, ela pensava em tudo o que tinha vivido com Camila até ali: os altos e baixos, os reencontros e os desencontros. Mas nada disso importava agora. O que importava era o que elas estavam construindo. E naquele momento, Mariana sabia que não havia mais dúvidas sobre o que ela queria. O futuro era delas, e ele começaria a partir do sim.
Na casa ao lado, Rute corre atrás de Luiz Henrique que resolveu não ajudar a calçar seus sapatos. O menino corre com rapidez por entre os móveis da sala, desviando com um reflexo impecável.
- Luiz Henrique eu vou te pegar e te amarrar, menino arteiro. - Rute corria atrás dele, e quanto mais ela corria, mais ele gargalhava.
- Peguei! - Camila surgiu vindo da cozinha e pendurando o menino de ponta cabeça em seus braços. Ele ria se divertindo da cara brava de sua avó que agora estava de cabeça para baixo.
Camila riu alto, girando Luiz Henrique no ar, e então o puxou para um abraço apertado.
- Agora você vai calçar esse sapato, meu amor? - perguntou, com aquele tom que mesclava doçura e firmeza.
O menino assentiu, ainda ofegante de tanto rir, e Rute aproveitou para se abaixar e colocar o sapatinho em seus pés.
- Eu não sei se dou risada ou se choro, viu. - resmungou, limpando uma lágrima teimosa que escorria, sem saber ao certo se era de emoção ou exaustão.
Na cozinha, Ana balbuciava palavras desconexas, batendo com uma colherzinha na mesa de madeira. O pai de Camila, estava ali também, ajeitando os botões da camisa de linho que escolhera especialmente para o dia. Ele olhou para a neta, depois para Camila.
- Parece que foi ontem que você mesma corria assim pela casa... E agora, olha só você.
Camila sentiu o nó na garganta. Não sabia se era pelo comentário, pelo vestido que esperava no quarto ou pela memória de Helen que sempre pairava em dias importantes como aquele. Mas ela respirou fundo, e quando olhou para os filhos, soube que estava exatamente onde deveria estar.
O tempo parecia correr em um ritmo estranho, lento e apressado ao mesmo tempo. O dia estava apenas começando, mas o coração de todos já estava cheio. O resto da manhã seguiria entre preparativos, risadas nervosas e olhares cheios de significado. Mas uma coisa era certa: aquele seria um dia inesquecível — não pelo luxo, mas pelo amor que transbordava em cada detalhe.
A pequena chácara escolhida para o casamento ficava nos arredores da cidade. Era simples, cercada de árvores altas e flores silvestres que cresciam sem pressa nas bordas do caminho. O som dos pássaros se misturava à brisa suave daquela tarde ensolarada, e tudo parecia conspirar para que o dia fosse leve, bonito, exatamente como Camila e Mariana haviam sonhado.
Os convidados eram poucos — os mais próximos, os mais presentes. Diana ajudava a organizar os últimos detalhes com uma eficiência emocional, misto de empolgação e lágrimas disfarçadas. Samuel ajeitava os bancos de madeira com cuidado. Rute passava entre eles, carregando Ana no colo, que usava um vestidinho claro e enfeitava os cabelos com pequenas margaridas.
Luiz Henrique segurava firme a almofadinha com as alianças, com uma concentração que ninguém ousava atrapalhar. Ele parecia levar sua missão a sério, com o mesmo empenho de quem guarda um grande segredo.
O sol já começava a se pôr quando os últimos convidados se reuniam ao redor das mesas montadas sob as árvores. As luzes amareladas dos varais de lâmpadas se acendiam lentamente, criando um clima aconchegante e mágico. Mariana estava no quarto reservado para a noiva, acompanhada de Manu. O vestido já estava em seu corpo, ajustado com perfeição. Os cabelos presos com delicadeza e os olhos úmidos, mas contidos.
- Você tá linda demais. - Manu sussurrou, com um sorriso encantado. - A Camila vai chorar.
Mariana acariciou o rosto da menina, emocionada.
- E você? Pronta pra jogar pétalas como uma profissional?
- Prontíssima! - Manu disse, pegando sua cestinha. Ela entraria com as flores, Lívia com os dois meninos levando as alianças.
Foram interrompidas por batidas na porta. Manu foi olhar quem era.
- É a vovó. - Respondeu aflita.
- Deixe-a entrar.
- Filha, você está linda. - A mulher sorriu com os olhos cheios de emoção. - Manu, será que posso conversar com a Mariana a sós.
Manu olhou para ela desconfiada. Mariana concordou com a cabeça, a menina se retirou. Caminhou devagar, os passos hesitantes, como quem não tem certeza se deveria estar ali. As duas se encararam por um instante silencioso. Havia tanto não dito entre elas, mas o olhar de Lindalva era diferente. Menos duro. Mais... humano.
Em suas mãos, um pequeno embrulho de tecido, amarrado com um cordão simples. Lindalva estendeu o embrulho com as mãos trêmulas.
- Eu... encontrei isso na minha mudança. Era da sua avó. Ela me deu quando eu me casei com seu pai. Disse que eu deveria passar pra minha filha no dia em que ela se casasse. Mas eu... - ela engoliu em seco. - eu nunca achei que esse dia fosse chegar. E quando chegou... achei que você não quisesse nada vindo de mim.
Mariana pegou o embrulho com cuidado. Ao abrir, encontrou um broche antigo, de prata, em forma de uma flor entrelaçada. Simples, mas belíssimo. Ela engoliu o nó na garganta.
- Eu fui uma péssima mãe. - Lindalva disse, sem rodeios. - Fui cruel, ausente, dura demais. E não porque você merecia. Mas porque eu tinha medo. Medo do que os outros diriam, medo do mundo... e, no fundo, medo de não saber amar você do jeito certo.
Ela respirou fundo, olhando para o chão.
- Eu demorei muito tempo pra entender que o errado não era você. Que o que você queria era amor, só isso. E eu falhei, falhei projetando em você a Marina.
Mariana sentiu o peito apertar. Não porque queria guardar rancor, mas porque ouvir aquilo doía. Doía pela menina que um dia chorou escondida. Doía pela adolescente que ouviu gritos em vez de abraços. E principalmente a adulta que foi enganada e comparada o tempo inteiro com um fantasma. Mas também havia algo ali... um certo alívio.
- Eu não espero que me perdoe agora. Talvez nunca. Mas eu queria te dizer que hoje, vendo você... vendo vocês duas... eu me sinto orgulhosa. - Os olhos de Lindalva estavam úmidos. - Orgulhosa por você ter seguido, mesmo sem mim. Por ter cuidado da Manu tão bem. Orgulhosa por ser quem é. E feliz... por ter a Camila como nora. Ela é incrível. E vocês merecem esse amor.
Mariana segurou o broche com força, o olhar marejado.
- Eu não sei o que dizer...
- Não precisa dizer nada agora. - Lindalva respondeu, dando um pequeno sorriso. - Só... saiba que eu tô aqui. Pela primeira vez, de verdade. Se você quiser.
Elas ficaram ali por alguns segundos, e então Mariana deu um passo à frente. Não um abraço completo, mas um gesto sutil: ela tocou o braço da mãe, como quem diz "eu ouvi", "talvez um dia".
Do lado de fora, Camila já aguardava. Usava um vestido elegante. Estava de pé sob um arco enfeitado com folhas e flores colhidas por Rute. Seu coração batia rápido, mas havia uma serenidade em seu olhar — a certeza de quem esperou por muito tempo para, enfim, viver aquele instante.
A música começou a tocar, e todos os olhares se voltaram para o caminho de entrada. Manu entrou primeiro, jogando as pétalas com a leveza de quem ensaia para ser estrela de um musical. Nesse momento Mariana se posiciona atrás de Camila e de seu pai. Aproxima-se o suficiente para sussurrar em seu ouvido:
- Você está linda. - Camila não ousou olhar para trás. Queria a surpresa de vê-la entrar. Apenas acenou e em seguida começou a caminhar junto do seu pai.
- Preparada? - O pai de Mariana indagou.
- Sempre.
Camila virou-se para olhar Mariana caminhando em sua direção. O tempo pareceu parar. Camila sentiu o ar desaparecer por um segundo. Ambas estavam contendo a emoção, desejando não borrar a maquiagem. Mas a felicidade era tanta que escorreu pelos olhos. Diana entregou um lenço a Camila, Romero fez o mesmo com Mariana. Os dois trocaram um sorriso cúmplice. Mariana chegou até Camila com um sorriso emocionado.
- Oi.
- Oi... - Camila respondeu, engolindo o choro. - Você tá linda.
- Você também. Tá tudo bem?
- Agora tá.
O celebrante sorriu com doçura, respeitando o silêncio entre elas.
- Queridas Camila e Mariana… e a todos que testemunham esse momento tão especial. Hoje não estamos apenas celebrando a união de duas pessoas. Estamos celebrando o reencontro de duas almas. Um reencontro que desafiou o tempo, a distância, os medos e, principalmente, as marcas do passado. O amor entre vocês não começou agora. Ele nasceu em olhares tímidos, em conversas interrompidas, em desejos contidos. Cresceu no silêncio, nos desencontros, na saudade. E, quando parecia tarde demais... ele voltou. Com força. Com coragem. Com verdade. O que temos diante de nós é a prova de que o amor não precisa ser perfeito — ele precisa ser real. E o amor de vocês é isso: imperfeito, sim. Mas corajoso. Leal. Perseverante. Um amor que não desistiu, mesmo quando tudo parecia perdido. Vocês não estão apenas se casando. Estão unindo histórias, reconstruindo memórias e formando uma família que tem como base o afeto, o respeito e a escolha diária. Porque o casamento não é o fim de uma história — é o começo de outra. Uma que será escrita em cada café da manhã dividido, em cada noite em que uma vai cobrir a outra no sofá, em cada dificuldade enfrentada de mãos dadas. Mariana, Camila... hoje vocês dizem sim uma à outra. Mas também dizem sim à esperança, ao recomeço, à fé no amor. E isso, diante de tudo o que viveram, é uma declaração poderosa.
Ele sorriu, emocionado.
- Que o caminho de vocês seja cheio de diálogo, de companheirismo, de escuta mútua. Que os filhos de vocês cresçam cercados pelo exemplo de um amor que não se rende ao medo, nem à ignorância. Que essa casa que constroem juntas seja um abrigo seguro, onde a felicidade não precise ser escondida — mas celebrada. Hoje, diante de todos aqui presentes... eu declaro vocês casadas. Que esse seja o início do resto das suas vidas — e que cada capítulo seja escrito com amor.
Mariana assentiu. Puxou um papelzinho dobrado do decote e respirou fundo.
- Camila... eu esperei por você em muitos lugares. Esperei nas saudades, nas dores, nos desencontros. E quando a gente se reencontrou, eu percebi que nada daquilo foi em vão. Porque o amor verdadeiro... ele sempre volta. Eu te prometo verdade, paciência, cuidado e amor — todos os dias. E prometo rir com você, mesmo quando a gente quiser chorar. E quando a dor vier, eu estarei aqui. Sempre.
Camila respirou fundo, os olhos marejados.
- Mariana... você é a mulher mais corajosa que eu já conheci. Não por salvar vidas ou enfrentar o mundo, mas por ter me amado quando eu nem sabia quem eu era. Você me deu de volta a esperança, me ajudou a recomeçar. E hoje, eu quero te prometer o mesmo: amor, respeito e cumplicidade. E quero que nossos filhos cresçam sabendo que o amor pode tudo. Mesmo quando parece que não.
A música das alianças começou a tocar. Na porta apareceu Ana Laura e Luiz Henrique de mãos dadas, segurando uma mala preta. Lívia vinha atrás dos dois com uma placa que dizia “Até que enfim.” A entrada arrancou suspiros e risos.
- Com essas alianças, vocês selam o compromisso de amor que os corações já conheciam.
As duas colocaram os anéis, com as mãos trêmulas e os olhos cheios.
- Eu te amo. - disseram juntas, quase sem combinar.
- Eu vos declaro... casadas. Podem se beijar.
E quando se beijaram, o mundo pareceu aplaudir em silêncio. Um beijo doce, longo, carregado de tudo o que haviam vivido e do que ainda iriam viver. Naquele instante, não havia dor, luto ou medo. Apenas amor. Um amor mesmo quando não correspondido o tempo nunca curou.
Fim do capítulo
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