Capitulo 59 - Massagem
Camila
Minha rotina de trabalho ficou mais intensa nos últimos tempos. Minha mãe cuida dos meninos para que eu possa trabalhar. Sempre estou em casa no horário do almoço. Eu não tinha ideia do quanto o meu pai precisava de netos. Todos os dias quando chego para buscá-los no final da tarde ele está pelo chão brincando com os dois.
Estão prestes a fazer dez meses, o que significa que precisam de cuidado redobrado, já começaram a ficar de pé segurando nas coisas o que vez ou outra acaba gerando um tombo e muito choro após a queda.
- Hoje acredito que os filhos amassam os pais para os netos montarem, nesse caso literalmente. - Falo tirando os sapatos ao ver meu pai de quatro com Ana Laura em suas costas, brincando de cavalinho. Luiz ri da cena, ele está descabelado, a boca suja de algo que ele comeu e não deu tempo de limpar.
- Filha. Hoje essas pequenas criaturinhas vão dormir aqui.
Meu pai fala como quem anuncia um decreto presidencial. Ana Laura dá gritinhos de alegria nas costas dele como se compreendesse o que aquilo significa, puxa o cabelo com força, e ele nem se importa.
- Mas pai… – começo a protestar, mesmo sabendo que não tenho forças pra isso, aquela é uma guerra perdida.
- Sem “mas”. Você está exausta, eu vejo nos seus olhos. E não adianta mentir. A gente percebe quando o amor aperta demais no peito e transborda cansaço. Vai pra casa, toma um banho demorado, dorme sem ser interrompida por choro de madrugada. Eles vão estar aqui amanhã, inteiros e felizes. Prometo. - Olho para minha mãe em busca de uma palavra de conforto.
- Não me olhe assim, seu pai tem razão. Você precisa de uma noite de sono decente.
Olho para ele. Aquele homem que um dia achei que não sabia demonstrar afeto agora é o avô mais babão que eu poderia imaginar, os meus filhos tem muita sorte. E eu… estou mesmo cansada. De tudo. Da dúvida, da culpa, da saudade. De me segurar inteira quando, por dentro, ainda estou em pedaços.
- Eu te amo, pai. – digo, com a voz embargada.
- Eu também te amo, filha. Agora vá antes que eles comecem a chorar querendo ir com você. - Ordena, mas acredito que o motivo seja suas possíveis lágrimas surgindo.
Luiz Henrique olha pra mim como se soubesse que a noite vai ser diferente. Balanço a mão em um tchauzinho discreto e deixo um beijo estalado na testa dele antes de sair. Chego em casa e está tudo silencioso. Um silêncio estranho. Um silêncio cheio de Mariana. Me jogo no sofá, encaro o teto por um tempo. Pego o celular. A tela iluminada me entrega sem piedade algo que comecei a escrever pra ela, mas não tive coragem de terminar.
"Estou com saudades."
Desisto de enviar, ao invés disso aperto para fazer uma chamada de vídeo. Em alguns segundos seu rosto surge na tela em um ângulo um tanto incomum. Ela sorri surpresa.
- Boa noite, meritíssima. Pensei que já estivesse dormindo.
- Você não vai acreditar, raptaram meus filhos. Agora não consigo dormir. - Fiz drama.
- Deixa eu adivinhar, sua mãe não deixou você levá-los para casa?
- Quase isso, foi o meu pai. - Percebi que ela estava dirigindo. - Está indo para casa?
- Sim. Sai do hospital agora a pouco. Tive um dia cheio.
- Se estivesse aqui eu te faria uma massagem. - Brinquei sem perceber o quão significativo aquilo seria. Mariana sorri com os olhos brilhantes.
- Não me faça essa proposta, eu pego a rodovia agora mesmo.
- Está tarde, e você está cansada.
- Como me anima e me joga um balde de água fria no mesmo instante? - Eu sorrio com seu pequeno drama.
- Não seria justo te fazer dirigir por duas horas para vir dormir comigo.
- Mas que droga! O que eu faço agora, já que estou bem aqui na frente da sua casa.
- Não brinca com isso. - Saltei da cama.
- Olha pela janela. - Mandou.
Fiz o que ela pediu. Meu coração saltou no peito quando eu vi ela parada ao lado do carro com as pernas sobrepostas. Ela acena com a mão e encerra a ligação. Sinto meu corpo inteiro congelar. Parece que não consigo me mover. Saio do meu momento de paralisia, ao perceber que lá fora está frio e ela precisa entrar. Corro até a porta. Mariana caminha lentamente até mim com um sorriso nos lábios.
- Você está mesmo aqui?!
- Em carne, osso e cansaço. Ainda quero aquela massagem. - Brincou.
Mariana caminha lentamente até mim com um sorriso nos lábios. Não sei o que me deu. Era como se toda a saudade, o medo, o desejo acumulado em mim se transformasse numa única vontade: beijá-la. Na porta de casa sem se preocupar com os vizinhos fofoqueiros e com os possíveis boatos que sairiam na manhã seguinte. Mariana de início foi pega de surpresa, mas logo relaxou segurando minha cintura e correspondeu o beijo com ternura.
- Vem, vamos entrar.
Mariana observa tudo, como quem respeita o território do outro, mas ainda assim deixa um rastro de presença forte. Tirou os sapatos na porta, olhou ao redor com olhos atentos. Eu podia sentir a comparação silenciosa sendo feita dentro dela. A ausência das fotos, o sofá mais simples, a iluminação mais branda.
- É diferente da outra casa.- comentou, sem julgamento, apenas constatando. Assenti.
- Essa é bem menor, ainda não comprei. Estou esperando... saber se é aqui que eu quero ficar de vez. - Comentei sorrindo. Ela arregala os olhos surpresa.
Me olhou com aquele olhar que lê mais do que as palavras ditas. Depois deixou as chaves sobre a mesa da sala, como se já conhecesse aquele gesto, aquele lugar. Eu tirei as fotos de Helen das paredes, elas hoje estão apenas no quarto dos gêmeos. Segundo a minha psicóloga eu precisava disso. De um reset com Helen para entender que ela jamais deixaria de ser a mãe dos meus filhos, e a mulher que foi casada comigo. Mas não precisa ser um fantasma me assombrando com lembranças a todo instante.
- Quer um banho? - perguntei, tentando disfarçar a ansiedade que tomava conta do meu corpo.
- Claro, mas depois quero a massagem que me prometeu. - respondeu, com um meio sorriso.
- Ótimo. Pode usar o meu quarto.- Disse isso antes de perceber o quanto minhas mãos tremiam. Fui até ela, toquei seu rosto. - Enquanto você toma banho vou pedir uma pizza para gente.
- Ótimo, minha última refeição foi o almoço.
Observei ela sumir pelo corredor em direção ao quarto. Senti meu coração agitado demais, minhas mãos trêmulas e a respiração pesada. Me apoiei na bancada da pia, fechei os olhos tentando focar no presente. Respirei contando até dez, pausadamente. Peguei o celular para fazer o pedido, me desconcentrei ao ouvir a água do chuveiro cair no chão. Imaginei Mariana nua, completamente molhada.
- Alô?! Ainda tem alguém aí? - A atendente perguntou do outro lado.
- Sim! Me desculpe. Preciso de uma pizza de calabresa e outra de quatro queijos, por favor.
- Anotado, posso mandar nesse mesmo endereço do cadastro?
- Sim, por favor. Obrigada.
Encerrei a ligação sentindo minha nuca suada. Não sei se de nervoso ou desejo. Pensar em Mariana nua, na minha casa despertou um desejo que estava adormecido. Ouvi a água parar. Fiquei imóvel por alguns segundos, como se o silêncio repentino trouxesse com ele a antecipação do que viria. Mariana saiu do quarto vestindo uma das minhas camisetas grandes e uma das calças de moletom que eu usava em casa. O cabelo ainda úmido, solto, descia pelos ombros. Ela estava linda, de um jeito simples, despretensioso, quase doméstico. E talvez tenha sido isso que me desmontou de vez. A imagem de Mariana cabendo dentro da minha casa. De novo.
- Roubei suas roupas, espero que não se importe. - disse, rindo baixinho enquanto ajeitava a barra da calça.
- Pode roubar o que quiser. - respondi, tentando parecer casual, mas com a voz um pouco mais baixa do que o normal.
Ela se aproximou da bancada onde eu estava e se sentou em um dos bancos, observando meus olhos como se buscasse respostas. Nossos olhares se prenderam por um instante longo demais.
- A pizza tá a caminho. - comentei, desviando o olhar para tentar retomar o controle das palavras.
- E a massagem? - ela insistiu, com um sorriso provocador. - Vai esquecer da melhor parte da proposta?
Soltei um riso nervoso, peguei a mão dela e a conduzi até o sofá.
- Vira de costas. - pedi.
Ela obedeceu, rindo com leveza. Ajeitou o cabelo para o lado e ficou ali, com as costas expostas, esperando meu toque. Acariciei com suavidade os ombros dela, comecei com movimentos lentos, tentando não tremer demais. Senti sua pele arrepiar sob meus dedos.
- Você está tensa. - murmurei.
- Estou tentando não parecer tanto. - ela respondeu, num sussurro.
Continuei a massagem por mais alguns minutos, me aproximando lentamente até encostar minha testa na nuca dela. Fechei os olhos por um segundo, sentindo o cheiro do seu cabelo recém lavado, o calor da sua pele contra a minha. Um pensamento me atravessou como um raio silencioso: e se ela se arrependesse depois? Meus dedos hesitaram por um instante. A respiração dela mudou - mais profunda, mais lenta - como se ela tivesse sentido a minha dúvida.
“É agora ou nunca.” Pensei. Estava cansada de viver na borda do que poderia ser. Do que quase foi. Mariana virou o rosto de leve, nossos olhares se encontraram de novo. Como se já soubesse o que viria a seguir. E então não teve mais espaço para hesitação.
Nossos lábios se tocaram devagar, como se redescobrissem o caminho. O beijo foi mais profundo do que qualquer palavra que pudéssemos dizer. Carregado de saudade, de dor antiga e de algo novo que nascia ali naquele instante.
Ela se virou por completo, sem se importar com seus seios à mostra. Sentou-se no meu colo, nossas bocas ainda coladas. Senti o calor de seu corpo contra o meu. Seus braços me envolvem fortes, cheios de posse e poder. Como se o GPS da vida tivesse nos colocado novamente no rumo certo, nos levando a um caminho conhecido, mas esquecido pelo tempo.
Fim do capítulo
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