Capitulo 51- Vitórias
Camila
O tribunal estava lotado. O calor da sala parecia sufocar, mas era a tensão no ar que realmente me consumia. Era como se todos, à minha volta, estivessem segurando a respiração esperando o desenrolar da história. Eu podia ouvir o som dos sapatos de Helen batendo no piso de mármore enquanto ela caminha para a frente, o som rítmico daquilo que, para ela, era apenas mais um passo na luta pela justiça.
Sentei na primeira fileira, entre os seguranças, com as mãos frias e o coração apertado. O governador Alcides Mendes estava a poucos metros de nós, sentado com seu terno caro e o rosto plastificado pela arrogância. Ele sequer olhou na direção de Helen, mas eu vi quando seus dedos tremeram ao ouvir seu nome ecoar pelo oficial de justiça.
Ela ficou de pé, confiante. Um blazer escuro sobre a camisa branca e o cabelo preso em um coque firme, como quem se amarra para não desmoronar. O silêncio foi absoluto quando ela caminhou até o centro da sala.
- Promotora Helen Almeida, por favor, inicie sua manifestação final.
Ela respirou fundo. Só eu percebi a pequena hesitação antes da primeira palavra.
- Excelência, senhores jurados... - Sua voz ecoou pela sala, clara e firme. - Estamos aqui hoje, não só por mim, não só por minha família, mas por todas as vítimas que sofreram nas mãos do réu, o ex-governador Alcides Mendes. Um homem que usou seu poder e influência para corromper, matar, destruir e, acima de tudo, esmagar a dignidade humana em nome de seu lucro pessoal. Ele é o líder de uma rede criminosa tão enraizada e poderosa que, por muito tempo, esteve além do alcance da lei. Mas hoje, a justiça se fez presente. Hoje, estou aqui porque não aceitei me calar, e desejo trazer justiça a todas as vítimas dele.
A voz dela firme, clara, reverberava no peito de todos. Vi jornalistas anotando palavras como quem corre para não perder a história. E ela continuou:
- O réu, Alcides Mendes, utilizou sua posição política para comandar um esquema criminoso de corrupção, lavagem de dinheiro e eliminação de opositores. Há testemunhas. Há provas. Há um rastro de sangue que o conecta diretamente ao crime organizado.
Ela fez uma pausa, e eu vi seu olhar se endurecer. Havia um fogo lá, uma chama que nunca poderia ser apagada, não importa o que acontecesse.
- Eu estive na linha de frente deste processo, e sei o quanto isso custou. O risco. As ameaças. A invasão da nossa casa. O que o senhor fez, senhor Mendes, não foi apenas corromper um sistema. Foi tentar destruir as vidas daqueles que se opuseram ao seu império. Minha vida, minha família, meus amigos... Todos foram tocados pelo mal que o senhor representa. Mas aqui estamos. O senhor não tem mais escapatória.
O advogado de defesa tentou interromper, mas foi imediatamente silenciado pelo juiz, que pediu para que se concentrasse no caso. Eu senti um arrepio na espinha ao ver o governador sentado ali, impassível, mas com os olhos lançando olhares fulminantes em direção a Helen. Ele sabia que a batalha estava perdida. Mas o orgulho dele, esse, ainda não havia sido quebrado.
- Na busca de se manter impune, ele tentou silenciar jornalistas, agentes da lei e até a mim. E falhou. - Helen se virou, olhando diretamente para ele. - Eu não temo o senhor. Eu o enfrento com a única arma que carrego: a verdade.
Com isso, ela se virou para o júri. Cada um dos jurados parecia absorver a carga emocional da sua fala, o peso da verdade que ela estava trazendo à tona. O silêncio se arrastou, o tipo de silêncio que só acontece quando a verdade é incontestável.
Quando ela terminou, havia uma energia diferente no ar. Não era só o julgamento de um homem corrupto, era o julgamento de um sistema inteiro, o reflexo de um ciclo de impunidade que, finalmente, começava a se quebrar. Cada palavra de Helen, cada frase que ela pronunciava, era uma libertação para todos aqueles que haviam sofrido nas mãos daquele homem. E, naquele momento, parecia que ela não estava apenas representando a lei, mas todos os que não puderam defender a si mesmos.
O advogado de defesa fez uma última tentativa de apelar para a dúvida razoável, mas a prova estava no chão. As testemunhas, as investigações, as evidências estavam todas contra o governador. Ele olhou para os jurados, como se estivesse implorando silenciosamente para que o libertassem. Mas ele sabia que isso não aconteceria Ela finalizou seu discurso com os olhos marejados, mas não uma lágrima caiu. Havia orgulho demais segurando cada gota.
As horas de espera foram um tormento. Cada minuto parecia um eterno sofrimento de antecipação. O futuro dependia daqueles doze jurados. Quando a porta se abriu e o juiz entrou, a sala ficou em silêncio total. O juiz olhou para o tribunal, e sua voz grave ecoou mais uma vez.
- Este Conselho de Sentença, após deliberação, declara o réu, Alcides Mendes, culpado pelos crimes de organização criminosa, corrupção ativa, tentativa de homicídio qualificado e outros crimes conexos. Ele está condenado a 42 anos de reclusão em regime fechado.
As palavras do juiz não foram uma surpresa, mas o impacto de ouvi-las foi algo que eu não estava preparada para sentir. Notei Helen respirar profundamente, deixando seus ombros relaxarem. Foi como se, pela primeira vez em meses, ela conseguisse se desfazer da sombra desse caso. Ele havia sido derrotado. O crime organizado que ele representava, a dor que ele causou a tantas vidas — agora, ele pagaria por isso. E tudo graças a coragem de Helen. O governador gritou alguma coisa antes de ser retirado pela polícia. Palavras de ódio, de raiva. Mas elas não alcançaram Helen. Ela veio até mim com passos firmes. Seus olhos marejados agora se permitiam molhar o rosto, era notória a sua emoção.
- Você venceu. — sussurrei. — Você conseguiu.
- Nós conseguimos. — disse ela, me abraçando forte. — Ele nunca mais vai tocar em ninguém.
E por um momento, a justiça teve gosto de vitória. Mas mais que isso… teve o sabor de recomeço. A noite estava tranquila, quase silenciosa, como se o mundo finalmente tivesse tirado os sapatos para descansar. Helen estava sentada à minha frente, à mesa posta para nós duas, no centro um balde com duas garrafas de champanhe. Havíamos pedido jantar em um restaurante que amávamos, um mimo para celebrar a condenação do governador. Um jantar só nosso. Sem fotógrafos, sem imprensa, sem seguranças por perto. Só nós.
Ela cortava a massa lentamente, como se sentisse o peso de tudo que havíamos enfrentado até ali. Mesmo com a vitória estampada nos noticiários, sua expressão era serena, contida. Como se ainda estivesse processando tudo.
- Sabe... eu achei que esse dia nunca ia chegar. - disse ela, com a voz baixa, mas firme. - Quando denunciei aquele homem, sabia que estava colocando nossa vida em risco. Mas precisava fazer.
- E você fez. - respondi, sorrindo com admiração. - Você teve coragem quando ninguém mais teve. - Por esse e tantos outros motivos, quero comemorar com você. - Estourei o champanhe fazendo a espuma cair no chão. Servi duas taças. Ela estendeu a mão sobre a mesa. Segurei. Foi aí que percebi: a mão dela tremia um pouco.
- Está tudo bem? - perguntei.
- Está. - Ela sorriu, mas seus olhos diziam outra coisa. - Só... estou tentando não chorar.
- Pode chorar, amor. Estamos em casa.
Ela riu baixo. Depois respirou fundo. Seus olhos encontraram os meus. Havia algo ali. Algo novo. Estranhei quando ela não bebeu a champanha, deixando a taça de lado.
- Camila... tem algo que eu queria te contar hoje. Eu queria que esse momento fosse nosso. Só nosso. Sem os ruídos do mundo.
Meu coração acelerou.
- Pode me contar o que for. Sempre.
Helen ficou de pé. Veio até mim, pegou minha mão e colocou sobre a sua barriga.
- Não sei explicar como... mas aconteceu. A última tentativa deu certo. Charlotte confirmou hoje de manhã. Estou grávida.
O tempo parou. Meu cérebro precisou de alguns segundos para processar. Grávida. Grávida.
- O quê...? - sussurrei, os olhos marejando. - Você tá... mesmo?
Ela assentiu, já chorando.
- Agora somos mamães.
Eu a abracei com força, rindo e chorando ao mesmo tempo. Meu rosto afundado no pescoço dela, minhas mãos apertando sua cintura como se pudesse proteger ali, naquele abraço, as duas vidas que agora habitavam o meu mundo.
- Meu Deus, Helen... você conseguiu. Nós conseguimos. — sussurrei.
- Eu senti que devia te contar assim. Só nós. Sem pressa. Porque esse bebê... é feito de tudo o que resistiu. Do que sobreviveu.
- É feito de nós. - completei.
Nos beijamos, longamente, e o jantar ali na mesa esfriou. Mas o amor — aquele, quente e vibrante — nos envolveu por inteiro. Pela primeira vez em meses, não tinha medo. Só futuro.
Estamos no carro a caminho da casa dos meus pais. Hoje é quarta-feira, dia de jogo e jantar em família. Senti saudades desses encontros nos últimos meses. Agora que o caso de Helen foi resolvido decidimos voltar e comprar outra casa, para nos mantermos próximas aos meus pais.
Ela está adormecida no banco ao lado. Posso perceber a felicidade estampada em sua pele macia. A paz reinando em seus sonhos. No banco de trás estão duas sacolas com presentes para contar sobre a gravidez uma para meus pais e outra para Samuel.
Conseguimos manter segredo por dois meses, até termos certeza que tudo estava bem com os bebês. Isso mesmo que você ouviu, bebês, no plural. Estamos esperando gêmeos. Ainda não é possível saber o sex*, mas sabemos que são dois. Sorrio imaginando que logo precisaremos de um carro com mais espaço para caber tudo o que precisamos.
Para mim foi um choque imaginar que teríamos dois filhos de uma vez. Se nossa rotina fosse mudar apenas com um, agora todo trabalho seria em dobro.
Estacionei o carro em frente à casa dos meus pais e fiquei alguns segundos só observando. A varanda iluminada, a luz da cozinha acesa, o som abafado da televisão vindo da sala. Era como se tudo estivesse congelado no tempo, esperando por nosso retorno. Toquei de leve no ombro de Helen.
- Amor… chegamos.
Ela piscou os olhos devagar, sorrindo sonolenta.
- Dormi?
- Quase o caminho inteiro. - Brinquei. - Está pronta?
- Sempre. - Disse, esticando o corpo e ajeitando o cabelo.
Pegamos as sacolas com os presentes e fomos em direção à porta. Samuel foi o primeiro a abrir, ainda com a camiseta do nosso time favorito e os cabelos bagunçados.
- Vocês chegaram! - gritou, abraçando Helen com força. - E aí, cadê o presente?
- Calma! Nem entramos ainda. - Ri, entregando uma das sacolas a ele.
Minha mãe apareceu logo depois, com um sorriso largo no rosto, e meu pai veio do quintal enxugando as mãos num pano de prato, o cheiro de carne assada preenchia toda a sala. Os abraços se multiplicaram. Beijos, saudades, olhares cúmplices.
Sentamos à mesa, como de costume, com a comida caseira da minha mãe ocupando todos os espaços possíveis. Helen comeu como se fosse a primeira refeição do dia, o que arrancou olhares desconfiados de todos. Depois do jogo, com o time vencendo e os ânimos felizes, olhei para Helen e ela assentiu discretamente. Estava na hora.
- Gente... - falei, erguendo um pouquinho a voz. - A gente tem um presente especial hoje.
- Mais um? - Samuel resmungou, abrindo a sacola que estava com ele.
Ele tirou de dentro um body minúsculo com a estampa do time de futebol. Embaixo, outro. Parou. Franziu a testa. Olhou para a gente com cara de quem não tinha certeza se havia compreendido direito.
- Espera… dois?
- Dois. - Helen disse, com os olhos brilhando. - Estamos grávidas de gêmeos.
Minha mãe soltou um grito abafado, cobrindo a boca com as mãos. Meu pai arregalou os olhos, depois sorriu como quem acabara de vencer o maior campeonato da vida. Samuel… ficou parado, segurando os dois bodies, tentando absorver a informação.
- Como assim, grávidas? Gêmeos? De verdade? - Ele falou tudo de uma vez, e depois riu, se jogando no sofá. - Puta merd*. Eu vou ser tio de dois de uma vez?
- Vai sim, moleque. - Confirmei, com a voz embargada. - E vamos precisar muito de você.
Minha mãe chorava de alegria. Veio até mim, depois até Helen, e nos envolveu num abraço longo. Meu pai passou os braços pelos ombros de Samuel e sorriu em silêncio.
- Agora sim, nossa família está completa. — minha mãe sussurrou.
E pela primeira vez em muito tempo, com todos ali, com o coração leve e os olhos no futuro, eu acreditei nisso de verdade.
Fim do capítulo
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