Capitulo 50- Decepção
Camila
Como em um piscar de olhos se passaram três meses. Doze injeções. Quatro exames e consequentemente dois testes deram negativos. E agora, essa sala. Charlotte fala, mas minha mente flutua. As palavras chegam abafadas, como se estivessem debaixo d’água, pisco algumas vezes tentando manter meu foco.
- Os hormônios responderam bem, mas o processo de implantação falhou. Infelizmente, isso acontece com frequência, principalmente na primeira tentativa. Vocês podem tentar novamente, claro. Mas talvez seja bom considerar outras abordagens… outras possibilidades.
Olho para Helen. Ela está de mãos dadas comigo, mas seu rosto está estático, assustado. A mesma expressão que vi quando encontrou nosso lar destruído. Quando recebeu a primeira ameaça. Quando teve que sorrir em meio ao medo e as incertezas. Eu não consigo falar. Só balanço a cabeça.
Charlotte tenta ser gentil. Explica tudo de novo. Protocolos. Tempos. Custos. Chances. Mas nada disso me importa agora. Tudo que eu consigo sentir é o vazio. Aperto a mão de Helen na minha. Sei que ela está prestes a chorar, os hormônios estão mexendo demais com ela nos últimos meses.
Ao final da consulta saímos do consultório em silêncio. O carro nos esperava. Dois seguranças abriram as portas, mas eu hesitei antes de entrar. Olhei para o céu cinzento da manhã. Era estranho. Eu tinha certeza de que estaria chorando agora. Mas as lágrimas não vinham, preciso me manter forte por Helen. No banco de trás, ela segurou minha mão de novo.
- Fala comigo. - Pedi, apesar de desejar fazer isso a sós.
- Não tem o que falar. Eu falhei. - Lamentou fitando a janela.
- Não diz isso. Você não tem culpa de nada, amor.
- Não? Então por que me sinto como se tivesse matado um sonho antes mesmo dele nascer?
Ela se encolheu ao meu lado. Apertou minha mão com mais força.
- A gente ainda pode tentar de novo. Podemos encontrar outro caminho.
- E se eu não quiser outro caminho? — Sua voz saiu falha. — E se tudo que eu queria fosse ver você colocar a mão na minha barriga e sentir nossa filha mexer? E agora... nem isso eu tenho.
- Você tem a mim. E isso nunca vai mudar.
Olhei em sua direção, seus olhos marejados. Cheio de uma esperança destruída, mesmo que momentâneamente. Deitei a cabeça em seu ombro. Ficamos ali, com a cidade passando pela janela. Os carros, as vidas, os sonhos dos outros. O nosso tinha parado. Ela sussurrar uma coisa antes de fechar os olhos:
- Me desculpa por não conseguir te dar isso.
Com a voz embargada, respondo:
- Você já me deu tudo, Helen. Só não percebeu ainda.
A casa estava silenciosa quando chegamos, como Helen estava passando boa parte do tempo cuidando do caso do governador decidimos alugar uma casa. Por insistência de Diana acabamos fazendo isso no mesmo condomínio que ela mora. Pelo avançar das horas nenhum som além do motor desligado do carro e o farfalhar das árvores ao vento foi ouvido.
Helen trancou a porta, tirou os sapatos e pendurou o casaco no encosto da cadeira da sala. Eu continuei parada no corredor, sem saber o que fazer com meu corpo que parecia pesar uma tonelada.
- Quer comer alguma coisa? - Perguntei lembrando que não havíamos comido nada.
Negou com a cabeça. Eu assenti entendendo que ela precisava de tempo. Observei-a subir a escada indo direto para o quarto. Fiz o mesmo percurso. Ela tirou as roupas e deitou na cama. Os olhos fixos no teto. Como se alguma resposta estivesse escondida ali, entre as frestas do gesso. Me aproximei devagar me deito ao meu lado observando-a. Meus dedos lentamente procuraram os seus. Ela não me pareceu receptiva ao consolo. Não hoje. Ficamos assim por longos minutos.
- Você não quer falar comigo? - minha voz veio baixa, carregada de cuidado.
- Eu não sei como falar... sem sentir que estou me afogando nas palavras.
Ela respirou fundo. Esperei que se calasse, mas não. Helen não era de fugir da dor.
- Eu sei o que é querer tanto algo... e sentir que ele escorre pelas mãos. Já passei por isso. Quando perdi minha mãe. Quando vi meu trabalho ser ameaçado. Quando pensei que ia te perder.
Virei o rosto na direção dela. Seus olhos estavam brilhando de lágrimas.
- Mas nada disso... nada me doeu tanto quanto te ver sofrendo agora. Eu só queria te dar isso. — sussurrou.
- E eu só quero te ter aqui. - Disse, firme, como se fosse a única verdade que importasse. - Grávida ou não. Com filhos ou sem. Você é a minha família, Helen. A única coisa que eu jamais quero perder.
Puxei-a para meus braços. Levou pouco mais de dois segundos para que ela desmoronasse. Chorou como não chorou nem no consultório. Vê-la assim me quebra inteira, deveria ter tirado o peso dessa responsabilidade de seus ombros.
Mais tarde, ela adormeceu antes de mim. Fiquei ali, ouvindo sua respiração tranquila. Acariciei sua bochecha, os cabelos bagunçados, a linha da mandíbula que eu conhecia tão bem. Pensei em tudo que havíamos enfrentado juntas para chegarmos até aqui e não consigo acreditar que as coisas terminarão assim. Fechei os olhos, sussurrando em silêncio: “Talvez ainda não seja o fim. Talvez só seja o começo de outro caminho.”
Lá fora o sol se punha com calma, majestoso. Observei pela porta de vidro Helen adormecida. Suas lágrimas levaram-na ao sono profundo. Estou com Diana na linha.
- Ainda está aí? - Perguntou estranhando o silêncio.
- Sim. - Suspiro passando as mãos nos cabelos bagunçados pelo vento.
- Vocês podem tentar de novo. Quanto tempo até o próximo ciclo?
- Um mês. Mas não sei se ela vai ter coragem de tentar de novo. - Minha voz falha.
- Vocês não podem desistir assim tão fácil. Tem que persistir.
- Eu não sei, acredito que ela vá focar no júri que se aproxima.
- Melhor ainda, ela vai estar com a atenção voltada para o trabalho e isso vai diminuir a tensão.
- É, talvez você tenha razão.
- Lógico que tenho, já me viu errar alguma vez? - Eu rio de sua pergunta. Penso em uma resposta a altura, mas vejo que Helen acordou.
- Eu preciso ir. Nós nos falamos depois.
Caminhei até o quarto. Ela me fita com os olhos inchados pelo choro.
- Sente-se melhor? - Perguntou segurando suas mãos.
- Um pouco. - Força um sorriso.
- Posso preparar a banheira para você. Vou descer para fazer o nosso jantar enquanto toma banho.
- Prefiro você na banheira comigo.
- Como quiser.
Neste momento tenho minha esposa sentada à minha frente, sua cabeça tombada sobre meu ombro. Estamos imersas em espuma e sais de banho. Uma música suave toca no som do banheiro.
- Estava pensando. Devíamos tentar de novo assim que você ovular.
- E se eu não conseguir de novo? - Sua voz saiu baixa.
- Se você não conseguir eu tento no seu lugar. E se eu não conseguir vamos atrás de uma barriga de aluguel. Nós seremos mães, não importa o meio que usaremos para que isso aconteça. - Ela respira pesadamente.
- Daqui alguns dias começo a organizar o júri.
- Eu sei. Seu foco vai mudar, a pressão sobre a gravidez vai diminuir e você pode relaxar para que tudo corra bem.
- Acha que isso pode funcionar?
- Tenho certeza que vai.
Enquanto eu faço nosso jantar, vejo Helen mandar uma mensagem de texto. Ela sorri ao receber uma resposta. Acredito se tratar de Charlotte. Apesar de sua personalidade um tanto quanto peculiar, posso afirmar que ela é uma excelente profissional.
Passamos o restante da noite assistindo filme tentando amenizar os nervos depois do dia difícil que tivemos. Adormeci com a certeza de que o amanhã renovaria nossas forças e traria a certeza de que coisas boas estavam por vir.
Fim do capítulo
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