Capitulo 47 - Consulta
Camila
Nossa estada em Nova Esperança está próxima de acabar. Hoje é o último dia que dormimos no quarto de hotel. Também é hoje que Helen fez questão de marcar nossa consulta. Estamos no hospital à espera de Charlotte. Sua empolgação era tanta que eu nem me importei sobre o fato de ser Charlotte. O que eu não imaginava e nem fazia a menor ideia era de que Mariana estava trabalhando aqui.
Deixei Helen esperando por Charlotte e fui comprar café para nós já que acordamos cedo esta manhã. E foi exatamente por sair de perto da minha mulher que descobri que Mariana voltou a trabalhar no hospital. O pronto socorro está lotado de pessoas andando de um lado para outro. Ela surge pendurada em um homem que no momento sofre uma parada cardíaca.
Posso ver o esforço que ela faz para evitar que o paciente morra, seus braços fortes exibem veias a cada novo movimento que ela faz. Dá ordens para os enfermeiros e socorristas. Os cabelos um pouco bagunçados, alguns fios colados em sua testa, grudados pelo suor. Uma gota escorre por seu rosto, ela não dá importância.
Por um milésimo de segundos nossos olhares se cruzam. Ela me fitou com curiosidade, até que percebeu que a vida do homem é mais importante do que qualquer dúvida que possa ter em relação a mim. Pego os dois copos com o café e volto para junto de Helen.
- Obrigada, amor. – Beija meu rosto. – Está tudo bem? Você está pálida.
- Sim. Está. É que eu acabei de ver um homem entre a vida e a morte.
- Por isso detesto hospitais. – Finge um arrepio.
Forço um sorriso. Helen se aconchega mais a mim, ainda esperamos cerca de dez minutos até que Charlotte aparece.
- Desculpe por fazê-las esperar. Podemos entrar? – Dá passagem.
Posso dizer que nunca gostei da Charlotte que é amiga de Mariana, e a traidora que dormiu com minha namorada, mas não posso deixar de admirar o quanto ela é uma ótima médica. Fez questão de explicar todas as possibilidades que temos e indicou que possamos fazer a FIV – Fertilização In Vitro. Orientou sobre os passos que precisaríamos fazer. Sendo o primeiro passo a estimulação ovariana que nada mais é do que o processo feito por meio de medicamentos injetáveis que aumentam as doses do hormônio folículo estimulante (FSH) no organismo da mulher. Os medicamentos são administrados por meio de injeções subcutâneas. O crescimento dos folículos é acompanhado através de ultrassons seriados. Quando o folículo atinge um tamanho adequado, é administrado um medicamento à base do hormônio gonadotrofina coriônica humana (HCG) para amadurecer os óvulos e induzir a ovulação. A segunda parte trata-se da captação do óvulo. O objetivo desse procedimento é obter os óvulos existentes dentro dos folículos dos ovários após a fase de estimulação. É preferencialmente agendado entre 34 e 36 horas após a injeção do hormônio HCG. A captação dos óvulos é realizada com a paciente em sedação endovenosa sendo que também são administrados remédios para aliviar a dor, o procedimento é feito por meio de punção ovariana com uma agulha guiada por ultrassom transvagin*l.
- O líquido proveniente dos folículos é coletado em diversos tubos de ensaio que aguardam o conteúdo em banho-maria. Em seguida, o material é entregue para a equipe de embriologistas para análise. – Charlotte diz com paciência. – O terceiro passo é a cultura de blastocistos, após a fertilização do óvulo pelo espermatozóide, o embrião gerado divide-se rapidamente e aumenta seu número de células. Exemplificando: depois de três dias da fertilização, um embrião com bom desenvolvimento contém 8 células. No quarto dia, esse mesmo embrião pode chegar a ter 32 células. Quando isso acontece, o embrião atinge o estágio de mórula — quando é formada uma cavidade contendo um líquido proveniente do útero. O atingimento da fase de blastocisto é fundamental, pois os embriões que estão nesse estágio possuem maior potencial de implantação no útero e, consequentemente, oferecem maiores taxas de sucesso. Tudo certo até aqui? – Pergunta.
- Sim, claro. – Falamos juntas.
- Ótimo. Por fim temos a transferência do embrião, ocorre com a utilização de um tubo fino e flexível (cateter) dentro do útero por meio do orifício externo do colo uterino. Uma seringa com um ou mais embriões em suspensão no fluido estará ligada à extremidade do cateter para que o fluido seja empurrado para dentro do útero através do tubo. O procedimento acontece dentro de 3 a 5 dias após a fertilização dos gametas. É aconselhável que a paciente fique em repouso relativo por 2 dias. O uso dos medicamentos indicados pelo médico para suporte da gravidez deve ser mantido. O exame de gravidez é feito dentro de 9 a 12 dias após a transferência dos embriões. Tenho apenas que alertá-las para a possibilidade de gravidez múltipla. Já tive pacientes que engravidaram de quadrigêmeos. – Por um segundo tento assimilar a minha vida com quatro crianças e isso me causa certo desespero. Não posso garantir que será apenas um, assim como não posso dizer que possa ser mais de um. – Diz por fim. Quem vai engravidar? Vocês já conversaram sobre isso?
- Sim. Eu vou. – Helen diz sorrindo. Apertando minha mão.
- Ótimo. Isso já é um bom começo. Só preciso de alguns exames antes para podermos começar com as injeções hormonais. E acredito que vocês devam vir com mais frequência para cá. Preciso acompanhar você.
Passamos quase uma hora conversando com Charlotte. Foram tantas informações que eu me senti meio zonza em dado momento. Helen percebendo meu desespero disse para eu sair um pouco enquanto Charlotte a examinava. Concordei de bom grado. Fecho a porta atrás de mim me escorando nela.
- Nossa! Você nem teve o filho ainda e já está com essa cara de desespero? – Diana ri de mim.
- Aquilo...- aponto para a sala. - ... é muita coisa. Estou louca? Eu estou louca!
- Não. Isso é apenas o medo falando. Vamos! Vou te levar para a cantina. Você precisa comer algo.
- Na verdade, queria beber algo. – Confesso afundando na cadeira.
- Dois cafés, por favor. E duas fatias de bolo de chocolate. – Pede a moça que nos atendeu.
Nesse instante avisto Mariana entrando acompanhada de uma mulher. Seu olhar encontra o meu, ela desvia rapidamente voltando sua atenção para a moça ao seu lado.
- Não sabia que ela voltou para a medicina. – Digo pegando o copo com café que Diana me entrega.
- Pois é. Muita coisa mudou em seis anos. Não foi apenas a sua vida que teve avanço.
- Eu só fiquei surpresa. Nunca imaginaria que ela iria enfrentar a mãe para voltar a fazer o que gosta.
- Ela esteve perdida por muito tempo depois de tudo, ela se reencontrou na medicina, perdeu algo que amava muito e buscou algo que também amou. - Engulo em seco sabendo o que ela quis dizer. - Você sente falta?
- De quê?
- De morar aqui. Dela... – aponta para Mariana.
- Claro que sinto falta de morar aqui. Principalmente por não estar perto de você.
- Eu sei que me ama. – Brinca.
- Idiota. – Reviro os olhos.
- E quanto a Mariana?
- Mariana foi uma parte importante da minha vida. A paixão que senti por ela foi avassaladora. – Confesso. – Adorava estar com ela, mas não era para ser. Somos de mundo diferentes.
- Eram. Vocês eram de mundos diferentes. Hoje você tem uma profissão que consegue te dar um patamar de vida bom. Não é como se ela fosse milionária e você uma funcionária dela. – Corrige com senso de humor.
- Eu sei, eu sei. Só acredito que uma hora ou outra as coisas iriam desandar entre nós. No fim fico até grata por ela ter feito isso antes. Helen é a coisa mais importante da minha vida. Vamos construir uma família. E eu acredito que se Mariana não tivesse me traído, jamais teria encontrado Helen de novo e nos dado mais uma chance.
- Não me entenda mal, adoro o quanto Helen te faz feliz. Mas continuo achando que sua história com Mariana ainda não acabou. Pode estar em pausa, mas não é o fim. Para mim a promessa que fez quando Eleanor estava morrendo foi parte decisiva para você se relacionar com Helen. Não é todo dia que prometemos amar e cuidar da filha de uma mulher que está à beira da morte.
Sinto meu corpo inteiro congelar. Helen está parada a poucos passos de nós. Seus olhos estão banhados em lágrimas. Levanto-me para ir até ela, Diana vira-se sem entender nada. Helen dá as costas e caminha para a saída do hospital.
- Amor, espera. – Peço segurando seu braço.
Não tenho resposta, ela apenas evita o contato. A única coisa que escuto são seus passos indo em uma direção oposta à minha, quando chegamos ao estacionamento ela se apoia no carro. Bate a mão fechada no teto, uma, duas, três.
- Amor, pare com isso. – Peço me aproximando, segurando sua mão.
- Por favor! Me deixa sozinha.
- Não vou fazer isso. Sinto muito que tenha escutado aquilo.
- Aquilo? Você chama de aquilo? Diana acabou de dizer que você está comigo apenas por uma promessa que fez à minha mãe.
- Ela não disse isso.
- Camila, por favor! Me poupe do cinismo. Eu não sou louca e consegui ouvir muito bem. Foi isso que a minha mãe conversou com você? Ela pediu para que cuidasse de mim?
- Sim. Foi isso que ela falou comigo antes de falecer. – Confesso.
- Ótimo. Então não passo de uma caridade para você? Casou comigo por pena? Eu sou a pobre órfã que precisava de amor?
- Helen, pare. Não é nada disso. – Aproximo-me segurando seus braços, ela chora copiosamente.
- Não sou isso? E então o que sou para você?
Seus olhos me fitam com aflição, talvez por medo da minha resposta. As lágrimas correm por seu rosto, banhando sua pele. Acaricio sua face, secando suas lágrimas. Cada uma delas me corta a alma. Detesto ver Helen assim. Durante todo esse tempo foram poucas as vezes que discutimos. Na maioria das vezes que ela chorou, foi por saudade da mãe. Nunca por brigas nossas.
- Amor, você foi o último sopro de vida que eu precisava para voltar a ser feliz. Ficar com você é uma caridade, mas para mim. Eu não seria ninguém sem o seu amor, sem o seu cuidado e dedicação. Não consigo imaginar a minha vida sem que você fizesse parte dela. Nós estamos prestes a formar uma família. Vamos ter filhos. Isso não é algo com o qual eu brincaria. Nunca pensei que pudesse desejar tanto algo, como desejo que isso aconteça para nós. Eu amo você de um jeito que nunca amei ninguém. Acredita no que eu sinto. – Seguro seu rosto. – Não chora, isso me destrói.
- Você tem certeza que quer esse filho?
- Sim. É tudo o que eu mais quero. – Afirmo. Beijando seus lábios. – Nunca duvide do quanto eu te amo. Por favor.
- Tudo bem.
Seus braços me envolvem em um abraço. A poucos metros vejo Charlotte e Mariana caminhando para o carro. Mariana me olha em seguida e muda o foco da visão. Helen me solta para em seguida me beijar novamente.
- Vamos? – Diz segurando minha mão.
- Vamos sim.
Passamos no hotel apenas para pegar nossas coisas. Chegamos a Santa Cecília no final de tarde. O percurso todo foi feito enquanto falávamos sobre a gravidez. Helen está animada com a possibilidade de se tornar mãe. Ela está tomando banho enquanto desfaço as malas.
- Precisamos contar aos seus pais. Não acha? – Viro-me para ela, Helen está com os cabelos presos na toalha, usa um roupão branco. Sua pele fica um pouco vermelha por conta da água quente.
- Acho sim. – Digo sorrindo. – Sabe, se o nosso filho tiver metade da sua beleza, ele ou ela será a criança mais linda do mundo. – Acaricio seu rosto.
Desato o nó de seu roupão, deixando-o ir de encontro ao chão. Minhas mãos buscam com precisão um toque em sua pele macia e perfumada. Meu nariz encaixa perfeitamente na curva de seu pescoço. Vejo seus pelos arrepiarem com o contato. Helen acaricia minha nuca, seus dedos deslizam com cuidado entre meus cabelos.
- Vamos nos atrasar para o jantar. – Sussurra.
- Se a minha mãe perguntar podemos dizer que já estamos tentando dar netos para ela. – Helen gargalha.
- Sua maluca. – Diz me tomando os lábios.
Não demora para ficarmos completamente nuas sobre nossos lençóis bagunçados. Nossas respirações descompassadas ecoam no silêncio do quarto. Hellen passa as pontas dos dedos na minha barriga.
- Tem certeza que não quer engravidar? Não quero que isso seja um problema depois.
- Tenho sim. Você vai ficar linda grávida. Quero te mimar o máximo que eu puder.
- Tudo bem. Depois podemos ter outro filho, aí você pode gerá-lo.
- Outro filho?
- Você não quer mais de um? – Ela apoia-se sobre os cotovelos, me fitando.
- Com você, eu poderia ter até dez deles. – Helen sorri.
- Eu te amo.
- Eu também te amo. – Trocamos mais um beijo. – Mas acho melhor irmos ou mamãe vem nos buscar.
- Tudo bem. Agora preciso de outro banho. – Salta da cama. – Você vem? – Diz com más intenções.
Corro atrás dela, agarro-a pela cintura e seguimos abraçadas para o banho. Mas o que era para ser algo rápido acabou virando mais um momento cheio de amor. Deixamos o jantar para outro dia e aproveitamos o resto da noite para namorar ainda mais.
Quando acordo na manhã seguinte Hellen não está ao meu lado. Escuto sua voz no andar de baixo, ela está ao telefone. Seus passos ecoam. Vou para o banho. Escolho minha roupa para vestir, quando desço as escadas ela está de frente a televisão. O volume está baixo, acredito que ela não pretendia acordar. Segura nas mãos uma caneca.
- Bom dia! – Beijo seu pescoço. Ela me passa a caneca. Tomo um gole. – Está esperando algo?
- Bom dia! Amor. Vão prender o governador.
- Essa é uma ótima forma de começar o dia. – Sorrio para ela. – Parabéns pelo seu trabalho. – Beijo seus lábios.
- Não foi só um trabalho meu. Tem toda uma equipe por trás.
- Eu sei, mas como não posso parabenizá-los, fico aqui te bajulando e dizendo o quanto você é maravilhosa. – Beijo seus lábios de novo.
- Obrigada. – Sorri. – Agora senta e assiste comigo. – Aponta a cadeira ao seu lado.
Não demora para o plantão ao vivo começar, a polícia se encontra em frente a casa do governador. Alguns segundos depois ele sai escoltado, com as mãos cobertas por uma camisa, possivelmente para esconder as algemas. Claro que ele está cercado de advogados, não seria diferente.
- Você conseguiu. – Aperto sua mão.
- Longe disso. Temos um longo processo até conseguirmos mantê-lo preso.
- Aceite essa vitória.
- Aceito. – Sorri. – Vamos almoçar juntas para comemorar.
- Ótimo. Agora eu preciso ir. – Beijo seus lábios. – Nos vemos mais tarde.
Sigo de casa direto para o trabalho. Não tenho tempo livre para falar com Helen, apenas na hora do almoço que sigo para nosso restaurante preferido. Ela me contou entusiasmada sobre tudo de bom que esse novo caso iria render para sua carreira. Adoro ouvi-la falar, as vezes sinto que poderia fazer isso por horas. Há paixão em tudo que ela faz. E eu não poderia estar mais certa da minha escolha sobre ela ser a mãe do meu filho.
Fim do capítulo
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