Conteúdo sensível.
Quem tem problemas de gatilhos sobre assédio ou abuso sexual. Aconselho a pular o capítulo.
Capitulo 40 – Noite de más notícias.
Camila
Assim que vi Mariana ficar de pé e caminhar em minha direção, tratei em ir para outro lugar. Tudo o que eu menos quero é ter que fingir cordialidade com ela. Estou aqui por Lívia, apenas por ela. Odiaria causar um escândalo em seu dia especial.
Samuel disse que não sairia do meu lado. Ficaria como um cão de guarda, pronto para morder a canela de Mariana caso ela se aproximasse de mim. Só meu irmão para conseguir me distrair em um momento tão tenso quanto esse.
Seguimos conversando e bebendo. Lívia se diverte ao lado de Manu. Sempre que Mariana nos avistava, meu irmão tratava em me tirar de seu foco. O horário esperado chegou, cantamos parabéns para a princesa Lívia. Quando ela soprou as velas eu me senti um pouco tonta. Apoiei-me em Samuel. Decidi que não iria mais beber, estava na hora de parar.
A festa seguiu, aos poucos os convidados foram embora. Samuel fugiu alegando que teria uma festa de adulto para ir. Quando já não aguentava mais segurar para ir ao banheiro, acabei sendo vencida. Entro na casa. Conhecia cada cômodo. Observar todos eles era como estar diante de uma TV vendo o filme da minha vida ao lado de Mariana. Vou para o segundo andar, pois o banheiro de baixo estava ocupado. Depois de aliviar minha bexiga. Lavo as mãos e saio. Quando abro a porta Mariana está me esperando do lado de fora.
Seu corpo apoiado na parede. As mãos juntas em frente a barriga. Ela ergue o olhar quando me vê sair. Sorri para mim.
- Vai fugir de mim a noite toda? – Questiona inclinando-se em minha direção.
- Essa era minha principal tarefa. – Respondo sem humor.
- Camila, não precisa ser assim. Será que podemos conversar como duas pessoas adultas?
- Não temos o que conversar.
- Por favor. – Pede me impedindo de sair.
Não sei o que me fez aceitar. Talvez a curiosidade em ver o que ela tem a dizer, não que algo vá mudar depois de quase três meses. Mas acredito que eu mereço saber a verdade. Ela caminha em minha frente. Abre a porta de seu quarto. As recordações me impedem de me mover.
- Por favor. – Dou dois passos.
Fecho os olhos assim que entro, ainda consigo ver Mariana vestindo suas roupas ao lado da cama. Charlotte nua, tentando convencê-la de que o que fizeram não foi errado e que eu não precisava saber.
- Quer beber algo?
- Não. Vá direto ao ponto.
- Camila, eu sinto muito. Sei que estraguei tudo.
- Pelo menos tem consciência. – Digo sarcástica.
- Mas você não precisava ter agido daquela forma. Poderia ter continuado na empresa. Poderíamos ter conversado e resolvido as coisas entre nós. Eu amo você. Só parei de te procurar porque acreditei que o tempo curaria sua mágoa.
- Mariana, o tempo só me faz lembrar o quanto fui idiota por confiar em você. – Ela me olha surpresa. – Eu te dei tudo, tudo que ninguém nunca teve. Te dei o que tenho de mais valioso, te dei meu coração. E você o quebrou em um milhão de pedaços. Agora estou tentando juntar todos os cacos. E isso dói. Tenho medo que nunca pare de doer.
- Eu sinto muito. – Dá um passo em minha direção. – Eu juro que aquela noite é um borrão na minha cabeça. Não consigo lembrar de nada antes de você chegar aqui.
- Como você trans* com sua amiga e esquece? E nem foi a primeira vez. Pelo visto o chá de Charlotte causa amnésia.
- Você entendeu errado, da outra vez foi antes de você. Na faculdade. Nós não estávamos juntas. – Conta desesperada.
- Pelo visto foi bom, afinal você quis repetir.
- Camila, por favor. Eu amo você. – Sua testa junta-se à minha. Posso sentir o cheiro de seu hálito. – A gente pode tentar de novo. Eu sinto sua falta todos os dias.
- Você não me ama. Se me amasse nunca teria ficado com ela. Mariana, se eu não tivesse visto vocês, você me contaria a verdade? – Ela fica em silêncio. – Isso diz muito sobre o seu caráter. Acho que não temos o que conversar.
Dou um passo em direção a porta. Sua mão prendeu meu braço me impedindo de sair.
- Me deixa ir.
- Por favor. Eu amo você. – Sussurra. Sua boca está em minha nuca. Meu corpo inteiro reage. Fico furiosa. Não sei se comigo por ainda ser vulnerável ao seu toque ou se por ela insistir em dizer que me ama depois de me trair.
- O que você quer Mariana? É sex* que você quer? Assim como fez com ela? Eu posso te dar. – Cuspo as palavras.
Agarro-a contra meu corpo. O beijo não é delicado, pelo contrário, parece que toda a minha mágoa está concentrada em meus lábios. Eles que sempre foram delicados como pétalas de rosas e tratavam aquela mulher com tanto amor e cuidado, agora distribui espinhos ferindo sua carne, marcando sua alma.
- Camila, para. Não quero assim. – Mariana tenta se soltar.
- Você não quer sex*? Então é isso que vou te dar. – Afirmo com ódio. Posso ver o medo pairando sobre seus olhos.
Empurro seu corpo contra a parede. Rasgo seu top, deixando seus seios à mostra. Não consigo sentir desejo, não consigo admirar Mariana, tudo que quero é feri-la da mesma forma que ela me feriu. Beijo seus lábios com força em meio aos seus protestos. Ela tenta me afastar, ao mesmo tempo que sua língua desliza na minha. Aperto seu seio, depois desço minha mão por sua barriga, fazendo um caminho já conhecido e agora tão estranho. O corpo dela fica tenso. Só então percebo o que estou prestes a fazer. Mariana morde meu lábio com força. Eu me afasto dela, sentindo o gosto de sangue na boca. Seus olhos estão cheios de lágrimas. Vejo a decepção estampada em seu olhar. Isso me causa desespero.
- Mariana, eu... – Tento argumentar me afastando dela.
- Não diz nada. Só vai embora daqui. – Abre a porta com força.
Saio sem olhar para trás. Como pude deixar a raiva me cegar daquela forma? Aquele não era eu. Eu não poderia simplesmente me vingar da pior forma possível. Mariana nunca me olharia da mesma forma. E isso me causa angústia. Limpo o canto da boca. Diana me encara quando percebe que venho do quarto de Mariana.
- Mila, está tudo bem? – Escuto sua voz distante.
Tento falar algo, mas nenhuma palavra sai. Só quero sair, ir para o mais longe possível de Mariana e daquela casa. Entro no primeiro táxi que encontro, observo o vai e vem dos carros pela janela. Meu celular toca. Já era quase madrugada, Helen ligando essa hora não poderia ser algo bom.
- Alô.
- Mila, a minha mãe... – Não consegue completar a frase. Seu choro é dolorido. Sinto meu peito apertar.
- Hell, meu amor, se acalma. O que aconteceu?
- Minha mãe piorou. Eu não sei o que fazer. Ela está no hospital. – Conta chorando.
- Fica calma. Daqui duas horas eu chego aí.
- Não. Está tarde. Não tem como você conseguir um ônibus essa hora.
- Eu vou de táxi, iria até a pé para ficar ao seu lado. Não se preocupe, logo estarei com você.
Digo ao motorista para onde vamos. Ele estranha por se tratar de outra cidade, mas como ele iria ganhar uma boa grana acaba aceitando a corrida. Quando chegamos ao hospital o dia já estava claro. Dou o nome de Eleanor na recepção, a moça me diz qual o andar e eu sigo.
Assim que chego ao corredor encontro Helen. Ela está sentada, a cabeça baixa apoiada nas mãos. Minha mãe está ao seu lado, ela é a primeira a me ver. Parece surpresa ao me ver tão bem arrumada e aparentemente sem nenhuma mala.
- Camila chegou. – Minha mãe diz a Helen.
Rapidamente sua cabeça levanta. Sai da cadeira. Atirando-se em meus braços, chorando copiosamente.
- Calma, meu amor. Eu estou aqui. Vai ficar tudo bem. – Beijo sua cabeça.
- A minha mãe, Mila. A minha mãe. – Repete inconformada.
Não tenho o que fazer, apenas a mantenho em meus braços. Confortando-a. Depois que ela se acalma me conta sobre o estado de saúde de Eleanor. O médico disse que é apenas questão de tempo até o pior acontecer.
- O que foi isso? – Minha mãe pergunta apontando para minha boca. Estamos apenas nós duas acordadas. Helen adormeceu em meu ombro.
- Mordi errado. – Minto.
- Você nunca foi boa com mentiras. – Ela ri.
- É uma longa história.
- Deixe para explicar a ela, quando for o momento certo. – Aponta para Helen.
Sei que em algum momento ela vai perguntar, mas não sei se eu teria coragem de contar. Não por ter sido Mariana, mas sim pelo que quase fiz com ela para que me mordesse daquela forma. Sinto um nó se formando em minha garganta. Meu celular toca.
- Camila, onde você está?
- Voltei para casa. A mãe de Helen está no hospital.
- Você quase me mata de susto. E suas coisas? Como você chegou tão rápido?
- Diana, posso explicar depois? Estou um pouco ocupada agora. – Peço. Se eu responder uma de suas perguntas darei margem para que ela chegue no assunto que não quero falar.
- Tudo bem, mas me avisa. Seu irmão disse que no fim de semana leva suas coisas.
- Obrigada. Nos falamos depois. – Encerro a ligação. – Samuel vem no fim de semana. – Digo à mamãe. Ela sorri.
- Deveria levá-la em casa. – Aponta para Helen. – Ela precisa comer algo.
Consigo convencê-la a ir. Helen me deixa dirigir, levo-a para minha casa. Ela já tem algumas roupas aqui, pode facilmente tomar banho e vestir algo. Enquanto está no banho, cuido do café da manhã. Perco-me nas lembranças da noite anterior que me perturbam. Sinto o cheiro de queimado. Volto-me para o fogão. Os ovos mexidos estão pretos. Eu tento pegar a frigideira e acabo queimando a mão.
- Droga! – Falo deixando a água lavar o machucado.
Sei que isso é carma pelo que quase fiz com Mariana. Sinto-me envergonhada. Como pude fazer algo tão absurdo. Aquilo sem dúvidas superou o que ela fez comigo.
- Está tudo bem? Ouvi você gritar.
- Sim. Está. Eu só queimei os ovos e a mão.
- Me deixa ver. – Aproxima-se. – Não parece algo grave, vamos passar uma pomada. – Seus olhos fitam meu rosto.
É a primeira vez em horas que ela me olha diretamente. Fita meus olhos, depois meus lábios. Sinto seus olhos vacilarem por um segundo. O brilho sumiu. Ela se vira. Esperava que ela perguntasse, mas simplesmente me dá as costas e diz para eu ir tomar banho e trocar de roupa.
Deixo a água correr pelo meu corpo. Como se pudesse lavar meus pecados. Após longos minutos me sinto um pouco melhor. Só que ainda não é o suficiente para conversar com Helen, muito menos contar o que eu fiz. Fito o meu reflexo no espelho. Com raiva de mim mesma dou um soco. Os vidros se despedaçam em minha mão.
- Mila, o que foi isso? – Helen pergunta.
- O espelho. Está tudo bem.
O sangue escorre na pia. Jorrando como a água que caía do chuveiro minutos antes. Busco algo para estancar o ferimento. Encontro gases, faço um curativo meio desajeitado. Escolho algo para vestir, desço as escadas e Helen está ao telefone com minha mãe. Tomamos café da manhã e depois voltamos para o hospital.
Helen não faz nenhum questionamento sobre meus ferimentos. Minha mãe, pelo contrário, me olha como se eu precisasse contar tudo depois. Era noite quando Helen foi deixá-la em casa.
- Senhorita Camila? – O médico me chama.
- Sim. Algum problema?
- Eleanor quer falar com você.
Fico de pé. Faço a preparação para entrar na UTI. Eleanor está no quarto sozinha. Vou até sua cama. Ela está pálida, em nada me lembrava a mulher cheia de vida que eu conheci. Com um aceno me chama para perto dela. Vou até a cama.
- Mila, que bom que eu acertei que estava aqui. – Fala com dificuldade. – Hellen não poderia ter escolhido melhor. – Sorri. – Minha filha te ama. Eu não posso partir sem antes saber quais são as suas intenções com ela. Preciso saber se quer ficar ao lado dela. Se pretende casar. Se vai cuidar da minha menina. Por favor, Camilla. Diga-me se a ama. Você a ama como mulher ou como amiga?
- Eleonor, eu...
- Por favor.
- Eu a amo. Estamos juntas há pouco mais de um mês.
- Prometa que não vai deixá-la sozinha. Prometa que vai amá-la sempre, que irão se casar, ter filhos. Cuide da minha filha, Camila. Prometa? – Segura firme minha mão.
- Eu prometo. Eu prometo. Amarei Helen até o fim de minha vida, ela não está sozinha. – Digo chorando, não disse apenas por obrigação. O fato de ter vindo para cá sem pensar duas vezes, apenas por vê-la chorar me deu a certeza de que não estou apenas passando tempo com ela para curar minha ferida. Eu a amo.
- Obrigada, filha. – Seus dedos soltaram minha mão, uma lágrima escorre de seus olhos, o pescoço tomba para o lado. A máquina começa a apitar. Os médicos entraram e eu sou obrigada a sair.
Fico de fora, olhando através dos vidros. Estou tremendo. Helen chega, me fita de longe. Ela sabe, apenas por me olhar ela sabe. Corre até mim. Seu grito ecoa pelo corredor, é dolorido, parece um uivo. Aquilo me corta o coração.
- Vai ficar tudo bem. Estou aqui. – Beijo seus lábios. – Estou com você, amor.
Fim do capítulo
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