Capitulo 37 – Dormindo juntas
Camila
A noite não foi fácil. Decidi que era melhor dormir na casa dos meus pais, na tentativa de conseguir silenciar meus pensamentos. Ou talvez na esperança de que Helen visse a luz do quarto acesa e resolvesse vir me roubar mais beijos. Rolei na cama a noite inteira. Era madrugada quando desci para tomar água. Quando volto, fito a janela do outro lado da rua. Percebi que a luz do quarto dela estava acesa.
Ela também não conseguiu dormir. Sorri ao constatar isso. Ao menos não estava vivendo sozinha o inferno do beijo roubado. Penso em mandar mensagem. Abro a conversa. Ela está on-line, como se também buscasse coragem para me chamar.
- Sem sono? – Questiono. Logo o digitando aparece.
- Sim.
- Quer vir para cá?
- Não sei se isso é uma boa ideia.
- Por qual motivo não seria? Podemos conversar por ligação se preferir.
Não tenho resposta. A tela acende. Ela está ligando. Meu coração bate louco no peito. Até parece que nunca falei com ela antes. Respiro fundo duas vezes e atendo.
- Pensei que tinha dormido.
- Você roubou mais do que um beijo. – Fui direta. Escuto ela prender o ar.
- Sobre isso, eu queria...
- Se pensar em se desculpar por ter me beijado, juro que não olho mais na sua cara. – Ela sorri.
- Tudo bem. Sem desculpas, então. – Um suspiro.
- Você está bem?
- Não. Estou assustada.
- Pelo quê?
- Pelo beijo. Não acho que eu deveria ter...
- Helen, por Deus! Você deveria ter vindo para cá, me devolver esse beijo, já que detestou tanto. – Ela gargalha.
- Não é nada disso. Só tenho medo de que não seja nada do que eu estou pensando.
- O que está pensando?
- Que você queria tanto quanto eu.
- Não deu para notar isso quando gemi contra a sua boca? – Digo sarcástica.
- Não quero confundir as coisas. Eu gosto de você, sempre gostei.
- Não tem o que confundir. Você quis me beijar e eu quis te beijar. Aconteceu. E foi delicioso. E continua achando que você deveria estar aqui me beijando mais vezes. – Ela sorri.
- Cansei de ir para o seu quarto. Agora é a sua vez. – Ela desliga.
Vou até a janela. Ela está me olhando do outro lado. Seu abajur está aceso, a pouca luz me permite ver sua silhueta formando uma sombra ao fundo. Olho para o chão. Talvez um braço quebrado não valesse alguns beijos. Decido sair pela porta, seria mais seguro. Ela me fita indignada quando me afasto da janela. Desço as escadas com cuidado até chegar à porta. Vou até o outro lado da rua. Tem uma escada no jardim. O que eu acho perigoso, afinal alguém poderia entrar no quarto dela. Mas agradeço por no momento esse alguém ser eu.
Apoio a escada na parede e começo a subir. Bato duas vezes no vidro. Ela abre a janela com um largo sorriso.
- Sabia que é perigoso deixar uma escada a mostra desse jeito? – Digo enquanto ela me puxa para dentro.
- Vou lembrar de guardar. – Garante.
Dou uma olhada no quarto. Diferente do meu, tudo ali é novo. A cama king no meio do cômodo, uma TV enorme, um guarda-roupas ocupando quase toda a parede. A cor já não era mais o rosa que ela adorava. Era um tom mais pastel. A cama estava bagunçada. A única coisa que permanecia igual era a foto ao lado na mesinha de cabeceira.
Sorrio pegando o objeto. Estamos com o uniforme da escola, Helen está com o braço em volta do meu ombro. Sorrimos olhando uma para a outra.
- Minha mãe tirou essa foto. – Falo.
- Sim. Foi.
- Não pensei que ainda guardasse isso.
- O que você fez com a sua?
- Não lembro. – minto. Deixo o porta-retrato em seu lugar de origem. Viro-me para fita-la.
Dou um passo em sua direção. Não preciso dizer nada. Ela me abraça. Posso sentir seu coração acelerado tal qual o meu. Parecemos duas adolescentes de novo. Cheias de medos, incertezas, desejo, tesão.
- Podemos dormir? – Ela diz.
- Claro. – Concordo. – Mas antes eu preciso que você me devolva o beijo que detestou. – Brinco fazendo-a rir.
- Boba.
Em segundos nossos lábios se unem. Sua língua pediu passagem com urgência. Sua camisola de seda me permite sentir seus seios enrijecidos. Aperto suas cintura. Ela suspira. Sinto seu corpo amolecer em meus braços. Seguro-a pela cintura, levando-a para a cama. Minha perna se posiciona entre as dela. Sinto seu calor me arder a pele. Nosso beijo fica mais urgente. Sua mão invade meus cabelos, as minhas buscam por qualquer parte de sua pele que esteja descoberta. Suspiro sentindo uma pontada no ventre. A dor é alucinante. Mas não posso simplesmente entrar aqui como uma adolescente cheia de hormônios e trans*r. Não somos mais duas meninas assustadas.
- Acho que já podemos dormir. – Afasto-me o suficiente para dizer.
Ela sorri de olhos fechados. Suas mãos fazem carinho na minha nuca. Assim fica difícil raciocinar.
- Vai ser tão complicado dormir depois desse beijo. – Confessa prendendo o lábio inferior entre os dentes.
- Posso ficar aqui, agarrada em você. – Posicionei-me atrás dela.
- Desde quando isso vai aplacar o desejo que estou sentindo? – Questiona indignada.
- Eu sei. Não pense que vai ser fácil dormir com essa sua bunda gostosa empinada para mim. – Mordisco sua orelha. – Mas apenas por hoje, vamos só dormir. – Beijo sua nuca.
Ouço ela dizer um palavrão baixinho, depois um longo suspiro. Dou risada e em seguida me aproximo ainda mais dela. Dormimos com nossos corpos colocados. Nunca foi tão fácil ter uma boa noite de sono depois de longas noites de choro durante quase dois meses.
Acordo na manhã seguinte antes dela despertar. Não quero que Eleanor saiba que eu dormi aqui. Apesar de sermos adultas, acredito que essa não seja a melhor forma de entrar na vida de Helen. Beijo o rosto dela. A cubro com o edredom. Vou até a janela. Xingo quando percebo que a escada saiu do lugar, está largada no jardim. Vou precisar sair pela porta.
Antes de sair do quarto. Dou mais uma olhada em Helen, ela dorme serena. Sua roupa sobe e desce conforme a respiração se intensifica. Depois mandaria mensagem para ela. Fecho a porta sem fazer barulho. Cuidadosamente começo a caminhar em direção a saída.
Pouca coisa mudou no restante da casa. Passo a passo consigo chegar até a sala. Quando giro a chave escuto a voz de Eleanor atrás de mim.
- Já está indo?
Por segundos sinto minha alma sair do corpo. Travo, segurando a maçaneta da porta.
- Deveria tomar café comigo.
- Eu...acho melhor ir. – A fito.
- Sente-se, Camila. – Aponta o sofá.
Nem percebo direito quando meu corpo obedece a sua ordem. Me sentindo uma adolescente pega no flagra. Silenciosamente ela me serve um pouco de café. Estende a xícara em minha direção.
- Não precisa ficar nervosa. Vocês não são mais crianças. Apesar de continuarem pulando janelas no meio da noite. – Prende o riso.
- Nós só conversamos. – Digo rapidamente. Ela sorri tomando um gole de café.
- Juro que fiquei feliz com a reaproximação de vocês. Helen sofreu muito quando vocês se afastaram. – Confessa. – É bom que tenham colocado uma pedra sobre o que aconteceu no passado. Vocês merecem uma segunda chance. – Faz uma pausa. – Vocês vão se dar uma segunda chance? – Questiona. Movida pela surpresa eu arregalo os olhos.
- Nós somos amigas de novo. Pensei que isso já estivesse claro.
- Você sabe do que estou falando. – Insiste. – Helen te ama, sabemos bem que não apenas como amiga. Ela sempre te amou. Durante todo esse tempo ela nunca namorou ninguém, embora vez ou outra alguma menina insistisse. Ela sempre escapava. Acredito que esperando por você. – Escutar aquilo causa um rebuliço dentro de mim. Parece que meu corpo está em queda livre. – Como sabe, eu estou velha e doente. Diria que com o pé na cova. – Ela força um sorriso sem graça. – Eu sou a única pessoa que a Helen tem. Preciso morrer na certeza de que você estará aqui para ela.
- Eleanor...
- Deixe-me terminar. – Toca minha mão. – Só preciso que você me prometa que independente do que aconteça entre vocês, se resolverem ser apenas amigas, ou algo mais. – Dá um riso. – Só quero que me prometa que estará aqui quando eu partir. Você pode me prometer isso?
Pisco várias vezes. Não sei o que responder. Claro que eu jamais deixaria que Helen passe por algum sofrimento sozinha. Mas prometer a sua mãe em leito de morte é uma promessa para a vida toda. A mulher continua me fitando, seus olhos me lembram muito os de Hellen.
- Claro. Estarei aqui. – Afirmo pegando sua mão. – Eu a amo. Só agora que me aproximei dela consigo ver o quanto ela me fez falta.
- Ótimo. – Dá dois tapinhas na minha mão. – Só espero que tenha certeza de qual tipo de amor estamos falando. Não quero ver ninguém sofrer. E principalmente minha filha. Então, se em algum momento as coisas entre vocês mudarem. Peço que você tenha certeza de que quer mesmo fazer minha filha feliz.
- Pode deixar. – Afirmo. – Agora acho melhor eu ir. – Fico de pé. – Obrigada pelo café, e pela conversa.
- Eu que agradeço. – Sorri para mim.
Atravesso a rua com pressa. As palavras de Eleanor me invadem os ouvidos. Sei que tudo que ela disse é apenas por preocupação com Helen. Só que eu não posso deixar de me sentir culpada pelo que fizemos ontem. Cautela não foi algo que existiu na noite anterior.
Não estou arrependida pelo beijo. Mas preciso pensar direito sobre como as coisas podem mudar depois dele. Abro a porta de casa. Meu pai está na cozinha. Vou até ele, beijo seu rosto depois vou para o quarto. Organizo minhas coisas. Depois que tomar café com eles vou para casa. Tenho muito o que fazer antes de sair a noite. Com Helen, para uma festa com bebidas e música e muita gente lgbt.
- Ótimo. – Suspiro.
Enquanto meus pais conversam sobre algo que eu não faço ideia do que seja. Minha cabeça não sai do beijo que troquei com Helen, e da conversa que tive com Eleanor. Não quero magoar Helen, mas não sei se estou em um bom momento para ficar com alguém. Meu término com Mariana ainda é muito recente. Sei que grande parte da minha felicidade se dá ao fato da companhia de Helen.
- Está tudo bem?
- Sim, mamãe. – Desconverso. – Preciso ir, tenho alguns papéis para organizar antes de irmos para a festa a noite. – Beijo seu rosto e dou um jeito de fugir de suas possíveis perguntas.
Logo que chego em casa tomo um banho. Depois vou de fato trabalhar. Acabei esquecendo de mandar mensagem para Hellen. Desbloqueio o celular e antes que pudesse digitar o nome de Mariana surge na tela. Ela havia ligado algumas vezes essa semana. Sua insistência nunca acabava. Bloqueio o aparelho e resolvi descansar.
Quando acordo o sol já havia ido embora. O relógio marcava pouco mais de cinco e meia. Vou me arrumar, em poucos minutos Helen chegaria para me buscar. Olho uma última vez no espelho. Sorrio para o meu reflexo, estou feliz com o resultado. Escuto o barulho do carro antes que ela buzine, já estou do lado de fora. Ela parece falar ao telefone.
- Já disse. Estamos a caminho. – Diz com irritação. Encerra a ligação. – Podemos ir?
- Claro. Mas está tudo bem?
- Sim. Está.
Dá partida no carro. O percurso é feito em silêncio. Sei que algo está errado. Helen parece irritada. Será que ela se arrependeu do que aconteceu?
- Hell, está tudo bem?
- Não. Não está. – Diz parando o carro em frente aos muros da chácara. Ela se vira para me olhar. Vejo fúria em seus lindos olhos. – Você dorme comigo, me deixa louca com seus beijos, depois some. Como pode estar tudo bem? – Indaga. Eu fico estática. – Quer saber, deixa para lá. – Ela sai do carro.
Quando percebo já estou fazendo o mesmo seguindo-a.
- Helen, espera. – Digo.
- O que você quer? – Pergunta. Estamos próximas demais. Sinto seu cheiro, isso me embriaga. Seus olhos estão aflitos, ansiosos. Seguro sua cintura, juntando nossos corpos. – Mila, diz o que você quer de mim. – Ordena.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Lea
Em: 14/05/2025
Quero ver a cara de arrependida da Mariana,um pouco mais.
Será que,a Camila está confundindo o amor que sente pela Hellen ? Ela pode está projetando o que sentiu pela Hellen na adolescência, agora na vida adulta?
Obs: só quero que ninguém sofra ainda mais!
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]