Capitulo 35 – Manhã de corrida
Camila
Seguimos correndo pela rua. O vento frio vez ou outra toca minha pele, o que me causa um arrepio. Odeio o jeito que Helen faz parecer fácil correr dez quilômetros. Ela continua intacta, nem ficou suada. Eu odeio essa menina.
- Podemos parar? – Indago arfando, sentindo que eu posso desmaiar a qualquer instante por falta de oxigênio ou algo assim.
- Podemos.
Ela concorda. Sentamos na grama, estamos em frente a um lago. O sol já começa a apontar, é preciso agradecer a Helen por me presentear com aquele momento. O reflexo da estrela majestosa era algo grandioso, pairando sobre a água do lago.
- É lindo, não é? – Ela questiona.
- Sim. Muito. – Sorrio para ela.
Nossos olhos se encontram. Ela está perfeita sobre aquela luz, seus olhos ressaltando a cor. Seu rosto em um tom avermelhado pelo esforço físico. Seus lábios, rosados, volumosos. Desvio o olhar rapidamente. Helen no momento é a única pessoa que está me ajudando a enfrentar essa loucura que a minha vida se tornou. Não posso estragar as coisas com ela.
Devagar ela se aproxima de mim. Encosta a cabeça em meu ombro. Ficamos assim até o sol surgir e irmos embora. No caminho de casa passamos na padaria para comprar algo para comermos. Helen diz que precisa tomar café em casa e eu entendo. Nos despedimos na porta com um abraço. Ela fica de passar a noite para assistirmos algo juntas, claro que ela cumpre sua promessa. Quando vai embora já passa das dez.
A noite fico nervosa, pois na manhã seguinte será meu primeiro dia. Não quero decepcionar Helen, sinto que preciso mesmo provar que sou boa no que faço, assim como ela. Salto da cama ainda está escuro lá fora. Diana me manda mensagem de boa sorte. Às sete e meia escuto a buzina do carro de Helen.
- Bom dia! – Ela diz sonolenta.
- Bom dia! Não dormiu?
- Não muito. Mamãe passou mal a noite toda. – Mais um bocejo.
- Deveria ter ficado em casa.
- Não posso te deixar sozinha no seu primeiro dia. Está animada?
- Muito, mas você deveria ter ficado com sua mãe. Eu já sou bem grandinha, e conheço bem essa cidade. Sei advogar. Isso eu garanto.
- Eu sei que sabe. Caso contrário não iria dividir um escritório com você. – Ela bocejou de novo.
- Hell, você precisa dormir. Deveria ficar em casa. Eu fico com seu carro e cuido da sua agenda hoje. O que me diz?
- Olha, Mila, eu vou aceitar. Preciso mesmo de algumas horas de sono.
Ela toma o caminho de casa. Quando estaciona se despede de mim com um beijo na bochecha e vai para dentro. É notório o seu cansaço. Apesar da aflição de enfrentar tudo sozinha, meu lado corajoso me diz que tudo vai ocorrer bem. Dirijo para a rua do escritório. Dou bom dia ao assistente de Helen. Beto parece ser um bom rapaz, gay. Isso é fato.
- Bom dia! Doutora, onde está Helen?
- Ela hoje teve um contratempo, precisou ficar em casa. Vou cuidar da agenda dela. Pode me passar tudo?
- Claro. – Ele se senta à minha frente.
Sigo à risca todos os compromissos de Helen. Quando o horário do almoço se aproxima resolvo que vou comer por aqui, assim consigo ser mais produtiva. Helen some durante todo o dia. Acredito que por conta do cansaço. Afinal nem ao menos foi correr. Sei disso, pois ela garantiu que sempre que fosse me chamaria. O que eu parei de achar uma péssima ideia. Iniciar o dia correndo me dava energia para enfrentar o dia com disposição.
Ao final do expediente sigo para a casa de minha sócia. Ainda é estranho pensar que hoje realizamos o que sonhamos ainda no ensino médio. Somos mesmo sócias. Estou orgulhosa por ter conseguido seguir a agenda lotada dela. Paro o carro em frente a garagem. Desço e vou até a porta. Antes que eu possa bater ela é aberta.
- Oi! – Ela sorri.
- Oi! Vim deixar seu carro. – Estico a chave.
- Ah! Obrigada. Como foi seu primeiro dia?
- Ótimo. Tive que almoçar por lá. E você, descansou?
- O suficiente. – Sorri. – Quer entrar?
- Na verdade, vou passar para ver meus pais, depois vou para casa. Preciso dormir.
- Claro. Até amanhã, então.
- Até. – Inclino-me para abraçá-la, depois dou um beijo em seu rosto e saio em direção a casa dos meus pais.
Claro que os dois não me deixaram ir jantar em casa. Por insistência deles, acabei ficando. Consegui conversar bastante com o meu pai, claro que sem o assunto proibido. Sei que apesar do preconceito que ele tem, continua sendo meu pai. E quando soube que eu voltaria a morar aqui ficou feliz.
- E o seu namoro? – Ele questiona.
- Acabou. – Digo tomando um gole da cerveja.
- Por culpa de quem? – Insiste, mas seus olhos continuam presos na TV.
- Dela.
- Então, azar o dela que te perdeu. – Seus dedos longos tocam meu joelho me passando um certo conforto, como se tentasse me consolar.
Não sei explicar a importância daquele momento. Mas algo em mim, me fez acreditar que minha mãe tem razão e ele pode mudar em relação ao seu preconceito. Minha mãe sorri da porta, observando nos dois. Ela está satisfeita, porém sei que ainda sente falta de Samuel. Saio de lá pouco depois das sete.
Quando estou saindo vejo Helen sentada no balanço. Sorrio. Era comum nossas noites de papos e beijos roubados naquele balanço. Vou até ela. Sua feição muda logo que me vê. Dá espaço para que eu me sente.
- Ainda nos aguenta? – Indago com medo.
- Sim. Não engordamos tanto assim. – Ela sorri.
- Fale por você.
Ficamos em silêncio, apenas curtindo o vento frio que nos presenteia depois do dia quente. Ela encara os pés, está cansada. Mesmo depois de dormir o dia todo.
- Está tudo bem?
- Não. – Diz sorrindo. Mas é um riso de desespero.
- Quer conversar?
- Não. – Afirma chorando.
Deixo que sua cabeça repouse em meu ombro. Prendo seus dedos nos meus. Ficamos ali por longos minutos. Enquanto ela chora, eu permaneço em silêncio. Helen é filha única, seu pai abandonou Eleanor logo que descobriu a gravidez. A mulher fez de tudo para dar o melhor para a filha, e sempre conseguiu. Ela é médica. Ao menos era antes da doença. Entendo essa aflição de Helen, depois que a mãe se for, ela não terá mais ninguém. Só que isso não é mais verdade. Ela terá a mim. Estarei aqui para tudo que ela precisar.
- Desculpa. – Diz limpando minha blusa que está molhada por conta de suas lágrimas.
- Não precisa se desculpar. Mando a conta da lavanderia. – Brinco e ela sorri. – Melhor assim.
- Obrigada.
- Pelo quê?
- Por isso. – Gesticula.
- Não agradeça. Você fez o mesmo por mim. Estou retribuindo o favor. Mas só quero que saiba que você não está mais sozinha. – Aperto sua mão.
Ela desceu seu olhar para nossas mãos unidas, depois olha fundo em meus olhos, desviando para meus lábios. Prevendo o que viria a seguir eu digo:
- Acho melhor eu ir andando. Já está ficando tarde. – Fico de pé.
- Claro. Nos vemos amanhã. – Concorda.
Nos abraçamos. Desta vez mais demorado, mais apertado. Era um entendimento mútuo que estamos na merd*, mas pelo menos estamos na merd* juntas. E isso de certa forma me dá um certo conforto. Afasto-me, observando seus olhos. Acaricio seu rosto, fazendo-a fechar os olhos. Vou até ela, beijo seu rosto e me afasto.
- Boa noite!
- Boa. – É tudo que ela diz.
Faço o percurso curto até minha casa. Minhas mãos estão trêmulas, só de pensar que ela possivelmente teria me beijado sinto meu coração errar as batidas.
- Não posso me apaixonar por ela. Não agora. – Suspiro falando sozinha.
Deito-me no sofá para ligar para Diana e saber as novidades, mas acabo adormecendo. Na manhã seguinte, Helen me acorda para nossa corrida matinal. Dessa vez meu humor está melhor, nem faço ameaças sobre chamar a polícia. Apenas deixo que ela me leve pelas ruas.
Nosso dia de trabalho é puxado. Novos clientes surgem, o que me deixa ocupada boa parte do dia. Na hora do almoço alguém bate à porta.
- Entra. – Digo sem tirar os olhos do computador.
- Chefinha, meu aniversário é no fim de semana. Aqui está seu convite. Não aceito não como resposta. O sítio está alugado a partir da sexta, a festa vai até o domingo. Sinta-se à vontade para ficar todos os dias. Ou simplesmente ir apenas um, desde que apareça.
- Helen vai?
- Não sei. Entreguei o convite, porém com a mãe piorando não sei ao certo. Mas não se preocupe. Eu te apresento a todo mundo.
- Quem é que você pretende apresentá-la? Cuidado viu, as amizades dele são perigosas. – Helen brinca.
- Isso é ciúmes da sua amiga? – Beto provoca. Helen cora. – Garanto apresentar só as top de linha.
- Ponta de estoque. Não se engane. – Provoca ela.
- Então basta ir. Assim avalia as opções. O que me diz? – Ele brinca.
- Desse jeito terei mesmo que ir. Imagina só a Mila sendo a nova no pedaço, tanto urubu que fica até difícil de espantar.
- Falando assim até parece que nunca morei aqui.
- Apesar de parecer que as coisas não mudaram, na verdade mudaram sim. Não se engane. A garotada é bem atrevida. – Completa.
- Então está combinado. Nós iremos no sábado à noite. – Digo por fim.
Beto dá pulinhos de alegria. Sai da sala nos deixando a sós. Começamos a conversar sobre trabalho. Até a hora do próximo compromisso. Quando saímos às cinco horas Helen me deixa em casa. Desliga o motor.
- Está falando sério sobre ir à festa? - Questiona.
- Sim. Acho que vai ser divertido. Mas entendo se não puder ir. Por conta da sua mãe.
- Ela tem uma enfermeira que fica sempre com ela. Fora que posso pedir ajuda a sua mãe. As duas adoram assistir à novela juntas. Vez ou outra ela aparece lá em casa.
- Sério? Não sabia que minha mãe era tão próxima de vocês assim.
- Já disse, somos amigas. – Ela sorri. – Agora eu preciso ir.
- Claro.
Já é natural nos despedirmos com um beijo e um abraço. Que para mim a cada dia fica mais demorado e difícil de soltar. Entro em casa e sinto o cheiro dela misturado com o meu na minha blusa. Sorrio indo para o banho.
Depois ligo para Samuel. Conto como tem sido a convivência com o papai e ele fica incrédulo com sua mudança repentina. Ele me promete que vem me visitar no próximo feriado o que eu duvido muito, já que ele tem aproveitado seu tempo livre para ficar com o namorado.
Quando encerro minha ligação já entro em outra com Diana. Lívia estava com saudades. A menina chorou alguns minutos, dizendo que queria me ver. Fiquei de ir ao seu aniversário no mês seguinte. Precisaria ajustar minha agenda para essa viagem.
Só não sei ainda se estou pronta para dar de cara com Mariana. Afinal sei bem que Diana, vai convidar Manu, o que significa que a tia também irá. Há dias não pensava nela. Claro que ainda sinto sua falta. Mas a dor da traição aos poucos vai matando sua ausência. E assim minha vida vai seguir. Sem a presença dela na minha vida, sem a realização de nossos planos juntas. Fito o dedo que antes exibia a aliança, agora nem mesmo a marca se fazia presente. Assim como eu espero que a marca que ela deixou na minha alma suma um dia.
Fim do capítulo
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