capitulo nove: distancias intimas
CAPÍTULO 9.
Depois de um Nescafé, minha alma voltou para o corpo. Eu tinha acabado de chegar do Tribunal após uma audiência de custódia que me tirou do sério, pois o juiz não era nada maleável. Eu ainda tinha uma revisão criminal, um pedido de indulto, um agravo em execução, uma apelação e um recurso especial para fazer. O meu dia estava cheio. Sem falar nas questões administrativas, o Conselho havia marcado uma reunião comigo e com a Dra. Baldez às 15h.
Uma batida firme na porta interrompeu meus pensamentos.
— Entre — Digo sem desviar os olhos do planner sob a mesa.
A presença do advogado sênior, o chefe dos associados do setor de Civil e Empresarial me chamou atenção. O Doutor Ricardo havia ficado no lugar de Roberto e a Dra. Baldez me fez acreditar que ele era menos detestável. Dr. Ricardo era alto, com cabelos grisalhos bem penteados e tinha uma postura impecável. Ele fechou a porta atrás de si, sinal de que a conversa exigia privacidade.
— Dra Anna, você tem um minuto?
Ele pigarreia após a fala, ao ver que não olhei em sua direção. Sim, às vezes eu era antipática. Porém, agora só estava muito ocupada mesmo.
— É tudo o que eu tenho. No que posso te ajudar? — Digo, objetiva.
— Um caso novo chegou pra nós e bem... disputa de sócias — Ele esfrega as duas mãos e as fecha, parecendo animado — Uma delas quer vender sua quota parte e a outra está dificultando o processo. Procurou outro escritório para representá-la.
Assenti, esperando que continuasse.
— O problema é que... Não sei se vai chegar a ser um problema — Ele coçou a barba, evitando um meio sorriso — A advogada da outra parte é Fernanda Alencar.
Pisquei algumas vezes, tentando absorver a informação.
— Já foi distribuído? — Pergunto, fazendo um gesto para que ele me dê a pasta com o processo que está segurando em mãos
— Sim. Vim pedir permissão caso não seja um problema a advogada da parte contrária ser sua esposa. O caso precisa de discussões contratuais amplas, vou unir os setores de civil e empresarial para lidar com isso.
— Doutor Ricardo, não é um problema a advogada da parte contrária ser minha esposa. Vá fundo e ganhe o caso — Devolvo a pasta em suas mãos.
— Ótimo, vamos com tudo. Esse caso vai render uma boa repercussão para nós. — Ele sorri
— É importante falar com a Dra. Baldez sobre isso. Se vamos representar a Zhang, é preciso marcar uma reunião com o pessoal do marketing jurídico, para não nos expormos mais que o necessário em relação a Ordem dos Advogados.
— Certo. Obrigada pelo seu tempo, Dra. Anna.
Ricardo sai e eu viro minha cara apreciando a vista, dando um longo suspiro. Fernanda, Fernanda... por que não me contou?
Ligo para minha esposa e seu celular está desligado, provavelmente dando aula nesse momento. Ajeito minha postura na cadeira e penso sobre o caso que teríamos pela frente. A Zhang era uma marca muito forte no mercado de produtos de beleza, absolutamente todos compravam ou já compraram na Zhang. Agora estão no meio de uma dissolução de sociedade, o que por si só já seria um escândalo. Áurea e Camila, duas irmãs que herdaram a empresa do pai e agora provavelmente estão em guerra.
Argh.
Como eu odiava Direito Civil e Empresarial.
Olho para a janela novamente, a vista da Yup Star — a roda gigante do Centro do Rio — era linda. Isso me faz questionar o motivo de eu nunca ter levado Cecília ali. Será que ela teria medo? Do jeito que minha filha era destemida, capaz de eu ter mais medo que ela.
Coloco a caneta em minha boca e volto meus pensamentos para Fernanda. Será que ela sabia desse caso? E se sabia, por qual motivo não me contou? E como lidaríamos com isso?
A porta se abre e eu me assusto. Viro a cadeira rapidamente para expulsar o filho da mãe que entrou sem bater, quando me deparo com aqueles olhos azuis e um sorriso lindo vindo na minha direção.
— Amor, ainda não contratou uma secretária? — Ela sorri e balança a cabeça negativamente — Bati na porta e você não respondeu, resolvi entrar.
Eu ainda estou surpresa com a sua presença, então quando ela me dá um beijo rápido nos lábios, eu ainda fico sem reação.
— Tentei te ligar, mas...
Ela me interrompe.
— Eu estava em audiência, me atrasei para dar aula, depois aproveitei que estava perto e resolvi te visitar. Que trânsito horrível no Centro, como você aguenta?
Ela fala com a cara mais deslavada do mundo, mas eu conheço minha esposa e sei quando ela está escondendo algo, eu vi nos seus olhos quando ela chegou que aquela visita não era por acaso.
— Maria Fernanda... — olho para ela com os olhos semicerrados, quando ela olha para mim, senta na cadeira na minha frente e sorri.
Espera, ela sorriu?
— Diz, amorzinho.
Outro sorriso.
— Pegou um caso contra nós e não me disse nada?
— E porque você acha que eu estava tão desesperada pelos arquivos ontem, amor?
Minha boca se entreabriu, surpresa. Fernanda não era de jogar sujo na sua profissão.
— Me usou para conseguir o que queria contra minha própria firma? — Arqueio a sobrancelha, avaliando-a.
— Anna... — Ela tenta argumentar, mas eu a interrompo.
— Você veio aqui como minha esposa ou como Dra. Alencar?
— Eu vim te dar um beijo como sua esposa e tratar de negócios como a Dra. Alencar, satisfeita? — Ela dá um sorriso irônico.
Abusada.
E deliciosamente gostosa.
Mas eu sou Anna Florence, não daria o braço a torcer.
— O setor de empresarial é no 12º andar, você conhece bem o caminho. Pergunte a um associado sobre o Doutor Ricardo que o encontrará. Não tenho relação nenhuma com esse caso.
Fernanda cruzou as pernas, mostrando o quanto a saia que usava marcava sua silhueta maravilhosa, e certamente reparou no meu olhar, pois me olhou com um sorriso divertido.
— Não tem mesmo? Eu aposto que a poderosa Anna Florence já está fervendo por dentro. Eu vou ganhar.
— Você se superestima.
— E você mente mal.
Ela se aproximou ainda mais, quase subindo na mesa, apoiando suas mãos nela, os lábios perigosamente perto dos meus, meu corpo se arrepiou inteiro.
— Cuidado, Dra. Florence. — Ela sussurrou — se continuar me encarando assim, vou achar que está esquecendo de qual lado está nesse caso.
Droga. Eu queria odiar isso. Mas Fernanda sabia exatamente como jogar, ela me conhecia. Decidi encurtar o espaço entre nós, ficando com meus lábios pertinho dos dela, nossos narizes quase roçando um no outro. O clima começando a ficar perigoso, mas a coisa mais perigosa ali era o olhar que ela me lançava. Seus olhos azuis estavam brilhando, enquanto ela mordia seu lábio inferior de um jeito tão safado que eu poderia arrancar sua roupa todinha a qualquer momento.
— E se eu disser que não tô dando a mínima para o caso agora? — minha voz saiu mais rouca do que eu esperava e minha calcinha já estava começando a dar sinais de estar molhada.
Ela arqueou a sobrancelha, do jeito que só ela sabe fazer, para me provocar. Seus dedos subiam lentamente pelos meus braços, um toque leve, sutil, mas que fez um arrepio correr pela minha pele.
— Isso seria antiético, Doutora... — ela murmurou, os lábios perigosamente perto dos meus — mas eu adoraria ver você quebrar uma regra ou duas.
Porr*.
Meu coração batia forte, uma coisa que só ela sabia como despertar. Eu sabia que aquilo era um jogo, que Fernanda adorava me desafiar, me testar, quando queria alguma coisa.
Ela se senta na minha mesa e com o gesto, levo minha mão até a sua coxa, puxando levemente seu vestido para cima. Os olhos dela se arregalam levemente, mas logo um sorriso malicioso surge no canto da sua boca.
— Ah... quer mesmo brincar assim? — Ela diz, cruzando suas maravilhosas pernas e eu sigo observando o movimento que ela faz.
Elegante, sexy, abusada, minha.
— Eu nunca perco, Dra. Alencar.
Ela soltou uma risada baixa, mordendo o canto dos lábios antes de se inclinar outra vez, colando nossos corpos, sua respiração quente contra a minha pele.
— Isso é um desafio, amorzinho?
Seus olhos queimando sob os meus, sua proximidade, seu cheiro... tudo nela era tão perigosamente viciante que eu já não sabia se queria beijá-la ou implorar pra ela parar antes que eu perdesse o controle de vez.
Foi quando sua boca roçou levemente no meu maxilar, depositando um beijo suave ali. Eu soube na hora que ia perder o jogo — e o controle — se ela continuasse muito perto de mim.
— Não é um desafio, aqui eu sou profissional.
Volto a sentar na cadeira, com um sorriso nos lábios ao ver sua cara de frustração.
Ela se recompõe e se senta na cadeira de frente para mim, apoia seus cotovelos na mesa e a mão no queixo.
— Vida, tá acontecendo alguma coisa? — Ela demonstra preocupação na pergunta
Arqueio a sobrancelha.
— Não, amor. Por quê?
— Anna, você nunca nega. Você negou ontem e hoje. Tá acontecendo alguma coisa? Eu não sou mais atraente pra você?
Minha primeira reação foi dar uma risada.
Mas a cara dela demonstrava que era uma pergunta sincera, então resolvi parar de rir e respondê-la.
— Amor, venha aqui...
A chamo para sentar no meu colo. Ela me lança aquele olhar desconfiado — como se eu fosse capaz de armar alguma coisa — mas não demora a ceder, enlaçando os braços ao redor do meu pescoço. O perfume dela me acerta em cheio. O mesmo de dez anos atrás, quando ela era só uma assistente jurídica e eu apenas uma associada. O destino achou engraçado nos colocar para trabalhar juntas. Aquele cheiro, por mais que eu quisesse lutar contra, já me enlouquecia. Me cercava durante as reuniões, nos corredores, nos cafés na copa... eu, idiota que era, acreditava que ainda gostava de outra para não alimentar novos sentimentos. Eu fingia que não queria beijá-la ali mesmo, entre uma cláusula contratual e outra.
Continuo olhando na imensidão do azul dela, que continuam pegando fogo. Pouso as mãos em sua cintura, puxando-a mais para perto.
— Que ideia é essa, ruiva? Você sabe o efeito que tem sob mim.
Ela suspira, mas não parece muito convencida. Seus dedos brincam com a gola da minha blusa, e eu sei que ela está se segurando para não me pressionar mais.
— Então por que anda fugindo de mim? — Ela fala com a voz baixa e eu sinto vontade de colocá-la em um potinho. Vê-la contrariada é a coisa mais fofa do mundo.
Mordo o lábio, tentando conter meu sorriso ao vê-la fazer um beicinho discreto. Tão linda...
— Amor, você tem noção de onde estamos? — Deslizo as mãos pelas suas coxas, apertando de leve, sentindo seu corpo reagir. — minha sala, minha firma... e adivinha? Não trancamos a porta.
Seus olhos se arregalam por um instante, como se ela tivesse se dado conta naquele momento.
— Você está me dizendo... — ela puxa alguns cabelos da minha nuca e me dá um selinho — que a única coisa que nos impede de fazer um amor gostoso aqui agora é o fato de sermos pegas?
Ela ri.
Que risada gostosa.
A aperto em meus braços, dou um sorriso e um beijo rápido nos lábios dela.
— A última coisa que eu quero é que me peguem nua com a minha esposa no meu próprio ambiente de trabalho. Ainda mais agora que você é advogada da parte contrária, irão achar que estou lhe favorecendo de alguma forma.
— Hmm... faz sentido. — Ela murmura, enquanto morde o canto dos lábios antes de inclinar o rosto na minha direção, quase beijando meus lábios — mas eu ainda iria gostar de testar seus limites.
Prendo a respiração quando seus dedos apertam levemente minha nuca, mas antes que ela consiga qualquer coisa, viro o rosto, fazendo seus lábios tocarem minha bochecha em vez da boca.
— Vida... — Suplico — Aqui não.
O som que sai dela é de indignação e frustração e eu dou um sorriso contido pra ela não ficar brava.
— Você está jogando comigo, Anna.
— Eu jamais faria isso. — A olho séria, me segurando para não rir, mas não aguento.
Ela estreita os olhos, mas logo suspira e se afasta minimamente.
— Tudo bem, Florence. Mas em casa... você não me escapa — Ela pisca pra mim.
Oh, céus.
Estou em perigo.
— Quer almoçar? — Sugiro — Não comi nada ainda, estou morrendo de fome.
— Posso ser a sobremesa?
— Maria Fernanda... — Finjo repreendê-la.
— Tá bom, Doutora Florence — Ela revira os olhos.
⚖🫦
Depois da presença de Fê, meu dia parece que ficou mais bonito. A minha ruiva tinha um poder sob mim que eu desconhecia. Nós almoçamos, namoramos, flertamos e cada uma seguiu para o seu trabalho. Eu parecia uma adolescente de 38 anos vivendo o seu primeiro romance outra vez, só que dessa vez, não era trágico.
Nosso relacionamento era bondoso, carinhoso, havia diálogo e isso era uma coisa que eu prezava muito: diálogo. Fernanda, antes de ser minha namorada, noiva e esposa, foi e continua sendo minha amiga. Conversávamos sobre tudo, ela sabia os meus segredos, meus medos — o medo de ser mãe, por exemplo. Eu achava que não ia ser uma boa mãe por conta das minhas referências de infância/adolescência.
Que bobagem.
Depois de muita terapia — Fernanda foi comigo muitas vezes nas sessões — eu consegui tomar coragem e iniciamos o tratamento para engravidarmos de Cecília. Eu doei meus óvulos e Fernanda gestou nossa filha. Foi o momento mais lindo de nossas vidas. Eu era muito orgulhosa da família que tínhamos, da família que criamos.
Por isso tinha medo desse caso acabar interferindo entre nós. A gente é tão feliz...
Fernanda era uma das advogadas mais brilhantes que eu já conheci. Ao lado de Andressa, as duas eram imbatíveis. E, eu sabia que, ela iria jogar para ganhar, ainda mais de uma firma grande como a minha e um local que ela odiou trabalhar cada segundo.
Dou um sorriso ao me lembrar disso.
Fernanda disse que a única coisa boa desse lugar foi me conhecer. Ela sempre diz que se apaixonou assim quando me viu, na nossa primeira troca de olhares.
Eu queria que ela ganhasse o caso, mas não podia torcer contra meu próprio escritório.
Meu olhar se voltou ao fundo da tela do meu celular, onde era uma foto de nós três: Fernanda, Cecília e eu. Eu me lembrava desse dia como se fosse ontem: estávamos chegando na praia, quando Cecília se agarrou em mim e não queria pisar na areia de jeito nenhum, pois segundo ela: “a areia era lava”.
Depois de explicarmos mil vezes que a areia não era lava e que ela não ia queimar os pés, ela se permitiu descer e colocou seus pézinhos nela pela primeira vez. Ficamos tão felizes aquele dia, era uma lembrança tão bonita que eu fazia questão de vê-la a todo momento, estava no fundo da tela do meu celular e do meu smartwatch.
Suspirei e me recostei na cadeira, mordendo o lábio. Nesse momento, ouço três batidas na porta.
— Dra Anna, a reunião foi transferida para as 17h. Dra. Baldez pediu para lhe avisar.
— Ok, Dianna. Obrigada.
Merda.
Por isso que Roberta não me procurou o dia todo.
Decido mandar uma mensagem para o meu amor, a gente havia mal acabado de se ver, mas eu juro que tô morrendo de saudade daquele abraço.
Anna Florence – Adv:
-
Vida, vai chegar muito tarde hoje?
Olhando para a tela, eu quase ri. Eu estava realmente parecendo uma adolescente. Eu quase não mandava mensagem para Fê durante o horário de trabalho, ela sempre muito ocupada e eu também.
A resposta veio rápido.
Monstrinha:
-
Acho que não, porquê? Saudades de mim?
Anna Florence – Adv:
-
Talvez...
Monstrinha:
-
Vou fazer questão de chegar cedo então. Quer vinho?
Anna Florence – Adv:
-
Quero você.
Monstrinha:
-
Eu já sou toda sua, amor...
Dou um sorriso. Eu quase poderia vê-la dizendo isso com sua voz manhosa e seu sorriso indecente.
O caso ia acontecer de qualquer forma, mas no fim do dia, era nisso que eu queria acreditar: que Fê sempre seria minha casa e eu, a dela.
Fim do capítulo
Capítulo fofinho pra vocês, viram? Não se preocupem...
ainda.
HAHAHAHAHA
beijos, obrigada por acompanharem até aqui
Comentar este capítulo:
Mmila
Em: 07/05/2025
Feliz aqui por essa capítulo fofo.
nath.rodriguess
Em: 08/05/2025
Autora da história
ahhh muito obrigada, eu estava inspirada demais
e olha que estou me separando kkkkkkkkk
Letysantos
Em: 08/05/2025
Casa comigo
nath.rodriguess
Em: 12/05/2025
Autora da história
hahahaha lety, estou traumatizada de casamento, acho que nunca mais caso kkkkk
mas se você for do RJ, a gente marca um rolê, quem sabe?
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HelOliveira
Em: 07/05/2025
Muito fofinho mesmo, muito leve e gostoso de ler, mas esse AINDA já deixou aque medonho.aparecer...
nath.rodriguess
Em: 08/05/2025
Autora da história
ai gente, vcs gostam desses capitulos né? meu coração fica quentinho tbm... são lindas juntas.
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nath.rodriguess Em: 19/05/2025 Autora da história
Às vezes nem tudo é o que parece rs
Ele está tranquilo. Somos amigas, parceiras e sócias. Só o casamento que não funciona mais, tirando isso, tudo certinho kkkkkk