Capitulo 34
Ágata bateu a porta com tanta força que ela tremeu, balançando os batentes de madeira. No mesmo instante, se arrependeu ao notar o olhar surpreso de Dona Montserrat.
— Me desculpe… — Não conseguiu continuar. A voz embargou, a vergonha subindo-lhe à face como uma onda quente.
Marcela caminhou rápido as alcançando, uma Agata super nervosa, a abraçou, ainda bem próximo à porta agora aberta, com uma Valesca gritando inutilmente ao fundo. Dona Montserrat se afastou para o lado, observando a cena se desenrolar.
— Perdão, amor, eu não queria que nada disso estivesse acontecendo — Marcela murmurou contra o ombro de Ágata, a voz quase inaudível. O corpo da italiana parecia vibrar com a raiva contida, mas, ao mesmo tempo, ela sentia um desespero crescente por ter agido daquela forma.
— Me perdoe por escutar todas aquelas besteiras que Valesca disse. Não fique zangada comigo —Marcela segura o rosto da amada entre as mãos olhando dentro dos seus olhos, não queria que ela ficasse chateada.
— Eu não estou com raiva de você amore, estou com raiva da sua amiga e do seu jeito de superioridade, estou com nojo dela achar que é sua dona.—Agata confessou tentando controlar a raiva.
— Ela não é e nunca foi, eu gosto da sua amizade, e a respeito só isso e nada mais.
— Eu sei, anda vá ouvir o que ela tem para dizer, eu vou ficar bem.
Agata a empurrou com delicadeza, antes porem Marcela a prendeu em seus braços roubando um beijo rápido.
Agata observava a namorada voltar para a sala sob o olhar recriminante da amiga que falava algo que ela não ouviu, ou não quis ouvir, achou melhor continuar caminhando com sua anfitriã.
— Me desculpe….eu não sou descontrolada assim. O que a senhora deve estar pensando de mim? — Agata começou a se justificar, as bochechas coradas, os olhos inquietos buscando a aprovação de Dona Montserrat.
— Vou pensar que, graças aos deuses, você saiu igual ao seu pai: um doce de pessoa se não mexerem com ele, mas um vulcão em erupção quando se irrita. — Dona Montserrat respondeu, um sorriso leve nos lábios que, de alguma forma, conseguiu tranquilizar Agata. A tensão no corpo da jovem diminuiu um pouco.
Agata a encarou, incrédula. O homem que ela descrevia não se parecia em nada com seu pai, Gregório, que era sempre calmo e perdia raramente a paciência. Era como se falassem de pessoas diferentes. A contradição entre a imagem do pai que conhecia e a que Montserrat pintava a deixou desorientada.
— Não me olhe como se eu fosse louca. Conheci seu pai quando éramos adolescentes. Ele foi meu primeiro namorado. Então, quando digo que ele era zangado, sei bem do que estou falando. — A confissão pegou Agata de surpresa, um nó se formando em sua garganta. Seu pai, o Sr. Gregório, sempre foi muito reservado sobre sua vida amorosa — nunca comentou nada sobre suas aventuras de solteiro, nem mesmo sobre quando se casou. Era como se a vida dele só tivesse começado com ela.
— O quê? Ele não te falou que eu era louca de carteirinha por ele e que me trocou por uma sirigaita qualquer? — Dona Montserrat segurou o braço de Agata com carinho, guiando-a para caminhar ao seu lado. Ela transmitia uma paz que até então era desconhecida para Agata, um calor que parecia apaziguar a turbulência dentro dela. Talvez fosse o tal “amor materno”, que ela nunca sentira de verdade. Sua relação com a própria mãe era mais de amizade do que de afeto materno — algo que ela, ironicamente, via ali, entre Montserrat e Marcela. As duas se amavam e se respeitavam como mãe e filha, mesmo sem serem biologicamente. Uma pontada de inveja quase imperceptível a atingiu.
— Não… Ele nunca falou nada. Para falar a verdade, não me lembro do meu pai sendo carinhoso com mulher nenhuma. Nem com a minha mãe. — Agata confessou, a voz um pouco melancólica. Havia uma tristeza genuína na sua voz, uma lacuna que nunca havia notado antes.
— Acho que ele não quis decepcionar vocês contando as aventuras e o rastro de corações partidos que deixou por aí — inclusive o meu — Dona Montserrat disse com um sorriso divertido, um brilho nos olhos que Agata não soube decifrar. Era verdade ou brincadeira? A dúvida pairava no ar.
Agata não sabia até onde era verdade aquela história, mas a conversa a distraiu um pouco da raiva que fervia em seu peito. Ela estava se esforçando muito para manter a serenidade, sentindo a adrenalina ainda correndo em suas veias. Agata jurava que, na hora da confusão, sua vontade era socar a cara daquela perua metida a aristocrata. Só não o fez porque não estava em sua casa. E, querendo ou não, a juíza — com toda sua falta de respeito — estava em posição de tanto ajudar quanto prejudicar a vida daquela família. Era uma contradição insuportável: a raiva cegante versus a necessidade de pragmatismo.
Valesca, com sua influência, podia livrar Marcela de emboscadas, agilizar trâmites legais e facilitar processos. No meio policial, existiam mil empecilhos para fazer a lei funcionar — e juízes honestos eram fundamentais. Agata sabia disso. Mas permitir que ela se esfregasse em sua namorada era pedir demais. O ciúme a corroía por dentro, uma sensação amarga que a fazia querer gritar novamente.
Tudo bem, ela foi escrota ao insinuar que Valesca era uma coroa ultrapassada comparada aos seus 25 anos. Mas… quantos anos Valesca tinha? Sessenta? Apesar das mãos bem cuidadas, Valesca aparentava mais. Ainda assim, Agata não tinha o direito de querer magoá-la só por ela viver muito. Uma pontada de arrependimento, misturada com uma teimosia infantil, a invadiu.
O diabo era que Valesca era bonita. E Agata estava morrendo de ciúmes e de vergonha, por ser tão mesquinha. Queria pegar a moto, ir para casa levando consigo todas essas emoções que não sabia lidar. Queria chorar feito uma criança, encolhida em algum canto.
Dona Montserrat parecia saber exatamente como acalmá-la. Era o que fazia diariamente como educadora: lidar com as emoções de alunos e pais. Havia uma serenidade nela que desarmava qualquer um.
— Mãe, o que aconteceu lá dentro? — Uma das gêmeas, Eve, se aproximou, segurando as mãos de Agata. A outra, Ivi, ficou mais atrás, observando, os olhos curiosos e preocupados. Montserrat pediu, com um gesto, que elas se afastassem, mas isso não bastou para silenciá-las.
— Você está bem? — perguntou Eve, ignorando o sinal da mãe, a preocupação genuína em seus olhos. Os olhares de ambas denunciavam preocupação com os gritos de Agata. Isso só a envergonhava mais. A raiva começava a se transformar em constrangimento profundo.
— A lacraia te ofendeu? — Eve, a mais direta, perguntou, os braços cruzados, aguardando uma resposta.
— Não aconteceu nada de mais — Agata respondeu, tentando minimizar, embora soubesse que não estava sendo convincente.
— Agata mandou a Valesca se fuder e ameaçou dar na cara dela — Ivy corrigiu, um sorriso maroto, revelando a fofoca com a inocência de uma criança.
As irmãs caíram na gargalhada. Ouvir aquilo da boca de outra pessoa fez Agata perceber o quão infantil ela tinha sido. O ridículo da situação a atingiu em cheio. Nem pensou em como isso podia prejudicar a Marcela. O que estava pensando?
— Já era hora de alguém colocar aquela mulher no lugar dela. Vem comer alguma coisa. Se bem conheço minha irmã, ela não deve ter parado durante a viagem — disse Eve, puxando Agata pela mão, enquanto reclamava da juíza. Para Agata, parecia só ciúmes de irmãs, uma rivalidade saudável.
Dona Sebastiana recebeu Agata como uma avó que revê uma neta depois de anos. A alegria dela fez Agata esquecer qualquer tensão por um instante, o calor daquela casa invadindo-a.
— Minha princesinha! Há quanto tempo você não aparece por aqui! Cadê seu pai? Chegaram agora? Seu irmão, aquele, peste, veio também? Anda, senta que eu vou te servir um bolo que acabei de fazer. — Ela secou as mãos no avental, pegou o bolo e começou a distribuir xícaras na mesa, a voz transbordando carinho.
— Ainda bem que você chegou. Só assim ela libera o bolo. Faz uma hora que tento roubar uma fatia e ela não deixa! — Eve brincou, um sorriso maroto nos lábios.
— Vocês parecem que têm lombriga na barriga, só vivem com fome! — ralhou Montserrat, como se as filhas ainda fossem crianças.
— A Agata veio sozinha, o pai ficou no restaurante — Montserrat explicou, observando a cena com um carinho discreto.
— Que pena! Seu Gregório é um colírio para os olhos dessa velha aqui. — Dona Sebastiana disse, um brilho nos olhos, um flerte brincalhão que fez Agata sorrir.
— Tiana, pelo amor de Deus! Deixa de ser oferecida. Se o Chicão ouve isso, ele te mata! — reclamou Eve, fingindo indignação. Dona Sebastiana era praticamente uma avó para elas. Quando compraram a fazenda, as meninas ainda eram adolescentes. Ela as viu crescer e casar.
— Fico admirada de a senhora se lembrar de mim — Agata comentou, comendo o bolo, o sabor doce, acalmando um pouco a agitação interna. — Faz tanto tempo… E o Chicão também se lembrou. Então acho que não mudei nada.
— Mudou não. Ainda tem essa carinha de menina tímida que vivia seguindo a peste da Marcela. — Dona Sebastiana sorriu carinhosamente, uma memória afetiva surgindo em seus olhos.
— Pois essa timidez acabou, minha amiga — disse Montserrat, um olhar cúmplice para Agata, um ar de “eu te conheço bem”. — Agata acabou de mandar a Valesca se fuder numa discussão.
Dona Sebastiana parou o que estava fazendo, surpresa. Tampou a panela, largou a colher na pia, sentou-se e serviu um café, os olhos arregalados.
— Conte essa fofoca direito — pediu, a ninguém em especial, mas com a atenção voltada para as irmãs. As meninas começaram a falar todas ao mesmo tempo, disputando para contar o que ouviram. Agata apenas comia, calada. O que parecia engraçado para elas, para ela, era descontrole. Uma sensação de inadequação a invadia.
MARCELA
Marcela ouviu as reclamações da amiga sem discutir, estava calma afinal sua italiana não estava zangada com ela,
— Francamente, bebê, com tanta mulher no mundo, foi namorar logo uma fedelha arrogante? — Valesca quebrou o silêncio, a voz carregada de desdém, quase um sibilo. Ela passou a mão na roupa, tirando uma poeira inexistente, um gesto de superioridade que Marcela conhecia bem. Jacinto fazia o impossível para não rir da situação, o que só irritou Marcela ainda mais. Sua paciência estava se esgotando.
— Chiara tem o sangue italiano, Valesca. Acho que ela aguentou muito desaforo seu — Marcela retrucou, o tom firme, sem esconder a irritação que começava a borbulhava. Os olhos dela se estreitaram, a mandíbula tensa. — Falando sério, eu sou alucinada por essa garota esquentadinha, quero uma vida com ela. Respeite nossa relação e tudo fica numa boa. Essa sou eu, uma mulher casada e com filho. Como vê, minha mulher é grossa e eu amo isso nela. Tudo o que eu e você já tivemos foi ótimo, mas sempre soubemos que não era nada sério, era só sex*. E pare de me chamar de bebê. É Marcela. — Cada palavra foi dita com uma convicção que surpreendeu até mesmo Marcela, um limite que ela havia decidido impor de uma vez por todas.
Valesca a encarou, os olhos estreitos, uma faísca de desapontamento e frustração em seu olhar. — Me recuso a acreditar em toda essa loucura. Você nunca se prendeu a nenhuma mulher e não é agora que isso vai mudar. Mas tudo bem, vou ficar na minha. Quando cansar de brincar, sabe onde me encontrar. — Sua voz, embora mais baixa, ainda carregava a promessa de uma reivindicação futura, uma pontada de esperança que Marcela queria extinguir.
— Melhor assim — Marcela respondeu, um suspiro de alívio contido, a tensão começando a diminuir em seus ombros. — Gosto de você como amiga e não quero estragar essa amizade. Agora, me fale: o que realmente está acontecendo no Rio de Janeiro? — Marcela precisava mudar o assunto, a tensão entre elas era palpável demais, sufocante.
— Um pendrive chegou nas mãos da Polícia Federal e desencadeou um pente-fino na polícia. Sabe alguma coisa a respeito? — Valesca perguntou, a voz voltando ao tom profissional, os olhos inquisitivos, tentando decifrar algo no olhar de Marcela.
— Leleco… — Marcela pensou. Só podia ter sido seu amigo que, de um jeito ou de outro, fez o pendrive que ela o entregou chegar às mãos certas. Jacinto a olhou em cumplicidade, balançando a cabeça negativamente de uma forma sutil, confirmando as suspeitas de Marcela. Valesca não percebeu a troca de olhares.
— Não tenho conhecimento, o general não me falou nada — Marcela respondeu, mantendo a voz neutra, mas por dentro, sentia uma pontada de esperança, um vislumbre de que as coisas poderiam, finalmente, começar a mudar.
— Ótimo. A coisa está feia, toda a corporação da polícia está sendo investigada por cumplicidade com o crime. Até mesmo o general está sendo investigado. Ele pediu afastamento e viajou, ninguém sabe para onde. Dizem que agora se aposentou de verdade. Os números onde era fácil se comunicar com ele já não funcionam mais. Tente o seu. — Valesca parecia satisfeita com a informação, um sorriso quase imperceptível surgindo em seus lábios.
— Não vai ser possível, a mamãe toma os celulares e guarda. Mais tarde eu ligo. — Marcela sentiu um misto de alívio e frustração. Era bom que o general estivesse fora do alcance, mas ela precisava de respostas, precisava saber o que estava acontecendo.
— O magnata fugiu. — Valesca informou, e o silêncio pairou pesado no ar, carregado de implicações.
Fim do capítulo
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