E Se For Amor
Gabinete de Verena – 18h55
A porta tinha acabado de se fechar atrás de Rafaela, mas o silêncio que ficou parecia um grito preso dentro do gabinete. Verena continuava sentada, os ombros curvados, os olhos fixos em nada. A luz amarelada da luminária lançava sombras duras em seu rosto cansado.
Por alguns minutos, ela tentou manter a pose. Tentou acreditar que aguentaria mais uma noite fingindo que estava tudo bem. Mas não estava. Não mesmo.
O peito pesava, o ar não vinha direito. O silêncio era ensurdecedor. Era como se uma mão invisível apertasse sua garganta. Ela passou as mãos pelo rosto, levantou-se de súbito e começou a andar de um lado para o outro, como um animal encurralado.
Precisava falar. Precisava de alguém. E só uma pessoa poderia ouvir o que ela tinha a dizer.
Verena pegou o celular com as mãos trêmulas. Sabia que Rafaela ainda não tinha saído do prédio — talvez estivesse no elevador, ou descendo as escadas como fazia quando estava irritada.
Abriu os contatos, clicou no nome da amiga e colocou no viva-voz. A ligação chamou duas vezes antes de ser atendida.
— Verena?
A voz de Rafaela surgiu, hesitante.
— Rafa... — a voz da deputada saiu embargada. Ela engoliu seco. — Por favor... volta.
Houve um breve silêncio do outro lado.
— Verena...
— Eu sei, eu sei que você tá brava. Que tá cansada. Mas eu... — ela levou a mão ao peito, tentando controlar a respiração — eu não tô conseguindo respirar. Eu tô sufocando. Por favor, volta aqui. Só... só me escuta. Eu preciso colocar isso pra fora ou eu vou enlouquecer.
Do outro lado da linha, Rafaela suspirou. O som abafado de passos soou pela ligação.
— Tô voltando. Me espera aí.
Verena desligou antes que ela mudasse de ideia.
Encostou-se na parede do gabinete e deslizou até o chão, sentando-se com as pernas cruzadas, o olhar perdido.
Minutos depois, a porta se abriu devagar. Rafaela entrou, os olhos ainda firmes, mas mais suaves. Viu a amiga ali, no chão, tão diferente da mulher que enfrentava com frieza um plenário inteiro.
— Vem — disse Rafaela, se agachando ao lado dela. — Fala comigo. O que tá te matando por dentro assim?
Verena demorou a responder. A garganta parecia costurada. Mas finalmente, com os olhos marejados, soltou num sussurro:
— Eu acho... eu acho que eu me apaixonei pela Valentina.
E então, como se a simples fala rompesse uma represa, ela chorou.
Sem alarde. Sem soluços escandalosos. Chorou com a cabeça baixa, como quem se envergonha de sentir o que sente.
Rafaela não disse nada. Apenas se sentou ao lado da amiga e segurou sua mão, firme, como quem segura alguém que está à beira do abismo.
E ali ficaram, no silêncio do gabinete, duas amigas cercadas de decisões erradas, amores proibidos, e uma verdade que, agora dita, não poderia mais ser ignorada.
O silêncio entre as duas se manteve por mais alguns instantes. Rafaela não apressou Verena. Apenas permaneceu ali, segurando sua mão, presente.
Verena limpou o rosto com as costas da mão, tentando se recompor. O choro havia cessado, mas a confissão ainda pairava no ar como algo que não podia mais ser engolido. Ela respirou fundo, ainda olhando para o chão.
— Eu não planejei isso, Rafa — murmurou. — Eu juro que não. Achei que fosse só... sei lá, um instinto de proteção. Ela é nova, é estagiária. Vem de uma realidade tão diferente da minha. Eu achei que era só isso.
— Mas não era — Rafaela completou, com suavidade.
Verena negou com a cabeça, quase imperceptivelmente.
— Não era. E agora eu tô aqui... sem saber o que fazer. Sem saber como continuar.
— Você já passou por muita coisa, Ve. Já tomou decisões difíceis, já viveu no limite. Mas dessa vez não é uma escolha de carreira. É pessoal. É seu coração — disse Rafaela, encarando a amiga com firmeza, mas sem julgamento. — E, sinceramente, você não pode continuar levando isso nas costas sozinha. Nem enganando a Silvia desse jeito.
Verena suspirou, cansada, o corpo afundando contra a parede.
— A Silvia... ela não merece isso. Mas eu também não queria machucá-la. Tentei me reaproximar, juro que tentei. Mas era como se cada toque dela me afastasse ainda mais. Eu só pensava nela... na Valentina.
Rafaela soltou um suspiro fundo, balançando a cabeça.
— E o que você vai fazer agora?
Verena demorou a responder. Passou a mão nos cabelos, os dedos se enroscando na mecha ondulada que caía sobre seu ombro.
— Não sei. Parte de mim quer fugir. Outra parte... só quer ver o rosto dela de novo.
— Você sabe que isso não vai acabar bem se continuar se enganando. Nem com ela, nem com você mesma.
Verena assentiu em silêncio. Sabia. Sempre soube. Mas ouvir aquilo da boca da amiga tornava tudo mais real.
Rafaela se levantou, esticando a mão para ajudá-la. Verena aceitou, e as duas ficaram de pé, lado a lado.
— Vem — disse Rafaela. — Vamos sair daqui. Você precisa respirar, pensar com clareza.
Verena hesitou por um segundo, mas acabou cedendo. Pegou a bolsa, desligou a luminária do gabinete e seguiu a amiga porta afora. Não sabia como resolveria aquilo, mas sabia que já não podia ignorar.
Sabia, também, que depois daquela noite, nada seria mais como antes.
Bar discreto nos Jardins – 21h40
O ambiente era acolhedor, com uma luz baixa que pintava tudo com tons âmbar. As poucas mesas ocupadas abafavam o som da música ambiente com conversas descontraídas. Mas na mesa do canto, onde Verena e Rafaela estavam, o clima era outro.
Verena segurava o copo de uísque com força, o gelo já quase derretido. Seus olhos estavam vermelhos, mas não pelo álcool — ou não apenas por ele. Rafaela a observava com atenção, o cotovelo apoiado na mesa, os dedos entrelaçados, paciente.
— Você já passou da conta, Verena — disse ela em tom calmo, mas firme. — Isso aqui não vai te ajudar a resolver nada.
— Eu sei... — Verena murmurou, os olhos fixos no fundo do copo. — Mas é só aqui que eu consigo não pensar. Pelo menos por uns minutos.
Rafaela suspirou, pegando a bebida da frente da amiga e afastando com cuidado.
— Você está pensando. O tempo todo. Eu vejo. Você não está fugindo, só está se afundando mais.
Verena riu com um quê de ironia e dor.
— E o que você quer que eu faça, Rafa? Que eu diga pra Silvia que estou apaixonada por uma menina de dezesseis anos? Que eu assuma isso e destrua tudo o que construí? Meu casamento, minha carreira?
— Eu quero que você pare de fingir que consegue continuar vivendo assim. Porque você não consegue. Tá se perdendo de si mesma — rebateu Rafaela, a voz mais carregada agora. — E, sim, talvez você tenha que encarar algumas verdades feias. Mas continuar nesse ciclo não é solução.
Verena se calou. Seu rosto endureceu por um segundo, mas logo o cansaço voltou a dominar suas expressões. Ela encostou a testa na mão, os cotovelos apoiados na mesa, como se o próprio corpo estivesse cansado de sustentar aquele peso.
— Eu só queria... que fosse mais simples — sussurrou.
— Eu sei. Mas não é. E você sempre soube que com ela não seria. Desde o começo.
Silêncio.
— Vamos embora — disse Rafaela, se levantando. — Já deu por hoje. Eu te levo pra casa. Você não está em condições de voltar dirigindo.
Verena hesitou, mas enfim assentiu. Pegou a bolsa, tropeçando levemente ao se erguer, o efeito da bebida começando a pesar. Rafaela a segurou pela cintura com naturalidade, ajudando-a a se equilibrar.
As duas caminharam lado a lado até a saída. Verena não disse mais nada, e Rafaela respeitou o silêncio da amiga. Havia coisas que não precisavam ser ditas agora. Mas sabiam — ambas — que aquela noite marcava um ponto de virada.
Rafaela dirigia com uma mão firme no volante e a outra segurando o volante mais forte do que o necessário. O silêncio era denso, até que Verena, no banco do passageiro, quebrou-o com uma risada curta e sem alegria.
— Você acha que eu tô doente?
Rafaela desviou os olhos brevemente para ela, desconfiada.
— Do que você tá falando?
Verena virou o rosto em direção à janela, os olhos pesados e a voz enrolada de quem já tinha bebido mais do que devia, mas ainda não o suficiente para apagar a dor.
— Porque… eu fico pensando… não é normal, né? Ficar assim. Obcecada. Querendo... querendo ela.
Rafaela engoliu seco, mantendo a atenção na rua.
— Você não tá doente, Verena.
— Não? — ela riu de novo, mas a voz embargou. — Então por que eu não consigo parar? Por que eu sonho com ela? Por que... por que eu quero tanto?
Ela virou-se, agora encarando a amiga, os olhos úmidos, suplicantes.
— Eu quero abraçar ela, Rafa. Só isso já me destrói por dentro. Mas também quero beijar. E tocar. Quero ela perto, quero sentir o cheiro dela, ouvir a voz dela me chamando. Não é só coisa de cabeça... meu corpo sente. Todo meu corpo. E isso me apavora.
Rafaela apertou os lábios, lutando contra a vontade de chorar junto.
— Eu sou casada. Eu tenho uma vida inteira. E aí aparece uma menina, uma menina, e eu... eu desmorono. Eu tô podre por dentro?
— Você não tá podre, Verena. Tá confusa, sim. Mas isso não é podridão. É só... verdade. Crua, difícil, mas verdade — respondeu Rafaela, baixando um pouco o tom, mais próxima.
— Eu queria que sumisse — disse Verena, afundando no banco. — Esse sentimento. Essa vontade. Essa menina. Tudo. Mas aí... se ela some, parece que... que falta o ar.
Ela tapou o rosto com as mãos, os ombros tremendo.
— Eu não sou mais eu. Eu nem sei quem eu sou agora.
Rafaela parou o carro num ponto mais tranquilo da rua, desligando o motor. Virou-se para a amiga, apoiando o braço no encosto do banco.
— Eu sei que você tá no fundo do poço agora, Vê. Mas escuta: você não tá sozinha. Eu tô aqui. Só não posso deixar você se destruir... porque eu amo você. E ver você nesse estado — isso me machuca.
Verena tirou as mãos do rosto, ainda com lágrimas escorrendo silenciosamente.
— E se eu não conseguir parar?
— Então eu vou continuar do seu lado mesmo assim. Mas você vai ter que enfrentar isso. Com coragem. E... talvez com terapia — disse, forçando um sorriso leve, tentando trazer de volta algum ar.
Verena soltou um som entre o riso e o choro.
— Você é uma mala, Rafaela.
— Eu sei. Mas sou sua mala. Agora vamos pra casa, tá bom?
Verena assentiu devagar, ainda sem firmeza. Mas o simples fato de alguém estar ali — ouvindo, compreendendo, acolhendo — foi o que impediu aquela noite de se tornar ainda mais escura.
Casa da Valentina – Quarto – 06h47
O alarme do celular tocou pela terceira vez naquela manhã, mas Valentina sequer se mexeu. Estava acordada havia horas. Os olhos fixos no teto, as mãos entrelaçadas sobre o peito, como se tentasse manter o coração quieto dentro do corpo.
Ela ainda sentia os calafrios.
O tom da discussão no corredor da Assembleia, os gritos, os empurrões, a queda... tudo ainda parecia recente, fresco na memória como se tivesse acontecido minutos atrás. Mas o que mais a abalava não era o susto, nem a humilhação. Era o olhar de Verena.
A deputada não hesitou.
Entre tantos rostos e confusão, havia parado tudo para estender a mão para ela. Aquela mão firme, que segurou seu braço com urgência. Aqueles olhos tão escuros, tão decididos — e ao mesmo tempo, tão cheios de algo que Valentina não sabia nomear. Ou talvez soubesse, mas não queria admitir.
Ela virou o rosto, enfiando-o no travesseiro, como se pudesse afogar ali o que sentia.
Mas não adiantava.
Verena estava em todos os lugares. No toque gelado da xícara de chá deixada na mesa, no reflexo do espelho embaçado do banheiro, nas entrelinhas das matérias políticas que tentava ler para estudar. Estava na sombra que o sol fazia ao bater na parede. No seu silêncio. Na sua inquietação.
E o pior... era que o coração dela — o mesmo que por tanto tempo ela acreditou ter sob controle, blindado por regras, fé e medo — parecia não querer obedecer mais.
Ela se levantou devagar, andando até a janela do quarto. Lá fora, a rua ainda estava vazia. O mundo começava a se mexer. Ela, no entanto, parecia presa a algo que não sabia explicar. A alguém que ela não queria sentir.
Mas sentia.
Por mais que tentasse resistir, que se lembrasse dos sermões, das orações, das vezes em que ouvir dizer que “isso era desvio”, que “isso não vinha de Deus”... seu corpo reagia. Seu peito reagia. E a imagem de Verena — tão forte, tão inalcançável, tão errada — a fazia arder por dentro.
Ela fechou os olhos, segurando a respiração.
Talvez estivesse ficando louca. Ou talvez, só agora, estivesse começando a entender o que era sentir de verdade.
Manhã – Caminho para a escola – 07h35
Valentina caminhava apressada, o casaco jeans apertado contra o corpo como se quisesse se esconder do mundo. A rua, apesar do frio leve da manhã, estava cheia de movimento. O barulho dos ônibus passando, crianças rindo nos portões das escolas e vendedores abrindo as portas de suas lojinhas criavam um som ambiente quase comum. Quase.
Mas dentro dela, tudo parecia fora do lugar.
Havia dormido mal. Acordado pior. E ainda tentou ignorar o incômodo no peito, fingindo que aquela sensação passaria com o tempo. Só que não passou. E a mensagem no grupo da escola, enviada bem cedo, provou isso.
"Genteee, é a Valentina no vídeo da treta na ALESP???"
A frase, acompanhada de um link para um vídeo curto, filmado do fundo de um corredor barulhento e caótico, fez seu estômago gelar. A qualidade não era das melhores, e seu rosto aparecia de relance, entre a multidão. Ainda assim, ela soube. Era ela. Sabia pelo casaco, pelo jeito que caiu, pelo olhar desesperado logo antes de sumir na imagem.
As pernas quase falharam quando leu os comentários.
"Nossa, caiu igual jaca madura."
"Estagiária doida metida em confusão de político kkkkk"
"Essa aí nunca mais pisa lá."
Ela pensou em voltar. De verdade. Chegou a dar dois passos para trás. Mas então, sentiu uma mão no ombro.
— Val, nem pensa nisso — disse Carol, sua melhor amiga, aparecendo ao seu lado com uma expressão firme. — Vamos entrar. Eu tô com você. Sempre.
Valentina mordeu o lábio com força, tentando conter o nó na garganta. Queria agradecer, dizer alguma coisa. Mas tudo que conseguiu foi um aceno quase imperceptível.
— Isso é só uma tempestadezinha. Vai passar. — Carol completou, enquanto caminhavam lado a lado até o portão da escola.
No fundo, Valentina sabia que Carol queria ajudá-la a ignorar aquilo. A seguir em frente. Mas como seguir, quando a imagem do olhar de Verena — preocupado, protetor, intenso — não saía da sua mente?
E mais ainda: como seguir, quando até os corredores da escola agora pareciam estreitos demais pra esconder tudo o que ela sentia?
O sinal havia acabado de tocar, anunciando o início da primeira aula. Os corredores ainda estavam cheios de vozes, passos apressados e risos abafados. Valentina seguiu até sua sala com os olhos baixos, tentando se proteger da chuva de olhares que sentia, mesmo quando ninguém dizia nada.
Carol andava ao seu lado, firme como um escudo. Mas nem mesmo ela conseguia conter todos os cochichos.
— Gente é podre, Val. Não liga. Sério. É só porque não têm vida própria — murmurou Carol, já prevendo que a amiga estava por um fio.
Valentina apenas assentiu, mas a garganta continuava fechada. Sentou-se no fundo da sala, no canto de sempre, junto à parede. Respirou fundo, tentando retomar o controle. Tentando não lembrar da forma como o chão pareceu sumir sob seus pés naquele corredor da Assembleia. Tentando esquecer do vídeo, do grupo, das risadas.
E — mais que tudo — tentando não pensar em Verena.
Mas era impossível. Ela se lembrava do jeito como a deputada atravessou a multidão sem hesitar. Do olhar. Do toque rápido no braço enquanto a ajudava a se levantar. Da firmeza com que ordenou que nenhum registro da imagem dela fosse divulgado. Aquilo... aquilo não era só preocupação profissional. Não podia ser.
— Oi, Valentina — disse uma voz suave, interrompendo seus pensamentos.
Ela levantou o rosto e forçou um sorriso. Tiago. Sempre com aquele olhar gentil e voz calma. Trazia uma garrafinha de água e um pacote de biscoitos.
— Achei que você talvez não tivesse tomado café… trouxe isso pra você.
— Obrigada. — Murmurou, pegando com uma das mãos. O toque dos dedos dele nos seus durou só um segundo, mas foi o suficiente para que ela puxasse a mão de volta de forma instintiva.
Tiago se sentou ao lado, como fazia às vezes. Estavam juntos em vários trabalhos desde o primeiro semestre, e ele sempre se mostrara simpático, respeitoso. Um bom amigo.
Mas ultimamente… ele parecia mais presente do que o necessário. E isso a incomodava.
Ela não sabia exatamente o porquê. Ou sabia — mas preferia não nomear.
— Tá todo mundo comentando umas coisas aí... Se você quiser que eu fale com a coordenadora, pra pedir pra sair mais cedo, eu falo. — Ele disse, com um sorriso solidário.
— Não precisa. — Respondeu seca. Percebeu o tom na mesma hora e tentou suavizar. — Sério, obrigada. Mas eu tô bem.
Tiago assentiu, visivelmente desconfortável com a frieza repentina. Valentina mordeu o lábio. Não era justo com ele. Ele só estava tentando ser legal.
Mas aquela atenção toda… aquele jeito doce… estava começando a sufocá-la.
“Talvez seja porque ele me olha como se esperasse algo de mim”, pensou. “E eu… eu não consigo nem entender o que eu mesma estou sentindo.”
Ela virou o rosto para a janela. Lá fora, o céu nublado parecia combinar com o que se passava dentro dela.
“Se ao menos eu conseguisse tirar Verena da cabeça…”
Mas não conseguia.
Casa de Verena – 07h30
A luz filtrava-se pelas cortinas do quarto, suave e dourada, anunciando o início de mais um dia. Verena já estava acordada há alguns minutos, deitada de lado, observando o teto enquanto Silvia ainda dormia ao seu lado, o rosto meio escondido pelo travesseiro.
Forçou um sorriso. Nos últimos dias, tinham conseguido viver uma espécie de trégua. Conversas mais leves, jantares sem discussões, algumas noites dividindo o mesmo espaço com uma intimidade morna — quase confortável. Mas nada era como antes.
Silvia se mexeu lentamente, abrindo os olhos em silêncio. Encontrou Verena com o olhar perdido, e estendeu a mão até tocar de leve o braço da esposa.
— Bom dia — murmurou, a voz rouca de sono.
Verena virou o rosto para ela, forçando um ar calmo.
— Bom dia, amor.
Silvia sentou-se na cama, ajeitando a camisola de alças e prendendo o cabelo num coque despretensioso.
— Quer café com leite ou só preto hoje? — perguntou enquanto calçava os chinelos.
— Preto mesmo. Obrigada. — Verena se levantou, indo direto ao closet pegar a roupa do dia. A manhã correria como sempre.
Cozinha – 07h45
O cheiro de café preenchia o ambiente. Silvia cortava frutas com precisão enquanto o pão esquentava na torradeira. Verena, de camisa social e calça preta, mexia distraída no celular, sentada à mesa.
— Você vai sair muito tarde hoje? — perguntou Silvia, sem tirar os olhos da faca.
— Acho que sim. Tem reunião com lideranças às quatro, depois umas conversas com a imprensa. Só chego à noite.
— Hum. — A resposta de Silvia foi curta. A trégua rangia embaixo das palavras.
Verena percebeu. Guardou o celular, repousando-o ao lado da xícara. Suspirou.
— Se tiver algo que queira falar, Silvia, fala logo. Não gosto de andar pisando em ovos.
Silvia largou a faca, devagar. Virou-se para ela com calma, mas os olhos diziam tudo.
— Pisando em ovos? Eu é que tenho me sentido assim há dias, Verena. A gente finge que tá tudo bem. Dorme na mesma cama, janta junto... mas não se olha de verdade. Você não me olha.
— Isso não é verdade. — A resposta saiu rápida demais, defensiva demais.
— É, sim. Você tá aqui, mas não tá. Parece sempre distraída. Longe. — Silvia cruzou os braços. — E quer saber? Eu tô cansando de ter que te puxar de volta o tempo inteiro. Não é justo.
Verena abaixou os olhos. Engoliu seco. Não tinha resposta. Ou, se tinha, não era uma que Silvia merecesse ouvir.
O apito da torradeira cortou o silêncio tenso. Silvia virou-se sem dizer mais nada, pegando os pães. Colocou-os num prato e deslizou sobre a mesa, sem olhar para Verena.
— Se quiser, tá aqui.
Verena ficou mais um momento ali, sentindo a inquietação crescer dentro do peito como uma maré.
A trégua, percebiam ambas, estava por um fio.
Verena ainda estava parada na cozinha, o prato à sua frente intocado, enquanto Silvia organizava os potes sobre a pia em silêncio. Não houve mais troca de olhares, nem palavras. Apenas o som do vidro, da água, do pano passando por cima da bancada.
Era uma manhã como tantas outras — e, ainda assim, completamente diferente.
Verena não sabia como reagir. Nunca tinha visto Silvia assim. Não daquele jeito. Tão... fria. Não era raiva, nem tristeza, nem ciúme. Era uma exaustão silenciosa, que pesava mais do que qualquer grito.
O pior de tudo era saber que Silvia estava certa.
Sentia como se estivesse à deriva há semanas. Tentava manter os pés firmes, o casamento de pé, o cargo em ordem, o esquema funcionando, a fachada intacta. Mas por dentro... era só cansaço. Dúvidas. E culpa.
Sentia-se sufocada por tudo o que não dizia.
— Eu... vou indo — disse, finalmente, pegando a bolsa. A voz saiu mais baixa do que pretendia.
Silvia respondeu apenas com um aceno, ainda de costas.
Verena caminhou devagar até a porta, hesitando antes de sair. Olhou uma última vez para a esposa, a silhueta ainda ali, imóvel, como se o tempo tivesse parado ao redor dela.
Aquela imagem a acompanharia pelo resto do dia.
Carro – 08h15
Verena tentava prestar atenção nos carros, sua vida já estava num mcaos grande demais para pensar em se envolver em qualuer problema no trâncito. Tentava focar nas rotinas bpasicas que teria, mas seu consiciente parecia não querer a mesma coisa.
Era um ciclo sem fim.
Ela sabia que estava errada. Sabia que Silvia merecia mais — ou, ao menos, merecia a verdade. Mas a confusão que sentia dentro de si era como um labirinto sem saída. Porque mesmo que reconhecesse o sentimento que crescia por Valentina, mesmo que admitisse o quanto sua presença a afetava, o que poderia fazer com isso?
Abandonar tudo? Abrir mão do casamento, da estabilidade, da imagem?
Era fácil para Rafaela, com seus conselhos impacientes e honestidade cortante. Difícil era estar ali, naquele lugar. Sentindo-se culpada por um amor morno e ainda mais culpada por desejar o proibido.
“Você não me olha”, Silvia tinha dito.
E Verena sabia... era porque seus olhos já estavam presos em outro lugar. Em alguém que nem deveria ter entrado em sua vida.
Apertou os olhos com força, como se isso bastasse para calar a confusão. Mas tudo que conseguiu foi sentir o aperto no peito crescer ainda mais.
Não havia paz. Nem em casa. Nem dentro de si.
Gabinete de Verena – 09h00
A chuva fina ainda escorria pelas janelas da Assembleia Legislativa quando Verena entrou no prédio, passos firmes, casaco elegante pendendo de um braço. O rosto, no entanto, traía o cansaço que ela tentava esconder. Olheiras discretas, olhar tenso.
Rafaela já a aguardava na entrada do gabinete, segurando uma pasta de documentos.
— Bom dia, chefe — disse, num tom que misturava leveza e cuidado.
Verena apenas assentiu, caminhando direto para sua sala, deixando um rastro de perfume amadeirado no corredor. Rafaela a seguiu, fechando a porta com suavidade atrás de si.
— Eu pedi para remarcarem a reunião com o pessoal da Comissão de Direitos Humanos — informou a ruiva, entregando a pasta. — E adiantei os memorandos da semana.
Verena passou os olhos rapidamente pelos papéis, sem realmente absorver o conteúdo. Sua cabeça latej*v*. Seu peito ainda carregava o mesmo peso da viagem de carro.
— Alguma novidade? — perguntou, sem olhar para Rafaela.
A amiga hesitou por um segundo.
— Nada que você já não saiba... — disse, com cuidado.
— Ótimo — murmurou, tentando soar indiferente.
Rafaela cruzou os braços, encostando-se na parede com seu jeito despreocupado.
— Verena... você precisa resolver isso — disse, baixinho, como quem não queria acender a fogueira no peito da amiga. — Vai acabar se machucando. E machucando ela também.
Verena não respondeu. Apenas desviou o olhar para a janela, onde gotas de chuva riscavam o vidro como pequenos cortes.
Por fora, manteve a compostura. Por dentro, era só tempestade.
...
O som dos grampeadores, impressoras e telefones preenchia o ambiente com a rotina apressada do gabinete. Valentina, de cabeça baixa em sua mesa, organizava os documentos que Verena havia pedido. Seus pensamentos, no entanto, estavam longe — e no meio de um movimento distraído, tentou prender um maço de papéis e acabou grampeando o dedo indicador da mão esquerda.
Mordeu os lábios para conter o gemido de dor e, com o rosto ruborizado, se levantou discretamente, seguindo pelo corredor.
Foi então que trombou com Rafaela, que voltava da copa com uma caneca de café nas mãos.
— Ih, baixinha, atropelou o trânsito? — Rafaela brincou, rindo.
Valentina tentou esconder a mão machucada, mas Rafaela já tinha visto.
— Deixa eu ver isso aí — disse, sem cerimônia, pousando a caneca no bebedouro e puxando a mão dela com cuidado.
Com um gesto ágil, conseguiu tirar o grampo, enquanto Valentina franzia o rosto de leve pela dor.
— Pronto. Não precisou amputar, olha só que dia de sorte — comentou, lançando um sorriso rápido. — Vai lá no banheiro, lava direitinho que logo passa.
Valentina murmurou um agradecimento tímido e seguiu para o banheiro, enquanto Rafaela, balançando a cabeça e sorrindo sozinha, voltou para a sala de Verena como se nada tivesse acontecido.
Alguns minutos depois, Valentina retornou, a mão já limpa e coberta por um curativo improvisado. Sentou-se de novo em sua mesa com discrição, mas Rafaela a observou de longe, lançando uma pergunta despretensiosa:
— Tá inteira aí, estagiária?
— Tô bem, obrigada — respondeu Valentina, forçando um sorriso.
Verena, que revisava alguns documentos, ergueu os olhos por um segundo. Tentou ignorar o aperto que sentiu ao ver a expressão dela, mas o coração a traiu com uma pontada desconfortável.
Forçou-se a olhar de volta para a papelada, como se nada tivesse acontecido.
Corredor da Assembleia — 13h45
A tarde seguia agitada. Em breve teriam uma reunião importante em outra ala do prédio, e Verena caminhava apressada ao lado de Rafaela, os saltos ecoando pelo corredor de mármore.
À frente delas, Valentina carregava uma pasta, cuidando para não forçar a mão esquerda.
Verena lançou um olhar discreto para a garota e, quando ela já estava um pouco à frente, se inclinou levemente em direção a Rafaela, baixando o tom da voz:
— Aconteceu alguma coisa mais cedo? Vi você perguntando se ela tava inteira...
Rafaela, com aquele ar despreocupado que só ela conseguia ter até em momentos tensos, respondeu:
— Nada demais. Ela se atrapalhou com o grampeador, enfiou o grampo no dedo. — Deu de ombros, acrescentando com um sorriso de canto. — Coisas da vida de estagiário.
Verena tentou disfarçar o incômodo que sentiu, apertando a mandíbula enquanto voltava o olhar para frente.
— Tá tudo certo agora, chefe — completou Rafaela, divertida, percebendo a tensão da amiga, mas decidida a não alimentar mais ainda aquilo.
Verena apenas assentiu, o maxilar ainda rígido, lutando internamente contra o impulso quase incontrolável de ir até Valentina e checar ela mesma.
Afinal, não era nada. Só um machucado bobo. Ela precisava acreditar nisso.
Mesmo que seu coração dissesse o contrário.
Sala de Reuniões — 14h00
A movimentação era intensa na porta da sala reservada para a reunião. A maioria dos deputados já chegava com suas equipes, pastas e tablets nas mãos.
Valentina, um pouco ofegante da caminhada rápida, se aproximou de Verena e Rafaela, estendendo as pastas organizadas.
— Aqui estão os documentos, deputada — disse com a voz baixa, o olhar evitando encontrar o dela.
Verena pegou as pastas com um aceno breve, sem conseguir dizer muito. Um leve arrepio percorreu seus braços quando seus dedos tocaram, mesmo que rapidamente, os de Valentina.
— Obrigada, pode voltar, Valentina — murmurou, forçando a compostura.
A garota assentiu e se afastou com passos rápidos, sem olhar para trás.
Quando ela sumiu no meio do corredor, Rafaela, com o tom característico de quem falava rindo, mas com um peso nas entrelinhas, disparou:
— Me diz uma coisa... precisava mesmo fazer a menina vir até aqui só pra entregar essas pastas? — Abriu um sorriso sarcástico. — Espero que tenha sido só pela papelada... e não pelo que eu tô começando a pensar.
Verena girou o corpo para encará-la, o olhar estreito, a voz ríspida:
— Tá parecendo até que é você quem tá tomando conta dela agora.
Rafaela ergueu as sobrancelhas, cruzando os braços com calma.
— Não tô tomando conta de ninguém, Verena. Só tô tentando te lembrar do que você parece ter esquecido.
Antes que Verena pudesse responder, a porta da sala se abriu, e o assessor da presidência da Comissão acenou para que entrassem. O clima pesado ficou suspenso no ar enquanto ambas seguiam para dentro, cada uma carregando seus próprios silêncios.
A sala era fria, iluminada pelas lâmpadas de teto que lançavam um brilho branco sobre a longa mesa de madeira. Ao redor dela, deputados de diferentes partidos acomodavam-se com pastas, copos de café e olhares atentos — ou disfarçadamente hostis.
Verena sentou-se à direita do presidente da Comissão, como exigia seu cargo de vice-presidente. Rafaela ficou mais atrás, com o tablet em mãos, sempre de olho.
O presidente, um homem de voz grave e sorriso protocolar, iniciou:
— Estamos aqui para discutir os projetos de lei que aguardam pauta na comissão, começando pela proposta de regulamentação do atendimento psicológico em escolas públicas.
Enquanto lia os itens, os comentários atravessados começaram. Era quase um teatro.
— Claro, regulamentar, né? Depois querem incluir "aconselhamento alternativo" pra qualquer orientação... — murmurou um deputado de terno azul-escuro, alto e de expressão arrogante.
Alguns riram discretamente. Outros desviaram o olhar, já acostumados.
Verena ajeitou os óculos, mantendo o semblante impassível.
— Se a preocupação é com "orientação", deputado, talvez devêssemos investir primeiro em formação adequada para os profissionais da área — rebateu, a voz polida, mas afiada.
O deputado azul forçou um sorriso.
— Ah, não me entenda mal, deputada Castilho... Só acho que certas... "influências" não devem fazer parte do ambiente escolar. Lugar de criança é pra aprender português e matemática, não pra ficar em dúvida se é menino ou menina.
A tensão se materializou na sala.
Alguns membros tossiram discretamente. Outros abriram pastas como se concentrados em documentos.
Verena sentiu o sangue ferver, mas manteve a calma ensaiada ao longo dos anos.
— Concordo, deputado — respondeu, com um sorriso que não chegava aos olhos. — Criança deve aprender conteúdo pedagógico de qualidade. Deixe a hipocrisia para os adultos.
Rafaela segurou um meio sorriso atrás do tablet.
A reunião prosseguiu, mas o clima já estava envenenado.
Insinuações surgiam em frases soltas:
— "Prioridades distorcidas"
— "Pautas que servem a minorias barulhentas"
— "A gente sabe quem patrocina essas agendas"
Verena manteve a compostura como podia. Sabia jogar o jogo. Mas também sabia que cada farpa era uma provocação direta e, talvez, um teste.
Quando finalmente a reunião foi encerrada, mais de uma hora depois, ela sentia o maxilar doer de tanto forçar a calma. Enquanto recolhia seus papéis, ouviu o mesmo deputado cochichar para um colega:
— Bonita, mas completamente perdida. Uma pena.
Verena fingiu que não ouviu. Mas Rafaela, atrás dela, ouviu — e estreitou os olhos como se pudesse perfurar o sujeito com o olhar.
No corredor, já longe das câmeras, Rafaela comentou baixinho:
— Um dia ainda vou perder a carteira de trabalho e o controle... Tudo no mesmo segundo.
Verena soltou uma risada seca, cansada.
— Entra na fila.
Casa da Valentina — 19h32
O cheiro de alho dourando na panela tomava conta da pequena cozinha. Ana Paula, com o avental surrado amarrado na cintura, mexia o arroz com atenção, enquanto o feijão já borbulhava na outra boca do fogão. Na mesa encostada na parede, Isadora se concentrava na lição do dia, a língua presa no canto da boca em concentração.
Valentina estava sentada no sofá da sala, os livros escolares abertos no colo, mas o olhar distante.
O som da chave girando na porta fez a menina despertar de seus pensamentos. O pai entrou, ajeitando a mochila surrada no ombro, o rosto cansado de mais um dia de trabalho.
— Boa noite! — disse ele, forçando um sorriso animado.
— Boa noite, pai! — responderam Valentina e Isadora quase ao mesmo tempo.
Ele foi até a cozinha, beijou a esposa na testa e depois passou a mão carinhosamente no cabelo da filha menor.
— Que cheirinho bom — comentou, colocando a mochila num canto da sala.
— Comida simples — respondeu Ana Paula, sorrindo. — Arroz, feijão e bife acebolado.
O pai de Valentina puxou uma cadeira e sentou-se, esfregando as mãos cansadas.
— Hoje lá na obra só se falava de festa — comentou, soltando uma risada abafada. — E falando nisso, parece que vai ter aniversário da vó Ana, né? Cem anos! — Ele assoviou, impressionado.
Ana Paula sorriu enquanto fechava a tampa da panela.
— É. Cem anos não se faz todo dia. Tão pensando em organizar alguma coisa pequena pra bisa. Só a família mesmo.
Valentina apoiou os cotovelos nos joelhos, observando a movimentação.
— Cem anos... — repetiu em voz baixa, com um sorriso discreto.
— Ela ainda é mais forte que muito marmanjo por aí — brincou o pai.
Todos riram. A conversa seguiu leve, entre histórias da bisa e pequenas lembranças da infância.
Logo Ana Paula chamou todos pra mesa. O jantar foi servido com simplicidade, mas cercado de um carinho silencioso que era próprio daquela casa.
Valentina se serviu, rindo de uma piada boba da irmã mais nova, mas no fundo sentia aquele aperto que já havia se tornado um velho conhecido. Como se, mesmo cercada de tudo aquilo, ainda faltasse algo — ou alguém — que ela tentava, em vão, afastar dos pensamentos.
Quarto de Valentina — 21h08
A luz amarelada do abajur deixava o quarto pequeno com um ar aconchegante. Valentina estava deitada de barriga para baixo na cama, o celular apoiado à frente, os pés balançando no ar distraidamente. O caderno de anotações ainda aberto do lado, mas já esquecido.
Ela passou os dedos pelo visor do celular, deslizando pelas notificações sem prestar atenção. Finalmente, respirou fundo e abriu o chat com Carol.
"Oi, tá ocupada?"
A resposta veio rápida, como sempre.
"Nada, só enrolando aqui. Que foi?"
Valentina hesitou. Ficou olhando para a tela, o polegar pairando sobre o teclado.
"Sei lá... só queria conversar um pouco." digitou enfim.
"Sobre o estágio?" Carol perguntou, talvez já imaginando o motivo.
Valentina sorriu de lado, sem graça. Era mais que o estágio. Muito mais. Mas como explicar algo que nem ela mesma conseguia entender direito?
"É... também." respondeu.
"Aconteceu alguma coisa? Alguém foi grosso com você?"
"Não, nada disso" — tentou minimizar, mesmo sabendo que a inquietação dentro dela era bem mais profunda que qualquer grosseria no gabinete.
Fechou os olhos por um instante, sentindo a garganta apertar.
Queria contar. Queria dizer que se sentia perdida, que o coração dela parecia bater diferente quando via alguém que não deveria... Mas a coragem lhe faltava. E o medo a paralisava.
"Acho que tô meio cansada só. Coisa da cabeça." enviou por fim.
"É normal... você tá se esforçando muito. Não se cobra tanto, amiga. Qualquer coisa, tô aqui, tá?"
Valentina sorriu, um sorriso pequeno e triste. A amizade de Carol era uma âncora — mas havia tempestades que ela sabia que teria que enfrentar sozinha.
Deixou o celular de lado, puxou o travesseiro contra o peito e ficou ali, olhando para o teto.
Tentando entender como algo tão errado podia parecer tão... inevitável.
O silêncio do quarto parecia conversar com seus pensamentos.
Valentina apertou o travesseiro com mais força, como se isso pudesse impedir a mente de vagar. Mas era inútil.
Verena.
A imagem dela invadiu sua cabeça sem pedir licença — a postura elegante, o olhar firme por trás dos óculos, a voz baixa, segura... O jeito como parecia alheia ao mundo ao redor, e ao mesmo tempo, capaz de enxergar tudo.
Valentina sentiu o peito apertar de um jeito estranho. Não era só admiração. Não era só respeito. Era uma necessidade absurda de estar perto, de ouvir sua voz, de ver seu sorriso, mesmo que fosse raro.
Mordeu o lábio inferior, tentando afastar aquelas ideias. Era errado. Ela sabia. Cresceu ouvindo isso. Aprendeu em casa, na igreja, em cada pequeno gesto que moldava quem ela deveria ser.
E ainda assim, ali estava ela... desejando o impossível.
Fechou os olhos e tentou rezar, como fazia quando era criança e tinha medo do escuro. Mas as palavras não vinham. Em vez disso, a imagem de Verena permanecia, tão viva quanto a culpa que agora lhe subia como um nó na garganta.
“Não é certo”, pensou, virando-se de lado na cama.
Mas uma voz, baixinha dentro dela, perguntava:
"E se for amor?"
Ela puxou o cobertor até a cabeça, como fizera na noite da queda. Queria se proteger do que sentia. Queria ser outra pessoa, qualquer pessoa que não estivesse dividida entre o medo e o desejo.
Mas ali, no silêncio do seu quarto, não tinha mais como negar:
Verena Castilho não sai da sua cabeça. Nem do seu Coração.
Fim do capítulo
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Zanja45
Em: 01/05/2025
Os vinculos de amizade entre Rafa e Verena; Valentina e Carol, tem sido fundamentais em meio a tantas incertezas, dilemas e amores impossíveis.
anonimo2405
Em: 03/05/2025
Autora da história
Concordo. Sem isso as coisas estariam muito mais difíceis.
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Zanja45
Em: 01/05/2025
Quem vazou o video com a queda de Valentina e com que pretensões? Sendo que Verena tinha deixado claro que fosse tirado do ar.
anonimo2405
Em: 03/05/2025
Autora da história
Com aquele de gente e tumulto, não acho difícil alguém ter filmado. Ninguém consegue mais ver uma cena sem querer gravar. Pelo menos se fosse eu o jornalista, não sei se arriscaria levar a matéria adiante não rsrs
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anonimo2405 Em: 17/06/2025 Autora da história
Bota trabalho nisso! Rsrs