Capítulo 16
A semana se passou com um revezamento entre minha casa e a casa de Marcela. Dormimos juntas todas as noites. Não fomos mais caminhar. Segundo Marcela, estávamos fazendo nosso “cardio” de uma outra maneira, muito mais prazerosa. Diego me interrogou todos os dias no trabalho, até descobrir que era com Marcela que eu estava me relacionando. Isabela me mandou mensagens perguntando sobre — palavras dela: o andamento da situação. Respondi sem muitos detalhes, mas disse que estava tudo bem. No grupo de mensagens dos meus amigos alguns disseram que eu estava sumida, mas ninguém perguntou nada específico.
— Você acha que seu primo disse alguma coisa?
Eu estava deitada no sofá, com Marcela sobre mim, as costas no meu peito, meus braços ao redor da cintura dela, nossos dedos entrelaçados:
— Acho que não. Se ele falou, ninguém me disse nada.
Ela suspirou, levou minha mão aos lábios e a beijou, antes de perguntar:
— Que horas você precisa estar lá amanhã?
Eu suspirei e fechei os olhos:
— Sete horas… A votação começa às oito.
Marcela apenas balançou a cabeça. Eu ia continuar falando, perguntar se ela justificaria a ausência pelo celular ou pessoalmente, mas uma voz da rua não permitiu:
— Marcela…
Eu gelei ao reconhecer a voz de Érica. Me soltei dela rapidamente, mas Marcela não se mexeu de imediato. Virou o corpo, roçou os lábios no meu e só então se levantou. Caminhou até a janela, eu levantei do sofá e fiquei parada no meio da sala, sem saber o que fazer.
Ouvi a conversa das duas quase em desespero:
— Tá ocupada?
— Quer subir?
Marcela se virou e deve ter visto meu constrangimento, pois perguntou:
— Tudo bem?
Balancei a cabeça. Ela foi até a porta e abriu. Quando Érica me viu, refletiu minha falta de jeito. Nos cumprimentamos. Marcela nos fez sentar no sofá. As duas conversaram um pouco, eu fiquei calada.
— Vai trabalhar amanhã, Ciça?
Só então tive coragem de olhar diretamente para Érica:
— Vou sim. Você também?
Ela confirmou com a cabeça. Disse que precisaria sair da cidade às seis e meia da manhã, pois sua seção era na zona rural. Conversamos um pouco mais sobre a eleição, depois o assunto mudou. Marcela perguntou onde ficava a agência dos correios na cidade, pois precisava postar umas encomendas. Eu e Érica tentamos explicar, mas ela não conhecia as referências que passamos.
— Eu te levo lá na segunda…
Marcela sorriu para mim e pegou minha mão:
— Obrigada.
Na mesma hora senti meu rosto queimar. Olhei para Érica, mas ela encarava o chão. Marcela continuou o assunto, dizendo que tinha vendido alguns quadros online e soltou minha mão.
Depois de mais meia hora de conversa, Érica se despediu. Quando ficamos sozinhas, ela perguntou:
— Te chateei pegando sua mão?
Eu sorri levemente:
— Eu nunca ficaria chateada com isso… Só… talvez um pouco constrangida por sua prima…
Marcela acariciou meu rosto:
— Érica não vai falar nada pra ninguém.
— Você contou pra ela sobre a gente?
Marcela balançou a cabeça:
— Não, mas tenho certeza que ela já percebeu.
Eu fiquei um pouco agitada internamente. Não sei se era uma boa notícia.
— Érica tem a cabeça… você sabe, pela forma que ela foi criada… mas não é nada que ela não possa se acostumar.
Quando o relógio despertou, eu quase não acreditei. Suspirei profundamente e levantei para cumprir minha parte como cidadã brasileira. Fui para o chuveiro e tomei um banho rápido. Tinha demorado a pegar no sono, dormindo sozinha na minha cama depois de dias tendo o calor de Marcela ao meu lado.
Fui umas das primeiras a chegar. Coloquei meu crachá de identificação, preparei o que precisava e fui encarar o dia à serviço da justiça eleitoral. Mandava mensagens para Marcela sempre que tinha um tempinho, conversamos o dia inteiro. Quando fiquei liberada às cinco e quarenta, a avisei. A resposta dela não podia ser mais perfeita:
“Estou te esperando”.
*****
Não imaginei que dormir sem Ciça seria tão ruim. Foi uma noite péssima. Aquela última semana tinha sido como uma lua de mel, absolutamente doce. Eu tinha desistido da ideia de me afastar. Na verdade, se tornou inviável. Eu não conseguia. Não queria. Eu estava… não queria usar essa palavra, mas talvez — talvez — eu estivesse apaixonada por Ciça. Tinha sido tudo um pouco rápido, mas tão fluído, tão natural, que sempre me pareceu certo. Eu jamais imaginaria a sucessão de eventos que o meu convite para jantar — sem segundas intenções, eu juro — causaria.
Sorri ao ver a notificação no meu celular. Mensagem dela. Ela. Ciça. A melhor surpresa que poderia ter me acontecido. Conversamos espaçadamente durante a tarde, até ela avisar que estava saindo.
Fiquei na varanda esperando, até o carro dela estacionar em frente à minha casa. Ela não me viu quando desceu. Eu voltei para dentro e abri a porta, fiquei encostada a esperando. Sorriu quando ergueu os olhos. Meu corpo inteiro sorriu de volta para ela. Me joguei nos braços de Ciça, que me recebeu com o mesmo entusiasmo.
Dormimos juntas na minha casa. Eu ficava mais à vontade e percebia que Ciça também. Era como se uma tensão pairasse sobre ela o tempo inteiro enquanto estávamos na casa dela. E eu imaginava o motivo, depois de tudo o que ela havia me contado e de coisas que eu havia presenciado.
No dia seguinte ela me levou de carro até os correios para que eu pudesse postar minhas encomendas, enquanto estava no horário de almoço. Eu fiquei absolutamente chocada com a quantidade de perguntas não-profissionais que o atendente me fez. Várias. Sobre mim, minha vida, o que eu estava postando, o que eu estava fazendo na cidade... Depois ele transferiu o interrogatório para Ciça, que já conhecia, portanto as perguntas foram para ela, mas sobre mim… Como nos conhecemos, se éramos parentes ou amigas, se trabalhávamos juntas…
Quando voltamos para o carro, não me aguentei:
— Comunicativo ele, né?
Ela riu e disse:
— Um dos maiores proliferadores de notícia da cidade.
Ela me deixou de novo em casa e voltou para o trabalho. Eu fui lavar a louça do nosso almoço. Estava quase no fim quando meu celular tocou. Enxuguei as mãos e deslizei a tela que mostrava o nome de Érica:
— Oi…
— Oi, tá em casa?
Respondi andando até a sala:
— Tô sim.
Érica ficou em silêncio por alguns segundos, antes de perguntar:
— Tá sozinha?
Eu me joguei no sofá tentando não julgar a pergunta dela:
— Tô…
Ela falou rápido:
— Posso ir aí?
Quando ela chegou, sentou no sofá. Eu sentei no chão, na frente dela, depois de pegar um suco para nós duas. Pelo que eu conhecia da minha prima, ela queria falar algo, mas não sabia como. Não me olhava diretamente, mexia as pernas, mexia nos cabelos… Tentei ajudar:
— Aconteceu alguma coisa?
Ela balançou a cabeça com muita veemência:
— Não… Não aconteceu nada…
Eu ainda a observei por mais um tempo, mas ela não fez menção de falar nada.
— O que foi, Érica? Pode falar…
Minha prima suspirou e olhou para frente, para a parede:
— Eu só… eu queria… sobre você e Ciça…
Meu coração acelerou, minha respiração se alterou. Não por eu estar incomodada com a conversa, preocupada, ou algo do tipo, mas meu corpo se preparou para o que eu achava que Érica iria falar. Eu jamais admitiria ser desrespeitada ou invalidada. Entrei na defensiva. Meus instintos se afloraram, pronta para atacar de volta. Mas não foi o que aconteceu. Ao contrário do que eu imaginava, ela falou:
— Desculpa se eu pareço incomodada… Ou ser contra vocês, sei lá…
Me desarmei, meu corpo relaxou, a respiração ficou leve. Ela continuou:
— É só que pra mim é novidade, sabe? Não tô acostumada a ver…
Ela finalmente me olhou:
— Eu gosto de Ciça. E você é minha prima, minha amiga… Vou ficar feliz se você estiver feliz.
Um sorriso involuntário apareceu no meu rosto. Por um segundo a vida que compartilhei com Érica passou pela minha cabeça. As brincadeiras quando éramos garotas, as conversas na adolescência, os risos de madrugada quando dormíamos juntas nas férias. Me levantei e sentei ao lado dela:
— Obrigada… Isso significa muito pra mim…
Érica encostou a cabeça no meu ombro:
— Acho que eu vou ficar um pouco sem jeito no começo, mas eu queria que você soubesse que é só uma questão de costume mesmo, tá?
Eu ri e passei meu braço pelo ombro dela. E aí fui em quem ficou sem jeito com a pergunta que ela fez:
— Vocês estão namorando?
Levantou a cabeça para me olhar.
Estávamos? Não sabia responder.
— Não, acho que não.
Érica continuou me olhando:
— Não? Vocês ficam juntas todos os dias… É quase um casamento.
Ela riu. Eu suspirei:
— Não conversamos sobre isso ainda… E eu… não sei se quero entrar num relacionamento agora.
Minha prima franziu a testa, como se estivesse falando uma obviedade:
— Marcela… você já tá num relacionamento.
Quando Érica foi embora, me deixou num fluxo de pensamentos que giravam, giravam e acabavam no mesmo lugar. Eu estava num relacionamento. Mesmo que nós não tivéssemos nomeado aquilo, nem sequer conversado sobre. Até porque era tudo muito recente. Mas quanto tempo é preciso? Tempo é mais importante que sentimento? Rodei pela casa, seguindo o fluxo dos meus pensamentos. Sala, quarto, cozinha, e não me achei. Não naquele momento. Só mais tarde, quando Ciça chegou. Ela entrou pela sala, eu estava no quarto. Me chamou. Eu fui. Segurei o rosto dela e a beijei. Os pensamentos pararam de girar. Se acalmaram, se assentaram. Ela sorriu. Meu coração palpitou. Eu estou apaixonada. Sentir. Só queria sentir, não queria pensar. Levei Ciça pela mão até meu quarto e pedi com todo o meu ser:
— Faz amor comigo?
Ela me atendeu. Me mostrou em cada respiração, cada toque, cada olhar, como sentia o mesmo que eu. Não falamos nada, em momento algum. Não era preciso. Os gemidos no meu ouvido me levaram junto com ela. Nos perdemos e nos encontramos juntas. Eu já não tinha como mentir ou fugir.
Eu estou apaixonada.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
HelOliveira
Em: 29/04/2025
Assumir que está apaixonada já é outro nível, muito bom o capítulo
AlphaCancri
Em: 02/05/2025
Autora da história
Finalmente, né? Espero que Marcela não volte atrás…
Obrigada, fico feliz que tenha gostado :)
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AlphaCancri Em: 02/05/2025 Autora da história
E aí, em quem você aposta? As duas com medo de falar de sentimentos…