Capitulo 29
Como eu poderia conviver com isso? Agora eu entendia as razões que levaram Mariana a terminar comigo e se afastar, ela não sabia lidar, e eu muito menos, então naquela noite decidimos nos afastar, cada uma tentando seguir sua vida.
Bom essa era a ideia.
Duas semanas se passou, depois do trabalho corri para casa da minha irmã como de praxe, passei a ir quase todos os dias para casa de Larissa, mesmo quando ela não estava Luana estava lá, as duas agora moravam juntas
Chegando, encontrei uma mesa posta muito bonita, e contando os lugares, elas esperavam duas pessoas a mais, e isso fez um frio subi em minha espinha, eu não queria conhecer pessoas, eu nem ao menos queria me comunicar com pessoas, quanto mais conhecer
-E essa mesa? - Luana ria enquanto ia em sentido a cozinha, mas nenhuma das duas me responderam. -Não vão me responder?
As duas riam, enquanto eu mantinha minhas mãos na cintura tentando entender o porquê elas não me respondiam, até a campainha tocou
-Você pode ir atender? Nós estamos ocupadas
Fui até a porta abrindo e dando de cara com Mariana que carregava um buque e uma garrafa de vinho
Fiquei parada diante da porta, como se meu corpo tivesse esquecido a ordem de respirar. Mariana. Vestida de um jeito simples, mas linda. Os cabelos presos num coque solto, alguns fios rebeldes caindo sobre os ombros. O buquê de flores era pequeno, quase tímido. A garrafa de vinho trazia uma tentativa de descontração que não cabia naquela tensão suspensa entre nós.
- Oi - ela disse, com a voz mais baixa do que eu me lembrava. Ou talvez eu só tivesse esquecido como era ouvi-la de tão perto.
Eu não respondi de imediato. Só fiquei olhando pra ela, pro sorriso contido, pros olhos que pareciam estar me pedindo permissão para existir ali. E, por algum motivo que nem eu mesma entendi, dei espaço para que ela entrasse.
- Larissa disse que seria um jantar informal... - Mariana murmurou, e eu fechei a porta atrás de nós, sem dizer nada.
O som do riso abafado vindo da cozinha me lembrou que eu não estava em um sonho estranho. Era real. Mariana estava ali. E nós duas, mesmo depois de tudo, dividindo o mesmo espaço novamente.
Ela colocou as flores sobre a mesa e deixou o vinho ao lado, como se fosse habitual. Como se estivéssemos em casa. E isso me incomodou. Não pelo gesto - mas pelo fato de que, por um segundo, eu quis que fosse verdade.
Fomos até a sala de jantar, e Larissa e Luana nos esperavam, rindo de alguma piada interna. Lais apareceu e se agarrou em Mariana, elas se tornaram importante uma a para a outra. A mesa estava belíssima. Velas baixas, louças bem dispostas, uma música instrumental tocando ao fundo.
- Que bom que vocês chegaram - Larissa disse, nos chamando com um gesto e sorrindo largamente.
Luana puxou a cadeira ao meu lado e me indicou o lugar. Mariana sentou-se de frente pra mim. Por alguns minutos, falamos sobre amenidades, comida, vinho, o quanto o arroz estava no ponto e como Luana estava cada vez mais prendada na cozinha. Eu tentei me manter ali, presente, como se meu corpo e minha mente pertencessem ao mesmo lugar.
Mas era difícil.
Eu sentia o olhar de Mariana, mesmo quando ela não me encarava diretamente. Era como se ela soubesse o que eu estava pensando. Ou pior: como se sentisse o que eu sentia.
No meio do jantar, Larissa pigarreou e olhou para mim.
- Eu... tenho uma notícia. E queria contar hoje, com todo mundo junto.
Minha irmã nunca foi boa com rodeios. Mas dessa vez ela parecia medir cada palavra.
- Recebi uma proposta de trabalho em outro estado. Um hospital universitário me convidou pra assumir a direção clínica de uma nova ala.
Minha boca se abriu um pouco, mas eu não disse nada. Apenas a olhei.
- Eu aceitei. Vamos nos mudar no mês que vem.
"Vamos". Ela disse "vamos". Meus olhos foram para Luana, que sorria com um brilho discreto no olhar. Era isso. Elas iam começar uma nova etapa.
Fiquei feliz. Mas também senti um buraco se abrindo devagar dentro do peito. Aquela casa, aqueles jantares, as tardes com Lais... tudo isso tinha se tornado parte da minha sobrevivência.
- E eu? - perguntei sem querer, sem pensar.
Luana me olhou com doçura. - A gente quer que você venha com a gente.
- Como assim?
- O espaço que Larissa viu fica perto de uma rua bem movimentada. Cheia de pequenos comércios, cafés e... potenciais clientes. Eu já fiz algumas pesquisas. E pensei... e se a gente abrisse um escritório lá? Juntas. Você e eu. Sócias.
A palavra "sócias" soou como um convite pra um recomeço.
- Você sabe que eu tô meio quebrada por dentro, né? - murmurei, sorrindo sem graça.
- Justamente por isso - ela disse, firme. - Porque você merece reconstruir algo. Do seu jeito, no seu tempo. Mas com alguém que te admire de verdade ao lado.
Mariana desviou o olhar. Eu vi. E senti uma pontada na garganta.
- Eu preciso pensar - foi tudo o que consegui dizer.
O jantar continuou, mas a comida perdeu o gosto. O vinho parecia mais forte. E cada vez que nossos olhares se encontravam, Mariana desviava primeiro. Até que, no final, quando todos se levantaram para ajudar na cozinha, ela ficou. Sentada. Me olhando.
- Helena - chamou, e eu congelei.
- O que foi?
- Podemos conversar? Só nós duas?
Assenti. Saímos da sala e nos sentamos na pequena varanda dos fundos. O ar estava fresco. A noite calma demais para o turbilhão dentro de mim.
- Eu não esperava te ver aqui - comecei, sem saber por que fui tão honesta.
- Eu vim porque senti que você precisava saber. De tudo. Mesmo que não mude nada.
- Nada? - perguntei, olhando pra ela. - Você acha que pode me contar um segredo como aquele... e nada muda?
- Eu espero que mude. Mas, se não mudar... que ao menos te liberte.
Ela respirou fundo, e pela primeira vez desde que a conheci, Mariana parecia frágil. Transparente.
- Eu terminei com você porque eu entrei em pânico. Porque eu amava você demais. E achava errado. Desleal. Como se eu tivesse usurpando algo que não me pertencia. Porque aquele coração aqui no meu peito - ela apontou - Eu sentia que era da Victória e que todo amor que eu sentia por você, eu achava que era dela para você
Eu fechei os olhos, engolindo a dor. De novo. Mas dessa vez, fiquei.
- E agora? - perguntei.
Ela sorriu, pequeno. - Agora ele bate por você. Só por você. De mim para você, na verdade sempre foi assim.
Ficamos em silêncio.
- Você não acha que é tarde demais? - perguntei, depois de um tempo.
- Eu não sei. Mas se ainda existir alguma chance, eu quero tentar. Eu não quero mais fugir de você.
As palavras estavam ali. Entre nós. Reais. Possíveis. Eu olhei para suas mãos. Tremiam um pouco. Eu estendi a minha, e ela segurou.
- Eu vou me mudar - sussurrei. - Com Luana. Vamos abrir o escritório.
- Eu já sabia - ela sorriu, triste. - E é por isso que eu estou me mudando também. Eu consegui o espaço. Um restaurante pequeno, mas com uma cozinha incrível. Vai ser lá. Se você for eu vou... quer dizer, você quer que eu vá?
Eu arregalei os olhos.
- Você vai pra mesma cidade?
- Eu quero ir pra onde você for.
Minha garganta apertou. Senti o mundo girar num ritmo que finalmente fazia sentido.
Ficamos em silêncio por um tempo. Até que ela se aproximou, devagar. Encostou a testa na minha. Eu fechei os olhos, sentindo o calor da respiração dela misturado ao som da minha própria pulsação.
- Você ainda me ama? - ela perguntou, quase sem voz.
- Eu nunca deixei de amar.
E naquela varanda, com o mundo lá fora dormindo, nos beijamos. Pela primeira vez depois de tudo. E pela última vez como duas que estavam partidas.
Porque naquele momento, começamos a colar os cacos.
Juntas.
Fim do capítulo
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