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O Peso do Azul por asuna

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Palavras: 4725
Acessos: 296   |  Postado em: 24/04/2025

Capítulo 14

O refeitório fervilhava de ruídos desencontrados, talheres, vozes e gargalhadas soltas, como se ninguém ouvisse ninguém. A luz do meio-dia invadia pelas janelas altas com uma intensidade exagerada.

Estava sentada na mesa habitual, entre conversas cruzadas que mal absorvia. Piper, claro, era o centro gravitacional da mesa.

— Então, meus queridos pecadores — começou erguendo a voz acima do zumbido da cantina — marquem nos vossos calendários, que o evento do ano se aproxima.

Amber, a meio de um gole da sua bebida, ergueu uma sobrancelha.

— Que evento?

— A festa. — respondeu com a solenidade de um anúncio bíblico. — Com F maiúsculo. A celebração, a orgia social, o caos controlado em nossa casa. Este sábado.

— Vocês vão organizar uma festa? — perguntou Noah, claramente interessado. — E tu tens autorização da tua mãe?

Ela encolheu os ombros.

— Vai estar em Brisbane. E deixou a casa nas mãos da filha mais responsável. — Fez uma pausa dramática, apontando para si. — Eu. A Maya supervisiona, claro. Em espírito.

Tossiquei, quase engasgando com a maçã que mastigava. Amber lançou-me um sorriso cúmplice, como quem adivinha sarilhos à vista.

— Mas não se preocupem — continuou — providência alcoólica já está garantida. A Jude trata disso.

— A Jude? — repetiu Noah, com um sorriso de aprovação. — Essa garota é uma lenda. Nunca vi ninguém encher uma mochila com tanta vodka num espaço tão pequeno. É tipo um feitiço do Harry Potter.

Amber revirou os olhos.

— Claro, a prioridade é o álcool. Nada de comida, jogos ou qualquer noção de higiene emocional. Clássico.

A ruiva empurrou-lhe uma sandwich embalada como quem sela um tratado de paz.

— Relaxa, vamos comprar hummus. Isso conta como cultura e equilíbrio nutricional.

Enquanto eles trocavam provocações leves, afastei ligeiramente a cadeira. O som da sala permanecia, constante, indiferente. Porém os meus olhos procuravam outra frequência. Varrendo o refeitório por entre mochilas largadas, mesas desorganizadas, segredos curvados sobre risos abafados.

Procurava-a.

Era quase instintivo. Mas naquele dia, o lugar onde costumava encontrá-la estava vazio. Nenhum cabelo loiro desalinhado. Nenhumas íris translúcidas a atravessar a multidão. Apenas ausência. Sentida, mais do que vista.

Fiquei ali, com a mão pousada no copo de água, a girá-lo como se isso bastasse para adiar o desconforto.

— Isto ainda é território neutro? — perguntou Ethan, sentando-se sem convite.

— Se trouxeres diplomacia e dois minutos de silêncio interno, sim.

Ele pousou a mochila e observou a sala antes de se inclinar.

— A biblioteca vai estrear uma nova secção esta semana. Encontrei um marcador entre dois livros de poesia russa. Achei que era o tipo de coisa que te interessaria.

Sorri de leve.

—  Estás a apelar aos meus pontos fracos.

— Tenho uma lista. Mas gosto de começar por baixo. — Comentou, fingindo uma expressão solene. — Queres ir ver? Antes que a secção se torne um cliché instagramável com quotes em letra dourado?

Assenti, já a levantar-me.

Ele seguiu à frente com o passo largo e descontraído que lhe era tão próprio. A biblioteca estava quase vazia àquela hora, envolta naquela ausência de som compacta que só os livros conseguem construir.

 A nova secção estava demarcada por uma faixa simples, sem grandes enfeites, apenas um cavalete com letras manuscritas a giz: "Espiritualidade e Existência". Sorri ao ler o título. Tão neutro quanto certeiro. Ethan apontou para uma prateleira.

— Poesia mística, filosofia oriental, textos sagrados traduzidos. — Afirmou divertido. — Isto é uma armadilha e tu caíste nela com elegância.

Ia responder-lhe, contudo uma figura familiar despertou a minha atenção.

Sozinha, numa das mesas ao fundo, quase oculta entre duas estantes altas. A luz tocava-lhe o rosto com ternura. Tinha um livro aberto diante de si, os cotovelos apoiados na mesa, os dedos a segurar o queixo numa postura pensativa. O seu olhar estava fixo nas páginas, mas havia algo na sua postura que denunciava outro tipo de concentração, um franzir subtil entre as sobrancelhas, como se tentasse decifrar algo que não se deixa compreender à primeira leitura.

O título, embora virado na diagonal, era parcialmente visível: "Teologia para Principiantes."

Pisquei, achando por um momento que tinha lido errado. Mas não. A capa era inconfundível. A versão em inglês do mesmo livro que o Pastor Moraes recomendara, insistindo que era o ponto de partida para quem queria compreender o essencial. Lembro-me de como resisti a lê-lo durante semanas. 

E agora, era ela que o lia.

Chloe.

Uma inquietação estranha apoderou-se de mim. Aquilo não fazia sentido.

Ethan tocou-me levemente no ombro, apontando uma mesa livre a poucos metros. Assenti em silêncio sentando-me do seu lado.

Por instantes, tentei concentrar-me na sua voz, no que ele dizia sobre traduções mal feitas e títulos enganosos, mas as palavras chegavam até mim como se atravessassem água.

Olhei discretamente para o lado.

Chloe já não lia.

O livro permanecia aberto, todavia o seu foco estava em mim firme, cortante, difícil de suportar. Fiquei ali, imóvel por fora, no entanto por dentro era só vertigem. Como se o meu corpo estivesse preso por fios invisíveis, sustentado apenas pela força de me fingir intacta.

Então, sem qualquer alarde, fechou o livro com um gesto sereno, quase ensaiado. Ergueu-se devagar, o livro agora seguro contra o peito. Não olhou mais na minha direção. Não hesitou. Apenas virou costas e foi embora. E eu fiquei. Com Ethan a divagar sobre Kierkegaard. E o som longínquo das páginas a virarem

 

***

 

— “E o monstro que vivia no armário... já não metia medo. Porque agora, ela sabia que não estava sozinha.” — li devagar, sentindo as palavras escorrerem pela sala como uma manta morna. Era uma história infantil, sim, mas havia nelas uma verdade que me agarrou. 

Um silêncio doce formou-se, entre sorrisos e olhos semicerrados de concentração. Mia encostou-se à almofada com um suspiro leve, como se aquele final a tivesse embalado.

Até ouvirmos a voz à porta.

— Lucas.

Foi só um nome. Um sussurro quase hesitante. Mas que pareceu alto demais. As crianças voltaram os rostos na direção da voz, algumas curiosas, outras apenas distraídas. Eu virei-me também.

Na soleira, uma mulher magra mantinha-se imóvel, os ombros encolhidos como se carregasse o peso de algo que não se via. A pele do rosto, pálida demais, estava marcada por um hematoma arroxeado que se insinuava sob o olho esquerdo. Os olhos fundos, rodeados por olheiras. A boca, uma linha tensa e rígida. porém havia algo mais, um corte antigo, já cicatrizado, escondido por mechas de cabelo mal presos.

Lucas, que até então desenhava um dragão cor-de-laranja, deixou o lápis cair. O som foi pequeno, mas estranhamente alto no vazio suspenso que se seguiu. O seu corpo encolheu-se num gesto seco, involuntário.

E foi nesse instante que algo se deslocou.

Um desvio na temperatura. Uma tensão suspensa no ar. Girei a cabeça, instintivamente à procura da fonte, os meus olhos encontraram Chloe.

Imóvel. O corpo rígido, talhado em silêncio. O rosto voltado para a mulher à porta, mas não a via de facto, parecia fitar um ponto além. Os lábios entreabertos. O livro no colo, esquecido. A mão ainda o segurava, mas os nós dos dedos estavam brancos, demasiado brancos. E os ombros, estremeciam. Tão levemente que quase me questionei se tinha visto bem. Mas vi. Como folhas num galho, tremendo antes do vento chegar.

A Sra. Henderson, sempre atenta, aproximou-se com passos contidos. Tocou-lhe no ombro com uma gentileza tão precisa que parecia ensaiada.

— Está tudo bem, querida? — perguntou num sussurro, com uma ternura alerta. — Desculpa, eu não sei quem permitiu a entrada.

Ela demorou a reagir. Depois ergueu o rosto, lentamente. Mantendo a expressão impassível, no entanto havia qualquer coisa de errado no seu silêncio. Não era calma. Era contenção. Um disfarce demasiado perfeito para ser natural.

Forçou um aceno com a cabeça, breve. Uma resposta muda, demasiado rápida para convencer.

— Sim — disse por fim, mas foi só um sopro. E logo depois pôs-se de pé. — Desculpe, eu preciso de ir.

Os movimentos tinham pressa, mas não urgência. Pegou na mochila e no livro com uma destreza automática, quase coreografada. Evitou o olhar de todos. Inclusive o meu.

E saiu.

Assim. Simplesmente.

Fiquei onde estava, o livro ainda entre as mãos, as crianças a moverem-se devagar ao meu redor, sem saberem muito bem o que fazer mutismo que ficou.

Não entendi. Não sabia. Porém alguma coisa se partiu ali.

Sem pensar, levantei-me também.

As pernas moveram-se por conta própria, os passos leves, como se quisesse passar despercebida. Peguei nas minhas coisas. Cruzei a porta devagar, olhando para os lados. Vi-a já no fundo do corredor, o cabelo loiro solto a esconder-lhe parcialmente o rosto. Caminhava rápido, porém sem correr. Como se soubesse exatamente para onde precisava de ir.

Não a chamei.

Segui-a só com o olhar. E, alguns minutos depois, com os pés.

A saída pelas traseiras do edifício era um pequeno corredor de cimento que desembocava num portão de madeira desbotado. Do outro lado, a vegetação rasteira serpenteava até à beira da estrada de areia batida, que por sua vez descia suavemente até ao mar.

Segui-a com passos contidos, sem ousar chamar por ela, sem sequer tentar justificar para mim mesma o porquê de o fazer. 

Ao longe, vislumbrei os contornos do seu corpo. Estava sentada na areia, de costas para mim, os braços dobrados sobre os joelhos, a cabeça encolhida neles como se o mundo inteiro a pressionasse para dentro de si.

O céu tinha começado a encher-se de tons cinzentos e azulados. O mar, agitado, lambia a costa com uma frequência inquieta.

Aproximei-me com cuidado, os passos afundando-se suavemente na areia fina. Sentei-me a uma certa distância, não longe o suficiente para ser indiferente, no entanto suficientemente perto para que, se ela quisesse falar, pudesse fazê-lo.

Por um momento, só o som do mar existia.

Então, ela ergueu o rosto.

As nossas atenções colidiram.

Foi como ser colhida por uma maré invisível. A luminosidade habitual dos seus olhos dera lugar a uma sombra líquida, densa, carregada de qualquer coisa que o sol não conseguia dissipar. E mesmo assim havia algo de intacto neles. Como se, apesar de tudo, ela ainda estivesse ali, a lutar contra o que quer que fosse que a quebrava por dentro.

Baixei o rosto, respeitando aquele momento, aquele pedaço de dor que ela talvez não tivesse escolhido partilhar, mas que agora estava entre nós.

Durante longos minutos, nenhuma de nós falou. Apenas ficámos ali. Com a sua expressão perdida no mar.

Não precisava entender.

Só precisava ficar.

E foi o que fiz.

Mesmo sem saber se ela queria.

Mesmo sem saber se eu devia.

Fiquei.

Tal como ela ficou naquela noite de sexta-feira.

Ficámos assim por tempo suficiente para que o vento mudasse de direção e o céu começasse a perder cor.

Foi Chloe quem quebrou o silêncio.

— Devias estar a caminho de casa.

A voz saiu rouca, abafada por horas de silêncio guardado. 

— Achei que podia caminhar até aqui — murmurei, e foi verdade. Mesmo que o caminho tenha começado com ela, terminei-o por mim.

Ouvi-a soltar um som breve.

— Que conveniente.

Seguiu-se uma pausa. 

— Desculpa ter vindo atrás de ti. Eu — hesitei. — Não sabia se devia.

— Costumas fazer muito isso? — perguntou, sem me encarar. — Seguir as pessoas quando elas precisam ou querem estar sozinhas?

A questão pareceu-me mais gentil do que acusatória. Ainda assim, mordi o interior da bochecha antes de responder.

— Não. — declarei, sincera. — Mas não me pareceu que estavas sozinha.

Desta vez, ela estudou-me. Devagar.

— Tu não sabes nada sobre mim. — Expos, sem dureza. Só como quem constata uma evidência.

— Tens razão. — confirmei, sentindo o peso da verdade nas suas palavras. — Mas isso não me impediu de querer sentar-me do teu lado.

Desviou o olhar, respirando fundo. Os dedos cravaram-se levemente nos joelhos, como se precisassem de segurar o que o resto do corpo já não conseguia.

— Às vezes… — começou, mas calou-se. Os lábios entreabriram-se como se tivesse mais a dizer, no entanto pensou melhor. — Há dias que pedem silêncio. É só isso.

Não era só isso.

Sabia.

Contudo também começava a entender que aquela era a forma dela de me deixar entrar. Por isso assenti, respeitando-lhe o espaço.

— Então podemos só ficar aqui.

Ela avaliou-me de lado. Sem responder.

Baixou a cabeça por instantes. Os ombros desceram devagar, como se o peso nas costas tivesse, por um momento, ficado um pouco mais leve, contudo logo depois, algo nela pareceu retrair-se de novo.

Senti-o. O desconforto.

Como se o silêncio partilhado se tivesse tornado demasiado íntimo. Como se me permitir vê-la assim, em estado bruto, tenha sido um deslize.

— Ou eu posso simplesmente afastar-me. — Sussurrei.

Levantei-me com cuidado, sem pressa, sem drama.

Descalcei os ténis. Tirei as meias, deixando-as de lado. A areia fria colou-se à pele dos pés, húmida e densa. Logo caminhei, até à beira da água.

O mar roçava-me os tornozelos com a sua língua salgada e insistente. Deixei que o frio me invadisse. Só com a sensação de que, por alguma razão, tinha feito o certo ao vir.

Demorei a virar-me. Mas quando o fiz, vi-a.

Chloe estava de pé, a alguns metros, com a câmera nas mãos. Estava a fotografar-me.

Não posei. Não sorri. Só deixei que ela me fotografasse.

Quando parou para analisar as fotos aproximei-me lentamente.

— Posso ver? — perguntei, inclinando-me ligeiramente, sem romper a distância, mas perto o suficiente para que o ar entre nós se fizesse notar.

Ela hesitou.

Por um instante, pensei que fosse baixar a máquina. Mostrar-me.

Mas não. Levantou-a de novo. E, sem dizer nada, disparou. Mesmo ali. De perto.
O som do obturador soou mais denso desta vez. Quase íntimo.

Permaneci imóvel, o olhar entregue à lente, como quem oferece algo nu, sem saber se será bem tratado.

Houve um momento, breve, mas inteiro em que os seus olhos se afastaram do visor e encontraram os meus por cima do equipamento. Sem distorções. Sem enquadramentos.
Só presença.

Ela baixou lentamente a máquina. O som da última fotografia ainda vibrava no ar, como uma nota presa entre nós.

— Sabes — começou, a voz baixa, firme, como se não estivesse a falar apenas de mim, mas também dela. — Os olhos claros são fascinantes à luz natural. Parecem absorver menos, refletem mais. Como se se recusassem a esconder o que sentem.

Fez uma pausa, e os seus olhos passearam devagar pelo meu rosto, como se lessem algo que ainda nem eu tinha decifrado. O olhar desceu pela linha do queixo, pelas mechas de cabelo desalinhadas pelo vento. Cada detalhe parecia guiá-la por dentro de mim.

— Mas os teus — continuou, num tom mais contido, quase reverente — os teus não refletem. Os teus guardam. Como negativos antigos, que só se revelam com o tempo certo, com a luz certa, com a coragem certa.

O coração apertou-se num gesto instintivo, como se reconhecesse a intimidade daquelas palavras antes mesmo de as entender.

Ela inspirou devagar, e no gesto seguinte, com uma delicadeza que quase me desfez, levantou a mão e tocou-me. A ponta dos dedos pousou primeiro na minha têmpora, depois deslizou com lentidão até ao canto da boca. O polegar deteve-se ali, leve. O toque era suave. Quase irreal. Porém o peso dele dentro de mim era brutal.

O corpo ficou preso entre a vontade de recuar e a de fechar os olhos e permanecer ali.
Escolhi não me mexer.

— Desde que te vi — prosseguiu, sustentando o contato visual— desde aquele primeiro encontro, que imagino como te fotografaria.

A sua voz tremeu levemente, mas manteve-se. 

— E não falo de retratos banais. Não quero só a tua imagem. Quero capturar o que escapa à vista. A indecisão antes de responder. A pausa entre duas verdades. O silêncio, o silêncio que deixas entre as palavras.

As palavras faltaram-me. O corpo inteiro atento, como se mais uma vez reconhecesse que algo estava a acontecer, algo que não se podia voltar a desfazer.

Respirou fundo, como quem pisa um limite. Depois baixou a mão devagar, com a mesma suavidade com que a tinha levantado. A câmera já esquecida entre os dedos.

— Sabias que és extremamente fotogênica? — murmurou, numa expressão breve, íntima. — E o mais fascinante, é que passas metade do tempo a tentar esconder isso.

Ergui ligeiramente as sobrancelhas.

— Como assim? — perguntei, a voz baixa, quase num sussurro arrastado pelo vento.

Ela deu dois passos, encurtando a distância entre nós. A luz cinzenta do céu filtrava-se pelo cabelo dela, e por um momento pareceu que o mundo tinha diminuído o volume para ouvir o que vinha a seguir.

— Escondes-te em cabelos caídos, roupas largas, olhos baixos como se a invisibilidade fosse proteção. — Os seus lábios curvaram-se num sorriso lento, perigoso. — Na esperança vã de que, sendo discreta, ninguém repare na forma como és absurdamente atraente.

Engoli em seco.

— Não é isso — tentei justificar, contudo ela cortou-me com o olhar. Preciso. Como quem já sabe que a defesa está a caminho.

— É exatamente isso, Maya. — A sua voz era agora um sussurro envolvente, com aquele timbre rouco que tremia nos ossos. — E o mais curioso? Esse esforço, essa tentativa de te diluíres no fundo da imagem, só te faz destacar ainda mais. Como um foco suave numa sala escura. Não consegues evitar brilhar nem quando queres.

Levantou novamente a câmera, porém não disparou. Deixou que a lente repousasse sobre mim como um prolongamento do desejo.

— Lembras-te do nosso projeto? — A pergunta saiu lenta, como um laço a apertar-se. — Ainda não começámos. E não sei se te apercebeste, mas cada dia que passa torna o tema mais difícil de ignorar.

Voltei o rosto, mas ela seguiu-me com o dela. Como se fosse impossível escapar.

— Não é só sobre luz e textura, Maya. É sobre proximidade. Sobre tocar sem tocar. De querer e não poder. — A sua voz descia como seda pela pele. — E sabes o que é mais cruel nisto tudo?

Não respondi. Não porque não quisesse. Mas porque já não conseguia.

— Eu olho para ti e penso se for para capturar a pele, quero a tua. Se for para explorar a sensação, quero a que me provoca só por estar aqui, tão perto, e ainda assim tão fora de alcance.

Deu um passo a mais. O suficiente para que o seu ombro quase roçasse no meu.

— E a verdade? — sussurrou, inclinando-se com um movimento lento, preciso, os lábios a roçarem perigosamente o ar ao lado da minha orelha — estou exausta de fingir que me interessa o conceito do projeto. Não quero uma ideia. Não quero um exercício artístico. Quero-te. A ti. Quero ver como te revelas entre cada disparo. Quero ver quem és nos intervalos entre as poses. Quero ver o que tu própria evitas observar.

Ela afastou-se um pouco, só o suficiente para que eu respirasse. Contudo não o suficiente para que a sua presença me deixasse.

Chloe inclinou ligeiramente a cabeça.

— Já que estamos aqui — disse, com aquela voz arrastada, com aquela pausa estudada entre as palavras que me fazia esquecer como se respira — e já que, por milagre, não surgiu nenhum compromisso fantasma de última hora — Os olhos dançavam nos meus, divertidos, mas havia qualquer coisa de mais escuro por baixo — porque não começamos agora?

Engoli em seco. O corpo todo querendo recuar, no entanto parado. Preso ao chão. Preso a ela.

— O quê? Agora? — perguntei, sabendo perfeitamente o que ela queria dizer, mas tentando, ainda assim, um último reduto de lucidez.

Os lábios curvaram-se com intenção. Não foi troça. Foi reconhecimento.

— Qual é o problema? Eu acho que a nossa convivência já se desenvolveu bem ou espera — disse, com uma leve inclinação do queixo — não eras tu a Maya de sexta-feira, com respostas prontas e coragem em pose discreta? Além disso — acrescentou, num tom mais baixo, quase um murmúrio — já te mostrei que não sou um bicho-papão.

Suspirei sem resistência. Já não valia a pena fingir que não tinha esperado por aquilo, que não o tinha temido e desejado em medidas iguais. Se era para acontecer, que fosse ali, agora.

— Muito bem — declarei. — Diz-me o que queres que eu faça.

Chloe não disse nada de imediato.

Limitou-se a fitar-me. Não com provocação nem ironia, mas com concentração.

Depois, inclinou ligeiramente a cabeça e sorriu de leve. 

— Nada por agora. Só fica assim.

O tom era mais baixo. Suave. 

Ajeitou a câmera com gestos medidos, os olhos fixos em mim como se não quisesse perder nada nem um pestanejar, nem um recuo subtil. E só então deu um passo para trás. Para enquadrar. Para escolher a distância certa, o recorte exato onde queria colocar-me.

O primeiro clique aconteceu como uma batida do coração.

Olhei para a lente, sem saber o que fazer com as mãos, com os ombros, com a intensidade daquele olhar.

Ela não falava muito. Só se mexia com precisão. Um passo à esquerda, um ajuste na lente, uma correção leve no ângulo da cabeça.

— Levanta só um pouco o queixo — murmurou, o som da sua voz soando diferente. 

Obedeci, sem duvidar.

Aproximou-se ligeiramente. Por cima da lente, os seus traços mantinham uma precisão técnica, porém havia algo no franzir dos lábios, no deslizar atento do olhar pelo meu rosto, que revelava mais do que ela deixava transparecer.

— Assim. Isso. — disse com um aceno pequeno, mais para si mesma do que para mim.

Voltou a disparar. E de novo. E de novo.

Cada clique parecia uma afirmação. Não de domínio, nem de desejo. Mas de descoberta. 

Depois baixou o equipamento. Observou-me sem dizer nada durante alguns segundos que pareceram longos demais para serem só técnicos.

— Agora finge que não sabes que eu estou aqui.  — Pediu, de repente.

O meu olhar voltou-se para ela, instintivamente. A sobrancelha ligeiramente arqueada, quase em provocação.

— Isso é impossível. — Murmurei.

— Tenta. — respondeu, com um tom quase divertido, mas o olhar, esse pedia algo mais fundo.

Tentei. Desviei o rosto, deixei que os olhos se perdessem no mar, nos tons carregados do céu que começava a cair em sombras. Senti o cabelo a dançar com o vento, a areia húmida debaixo dos pés, e a respiração a alinhar-se, lentamente, com o disparo.

Não ouvi mais nada dela durante longos minutos.

O som da câmera cessou, mas dentro de mim continuava a vibrar qualquer coisa que já não sabia desligar. Senti os seus passos na areia, lentos, quase cautelosos. Não havia pressa nos seus movimentos. Só intenção. E isso, de alguma forma, era mais inquietante do que qualquer avanço direto.

Ela rodeou-me devagar, sem dizer nada, como quem avalia uma escultura inacabada não para julgar, no entanto para entender.

Parou atrás de mim. E durante um segundo, longo demais para ser neutro, deixou o silêncio respirar entre nós. Senti o calor do corpo dela tão próximo que me arrepiou sem tocar. A pele reconheceu antes de qualquer pensamento.

Depois, o toque veio. Suave. Deliberado. Preciso.

Uma mecha de cabelo tinha-se soltado, puxada pelo vento, colando-se à minha face. E foi essa mecha que ela afastou com a ponta dos dedos. O gesto era simples. Mas não inocente.
O polegar roçou-me o rosto com uma lentidão absurda, como se a pele dela estivesse a perguntar à minha se podia ficar mais um segundo.

Perdi o ar. Contudo não avancei. Permaneci suspensa entre o que queria e o que ainda me travava.

O seu toque voltou a deslizar pela linha do meu maxilar, até desaparecer no vazio.

— Assim — murmurou. — Era exatamente isto.

Ficou ali. Tão próxima que o calor do seu corpo se insinuou na minha pele. Era impossível ignorá-la. Mesmo que quisesse.

— Sabes o que é mais bonito em ti? — perguntou, num tom quase inaudível. — O facto de não fazeres ideia.

Tudo em mim reconhecia. Sabia exatamente o que ela me fazia, o que aquele olhar prolongado, profundo, sem fuga, despertava no mais íntimo. Sabia que já não era sobre um projeto, sobre um conceito, nem sobre nenhuma desculpa elegante. Já não havia cortinas.

Senti o corpo inclinar antes mesmo de pensar. Foi um gesto involuntário, mas certo, como se uma parte minha, cansada de viver entre travões e desculpas, tivesse decidido avançar sozinha. A minha voz saiu mais baixa do que esperava, embargada por um nervo que não conseguia disfarçar, mas com a urgência crua de quem já não aguenta guardar o que sente.

— Por que é que fazes isto comigo?

Ela não pestanejou. Apenas me fitou com aquela firmeza tranquila, como se já soubesse que esta pergunta viria, cedo ou tarde.

— Isto o quê?

— Aproximas-te — comecei, com a respiração presa na garganta. — Dizes estas coisas que me deixam sem chão, olhas para mim como se conseguisses ver o que nem eu sei mostrar e depois recuas.

Respirei fundo, sentindo o sangue a pulsar no pescoço.

— Recuas e fazes de conta que nada aconteceu. Como se fosse só luz a atravessar-me. Mas não és. Ficas. Ficas e deixas marcas.

Chloe continuava imóvel, mas havia algo nos olhos, uma sombra mais densa, uma presença mais crua.

— Não deixo marcas por querer — afirmou, devagar. — Acontece que. Tu…

— Eu, o quê? — cortei, mais rápido do que queria, o coração a acelerar num ritmo que já não era de defesa, mas de exposição. — Diz, Chloe.

— Tu deixas-me entrar. — A sua voz era baixa, porém cortante. — E depois esperas que eu saiba como me mover dentro de ti. Ficas à espera que eu te diga onde é seguro. Mas eu não sei. Nunca soube. Não existe segurança neste lugar onde eu te encontro. Só intensidade.

O silêncio que se instalou a seguir não era vazio. Era carregado. Uma respiração suspensa entre duas vontades. Eu sentia o meu corpo todo em tensão, mas não era medo. Era necessidade. Era aquela dor aguda de estar perto de alguém e não saber como continuar a fingir que se consegue manter a distância.

— Então preferes brincar? — perguntei, sem conseguir medir as palavras. — Fingir. Fingir que nada acontece entre nós. Que é tudo estética.

Ela recuou um meio passo. Não como quem foge, mas como quem precisa de oxigénio para não ceder ao impulso. E, mesmo assim, o seu corpo ainda irradiava calor.

A sua expressão parecia dividida.

— Ah, então eu mexo contigo — disse, com um sorriso curto, enviesado, e uma faísca nos olhos. — E como é que isso funciona no teu mundo?

Fez uma pausa. Só para me ver reagir. 

— Vamos ser honestas, sim? — A sua voz era agora um sussurro rouco, com um travo de desafio. — Tu gostas. Gostas quando eu invado o teu espaço, quando te provoco. Quando digo o que tu não tens coragem de admitir em voz alta.

Os seus olhos mantinham-se nos meus, intensos, quase impacientes.

— Eu não brinco contigo, Maya. — Expôs, agora com uma gravidade que me atravessou o peito. — Brinco comigo, às vezes. Mas contigo, não. Contigo é o único lugar onde tudo me parece real demais para fingir.

Fiquei ali, a olhar para ela, o coração a bater como se quisesse sair do meu corpo. Ela manteve-se firme. Presente. Por segundos longos. Até, finalmente, desviar.

Respirou fundo. Passou a mão devagar pelo cabelo.

— Eu acompanho-te até casa. — disse por fim, a voz lisa, polida. Como se as palavras anteriores não tivessem queimado tudo à volta. — Vamos chamar um Uber.

E naquele instante, o que me atravessou não foi o velho medo de desagradar. Não foi a sombra da educação que me moldou. Nem a voz do meu pai sussurrando julgamentos.

Foi frustração. Pura. Crua. Sem filtro.

Só assenti. Fria. Dura.

Porque naquele momento, eu estava a lutar contra o vazio que ela deixava cada vez que recuava. E naquele instante, percebi. Não era só o medo de não ser suficiente. Era o medo de ser e mesmo assim, não bastar.

Fim do capítulo

Notas finais:

Maya e Chloe encontram-se presas numa dança subtil, onde cada passo as aproxima e as afasta em simultâneo.

Será Maya capaz de libertar-se das amarras internas e finalmente enfrentar o que sente?

Ou continuará Chloe a recuar sempre que estiver perto demais?

A história está longe de terminar… os limites vão tornar-se mais ténues, as emoções mais intensas, e algo inesperado poderá... shiii, é melhor não revelar já!

Obrigada por continuarem desse lado.


Vemo-nos no próximo capítulo!


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Comentários para 15 - Capítulo 14:
Sem cadastro
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Em: 28/04/2025

Essas fotos, trocas de olhares, essa conexão entre elas, toda essa intensidade, imagino quando elas se beijarem... pqp!!!

E veja só, Chloe, apesar de aparentemente às vezes passar a impressão de estar dominando a situação, nesse capítulo eu a vi com medo, principalmente por ela dar a entender como se Maya quisesse que ela tomasse a inciativa, "espera que eu te diga onde é seguro. Mas eu não sei. Nunca soube. Não existe segurança neste lugar onde eu te encontro.". Acho que ela justamente foi ler "teologia para principiantes" para tentar entendê-la, até porque ela lhe pergunta "e como é que isso funciona no seu mundo?" quando Maya diz que Chloe mexe com ela. 

Parece que uma está correndo da outra, mas ao mesmo tempo nao conseguem se manter distantes por muito tempo. 

Já disse isso e vou dizer várias vezes, você escreve perfeitamente bem! Capitulo maravilhoso!


thays_

thays_ Em: 28/04/2025
ah, fui eu quem comentei, tava sem logar aqui rsrs



asuna

asuna Em: 01/05/2025 Autora da história
Rsrsrs acho que estás a conseguir captar certas nuances da Chloe

Acho que o fato de ela ter lido "teologia para principiantes" é uma tentativa subtil de entrar no mundo da Maya, mas vamos ver o que os próximos capítulos nos reservam. ;)


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