Capítulo 13
Não sei quanto tempo fiquei olhando para aquele quadro. Tinha alguma coisa magnética nele. Era misterioso, um pouco sensual, talvez quase erótico, mas ao mesmo tempo, romântico. Também não sei se, o fato de eu saber que Marcela o tinha pintado, interferia no meu julgamento.
Ela voltou do banheiro e, ao me ver parada na sala encarando a tela, perguntou de forma bem-humorada:
— Quais são suas considerações?
Finalmente desviei meus olhos e a olhei:
— Hipnotizante.
O que serviria tanto para a tela quanto para Marcela. Eu não me cansava de olhar. Os cabelos ondulados, o sorriso que me fazia quase derreter, o corpo coberto das tatuagens, o piercing…
Me aproximei dela sem perceber. Quando dei por mim, já estava com os braços ao redor do pescoço de Marcela:
— Vou lavar a louça.
Ela riu antes de dizer:
— Com tanta coisa melhor pra fazer… você quer lavar a louça?
Eu concordava plenamente. Mas não queria parecer uma encostada. Ela havia feito o jantar da noite anterior, o café da manhã e cozinhado o almoço. Queria ajudar no que eu podia. E sabia.
Ela passou as mãos pela minha cintura, e puxou a barra da camisa devagar:
— Esquece a louça…
A camisa que era dela. Tinha me emprestado depois do banho que tomei. Assim que se livrou do tecido, as mãos subiram para os meus seios. Eu já estava mole, à mercê do que ela quisesse fazer comigo. Louças? Que louças? Me empurrou para o sofá, onde eu sentei. Ela se ajoelhou na minha frente. Além da blusa de Marcela, eu não estava vestindo mais nada, então naquele momento já estava completamente nua. Achei que fosse desfalecer quando ela prendeu os cabelos, me olhando nos olhos o tempo todo. Colocou uma mão em cada coxa e abriu minhas pernas. Eu ainda consegui ver quando se aproximou do meu sex*, mas meus olhos se fecharam involuntariamente quando a língua dela me tocou. Gravitei entre sonho e realidade, suspirei, gemi, enfiei minhas mãos nos cabelos dela, me oferecendo, me abrindo, cada vez mais. As mãos de Marcela apertavam minhas coxas, minhas nádegas, e eu pressionava o meu corpo contra a boca dela. Meus gemidos ficaram incontroláveis, involuntários, cada vez mais altos. Tirei uma das mãos dos cabelos ondulados e tapei minha própria boca quando meu corpo foi tomado pela onda de prazer que me fez tremer nos lábios dela.
Marcela ainda me beijou, desde o meu sex* até a minha boca. Eu tentava controlar minha respiração. Olhei para ela que sorriu. E eu fiquei pensando em como conseguiria ir embora daquela casa quando chegasse a hora.
Ficamos como duas velhas fofoqueiras na janela do quarto dela, escondidas no escuro. A banda que nos acordou mais cedo, agora ia atrás do andor que levava a imagem da padroeira da cidade. E atrás deles, em procissão, duas filas com fiéis e velas acesas, que cantavam uma música que eu — mesmo não frequentando a igreja há anos — ainda sabia de cor.
— Pra onde eles vão?
Estava achando engraçado aquilo tudo ser novidade para ela:
— Voltar para a igreja.
Marcela franziu a testa e olhou para mim:
— Eles andam tudo isso… pra simplesmente voltarem pro mesmo lugar de onde saíram?
Fiz que sim com a cabeça.
— Qual é o propósito?
Eu não era a pessoa mais indicada para responder àquelas dúvidas, mas tentei:
— Acho que é uma demonstração de fé e devoção. Fazer um sacrifício ínfimo andando pelas ruas… em agradecimento pelas graças e pela proteção.
Não sei se o que eu disse era realmente o propósito da coisa. Mas era a minha visão.
— Você já foi?
Ela apontou para a rua e completou a pergunta:
— Numa dessas?
Novamente balancei a cabeça. Incontáveis vezes tinha participado de missas e procissões. Meu afastamento só veio mais tarde, de forma gradual, para total decepção da minha mãe e da minha tia. Comecei a me sentir frequentadora de um lugar que não me acolhia. Que era contra quem eu era. Que pregava que eu era anormal, que eu ia contra a vontade de Deus.
Mas como eu ia contra a vontade de Deus se foi Ele quem me fez assim? Se minha orientação sexual estava no meu âmago, inseparável de quem eu era? Assim como eu não podia determinar como seriam minhas impressões digitais, ou as íris dos meus olhos, não podia escolher por quem eu me atraía. E por “igreja” eu quero dizer a igreja dos homens, as pessoas que faziam parte da Instituição. O que era diferente do meu pensamento e das minhas crenças em Deus.
Respondi a pergunta de Marcela sem falar sobre tudo aquilo:
— Várias vezes.
— E por que não vai mais?
Sintetizei minha resposta:
— Não era mais um lugar em que eu me sentia bem.
Ela não perguntou mais nada. Voltamos a olhar as pessoas que passavam na rua.
— Olha lá… sua tia e sua prima.
Apontei discretamente para onde estavam Rita, Érica e Luize. Ela falou, ainda olhando na direção delas:
— A vida da minha tia é pautada nessa religião, sabia?
Eu imaginava. Sempre tinha visto a tia de Marcela ligada à tudo que envolvia a igreja. Não só missas, terços e procissões, mas ajudar nos preparativos de festas religiosas, pedir doações, comandar grupos de oração e várias outras coisas.
Depois que a procissão passou e só conseguíamos ouvir a banda ao longe, fechamos a janela. Eu tentando adiar o momento de me despedir. Mas já estava há vinte e quatro horas na casa dela:
— Eu já vou…
Marcela olhou para mim:
— Embora?
Acenei com a cabeça. Ela se aproximou. Beijou meus lábios:
— E eu vou dormir sem você?
Sorri sem perceber:
— Vou morrer de saudades…
Ela disse lindamente:
— Então fica.
Juntei forças para dizer:
— Preciso passar em casa…
Marcela me abraçou:
— Vamos lá. Você traz as roupas que vai usar amanhã… e dorme comigo de novo.
Parei em frente à minha casa, apreensiva de alguém nos ver ali, juntas. De minha tia aparecer na janela e perguntar onde eu estive o dia todo. Mas eu sabia que ela ainda estaria na igreja. Perguntei hesitante:
— Você quer descer?
Provavelmente Marcela percebeu meu nervosismo. Me olhou um pouco e depois disse:
— Te espero aqui.
Ficou sentada no meu carro. Eu fui o mais rápido que pude. Chequei se todas as janelas estavam fechadas. Peguei a primeira roupa que achei, calcinha, tênis, escova de dentes — eu tinha escovado os dentes com o dedo mais cedo — pensei em pegar pijamas, mas achei que não ia precisar, levando em conta que dormimos nuas na noite anterior. Meus óculos de grau — as lentes eu tinha tirado à noite, antes de dormir e, por serem descartáveis, jogado fora. A pequena bolsa que levava para o trabalho e pronto. Pensei no jantar. Não queria ver Marcela cozinhando enquanto eu não fazia nada, de novo. Abri meu congelador e peguei uma pizza. Fechei a porta da cozinha, sem trancar, e voltei para o carro.
Na casa dela, ficamos no sofá, vendo um filme no notebook, já que Marcela não tinha televisão, até a pizza ficar pronta. Depois que comemos, ficamos um bom tempo sentadas na mesa, conversando. Até a hora que fomos para a cama. E de novo aquela sensação de que eu estava no céu. Tudo com ela era perfeito. Não dormimos tão tarde daquela vez, talvez pelo cansaço acumulado. Acordei com meu pulso vibrando. E diferente de quando acordava sozinha em casa, abri os olhos na mesma hora. Olhei para o lado com medo de ter sido tudo um sonho. Mas ela estava ali. A abracei devagar para não despertá-la. A dificuldade seria conseguir levantar daquela cama.
Cheguei no trabalho sem conseguir tirar do rosto o sorriso que me acompanhou desde que saí da casa de Marcela. Fui de carro mesmo. Cumprimentei colegas e conhecidos, até chegar na minha sala.
— Já estava ligando para a polícia.
Ri da brincadeira de Diego. E sabia o motivo. Eu estava atrasada. Talvez pela primeira vez em todos aqueles anos eu tinha chegado mais de quarenta minutos depois do horário.
— Nossa, Ciça, eu fiquei preocupada de verdade… Você não atendia o celular… mas tá tudo bem, né?
Respondi a pergunta de Gabriela já me sentando e ligando meu computador:
— Desculpa, eu não ouvi… Eu perdi a hora, só isso…
Mentira. Óbvio. Mas não podia contar para os meus colegas que me atrasei porque tinha uma mulher linda e nua me puxando de volta para a cama. Que só consegui levantar depois que fizemos amor mais uma vez. Que até ouvi meu celular tocando, mas nem cogitei a hipótese de parar o que estava fazendo para atender. E que demorei para sair da casa dela porque não conseguia dar o último beijo. Eu queria sempre mais um, e mais um…
Gabriela e Jussara pareceram engolir minha desculpa básica, mas Diego me olhou de canto, com um sorrisinho nos lábios. Quando as duas saíram para almoçar mais tarde, ele sentou na minha mesa e falou baixo:
— Pode ir me contando… tem bucet* nessa história, não tem?
Eu ri e dei um tapa na perna dele:
— Para com isso… Eu só me atrasei.
Diego fez uma cara de pura descrença:
— Você quer que eu acredite nisso, Maria Cecília? Eu trabalho aqui com você há oito anos… a única vez que vi você se atrasar quinze minutos foi quando sua tia esteve doente. E agora você me aparece com uma hora de atraso…
Eu contestei:
— Foram quarenta minutos!
Ele ignorou solenemente o que eu falei e continuou:
— Com um sorriso de orelha a orelha… e quer que eu acredite que não é por causa de mulher? Quero saber tudo!
Eu estava sorrindo. Era involuntário. Depois de passar mais de vinte e quatro horas colada em Marcela, nada poderia me fazer triste.
Diego continuava me olhando, com uma sobrancelha erguida, esperando explicações. Falei o que achei que poderia falar naquele momento:
— Eu tô conhecendo uma pessoa…
Ele deu um pulo da mesa e bateu uma única palma:
— Eu sabia! Quem é a felizarda?
Fomos interrompidos por batidas na porta. Uma moça que trabalhava em outro departamento apareceu e chamou Diego, para o meu completo alívio. Não que eu não quisesse falar sobre Marcela, pelo contrário, ela era tudo que ocupava a minha mente naquele momento. Mas não sabia o que exatamente poderia compartilhar, se ela se importaria. Era tudo tão recente que achei melhor não entrar em detalhes.
Na hora do almoço pedi uma “quentinha” e fui comer em casa. Como fiquei fora no dia anterior, não tive tempo de deixar nada preparado. Quando terminei, mandei uma mensagem para Marcela. Ela não demorou a responder e ficamos conversando por alguns minutos, nada demais, só sobre como tinha sido o dia até ali.
Meu horário de almoço terminou, saí de casa e minha tia apareceu na janela:
— Oi, Ciça.. Já almoçou?
— Já sim...
Continuei andando, mas ela ainda falou:
— Não te vi ontem… ficou o dia inteiro em casa?
Eu sabia que ela não estava perguntando por mal:
— Não, saí com uns amigos…
Tia Dalva sorriu:
— Se quiser janta, passa aqui quando chegar.
Eu agradeci e saí no portão. Resolvi voltar para o trabalho a pé. Passei por seu Manoel. Algumas pessoas que me cumprimentaram. E fui para minha repartição. Durante o restante da tarde troquei mais mensagens com Marcela. Perto da hora de sair, perguntei o que ela estava fazendo. Me respondeu dizendo que estava preparando tudo para fotografar o aniversário no sábado.
“Já sabe como vai?”
A resposta dela demorou um pouco:
“Evandro vai me levar”
Fiquei um pouco… frustada… Queria que ela fosse comigo. Queria levá-la. Mas não disse nada.
*****
Quando Ciça perguntou o que eu estava fazendo, sabia que era a hora dela sair do trabalho. Não menti, eu realmente estava deixando a câmera e todos os acessórios prontos para o evento. Eu sabia que poderia convidá-la de novo para a minha casa e ela provavelmente viria. Eu até queria. Mas, por outro lado, não podia acelerar as coisa. Tinha sido ótimo, estava sendo ótimo. Eu adorava Ciça. E isso me assustava um pouco. Não podia criar um vínculo sério naquele momento. Nem com ela, nem com ninguém. Eu não ficaria ali. Eu estava de passagem. E nada, nesse meio tempo, poderia me prender ou me desfocar do meu objetivo de ter minha vida de volta.
Fim do capítulo
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AlphaCancri Em: 25/04/2025 Autora da história
Marcela dando um ghosting depois de fazer um love bombing com Ciça, vê se pode?!
Tá tudo bem sim, estou postando os capítulos nas terças, sextas e domingos. Acabei de postar o de hoje, espero que goste :)