Capitulo 2
Capítulo 2 – Bianca
A cidade grande nunca havia sido tão impessoal para Bianca como na manhã seguinte ao final do casamento. O apartamento, antes compartilhado com Clara, agora parecia um enorme vazio, com a mesma mobília de antes, mas sem as risadas, os gestos de carinho, ou até mesmo as brigas que temperavam a rotina. O cheiro de café, que antes tinha o gosto de uma promessa de novo dia, agora era só uma lembrança de tudo o que ela perdera.
Bianca se sentou na cama, com os pés tocando o chão frio. As cortinas estavam abertas, mas a luz da manhã não parecia querer entrar. Havia algo pesado no ar, algo que ela não sabia como lidar. Ao seu lado, a fotografia de Clara e ela em um casamento que parecia já pertencer a outra vida. Ela segurou a moldura com força, como se fosse possível trazer Clara de volta através daquele momento congelado no tempo. Mas, claro, isso era impossível. O tempo não voltava. E o que restava agora era apenas a sensação de um amor que se esvaiu sem que ela soubesse exatamente quando.
O bilhete, aquele que Clara deixara sobre a mesa da sala, foi o ponto final. "Você merece mais do que posso te dar." Quase parecia uma desculpa esfarrapada. Mas Bianca nunca foi boa em entender as explicações das pessoas que amava. Clara partiu, e com ela, levou uma parte de Bianca, deixando para trás a mulher que, por mais que tentasse, não conseguia se reconstruir.
Ela se levantou e andou até a janela. O mundo lá fora continuava a girar como se nada tivesse acontecido, mas para Bianca, parecia que tudo estava em pausa. Ela respirou fundo, tentando reunir forças para seguir em frente. Mas por onde começar? As ruas lá embaixo estavam abarrotadas de pessoas apressadas, cada uma seguindo seu rumo, mas Bianca não sabia qual rumo deveria seguir. O que restava dela?
Depois de uma separação, a dúvida era constante: "Será que era isso que eu realmente queria?" Ela se perguntava se alguma vez, realmente, soubera o que queria, ou se simplesmente estava indo com a correnteza, deixando-se levar pelas expectativas de outras pessoas, pelas promessas que fez a Clara, pelas convenções de um amor que não soubera mais ser verdadeiro.
Naquele momento, ela soubera que precisava de uma mudança. Ela sabia que, se ficasse ali, na cidade onde tudo parecia se desintegrar aos poucos, nada mudaria. Mas a ideia de ir para uma cidade pequena, onde tudo era mais tranquilo, onde ninguém sabia quem ela era ou o que ela havia perdido, parecia algo... possível. Ela precisava recomeçar. E talvez fosse hora de deixar para trás tudo o que já conhecia e buscar um novo começo.
Bianca pegou o telefone e ligou para sua mãe.
— Mãe, preciso falar com você — disse, sem saber exatamente o que queria ouvir.
— O que houve, filha? Está tudo bem? — a voz da mãe, com aquele tom preocupado, a acolheu de imediato.
— Não. Não está tudo bem. Eu... eu estou pensando em mudar. Ir embora, começar uma nova vida, você sabe?
A mãe demorou alguns segundos para responder, e Bianca sentiu o peso do silêncio.
— Bianca, você... você quer ir para onde? — perguntou sua mãe, com a calma de quem sabia que a filha precisava de espaço para encontrar seu próprio caminho.
— Uma cidade pequena. Eu... não sei. Eu preciso de um lugar onde possa ficar sozinha. Onde não tenha ninguém para me lembrar de quem eu era.
Bianca ouviu a mãe suspirar do outro lado da linha.
— Filha, eu entendo o que você está passando. Mas você tem certeza de que isso vai ajudar? Talvez você devesse dar mais tempo para si mesma antes de tomar essa decisão.
Bianca sabia que sua mãe estava preocupada. Ela sempre fora a voz da razão, a que equilibrava o peso de suas decisões com paciência. Mas, naquele momento, Bianca não queria ouvir conselhos. Ela só queria uma resposta, e a única pessoa que poderia oferecê-la era ela mesma.
— Eu sei o que estou fazendo, mãe. Eu preciso disso. Preciso de um recomeço. Uma chance para me redescobrir.
O silêncio que seguiu foi mais reconfortante do que qualquer palavra que sua mãe poderia ter dito. Elas não precisavam de mais explicações. Sua mãe entendia, mesmo sem concordar plenamente.
Depois de desligar, Bianca passou o resto do dia arrumando suas coisas. Colocou os objetos em caixas, separando tudo o que poderia levar. Mas, ao olhar para o apartamento vazio, a sensação de abandono se intensificou. Não era só o fim do casamento. Era o fim de uma parte de quem ela era.
Durante semanas, Bianca se preparou para a mudança. Ela buscou um novo lugar para morar, algo simples e confortável, que a ajudasse a se sentir em paz. A cidade que escolhera era pequena, com ruas tranquilas e um hospital bem estruturado. Ela não queria, de forma alguma, estar no centro das atenções. Queria apenas se curar, se encontrar. E isso significava que ela precisava deixar para trás tudo o que lembrava sua vida anterior.
Sua amiga Melissa, que sempre fora seu apoio nos momentos difíceis, a visitou antes da mudança. Melissa, com seu jeito direto e sem papas na língua, estava ao mesmo tempo preocupada e animada com a ideia.
— Está mesmo disposta a fazer isso? — perguntou Melissa, com a voz tensa. — Deixar tudo para trás?
Bianca suspirou. — Eu preciso, Mel. Não tem outro jeito. Eu não estou mais aqui, nesse lugar. E eu preciso me afastar de tudo o que me faz lembrar da dor.
Melissa a olhou com intensidade. — Eu entendo, mas não pense que vai ser fácil. Você vai se sentir perdida, sem chão. Mas é o que você quer, né?
Bianca assentiu, mesmo que uma parte de si estivesse com medo. Era uma decisão arriscada, mas ela já não se importava. O risco de ficar naquele lugar sufocante parecia maior do que qualquer outro.
A viagem foi silenciosa. Bianca dirigiu sozinha, com as janelas abertas para sentir o vento fresco e as lembranças se dissipando aos poucos. A cada quilômetro percorrido, ela sentia como se estivesse se distanciando da mulher que fora, da mulher que perdeu a confiança em si mesma. E quanto mais se afastava, mais alívio sentia.
Ao chegar na cidade, Bianca teve a sensação de que estava entrando em um novo mundo. As ruas estreitas, as casas simples, os rostos desconhecidos. Tudo parecia mais calmo, mais sereno. Era como se, ao respirar aquele ar diferente, ela estivesse se permitindo respirar de verdade pela primeira vez em meses.
No hospital local, o chefe de equipe de emergência a recebeu com um sorriso acolhedor. Ele era mais velho, de cabelos grisalhos e olhar tranquilo.
— Então, você é a nova médica da nossa cidade — disse ele, com uma firmeza suave. — Bem-vinda.
Bianca sorriu, embora ainda houvesse uma dor latente em seu peito. Mas ela sabia que aquele seria o lugar onde começaria a reconstruir a si mesma. Em um ambiente novo, com novos desafios. Onde ela seria apenas Bianca, sem o peso de um passado que a sufocava.
À noite, ao olhar para o céu estrelado da cidade pequena, ela sentiu uma paz que há muito não conhecia. Não sabia o que o futuro lhe reservava, mas, pela primeira vez, ela acreditava que poderia ser algo bom. Algo que ainda estava por vir.
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Fim do capítulo
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