Capitulo VII
A crueldade dos meus pensamentos não conhecia precedentes, eles me castigavam com açoites de desespero. Eu passava a mão uma na outra, em completo nervosismo enquanto observava Amélie se olhar no espelho. Ela parecia estranhamente à vontade com aquela meia lua tatuada na testa, já eu, estava à beira de um surto. De alguma forma, eu havia abençoado Amélie, o que viria daquilo era um completo mistério. Exceto pela maldita marca que me assustava sempre que a luz artificial do quarto da minha amiga a fazia reluzir intensamente, Amélie parecia normal – ou tão normal quanto a situação permitia.
— Vai ser difícil esconder com a maquiagem, mas acredito que não vou ter problemas. – ela falou, numa tranquilidade absurda, fazendo-me olhá-la com estranheza. Senti um gosto ruim amargando minha boca.
— Você tá de sacanagem comigo? – bradei, nervosa com a normalidade com que ela estava lidando com a situação.
— O quer que eu faça? – exclamou, dando de ombros com indiferença. — O que não tem remédio, remediado está!
— Pelos sete infernos, Amélie Fairfall! Você é a porr* de uma abençoada, caralh*! No mínimo era pra estar surtando com isso!
— Em, não tem outro jeito de lidar com essa situação além de aceitá-la, ponto! – declarou, incisiva. — Na pior das hipóteses, deveria me sentir privilegiada por ter sido abençoada e não morta!
— Jamais seria capaz de te machucar, Mel! – afirmei sôfrega, sentida que ela pudesse ter cogitado aquela possibilidade.
—Eu sei disso, mas você ainda não tem controle sobre sua parte divina, Em! A prova disso está aqui. – disse cautelosa, apontando para a própria testa. Exasperei cansada, ela tinha razão! Poderia ter acontecido algo muito pior. Ainda que para mim, ser abençoada fosse o maior dos castigos.
Quando a Deusa marcava uma bruxa, além da lua na testa, ela também recebia um dom. As poucas abençoadas que existiam, tinham o poder de levitar coisas, outras podiam ler mentes. Atualmente, tínhamos cinco bruxas com dons, e apenas três imortais. Se aquilo não era um grandioso sinal da Deusa, não sabia o que mais esperavam. Certamente, não era uma bruxa semideusa, descontrolada.
— Qual será a minha benção? – perguntou, com um traço não contido de animação em sua voz.
— Pela Deusa, Amélie! É sério, isso? – ralhei, impaciente. Seu jeito despreocupado estava me dando nos nervos.
— Meu amor, não é todo dia que sua melhor amiga semideusa te concede um dom único! Me deixe aproveitar o lado bom só um pouquinho! – pediu, aproximando o polegar e o indicador naquele clássico gesto que simbolizava tamanho. Suspirei vencida.
Um filme de terror passava diante meus olhos. Precisava aprender do que eu era capaz, o mais depressa possível, para que situações como aquela não voltassem a acontecer. A lembrança da primeira vez que vi a Deusa emergiu como uma espécie de aviso. Será que era minha culpa por ter escolhido a adaga? Não, Hécate tinha dito que não seria a mim, que iria abençoar. Então, foi a Deusa quem fez aquilo a Amélie? Eu torcia muito para que tivesse sido!
— Hey, Em, o que foi? – minha amiga perguntou, preocupada, vendo a aflição estampada na minha cara.
— E se minha escolha na noite do funeral, tiver feito isso a você? – proferi trêmula. Aquela ideia apertou meu peito desagradavelmente. O que foi que eu fiz?
— Não acredito que seja, seu poder simplesmente voou até mim, Em! – relembrou. — Não é assim que as bênçãos da Deusa são dadas.
— Merda!!! – bradei, nervosa. — Eu tinha esperanças!
— Olha, sei que você tem muita coisa pra processar, mas veja, eu estou bem! – tentou me acalmar.
— Me perdoa, Mel? – supliquei, sentindo meus olhos encherem de água, minha garganta parecia embolada como papel.
— Não tem porque! Está além do seu controle. – garantiu.
Amélie colocou ambas as mãos sobre as minhas, cuidadosa. No entanto, bastou que nossas peles se tocassem para os olhos dela se tornarem totalmente brancos, e sua expressão passar de afetuosa para inexpressiva num piscar de olhos, como se ela estivesse entrando num transe. Aquilo durou segundos, mas foi o suficiente para me assustar demais.
— Mel?? – chamei, alarmada, vendo-a piscar os olhos várias vezes voltando a si. Ela se afastou cambaleante, colocando ambas as mãos na própria cabeça, com uma careta de dor.
— Pela Deusa, acho que descobri qual é o meu dom! – falou, perplexa, me olhando alarmada.
— Que merd* foi essa? – perguntei, aflita.
— Emily, eu tive uma visão!
— O quê? – falei, desacreditada, tentando processar o rinha acabado de presenciar.
— As matriarcas, ela vão reunir as bruxas para nomear uma sacerdotisa! – falou com urgência. A simples ideia fez meu estômago revirar de apreensão.
— Quando? – soprei, preocupada.
— No próximo Samhain!
O peso daquela revelação me atingiu como um soco. As sete nunca faziam nada sem motivo, e se estavam prestes a reunir todas as bruxas para enfim nomear uma sacerdotisa, significava que elas haviam descoberto algo. Aquilo me preocupava ainda mais!
Amélie ainda massageava as têmporas, tentando se recuperar. Meu coração martelava frenético no peito, minha mente girava num turbilhão de pensamentos. Sabia que não podíamos simplesmente ignorar a visão. A nomeação de uma sacerdotisa poderia significar o início de uma guerra velada.
— Precisamos descobrir como impedir que isso aconteça! — declarei, firme.
— E como não te entregar no processo. – Amélie completou, me lançando um olhar carregado.
Engoli em seco. Ela estava certa. Se as matriarcas tivessem colocando seus planos em prática, permitir que seguissem adiante poderia colocar todas as bruxas em perigo. E agora, com Amélie carregando o fardo de uma benção, estávamos mais envolvidas do que jamais cogitei estar.
— Tem certeza que essa visão era real? – perguntei, embora no fundo já soubesse a resposta.
— Absoluta! – Amélie afirmou sem hesitação. — E não foi só isso, Em…
— O que mais você viu? – pressionei, sentindo um arrepio subir pela minha espinha.
Ela hesitou por um momento antes de juntar nossos olhares, havia uma tensão que me fez prender a respiração.
— Vi fogo… selvagem e furioso…
Meu estômago revirou.
O Samhain se aproximava, e com ele, a certeza de um destino inevitável.
Fim do capítulo
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