Capitulo VI
O final de semana tinha passado, e a primeira noite do meu treinamento tinha chegado. No sábado, havíamos combinado que as aulas seriam na casa da diaba, então ali estava eu, esperando-a abrir a porta, naquele belíssimo entardecer de uma segunda-feira. Educadamente, passei na mesma cafeteria e pedido um café para ela e um chá de camomila com mel para mim. Aquela rotina se repetiu nos demais que se seguiram. Eu buscava café, e ia para a casa de Diana, sempre sendo recebida com um sorriso matador e uma paciência inabalável.
Para a minha felicidade, as matriarcas tinham me dado uma trégua. Nada sobre a nomeação de uma sacerdotisa, ou sobre a profecia, tinha voltado a ser mencionado. Porém, aquela calmaria parecia o prelúdio de uma tempestade devastadora. Apesar disso, estava me preparando – ou tentando pelo menos. Ainda não tinha conseguido acessar meu lado semideusa, mesmo com a ajuda de Amélie, que estava sempre me ajudando o quando podia. Cérebro também havia sumido, o cão-lobo tinha aparecido umas duas vezes depois da primeira, e até então não tinha voltado a dar as caras. Me restando apenas os treinamentos com Diana.
Numa noite qualquer, havíamos terminado os estudos mais cedo e a diaba me convidou a acompanhá-la numa taça de vinho. Desde o incidente do jantar e do nosso encontro inesperado na cafeteria, os flertes implícitos tinham dado lugar a conversas longas e orientações detalhadas. Por um lado estava aliviada, era mais fácil estar na presença daquela mulher que mexia tanto comigo, já por outro, eu estava frustrada. Parecia que Diana havia assumido o modo professora inalcançável, e sequer me dirigia um único olhar ambíguo. Meu lado imprudente, como sempre, resolveu se manifestar. Me senti inclinada a tentar alguma coisa, começando por aceitar o convite inocente disfarçado de uma taça de vinho.
Estávamos na varanda do primeiro andar, que parecia um deck extenso de madeira com degraus que levavam a um pequeno bosque ao redor da casa, onde também tinha uma lareira a céu aberto. Diferente de onde eu morava, que parecia com as típicas casas americanas, a de Diana lembrava muito uma cabana moderna, cheia de vidro e madeira escura. Tinha dois andares, a decoração se dividia entre rústica e minimalista em tons neutros, a parede central era de pedra miracema cinza que dava um charme a mais ao lugar. Sofisticada e organizada, assim como a dona.
Diana nos serviu, antes de sentar-se confortavelmente, com uma perna dobrada ficando de frente para mim. Seu joelho tocava minha coxa suavemente, e o simples contato enviou sinais de alerta por meu corpo todo. Aproveitamos um silêncio confortável, enquanto cada uma sorvia o primeiro gole do vinho. Um suspiro de pura satisfação me escapou, quando o líquido púrpura tocou minha língua, proporcionando um relaxamento quase instantâneo. A noite estava fria, temperatura típica de incessantes dias de chuva. Apesar das camadas grossas de roupa, o ar gelado tentava penetrar por entre os tecidos, mas o fogo na diminuta fogueira trepidava constante, enviando ondas agradáveis de calor. Eu gostava bastante daquele clima, era uma oportunidade perfeita para me vestir de maneira elegante. Naquela noite mesmo, eu trajava um vestido grosso de mangas longas e gola alta preto, botas uns dedos acima dos joelhos da mesma cor, e por cima um pesado sobretudo cinza. Diana, estava de calça jeans, botas de cano curto preta, e uma blusa de lã azul marinho. Suas mãos de dedos finos e veias proeminentes, seguravam com elegância a taça, enquanto seus olhos escuros estavam fixos nas chamas à nossa frente.
Eu não conseguia tirar meus olhos dela, principalmente quando sua mão livre passou sensualmente por seus cabelos os bagunçando de forma tão atraente. Aquele ato simples pareceu acontecer em câmera lenta, os cabelos caindo em ondas castanhas iluminadas imperfeitas. Tudo naquela mulher me soava provocante, seu olhar intenso, seus lábios envolvendo a taça suavemente, sua postura relaxada. Parecendo sentir que estava sendo observada, a diaba pregou suas esferas castanhas em mim.
— Você deveria tomar mais cuidado com esses olhares. – falou, escondendo um sorriso divertido por trás da taça, ao levá-la outra vez à boca. O estremecer familiar se instalou no meu baixo ventre, ao ouvir aquele tom provocativo que sempre estava impregnado na sua voz rouca. Meu lado imprudente vibrou em êxtase por aquela abertura.
— Não pode me culpar, por não conseguir resistir a tentação de observá-la. – ousei, dando de ombros como se não tivesse acabado de usar a pouca coragem que me restava. Diana poderia me rechaçar naquele exato momento, mas alguma coisa me dizia que não o faria. Ela era vaidosa demais para não ceder ao jogo, que ela mesma havia começado.
— Estava me perguntando até quando seguraria esse seu atrevimento peculiar. – revidou, arqueando a sobrancelha desafiadora, enquanto ria gostosamente, apoiando o braço esquerdo no encosto do sofá que estávamos. Ela precisava apenas levantar a mão para me tocar, e a percepção do quão próxima ela estava esquentou minha pele de expectativa.
— Quem sou eu, para desapontar uma mulher como você! – falei, lotada de cinismo, virando meu tronco em sua direção, fazendo a ponta de seus dedos magros ficarem perigosamente perto dos meus seios. Aquela troca nada inocente de palavras, aparentemente despretensiosa, me colocou inquieta. Qual seria o próximo passo? Qual de nós duas tomaria a iniciativa de avançar? A resposta veio mais rápido do que eu esperava, quando Diana avançou lentamente seu rosto ao meu, inclinando a cabeça no último instante, colocando sua boca próxima da minha orelha.
— O que você está esperando? – soprou rouca, seu hálito quente e almiscarado pelo vinho arrepiou os pelos da minha nuca. Tomada pelo ímpeto de aproveitar a oportunidade deleitosa que me era dada de bom grado, virei meu rosto em igual lentidão, fazendo com que nossos narizes se tocassem suavemente. Nem nos meus melhores e mais audaciosos sonhos imaginei estar tão perto daquela mulher maravilhosa. Por alguns segundos me perdi na intensidade de suas esferas castanhas profundas, tinha um brilho ansioso, convidativo demais. Meu olhar ansioso desceu para a boca de lábios carnudos curvados num sorriso de incentivo.
Eu não precisava de mais nada para beijar Diana Valdéz.
Apegada…
Entregue…
O encontro de nossas bocas foi lento no início, mas a força da nossa vontade recíproca fez aquela dança se intensificar. O encaixe foi perfeito, delicioso. A quentura da sua boca na minha causava coisas indescritíveis. Eu parecia hiperconsciente de cada parte do meu corpo, que vibrava fervorosamente toda vez que sua língua habilidosa tocava a minha. Sua mão livre alcançou a base do meu pescoço, encontrando lugar fixo entre meus cabelos que foram deliciosamente puxados com força dosada. Apoiei involuntariamente a mão sobre sua coxa, apertando em revide ao ataque violento, arrancando um longo suspiro de ambas.
Nos afastamos minimamente, quando o ar se fez necessário, mas permanecemos muito próximas uma da outra. Diana respirava com dificuldade, a boca levemente inchada pelo beijo trocado expirava o ar de seus pulmões com vigor. Seu olhar brilhava ambição, como uma fera faminta diante de um baquete.
Não resisti a vontade ensandecida que embriagava meu corpo, largando a taça de qualquer jeito aos nossos pés, para montar em seu colo em seguida. Diana se ajustou igualmente apressada, também deixando a própria taça esquecida sob o braço do extenso sofá, repousando as mãos livres sobre as minhas coxas com a mesma firmeza da noite do jantar. Minhas mãos foram para seu pescoço, por baixo dos cabelos sedosos, impacientes, puxando sua boca de volta à minha. Nos beijamos famintas, engolindo os suspiros mútuos de satisfação. O frio deu lugar ao calor. Quente, convidativo. Diana subiu ambas as mãos por dentro do meu sobretudo, firmando-as na minha cintura aproximando nossos torsos com brusquidão. Meus quadris se movimentaram involuntariamente, num gesto de pura apreciação.
Mal senti quando os dedos habilidosos da mulher abaixo de mim, se infiltraram pela barra da saia do meu vestido, desbravando o caminho tortuoso até o meu quadril que continuava a ondular sob seu colo. A pressão era tão gostosa que em retaliação mordi o lábio inferior dela com a mesma força, fazendo-a fincar a ponta das suas unhas deliciosamente sob minha pele desprotegida. Diana se afastou quando a soltei, tocando as costas no encosto do sofá, vencida. Seus dedos acariciavam com suavidade a alça da minha calcinha, fazendo um calafrio cortar minha espinha. Se ela movesse a mão só mais um pouquinho…
Pousei ambas as mãos em seu peito, igualmente abalada. Pela Deusa que beijo gostoso!!! A quem eu queria enganar, tudo naquela mulher era, aquilo não seria diferente. Rompendo meu devaneio, Diana levantou uma das mãos até meu rosto, cedendo-me um afago agradável. Ela contornou meus lábios entreabertos com o polegar, delineando-o suavemente. Atrevida, mordisquei a ponta do seu dedo, vendo suas pupilas dilatarem imediatamente, sentindo um novo aperto na minha pele, causado pela mão que ainda permanecia no meu quadril.
— Você é mais perigosa do que pensei, Emily! – ela sussurrou sôfrega, com o olhar perdido na minha boca que se expandiu num sorriso presunçoso.
— A lista dos meus atributos só aumenta, que sorte a minha. – brinquei em falsa docilidade, inclinando o rosto na direção da sua mão que continuava a me acariciar. O sorriso sedutor que ela me deu enviou pontadas prazerosas no meu ventre. Estava completamente rendida aquela mulher. Que a Deusa tivesse piedade da minha pobre pessoa, porque não sabia como resistir àquela diaba.
Obviamente, depois de sair da casa de Diana – após outra longa sessão de beijos, fui encontrar Amélie. Sabia que o ocorrido iria fazê-la surtar e nada mais justo que compartilhar a novidade com quem acompanhava aquela novela mexicana desde o início. Minha amiga não me decepcionou ao entregar uma reação dramática digna de um oscar. Entre uma histeria alegre e descrença aceitável, Amélie demonstrou sua genuína empatia me abraçando animada. Aquele era um dos traços que me faziam amá-la tanto, ela não era rasa com seus sentimentos.
Apesar de tudo, minha ficha ainda não tinha caído. Eu, Emily Maycler havia beijado Diana Valdéz. A realização daquele fato custava a se fixar na minha mente. Eu revivia cada instante num looping infinito, e toda vez sentia as famigeradas borboletas no estômago. A intensidade daqueles sentimentos foi tanta que meu corpo parecia eletrizado, a ponto de fazer minha magia escapar em faíscas por meus dedos. Começou de repente… a manifestação do meu poder pairou ao redor das minhas mãos como uma sombra escarlate, cintilando a cada volta que ela dava. Amélie que estava próxima, se afastou assustada, me olhando em completo espanto.
Não deu tempo de pensar muito, apenas senti aquele poder tomar meu corpo de uma vez, pulsando de dentro pra fora, indo de encontro ao peito da minha melhor amiga que cambaleou para trás devido ao impacto inesperado. A olhei desesperada, com medo de tê-la machucado, mas foi a imagem aparecendo lentamente na sua testa que me jogou num abismo de pavor absoluto.
Uma lua crescente em tons prateados, surgiu.
O símbolo que marcava uma bruxa como abençoada!
Minha centelha divina havia se manifestado pela primeira vez.
Fim do capítulo
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