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Filha da Noite por Maysink

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Palavras: 3925
Acessos: 200   |  Postado em: 23/03/2025

Capitulo V

O treinamento das matriarcas era uma versão unificada e completa de pós graduação, mestrado e doutorado em bruxaria – tudo junto. Eu olhava o cronograma que fora enviado por e-mail com verdadeiro horror. Política, rituais, ocultismo, história, e o meu favorito magia avançada. Quando mais jovens, aprendíamos a controlar nossa magia e alguns feitiços simples, necessários no dia a dia. Ninguém queria um bando de mundanos batendo na sua porta com foices e forçados, por não conseguir se misturar entre eles! Se quiséssemos aprofundar nossos conhecimentos, haviam os covens. Eram feitas reuniões semanais, onde tudo era repassado de geração para geração, com a anuência das matriarcas. Comigo não foi diferente, ainda que estivesse longe, me reunia por vídeo chamada com minha mãe, e ela me ensinava tudo o que sabia. 

Agora, eu aprenderia os ofícios de uma matriarca. Os protocolos engessados, as obrigações intermináveis. Pensar que teria mais da presença das sete de Salem – agora seis, me deixava à beira de um colapso nervoso. Ainda amargava o último encontro, e a única coisa que me deixava mais tranquila era saber que Amélie estaria ao meu lado. 

Minhas aulas com a diaba – apelido carinhoso que dei a Diana, só começariam na semana seguinte. Enquanto isso, poderia organizar as coisas de Alice e minha permanência indefinida em Eradia. Em pensar que voltaria logo para a Holanda, com minha nova realidade, aquela ideia se tornava ainda mais distante. Minha ocupação como herbologista tinha certa importância no meio bruxo – eu atendia a pedidos online de ervas especiais, mas gostava da ideia de ter uma floricultura. Talvez amadurecesse a possibilidade uma vez que teria que me manter naquela cidade por mais tempo do que esperava.

Depois de ler o conteúdo extenso das aulas, separei um par de garrafas de vinho para me acompanhar durante a arrumação que planejava. Quem disse que não se podia beber antes do meio-dia não sabia o que era ter de lidar com sua vida virando de cabeça pra baixo de repente. Comecei pelo mais doloroso, o quarto da minha mãe. Assim como todo o resto da casa, seu quarto tinha muito da sua presença. Parecia que a qualquer momento ela fosse entrar pela porta e reclamar de eu estar pegando alguma coisa dela sem permissão. Me vi torcendo para que isso acontecesse, e a dolorosa realidade quase me derrubou. Alice não estava mais comigo! Eu enfrentaria o maior desafio da minha vida sem seu apoio.

Poderia entoar um feitiço simples para cumprir aquela tarefa, mas um lado sádico meu, quis fazer do jeito mais difícil. Reunindo toda a minha força de vontade, fui colocando as coisas dela nas caixas que havia colocado ali mais cedo. Pouco a pouco as coisas da minha mãe ia ocupando os espaços das caixas que seriam levadas para doação. No início da noite, já havia terminado com a maior parte, faltando apenas o escritório. Eu olhava com desgosto e tristeza para suas coisas amontoadas num pedaço de papelão. Uma vida inteira cabendo numa caixa qualquer. 

Pouco depois, Amélie chegou com mais garrafas de vinho e o bendito livro, e um sorriso acolhedor. Juntas, vasculhamos cada canto do escritório buscando qualquer informação que fosse útil sobre mim. 

— Estou exausta! – ela falou, suspirando alto, se jogando contra o sofá que havia no escritório. — Minha cabeça vai explodir se ler mais um inventário de ervas e itens mágicos. 

Eu a olhei cúmplice, também cansada. Não havíamos encontrado nada até aquele momento e aquilo estava me deixando desesperançosa. Tomei mais um gole de vinho, escorando na mesa de mogno na ponta contrária da porta da sala, sentindo os efeitos do álcool amolecerem minhas pernas.

— Sinto como se estivéssemos andando em círculos. – respondi, estalando a língua em desaprovação. — Não acho que Alice iria deixar algo como isso de tão fácil acesso.

— Você tem razão! Será que sua mãe tem algum cofre? – perguntou, se levantando indo vasculhar atrás dos poucos quadros enfeitando as paredes.

— Não sei… – disse, olhando-a cética. — Sabe do que estou dando falta?! Do grimório dela. 

A frase fez Amélie voltar sua atenção para mim, me olhando atenta. O grimório era o item mais pessoal de uma bruxa, não continha apenas os feitiços e conhecimentos, como também tinha os segredos da dona. Seria possível que minha mãe tivesse colocado algo no dela. O meu andava comigo sempre, me servia como uma espécie de diário. Havia colocado um feitiço para que ele se escondesse como uma tatuagem em minha pele, lembrar disso me fez passar os olhos na região do pulso esquerdo onde tinha uma pequena chave que o simbolizava.

— Você não o encontrou no meio das coisas dela? – perguntou, curiosa.

— Não, e isso já diz muita coisa! 

— Seria interessante repassarmos os hábitos dela, às vezes lembramos de algum detalhe que possa nos ajudar. – sugeriu, pouco convicta.

— Pensando por esse lado, lembro que ela tinha um cuidado peculiar com as velhas garrafas de whisky. Vivia me impedindo de chegar perto delas…– falei, andando na direção do pequeno aparador que ficava próximo da estante de livros. 

Eu olhei o móvel com verdadeira atenção, correndo os dedos com cuidado por ele todo. Quando já estava quase desistindo, forcei a ponta dos dedos na parte debaixo ouvindo o som distinto de um click. O compartimento se abriu, revelando uma espécie de gaveta oculta, onde havia um livro velho e desgastado. Ah, ali estava o grimório de Alice Maycler. Com cautela o peguei, levantando a vista de Amélie, que se aproximou com rapidez. Ficamos olhando-o por um tempo incalculável, antes de voltarmos para o sofá. 

— Pelo amor da Deusa, abra logo! – ordenou, impaciente.

Lentamente, abri a capa vendo a letra inconfundível da minha mãe, cheia de curvas e elegância. As primeiras páginas estavam amareladas, e o cheiro característico de ervas queimadas subiu delas. No início tinham apenas informações sobre feitiços, alguns detalhamentos de como usar certas ervas, coisas usuais de uma bruxa. No entanto, quando virei outra, encontrei algo estranho. O símbolo da Deusa estava desenhado, as três luas, e abaixo delas havia seu relato sobre ter recebido a visita da Deusa que a abençoou com uma gravidez. Aquelas palavras fizeram minha cabeça rodar. Ela havia sido abençoada pela Deusa com uma filha, a quase 26 anos atrás. Vendo meu estado desnorteado, Amélie tomou o livro das minhas mãos com delicadeza, passando os próprios olhos pelas palavras escritas nele.

— Emily… – chamou-me, cuidadosa. — Pelo que está escrito aqui, você meio que… é a filha de Alice com a Deusa.

Olhei apática para minha amiga. Sua frase martelando na minha mente. A primeira coisa que passou pela minha cabeça, foi minha mãe tendo um caso com a Deusa das bruxas, aquilo me soou tão estranho que fez meu estômago embrulhar. Vendo onde meus pensamentos estavam indo, Amélie tocou minha mão chamando minha atenção para si.

— Não é isso que está achando, a Deusa abençou ela com uma parte de si mesma, gerando você! – explicou, paciente.

— Porque ela me deixou então, para depois me adotar? – perguntei aflita, soando como uma birra infantil. A dor de ser abandonada voltando à tona com tudo dentro de mim. Por mais que tenha trabalhado aquele sentimento por anos, ainda estava enraizada no meu peito, como se estivesse esperando o momento de sair pra fora outra vez. 

— Alice achou que seria a melhor forma de te proteger das sete. Ela te deixou na sede, e depois se voluntariou para te adotar, sabendo que isso não iria levantar suspeitas sobre sua origem. – contou, franzindo o cenho.

Ouvir aquilo fez minhas mãos se fecharem e meu maxilar tensionar. Alice sabia de tudo esse tempo todo, e nunca sequer havia mencionado qualquer coisa. Por mais que eu não quisesse, me sentia profundamente traída. Doía imaginar que a mulher que eu tinha como porto seguro, havia escondido algo tão importante.

— Não consigo, entender! Como assim ninguém soube que ela esteve grávida! – exclamei, descrente, tentando me acalmar e focar no contexto daquela situação.

— Pelo que li, a gravidez evoluiu muito rápido, depois da benção demorou apenas dois dias para que ela desse à luz, o que aconteceu na noite do Samhain. – disse, correndo os olhos pelo livro outra vez. — Sei que é informação demais, Em, mas tente entender o lado dela. – falou, branda, vendo meu estado. — Alice melhor do que ninguém sabia como as abençoadas são tratadas. Ela não poderia contar que estava gestando a filha de uma Deusa sem que as velhas fizessem algo. 

Meu lado racional entendia as ações da minha mãe, pela Deusa, eu mesma teria feito aquilo, mas ainda assim, a ideia de ter sido abandonada persistia em doer. Ela não fez isso! Uma vozinha sussurrou. Alice, minha mãe, não havia me abandonado! Muito pelo contrário, ela havia me protegido com tudo o que podia. Meu peito afundou com a imagem dela sofrendo todos aqueles anos com aquele segredo, sozinha. Se pensei que não poderia amá-la ainda mais, estava terrivelmente enganada.

— Eu sei… é só que, porr* minha mãe é de fato minha mãe! – soprei, emocionada. — Agora fez completo sentido como me senti quando a Deusa me chamou de filha. 

 — Como foi? – perguntou, com genuína curiosidade.

— Acolhida, daquele jeito que a gente se sente só no abraço de uma mãe! – revelei, surrando.

— Será que agora eu tenho que começar a te chamar de Deusa Emily? – divagou fazendo uma careta, cortando um pouco da minha tensão. — Nossa, seria muito estranho!

— Você é desnecessária, às vezes! – briguei falsamente, rindo junto dela. 

— Obrigada, vindo de você é um elogio! – rebateu, fazendo uma pequena mesura, que  fiz questão de desfazer empurrando-a devagar pelo ombro.

— Agora o que me preocupa, é … o que ser filha de uma Deusa significa?! – compartilhei meu temor. 

— Não sei… mas vamos descobrir juntas! – Amélie disse, apoiando a mão na minha.

Depois da nossa descoberta, Amélie foi embora e me vi sozinha com todos aqueles sentimentos conflituosos. Eu era filha de uma Deusa! Aquela revelação apertava meu coração e não era de um jeito bom. Eu estava custando a aceitar o fato de que era a filha da noite, mas não estava sabendo lidar com o sentido literal que a parte filha tinha. Com aquilo em mente, fiz a única coisa que achei plausível para o momento… me preparei para invocar Hécate. Busquei todas as oferendas que sabia que eram destinadas a ela, uma vela preta, uma lamparina, uma taça de vinho tinto, uma adaga, uma chave daquelas antigas e acônito – que, convenientemente, minha mãe cultivava no jardim nos fundos da nossa casa. 

Havia um pequeno altar no meio do jardim, com uma estátua dela, onde fazíamos nossas oferendas, foi ali que também organizei todos os itens. Com tudo organizado, acendi a vela. Como fui ensinada a fazer, entoei uma prece à Deusa em grego antigo, agradecendo o dom que me foi cedido, e logo em seguida comecei o meu chamado.

— Deusa Tríplice, senhora das bruxas, mãe… – falei a última parte trêmula. — Peço, humildemente, pela sua presença! 

Nada aconteceu durante longos minutos. Eu estava quase me levantando quando senti uma mão tocar meu ombro. Outra vez, senti aquela paz terrível acalmar todo o meu ser. O ar ao redor ficou frio, soprando uma brisa suave, a luz da lua parecia ter ganhado mais intensidade ofuscando todas as outras. Hesitante, levantei meus olhos, e lá estava ela. Ao contrário das outras versões que havia visto anteriormente, donzela e anciã, aquela versão – a mãe, parecia uma mulher próxima dos 40 e poucos anos. Haviam algumas linhas de expressão em seu rosto, típicas da idade, que nada interferiam na beleza etérea. Seu cabelo negro estava semi preso, seu vestido preto dançava no ar, e os olhos tão negros como o fundo do oceano me olhavam atentos.

— Minha filha, você me chamou… 

O jeito como ela se referiu a mim, havia ganhado outro tipo de significado. A certeza da sentença fez um sentimento desconhecido vibrar dentro de mim. Seria orgulho? Reconhecimento? Eu não sabia, mas teve um efeito incomum. Uma força desmedida irradiava por todo o meu corpo, tal como da primeira vez que a vi.

— Minha senhora, sinto-me privilegiada por atender meu pedido. – disse comedida, mas com sinceridade, ganhando um sorriso maternal em resposta.

— Você não precisa de formalidade comigo, Emily. – enfatizou, passando as pontas dos dedos pelo meu queixo, como num carinho. — Diga o que quer, criança!

— Eu sei da verdade agora, mas ainda estou confusa. Perdoe-me! – falei, abaixando meu rosto envergonhada. Hécate levantou meu rosto delicadamente, fixando nossos olhos outra vez. 

— Não se martirize por coisas que estão além do seu controle, minha filha. – disse, com suavidade. — Você tem um caminho longo pela frente, foque-se nele!

— Eu tenho medo de não conseguir! – revelei, sussurrando.

— Não seria justo com uma parte sua, se não tivesse! – suspirou, olhando por um segundo para a vela, me fazendo notar que ela estava quase chegando ao seu fim. — Tens uma responsabilidade e tanto, é compreensível que se sinta assim. No entanto, eu não te daria um fardo que não acreditasse que fosse capaz de aguentar!

— Do que serei capaz? – perguntei, incerta, ainda temendo o que ser filha de uma Deusa representava.

— Do que você, assim, quiser!

Então a vela se apagou, e ela sumiu, tão de repente quanto havia aparecido. Fiquei por mais um tempo no jardim, olhando para o nada e repassando aquela conversa. Meu desafio seria muito maior do que imaginava. Assim que pus meus pés dentro de casa, uma chuva torrencial caiu. Relâmpagos cortaram o céu, impiedosos. Preparei um chá de erva doce, ouvindo o som da chaleira tentando duelar com as gotas furiosas contra a janela, porém meus pensamentos conseguiam ser ainda mais barulhentos. 

Com a xícara em mãos, voltei para o escritório da minha mãe, recordava ter visto algum volume sobre histórias míticas de semideuses dentre os inúmeros livros. De início pareceram relatos fantasiosos, contos infantis, mas como toda história tinha um fundo de verdade, tentei encarar tudo aquilo com a mente aberta. O ponto comum era que os semideuses herdavam o traço mais forte de sua herança divina, no meu caso, acreditava ser a afinidade com a magia. Pensando bem, meu interesse incomum por ervas também se encaixava muito bem.

Quando menos percebi, havia traçado o perfil completo de Hécate. Não que já não soubesse da maioria daquelas informações – toda bruxa estudava sobre a Deusa, mas nenhuma delas compartilhava sua essência com ela a ponto de precisar de um estudo mais profundo. Temerosa que fosse fácil para mais alguém descobrir minhas origens, havia pedido a Amélie que me trouxesse o tal livro com a história das Maycler, e foi interessante ver que o nome de Alice, agora, aparecia ligado ao meu na árvore genealógica, mas não o da Deusa. Também consegui desvendar a parte sobre a filha de uma sétima filha, aquele trecho da profecia não era literal. Remetia as sete famílias bruxas originais, ou seja, as sete de Salem. Depois de muito estudo, minha cabeça parecia que ia explodir de tanta informação. Por isso resolvi ir para a varanda lateral da casa, para tomar um ar. 

 O céu estava carregado de nuvens escuras ameaçando despejar sua fúria outra vez. O subúrbio de Eradia era composto por casas distantes umas das outras, fazendo com que houvesse pouca iluminação. A estática dos relâmpagos  açoitando entre as nuvens, fazia a lâmpada da varanda piscar de vez em quando. Seria uma cena perfeita daqueles filmes de terror de qualidade duvidosa, e o longo uivo que irrompeu o silêncio da noite só contribuiu para aquela minha percepção. 

Quando olhei para a pequena mata que rodeava minha casa, vi um vulto negro saindo de dentro dela, vindo na minha direção. Antes que pudesse correr de volta pro interior da segurança da minha casa, o vulto tomou a forma de um enorme cão negro de olhos amarelos, parecia um lobo. Contrário ao que pensei, o animal não me atacou, na verdade, ele se aproximou cauteloso ao ver que não me mexia e lambeu minha mão generosamente, antes de se sentar aos meus pés. Pelo sete infernos, o que estava acontecendo!

Por mais louco que soasse, não senti medo dele, até ousei dar um afago atrás da sua orelha sentindo a coleira que rodeava seu pescoço. Corajosamente, me ajoelhei à sua frente, pegando o pequeno pingente prata pendurado ali. Havia uma palavra escrita… um nome… Cérbero. Ao ouvir minha voz repetindo o nome ele latiu, afirmando minhas suspeitas. O cão-lobo negro, que atendia por Cérebro – mesmo nome do cão do submundo, ser uma das coisas associadas a Deusa, parecia ironia demais pro meu gosto. Sem muito o que fazer, deixei-o ali, e fui buscar um pote de água para ele, porém quando voltei para onde o tinha deixado, ele tinha sumido. 

Na manhã seguinte meus pensamentos estavam ainda mais caóticos. As revelações da noite anterior continuavam a ecoar na minha cabeça como uma música ruim se repetindo sem parar. Olhava pela janela, com a esperança que tudo tivesse sido um sonho, mas a confusão de livros e papeis sobre a mesa do escritório da minha mãe era um lembrete vívido da realidade. Por mais que me agarrasse à negação, não tinha como contra argumentar com a verdade. Eu era uma semideusa!

Num rompante de inquietação, me arrumei com o intuito de ir até uma cafeteria antes de seguir para o centro de apoio da cidade para levar as caixas com as coisas de Alice. Vestida numa calça jeans de lavagem clara, blusa de gola alta creme, botas e sobretudo marrons, peguei as chaves do Jeep Gladiator preto. Depois de conferir se o cão -lobo estava por ali e perceber que não tinha nenhum sinal dele, carreguei a caçamba da picape com as caixas e segui viagem. A avenida principal que levava ao centro da cidade estava vazia, as nuvens cinzentas davam um ar melancólico. O tom verde vívido típico depois de uma chuva, ia se perdendo aos poucos dando lugar aos prédios comerciais da parte central de Eradia. Depois de estacionar, fui a passos lentos até a cafeteria. Após entrar, e arrumar um lugar próximo das largas janelas que davam vista a rua principal, pedi um chá e um croissant. 

Estava perdida em pensamentos aleatórios quando vi Diana atravessando a rua em direção a entrada da mesma cafeteira que eu estava. Pela Deusa, as coincidências não paravam. A diaba vestia roupas parecidas com as minhas, porém em tons de cinza e preto, seus cabelos estavam presos num coque desleixado deixando seu belíssimo pescoço à mostra, uma imagem bonita demais de se ver. Desde o episódio desastroso do jantar, há duas noites, os efeitos do calor da sua pele ainda estavam latentes por todo o meu corpo. Acreditei que teria tempo de me preparar melhor para nossos encontros constantes, mas o destino parecia não entender minha necessidade. Respirei fundo, engolindo em seco quando ela entrou pela porta e depois de fazer um pedido direto no balcão, seus olhos intensos varreram o local despretensiosos, até se pregarem em mim. O sorriso enigmático enfeitou seus lábios pintados de carmim, fazendo algo em mim estremecer. 

Cada passo que a diaba dava em minha direção fazia meu coração bater ensandecido dentro do peito. Que maldito poder aquela mulher tinha sobre mim, parecia feitiço dos poderosos!

— Bom dia, Emily! – cumprimentou-me, simpática, olhando-me de cima. A diferença de altura, por eu estar sentada e ela em pé, a deixava ainda mais intimidante.

— Bom dia, Diana! – respondi, nervosa. — Se quiser, pode se sentar! – convidei, educada, indicando a cadeira vaga à minha frente. 

— Claro, obrigada por isso. – disse, se ajeitando elegantemente no lado oposto da mesa. Por segundos longos demais, apenas trocamos um olhar intenso, que me fez apertar os dedos na xícara incomodada. Eu precisava retomar o controle das minhas reações com urgência. 

— Recebeu meu e-mail? – começou, levando o assunto para um lugar seguro, aliviando um pouco da tensão que pesava meus ombros. 

— Sim… Dei uma olhada. São muitos conteúdos!

— Não se preocupe, teremos tempo de fazer tudo com calma. – falou, simples. 

Não sabia se era pelo tom de voz rouco ou se foi pelo seu sorriso preguiçoso, mas minha mente fez o favor de seguir para rumos nada apropriados. Aquela mulher linda sorrindo tão à vontade era um atentado à sanidade de qualquer bruxa. 

— Não se depender da vontade das matriarcas! – brinquei amarga, tentando me focar no assunto real da conversa. 

— A pressa delas é compreensível, dado o fato que há um lugar vago no conselho. – falou, tomando um gole do líquido na xícara colocada à sua frente. — Elas são muito apegadas a títulos, acredito que serem chamadas de as seis de Salem deva lhes soar quase como uma afronta pessoal. 

Rimos juntas da implicação da sua fala. Estava pra nascer pessoas mais apegadas a protocolos sociais como aquelas senhoras. Saber que Diana também era avessa àquele costume, me trouxera uma estranha sensação de alívio.

— Longe de mim, ofendê-las! – soltei, displicente.

— Uma pena… esse é um dos traços que mais aprecio em você. – provocou, causando um frio gostoso na minha barriga. 

Diana melhor do que ninguém conhecia meu histórico nada amigável com aquelas mulheres, principalmente com a mais velha das Fairfall. Ela já estava cansada de ver os confrontos velados que ocorriam quando uma delas aparecia na nossa casa, durante nossas aulas de piano quando eu tinha 18 anos. Eu nunca tinha sido bem sucedida em aceitar desaforos gratuitos, e minha mãe não parecia se importar com aquele meu lado volátil. Na verdade, Alice Maycler de certo modo até incentivava, claro, sempre longe dos olhos das outras bruxas. Agora eu conseguia entender o porquê. Não estava na minha natureza ser pacífica. Hécate não era conhecida por sua paciência, seria pedir muito de uma filha sua. 

— Cuidado Diana, ou vou pensar que possa estar flertando comigo. – sugeri, divertida. 

Seria a realização do meu sonho adolescente, que aquela mulher nutrisse algum tipo de interesse em mim. Desde meus 15 anos me sentia atraída por Diana. Foi aos 18 que havia tido a coragem estúpida – incentivada por Amélie, de pedir pelas aulas de piano, só para chamar sua atenção. Ela nunca havia demonstrado qualquer tipo de reciprocidade quanto aos meus sentimentos, mas também, o que uma mulher 10 anos mais velha iria ver numa adolescente desengonçada. Agora, que era uma mulher adulta, talvez tivesse mais chances.

— Não poderia culpá-la! – garantiu, dando outro de seus sorrisos enigmáticos. A sugestão implícita quase me fez engasgar. — Mas me conte, como foi morar na Holanda por todos esses anos? – emendou, deixando a dúvida no ar. 

Durante alguns minutos conversamos sobre como foi minha vida nos últimos cinco anos fora de Eradia. Ela contava sobre suas viagens quando mais jovem, e eu compartilhava as minhas. Passamos uma manhã bem agradável, e por mais que aquela tensãozinha ainda se fizesse presente em cada olhar e sorriso que trocávamos, consegui me manter estoica. Minha versão adolescente certamente iria surtar se soubesse que anos depois, estaria numa mesa de cafeteria tendo uma conversa decente com sua paixonite.

 

Zeramos a vida, Emily! 

Fim do capítulo


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