Capitulo IV
A noite do jantar havia chegado, e eu olhava para o espelho esperando o momento que a mulher do reflexo fosse saltar para fora e me estrangular. Apesar do sentimento conflituoso que me assombrava, eu admirava o que estava vendo. O vestido preto de alças finas abraçava meu corpo de um jeito provocante e a fenda gigantesca na minha coxa direita dava uma sensualidade ímpar junto a sandália de salto da mesma cor. Meu cabelo estava preso num coque desleixado deixando meu colo desnudo. Eu adorava me vestir como se estivesse pronta para matar alguém, e essa era a minha intenção naquela noite. O batom vermelho mate que cobria minha boca só reforçava esse objetivo.
Depois dos últimos acontecimentos, eu havia decidido que se fosse para ter a atenção de Diana, faria aquilo direito. Se ela podia me provocar com sua simples existência, em contrapartida, iria usar de todo o meu arsenal. Que mal poderia fazer?!
Sabia que ela estaria lá naquela noite, afinal ela era amiga de longa data de Phillip. Os dois tinham a mesma idade, 35 anos e haviam estudado juntos. Não me surpreenderia se o noivo a escolhesse como madrinha, fato que descobriríamos naquela noite. Era costume anunciar as madrinhas durante o jantar de noivado. Sim, apenas madrinhas! Nossa sociedade era matriarcal, portanto, qualquer posição considerada importante era ocupada, majoritariamente, por mulheres. Participar ativamente como apoio na vida de uma casal, era considerada uma função valorosa. Não tinha dúvidas que seria escolhida como a madrinha de Amélie, ela não era louca de dizer o contrário.
A mansão dos Fairfall estava muito bem arrumada para receber seus seletos convidados. Ao contrário do que muitos poderiam imaginar, aquela família não gostava de opulência. Foi a simplicidade de Amélie que mais me impressionou quando nos conhecemos, além é claro da sua língua afiada.
Eu andava lentamente por entre as pessoas com uma taça de vinho branco na mão, enquanto admirava toda a decoração. Os arranjos de tulipas rosas e brancas estavam deslumbrantes. Tinha traços específicos dos noivos em cada detalhe e a ornamentação harmoniosa só demonstrava a simetria única que havia entre o casal. Eu havia ajudado a escolher muitas das coisas que estavam ali, quando ainda morava na Holanda. Ver o sonho da minha amiga se realizando me trazia uma imensa felicidade.
— Você está deslumbrante, Emily! – abordou-me Philip, elegantemente vestido num terno sob medida cinza de lapelas pretas. Adiantei-me para cumprimentá-lo com três beijos no rosto seguido de um longo abraço.
— Posso dizer o mesmo de você, bonitão! – respondi, sorrindo abertamente. — Onde está a noiva?
— Por incrível que pareça, ela está na biblioteca! – disse, num tom fingido de aborrecimento.
— Amélie e seus livros! – devolvi a brincadeira.
— É um relacionamento ao qual aprendi a respeitar. – emendou ele, sorrindo ladino. – O jantar está quase pronto… – emendou como quem não quisesse nada.
— Fica tranquilo, eu vou buscá-la! – garanti, entendendo sua sugestão implícita, vendo-o assentir agradecido.
Avancei pela mansão a passos apressados, ignorando as poucas pessoas que passavam por ali. Quando ensaiei virar um dos corredores, acabei trombando em alguém que segurou minha cintura com força nos impedindo de cair. Antes que me desse conta, o perfume familiar já estava invadindo meus pulmões, me embriagando de uma só vez. Levantei meu olhar hesitante, vendo quem havia me amparado com tanta firmeza e não foi surpresa alguma ver Diana na minha frente. A vida tinha um senso de humor particular, eu tinha que admitir.
Instintivamente, meus dedos apertaram seus braços bronzeados, arranhando-os superficialmente, a puxando. O gesto impensado a fez dar um passo à frente, na minha direção para se equilibrar. A percepção do ato inocente – ou nem tanto, fez surgir um sorriso instigante naqueles lábios cheios, e eu só conseguia pensar no quanto queria senti-lo com a minha própria boca.
— Emily… – ela disse, num tom casual, mantendo seus olhos fixos aos meus, cautelosos. Como ela conseguia manter a calma estando tão perto, pelo amor da Deusa! Meu estômago revirava numa agonia gostosa pela sensação das suas mãos em mim. Estava me segurando para não suspirar desejosa do quão bom era sentir sua pele contra a minha, mesmo que levemente.
— Diana… – respondi, ofegante, praguejando mentalmente pelo estado vergonhoso ao qual já me encontrava.
Naquele momento, a decisão de devolver na mesma moeda o que aquela mulher me despertava havia sido completamente esquecida. Quem eu queria enganar, estava entorpecida demais com os efeitos que ela causava tão fácil, pra pensar em qualquer outra coisa. Minha pele arrepiada e a energia surreal se espalhando depressa por todo o meu corpo, pareciam sensações provenientes de uma droga potente.
— Deveria tomar mais cuidado. – ela disse rouca, e o que deveria soar como uma reprimenda sutil, pareceu um convite ao pecado, que eu aceitaria de muito bom grado se significasse ter mais daquela voz intensa só pra mim.
Reunindo a pouca dignidade que me restava, dei um passo para trás impondo uma distância segura entre nós duas. Minha imprudência costumeira, não perdeu a oportunidade de fazer meus olhos descerem por aquele corpo, apreciando cada mínimo detalhe. O conjunto de colete e calça de alfaiataria preto risca de giz a cobria com perfeição, seus cabelos mais claros nas pontas desciam livres pelos ombros, a maquiagem leve evidenciava seus olhos que estavam especialmente desafiadores enquanto aguardava minha inspeção descarada. Diana passou a língua devagar em seu lábio inferior, em seguida deu uma mordida suave, decretando meu fim!
— Me desculpe, eu não te vi. – afirmei, apressada, tentando acalmar as batidas do meu coração. É claro que ela não facilitaria em nada, abrindo um sorriso perverso.
— Tudo bem, não foi nada! – dispensou, colocando ambas as mãos no bolso da sua calça com simplicidade.
— Se me der licença, preciso encontrar Amélie. – tentei fugir, andando o mais rápido que minhas pernas bambas permitiam.
— Emily? – chamou-me firme, o som da sua voz sobressaindo ao dos meus saltos, retendo meus passos, fazendo eu ter de voltar a atenção para si. — Estou ansiosa para nossas aulas, vai ser como nos velhos tempos!
Por um segundo minha mente falhou em entender de primeira ao que ela se referia, mas logo consegui organizar meus pensamentos e lembrar que Diana seria minha preceptora no treinamento de matriarca. Se aquele nosso pequeno encontro era um prelúdio de como seria, eu só podia sentir pena de mim. Talvez a matriarca Fairfall estivesse certa, afinal!
— Não mais do que eu, te garanto! – soprei, e podia jurar ter visto um lampejo de diversão passar por seus olhos antes de me virar, seguindo para a biblioteca.
Para meu alívio, o jantar transcorreu sem novos incidentes. O anúncio das madrinhas foi feito, confirmando o que eu já sabia. Eu e Diana havíamos sido as escolhidas. Depois de uma troca de abraços e palavras recheadas de carinho, me refugiei num canto qualquer tomando mais uma dose de vinho. A cada gole eu tentava acalmar a avalanche de emoções das últimas horas. A única certeza que pairava na minha cabeça, era que precisava com urgência arrumar um jeito de resistir aquela vontade insana que castigava meu corpo toda vez que estava na presença daquela mulher. No entanto, eu via minha esperança se desvanecer pouco a pouco quando travamos uma batalha de olhares pelo resto da noite. Eu sentia o peso da sua atenção por onde quer que eu fosse, como um caçador atento a sua presa, e eu não conseguia me privar de ser um alvo tão fácil.
Aquela mulher seria a minha ruína!
Fim do capítulo
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