Capitulo III
Abrir meus olhos foi um desafio enorme, não tinha uma só parte do meu corpo que não doesse. Por um segundo, desejei fortemente não ter de acordar, mas eu era uma filha da puta muito sortuda que não tinha outra opção a não ser abrir meus lindos olhos castanhos claros. A primeira coisa que vi quando minha visão normalizou foi o olhar preocupado e assustado de Amélie, sua testa estava enrugada tamanha a sua tensão. A segunda, foi que não estávamos no meu quarto. Já estive naquele lugar antes, a muito tempo, mas pelo jeito, não foi tempo o bastante para esquecer o momento de puro pavor que vivenciei ali. A sede das matriarcas me serviu de lar temporário antes de Alice Maycler me adotar. O casarão estilo vitoriano, era onde aconteciam as reuniões do conselho das bruxas, e também onde as abençoadas moravam. Falar que aquele prédio servia de lar era um eufemismo dos grandes. As pouquíssimas abençoadas que existiam foram gentilmente alocadas ali, sempre à vista das malditas velhas controladoras.
— Mel, você não vai acreditar na merd* que me aconteceu! – falei rouca, sentindo minha garganta arranhando de tão seca.
— Ah, não? – debochou, totalmente amarga, enquanto se adiantava para me dar um copo com água. — Você simplesmente desmaiou na frente de toda a cidade, Emily!
— O que ? – engasguei com o líquido que descia pela minha garganta, ao me ajeitar às pressas na cama, sentindo cada músculo protestar com minha atitude brusca.
— Acordou surda, por acaso? – se irritou.
— Palhaça! – resmunguei, desgostosa. — Agora, sério! Foi só isso mesmo?
— Sim, o que mais esperava? – redarguiu, confusa.
Lembrei-me do sonho, e me levantei apressada indo até o espelho mais próximo, para ver se havia alguma marca da Deusa, que significasse que eu fora abençoada. Não que eu duvidasse das palavras da Deusa, mas era melhor checar se não estava enlouquecendo. Ok! Eu parecia a mesma, na versão normal de mim. Pele clara, cabelos longos castanhos acobreados, sobrancelhas grossas e desarrumadas, a boca carnuda. Minha magia também parecia igual. Podia ter sido apenas um sonho, mas eu sentia que não era. Merda!! Aquela porr* foi real!!!! Segundos depois de constatar que não havia nenhum sinal evidente em meu corpo, voltei minha atenção para Amélie.
— Porque estou na sede? – perguntei alarmada. O medo de terem percebido algo apitando na minha mente.
— A matriarca Mahlin achou por bem não deixá-la sozinha, então, voilá!
— Maravilha! – bufei em desagrado. — Então, vamos embora logo! Eu preciso conversar com você, e não pode ser aqui! – emendei, sussurrando.
— Você está me assustando, Emily! – ela disse, me olhando estranho enquanto eu seguia em direção a porta do quarto.
— Que bom, porque eu não vou ser a única!
Não demoramos a sair daquele lugar para a minha felicidade. Por incrível que parecesse, ninguém se importou muito com o acontecido, acredito que pensaram ser apenas consequências da emoção do luto. Eu sinceramente esperava que ninguém pensasse que eu era de ferro depois de tudo.
Quando chegamos na minha casa, a curiosidade de Amélie parecia sair pelos poros. Eu a entendia muito bem, éramos duas curiosas incuráveis, e aquele traço em comum já havia nos colocado em diversas confusões. Bons tempos!
— A Deusa apareceu para mim! — soltei de uma vez, antes dela fechar a porta da entrada. Os olhos castanhos da minha amiga se abriram tanto que temi que saltassem para fora. Seria uma visão divertida se eu não estivesse tão nervosa.
— Tá de sacanagem comigo?! Você é uma abençoada agora? – perguntou, num misto entre impressionada e assustada.
— Vira essa boca pra lá, garota! – praguejei, gesticulando com a mão como se espantasse alguma coisa. — Não… a verdade é que não sei se entendi direito o que aconteceu, por isso preciso te contar pra ter certeza que não estou louca.
Nos minutos seguintes Amélie me ouviu completamente calada. Minha amiga sempre tão expressiva estava impassível. Sua feição anormalmente estoica estava conseguindo me deixar ainda mais nervosa do que eu já estava.
— Minha nossa senhora das bruxas desafortunadas, você é a porr* da filha da noite, Emily! – falou, se escorando no braço do sofá, como se aquela verdade fosse demais. Se era pra ela, imagina pra mim!
— Não faz sentido, Mel! Eu não nasci no Samhain, não sou a filha de uma sétima filha. – respondi, me agarrando firmemente que a negação fosse mudar aquele fato.
— Você não tem certeza disso, meu bem! Alice sempre foi muito simplista quanto a sua adoção. – lembrou-me. Aquela era uma verdade incontestável. Minha mãe adotiva quando questionada sobre minha origem era sempre muito vaga, parecia dizer meias verdades apenas para satisfazer minha curiosidade juvenil.
— E é por aí que vamos começar! Vamos revirar cada papel, poeira e estante daquela sede, até encontrarmos alguma coisa que confirme isso.
— Tá brincando, neah? A própria mãe das bruxas te falou isso!
— Eu sei, é só que….
— Você está com medo, Em! E tá tudo bem! – afirmou, se aproximando e segurando minhas mãos, afetuosamente. — Se vai te deixar tranquila vamos procurar, mas não pra confirmar e sim para evitar que as sete descubram. Só a Deusa sabe do que elas são capazes de fazer se souberem.
— Amélie, sua avó é uma delas! – lembrei. Por mais controversas fossem as atitudes das matriarcas eu jamais iria pedir a Amélie que agisse contra sua própria família.
— Claro, mas não quer dizer que eu concorde com o jeito como ela lida com as coisas. – garantiu. — Passou da hora daquela senhora se aposentar! E até a Deusa percebeu isso.
— Você é incorrigível! – brinquei, incrédula.
— Não me encha de elogios tão cedo pela manhã, vou ficar desacostumada! – respondeu afetada, levando uma das mãos ao peito num gesto falsamente dramático.
Amélie ficou até o início da noite, conversamos sobre o jantar de noivado que se aproximava, sobre a curiosa preocupação de Diana Valdéz com meu estado de saúde – o que me fez corar furiosamente enquanto a desalmada da minha melhor amiga ria escandalosamente da minha vergonha. Não voltamos a falar do grande elefante branco na sala, o que foi um alívio. Por uma noite eu queria o direito de ter uma dose de normalidade, mesmo sabendo que não duraria por muito tempo – a Deusa havia garantido isso.
A manhã seguinte começou agitada, com a promessa do dia ser ainda mais. Haviam entregado a urna com as cinzas da minha mãe e agora eu a olhava sobre a lareira onde havia um quadro com uma pintura de nós duas. Os cabelos castanhos da minha mãe sempre chamaram minha atenção, eram longos e com pequenas ondulações lindas, seus olhos verdes pareciam brilhar todas as vezes, havia uma docilidade e ferocidade em suas feições delicadas. Quase todas as vezes, quando era criança, dormia com meus dedinhos infantis brincando com as mechas macias do cabelo da minha mãe, e aquela lembrança me fez apertar os dedos sobre o pedaço de papel que eu segurava. Junto a entrega veio o temido convite para o encontro com as matriarcas, marcado para aquela mesma noite. Não que já não soubesse que aquilo aconteceria, mas guardava a ínfima esperança de que meu súbito desmaio, fizesse com que fosse adiado – doce engano.
Eu não teria tempo de digerir a revelação repentina ou o luto que ainda apertava meu coração, mas se a situação já me exigia coragem agora só tinha se potencializado. Eu teria que ter muito cuidado com os meus próximos passos, caso contrário iria compor a exposição especial daquelas velhas.
Um pouco antes da reunião, fui até um dos bares mais agitados de Eradia, para esperar pela minha amiga. Frequentávamos aquele lugar, com certa regularidade, antes de eu ir morar na Holanda para cursar herbologia. O Asfódelos tinha um ar pitoresco, com a mistura do cheiro de bebida, fumaça, suor e música ruim. Não sei bem o que fazia daquele lugar uma boa escolha, mas tinha minhas dúvidas de que uma pequena dose de caos controlado faria bem antes de enfrentar o que estava por vir.
No balcão, pedi uma cerveja, bebendo um longo gole enquanto corria os olhos por todo o bar. Haviam muitos rostos novos, pude perceber, era até bonito de se ver. Um tempo depois, Amélie apareceu, agitada como sempre.
— Achei que você iria preferir algo mais tranquilo antes da reunião, mas acho que também vou precisar de uma bebida forte para isso. – comentou, estendendo a mão chamando o barman.
— Nada melhor do que coragem líquida. – brinquei, fazendo um brinde no ar com a minha garrafa.
— Eu gostaria de ter um pouco mais de tempo, e de estarmos num lugar mais reservado, mas eu descobri algumas coisas bem interessantes. – falou, dando um gole generoso na sua cerveja.
— Jura? Tão rápido assim? – perguntei, apoiando os cotovelos no balcão virando em sua direção, interessada.
— Você sabe como fico inquieta quando coloco uma coisa na cabeça. – disse, dando outro gole na garrafa. Por um tempo que me pareceu longo demais ela simplesmente passeou seus olhos, preguiçosamente, pelo público ao nosso redor e aquela demora toda estava me colocando ansiosa. Temia que aquele fosse ser meu eterno estado de espírito dali em diante.
— Pela Deusa Amélie, você sabe como adoro um suspense! – exclamei, impaciente.
— Alguém já te falou o quanto você é desagradável? – alfinetou, revirando os olhos pela careta desgostosa que fiz. — Tá bom, estressadinha. Pedi ao Philip que me ajudasse a ter acesso aos arquivos privados, e devo dizer que não foi nada fácil. Não achei nenhum registro que remeta ao seu nascimento, mas tinha um livro contando a origem das famílias. Você sabia que as Maycler são descendentes da primeira bruxa abençoada?
— Não! Mas no que isso me ajuda? – falei, desinteressada.
— Essa informação isolada, nada! – afirmou, dando outro gole. — No entanto, tinha algumas citações marcadas nesse livro que diziam que essa bruxa tinha um vínculo especial com a Deusa. Ela previu o declínio e a ascensão das filhas da magia por meio de uma bruxa poderosa. Com o passar dos anos, e a falta de qualquer indício de sua concretização, a previsão foi desacreditada e apagada dos registros oficiais.
— Está querendo me dizer, que ela já sabia da profecia? – perguntei baixinho.
— Na verdade, acho que a manifestação foi apenas uma releitura da profecia original.
— Isso não faz o menor sentido, Mel. Se a Deusa sempre soube porque não fez nada antes? Afinal, não é ela que concede essas informações privilegiadas?
— Emily, você já tem essa resposta! A própria Deusa falou que não poderia interferir diretamente. Fora o fato de que os caminhos estão sempre mudando, pode ser que durante esses anos a profecia tenha perdido seu propósito, mas que tenha voltado a sua validade por conta das escolhas que foram tomadas. Hécate é a deusa das bruxas, mas não é a responsável pelos destinos.
— Pela Deusa, isso só fica mais confuso!
— Agora a parte mais interessante do que achei, foi que, apesar de não ter registro do seu nascimento, o seu nome está marcado como o de uma Maycler legítima. – falou, hesitante.
— Como assim? – perguntei, nervosa.
— Esse livro tem a árvore genealógica das sete famílias até a geração registrada na publicação do livro… mas Emily… quando eu olhei a da sua família, seu nome simplesmente apareceu!
— Como isso é possível? O livro estava encantado? – perguntei, meio perdida com aquela descoberta. Eu, uma Maycler legítima? Será que Alice sabia? Aquelas eram uma das perguntas que rodavam na minha cabeça naquele momento.
— Não, não acho que estava. Não senti nenhum traço de magia. – ela garantiu, me olhando aflita.
— E… tinha o nome dos meus pais biológicos? – perguntei, letárgica, me segurando a um fio frágil de esperança.
— Sinto muito, Em. Estava em branco. – respondeu, compadecida. Amélie se aproximou, me envolvendo em seus braços. Por alguns minutos me deixei ser acolhida encostando a cabeça em seu ombro, era muito reconfortante ter o apoio de quem se amava. Ao contrário do que pensei, eu não estava só.
— Se nos arquivos não tinha mais nada, acho que na minha casa podemos encontrar alguma coisa. – especulei, ao me afastar de seu abraço, assumindo meu lado prático. — Depois da reunião e do jantar de amanhã, vou procurar nas coisas de Alice! – minha amiga assentiu, em apoio.
— Acho que nosso tempo acabou! —ela disse, olhando brevemente o relógio em seu pulso. — Só vou ao banheiro, e podemos ir.
— Tudo bem, eu espero! – garanti, vendo-a se afastar logo em seguida.
A música alta pareceu ficar mais agitada enquanto eu esperava. As pessoas ao meu redor pareciam tão perdidas em seus próprios mundos quanto eu estava. A diferença era que na minha cabeça um verdadeiro caos acontecia, já na delas, entorpecidas pelo álcool e endorfina, só havia a sensação inebriante do prazer. Eu deixei meus olhos passearem pelo mar de pessoas dançando, rindo e bebendo, pensando no quão distante parecia o tempo em que eu estava no lugar delas. Soava estranho, como uma experiência conseguia mudar tudo na sua vida da noite para o dia. Era como se eu tivesse envelhecido 20 anos nos últimos dois dias, e só precisasse do conforto da minha casa e uma xícara de chá quente. Aqueles pensamentos me renderam uma risada amarga.
Olhei impaciente na direção do banheiro, torcendo para ver minha amiga voltando. Porém… Não foi Amélie quem vi. Foi ela. Diana. A mulher pelo qual eu arrastava uma comitiva inteira, estava cercada de algumas pessoas, rindo à vontade. A curva de seus lábios bonitos formava um convite perfeito à loucura. Seu corpo envolto numa blusa e calça apertados deixava pouco para minha imaginação totalmente criativa. Foi quase inevitável imaginar minhas mãos apertando sua pele coberta pelo tecido preto colado àquelas formas generosas. Parecendo sentir estar sendo observada, Diana Valdéz cravou seus olhos perigosos em mim. A intensidade do seu olhar me deixou inquieta. Eu não sabia se me ajoelhava ou corria, e dentre essas opções fiz a melhor para o momento, virei de costas para a causadora dos meus pensamentos mais pecaminosos pedindo outra cerveja para o barman.
Eu torcia infantilmente para que ela não tivesse percebido meu olhar, mas como eu era uma filha da puta muito sortuda, não demorou muito pra sentir sua presença única nas minhas costas. Diana tinha um traço de magia selvagem, daquele que arrepiava a nossa pele quando estava por perto, e foi isso que me fez ter a certeza de que era ela atrás de mim. Isso e seu cheiro entorpecedor, que mesmo no meio de tanta fumaça e odor característico de suor, sobressaia como um jardim inteiro de rosas e cravos. Pela Deusa, será que dava tempo de correr?
— Olá, Emily! – ela disse, um pouco mais alto para que se fizesse escutar. A voz apesar do barulho penetrou meus ouvidos como uma canção sedutora, aquecendo a pele do meu pescoço. Sem saída, voltei em sua direção, olhando-a envergonhada.
— Diana, eiii, tudo bem? – cumprimentei, tentando soar descolada mas falhando miseravelmente.
— Não imaginei que te encontraria aqui, essa noite. – sugeriu, pregando aqueles olhos devastadores em mim. Se vê-la de longe era um entretenimento único, de perto era quase um castigo prazeroso. Suas sobrancelhas desenhadas davam um charme impressionante aos seus olhos profundos. Eu me afogaria voluntariamente nas suas íris castanhas, se ela quisesse. Alguém precisava me parar, minha nossa!
— Pois é… até mesmos as bruxas precisam de um pouco de normalidade. – brinquei, desastrosamente. O sorriso ladino que ela me deu fez minhas pernas virarem gelatina na mesma hora. A possibilidade de ajoelhar na frente daquela mulher parecia cada vez mais real.
— Verdade. – concordou, rindo em seguida. — Eu queria dar meus pêsames pessoalmente, mas dada as circunstâncias…
— Eu entendo, e agradeço! – me adiantei, eu já não suportava mais ouvir condolências. A noite anterior havia me saturado daquele conjunto familiar de palavras.
— Certo! – disse, sem jeito. — Bem, o que acha de marcamos de nos encontrar? Eu ia adorar ouvir como foram as coisas na Holanda. – sugeriu, recuperando o sorriso bonito. Suas palavras congeleram meu cérebro, meu coração coitado, eu tinha certeza que não sabia como parar de bater frenético. Diana Valdéz havia acabado de me chamar pra sair? Era isso mesmo, universo?
— Eu, bem… é… – gaguejei, nervosa. E foi naquele instante que minha melhor amiga resolveu aparecer. Eu não sabia se a beijava agradecida ou se praguejeva todas as suas gerações.
— Hey, Valdéz! – Amélie cumprimentou-a animada.
— Ei, Fairfall! – a mulher respondeu, cordial. Era impressão minha ou havia um certo brilho de decepção nos olhos dela? Eu só podia estar mais louca do que imaginava.
— Desculpa atrapalhar a conversa de vocês, mas estamos atrasadas Emily! – minha amiga, falou lembrando.
— Sim, sim, claro! – concordei, desajeitada, ainda processando os últimos minutos. Voltei minha atenção para a outra mulher. — Diana, nos vemos depois, sim?!
— Pode ter certeza! – garantiu, sorrindo misteriosa, antes de voltar para onde estava. Eu a segui por um tempo, me perdendo no gingado provocante de seus quadris, até sentir o cotovelo de Amélie me cutucar com força nas costelas. O jeito que ela era carinhosa, era diferente.
— O que caralh*s foi isso, Emily Maycler? – perguntou, com uma animação ridícula.
— Foi a vida me dando um belíssimo tapa na cara. – gracejei irônica, andando apressada até a saída. O vento frio do lado de fora me fez esconder as mãos dentro dos bolsos da jaqueta de couro cinza que eu usava.
— Que você gosta de apanhar de mulher bonita eu sabia, mas puta que pariu, Diana Valdéz sua crush suprema te chamando pra sair?! Isso que eu chamo de benção, minha amiga!
— Como você é insuportável! – amarguei enquanto a maldita gargalhava.
Quando chegamos a sede, fomos direcionadas para a sala de audiências. Havia uma extensa bancada numa das extremidades do largo cômodo, e uma mesa central ladeada por cadeiras, onde nos sentamos lado a lado. Os tons sóbrios do lugar roubaram minha atenção por poucos minutos, antes de uma das portas laterais serem abertas e as matriarcas entrarem em seguida por ela. A feição severa daquelas senhoras, gelaram minha espinha desconfortavelmente. Que a Deusa me desse discernimento para enfrentá-las!
— Emily Maycler, é um infortúnio o motivo que nos trouxe aqui, mas como sabe as responsabilidades dos covens são de extrema urgência! – começou a matriarca Howe, antes que todas se acomodassem, me fazendo assentir levemente.
— Nós avaliamos a situação, e achamos que a melhor escolha que você tem é se candidatar a outro coven! – emendou, direta, a matriarca Fairfall, naquela típica pose de arauto da experiência. Por um segundo me perdi nas implicações da sua fala. Teria de mudar de coven, e com isso acabar com o da minha mãe. Eu sabia que nada de bom sairia daquela reunião.
— Não tenho outra opção? – questionei, trêmula.
— Não vemos uma saída melhor! – ela pontuou, concisa. Ao meu lado, Amélie se remexeu inquieta, e essa era sua típica maneira de demonstrar discordância. Discretamente, toquei sua mão que estava por cima do encosto da cadeira, como se pedisse paciência.
— Acredito que haja outras alternativas que não envolvam findar o coven Maycler. – sugeri, lutando bravamente para manter o tom de voz neutro.
— Seria contraproducente, uma vez que não há nenhuma herdeira legítima. – senhora Fairfall enfatizou indiferente. Aquela mulher parecia ter satisfação de me lembrar qual era o meu status familiar. O porquê de sua desaprovação peculiar com a minha pessoa era muito curioso. Não sabia se eu havia feito algo pessoal a ela, mas não era incomum alfinetadas como aquelas dirigidas a mim.
Passei meu olhar, demoradamente, por cada uma das matriarcas, registrando diversos sentimentos: incerteza, aprovação, indiferença e em Elizabeth Fairfall eu vi satisfação, pura e simples.
— Ela tem a escolha de assumir o coven dela, como a perfeita Maycler que é. – cortou Amélie, de súbito. As intenções ocultas em suas palavras enviaram alertas perigosos na minha cabeça. Ela não faria o que eu achava que faria, não é? Não seria tão imprudente, daquela forma? Seria?
— Senhorita Fairfall, acredito que esteja ciente de que sua presença está sendo tolerada, por mera consideração. – pontuou a matriarca Abbot. A sogra da minha amiga estava sendo implicante, deliberadamente, por desaprovar a união dela com seu único e querido filho, e não por sua atitude em si. O embate entre as duas era sempre um espetáculo à parte, mas naquele momento eu não conseguia apreciar isso. A eminente sentença do fim do meu coven ocupava o centro da minha atenção.
— Me reservo aos direitos de uma matriarca em treinamento, portanto, além de indispensável, minha participação é perfeitamente adequada para a ocasião. – Amélie enfatizou, segura. Vi com perfeição quando senhora Abbot apertou a mandíbula com raiva, ao mesmo tempo que um brilho arrogante pairou nos olhos da avó de Amélie. Por dentro, eu vibrava orgulhosa por minha amiga se posicionar como uma verdadeira líder deveria. Amélie Fairfall era uma matriarca digna de admiração. — Tendo isso esclarecido, reitero que Emily Maycler não só é apta devido sua condição de matriarca em treinamento como pela sua legitimidade como membro da família, já que Alice a adotou legalmente!
A sala caiu num silêncio perturbador por longos minutos, causando uma sensação de triunfo que adoçava minha boca deliciosamente. Mesmo não acreditando muito que aquelas mulheres iriam respeitar algo tão mundano como meios judiciais, ainda assim era um ponto a meu favor, e ficava aliviada por Amélie ter se atentado aquele detalhezinho que eu mesma tinha esquecido.
— Seria contraproducente ignorarmos esse fato. – ousei, usando das mesmas palavras ditas por aquela velha ardilosa. O olhar afiado que senhora Fairfall me deu só confirmou que ela havia entendido muito bem minha intenção.
— Claro, como pudemos esquecer?! – matriarca Mahlin intercedeu, simulando inocência. — Já que conseguimos resolver esse ponto, é imprescindível que comece seu treinamento o quanto antes! – estabeleceu, imperativa, olhando para as demais matriarcas que assentiram desgostosas, menos a velha Fairfall que continuava a me fulminar com seus olhos negros.
— Sua preceptora será Diana Valdéz! – decretou firme, como se proferisse uma sentença mortal, pegando as demais matriarcas de surpresa, enquanto eu sorri largamente em resposta. É claro que ela não iria me deixar sair por cima, tinha que ter alguma armadilha. Mal ela sabia que eu havia entendido seu jogo sujo. Aquela velha desgraçada pensava que meus sentimentos platônicos iriam atrapalhar meu aprendizado. Eu faria questão de mostrá-la o preço de me subestimar.
Afinal, eu era a filha noite não era?!
Então faria jus ao título com muito gosto!
Fim do capítulo
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