Capitulo 31
A casa-sede continuava do mesmo jeito gravado na memória de Ágata; pelo menos a arquitetura pouco tinha sido modificada. As lembranças vieram todas no mesmo instante em que ela olhou ao redor da casa, foi como assistir a um filme onde ela era a personagem principal com o enredo de sua pré-adolescência: viu outra de si, mais jovem, escondida entre as dezenas de pilastras que sustentavam a casa. Na época, adorava essas pilastras, sempre tinha onde se esconder, a casa era e ainda é muito exagerada na largura e imensa no comprimento. Toda erguida com tijolo cru, sem pintura ou reboco, era ladeada por uma varanda, onde sempre havia várias redes armadas balançando ao vento. Ágata amava dormir ali, ao relento, olhando as estrelas, enquanto Greg morria de medo. Quando Marcela chegava, Ágata se escondia para não ser vista por ela, ao mesmo tempo em que ficava louca para que ela a notasse e voltasse a ser sua amiga como antes. A saudade dos tempos em que não tinha preocupação bateu forte. Ela respirou fundo o ar puro com cheiro de plantas, terra e animal misturados, mas não foi o suficiente para espantar a saudade; ela continuava bem enraizada.
Não foi preciso entrar na casa para dar de cara com Dona Montserrat, que veio recebê-las com a mesma serenidade e calma que Ágata aprendeu a admirar. Nos seus tempos de escola, era para a sala dela que iam sempre que ocorria uma briga. Ágata, em especial, tinha uma cadeira cativa. Toda semana ia parar na diretoria.
A senhora, agora com as feições mais maduras, ainda conservava o mesmo brilho no olhar e o mesmo sorriso. Parecia ter farejado o cheiro da filha. Estava no meio da porta, feliz e um pouco nervosa. Seu olhar foi direto para a mão de Ágata entrelaçada na de Marcela. Na mesma hora, Ágata sentiu vontade de soltá-la. Talvez a senhora encarasse aquilo como um desrespeito à sua presença. Assim como seu pai, ela também ainda não estava à vontade com a decisão de Ágata e Marcela estarem juntas. Não era nem o fato de serem duas mulheres, era outra coisa.
A pressão nos dedos de Ágata avisou que a dona da outra mão sabia exatamente qual era sua intenção.
De repente, alguém vindo do interior da casa empurrou Dona Montserrat e tomou a sua frente. Eram duas mulheres idênticas na fisionomia, no tamanho e no sorriso, diferindo apenas no corte de cabelo: uma tinha os fios bem curtos, enquanto a outra os usava quase na cintura. Ambas cobriram a visão da senhora que tentava a todo custo empurrá-las para trás, sem muito sucesso.
— Vocês vão derrubar nossa mãe, bando de loucas! — Reclamou Marcela, um sorriso divertido já se espalhando pelos lábios.
Ao ver suas irmãs, Ágata percebeu o quanto Marcela se parecia com Dona Montserrat e não com Salete, sua mãe biológica e sua decoradora. A semelhança entre Marcela, Dona Montserrat e as gêmeas era incrível, talvez porque seu pai fosse gêmeo de Dona Montserrat.
— Vocês são muito parecidas, mais do que você e Eduardo — sussurrou Ágata, olhando entre Marcela e as gêmeas.
Marcela sorriu e apontou para as irmãs.
— Essas aí são minhas irmãs: a de cabelo mais curto, e Evelin — ou Eve, para os íntimos —, a de cabelo longo É Irvina ou Ivi. — Soltou a mão de Ágata com um sorriso escrachado, passou o braço sobre os ombros de Ágata enquanto fazia as apresentações. — E essa aqui é Ágata, minha namorada.
Parecia até que ela estava apresentando um troféu ou algo parecido para uma plateia muda. Ágata gostava de estar sendo apresentada desta maneira; se Marcela estava feliz em exibi-la como sua namorada, Ágata estava mais que enebriada de sentir o que é ser a outra metade de alguém. A palavra "namorada" passou a ter outro significado, Ágata gostava da sensação do “ser” de alguém. Outra coisa chamou sua atenção: o fato de Marcela ter a apresentado com seu primeiro nome. Desde que se conheceram, Marcela sempre a chamou de Chiara, o que Ágata achava lindo, mas já era a segunda vez no mesmo dia que usava seu primeiro nome. A impressão que dava é que Marcela não queria que outra pessoa a chamasse pelo segundo nome, só ela. As gêmeas se olharam, conversando em um idioma só delas, sem emitir um som. Ágata notou que também pareciam preocupadas. Tentou tirar isso da cabeça, talvez fosse apenas ansiedade ou nervosismo. Nunca foi namorada de ninguém ou conheceu a família de algum ex-ficante.
As gêmeas vieram ao encontro de Ágata. Evelin foi a primeira, parecia ser a que tomava as decisões entre as duas. A abraçou, mantendo os olhos fixos no pescoço da irmã. Quando chegou a vez de Irvina, Ágata percebeu de novo elas conversando num idioma desenvolvido ainda dentro do útero materno. Elas não precisavam de palavras para se entenderem.
— É um prazer tê-la na família, viu? Pensei que morreria sem nunca ser apresentada a uma namorada oficial da Demon. — Evelyn, falou.
Apesar do Demon” — que Ágata julgou ser algum apelido entre irmãos, pois percebeu Marcela disfarçadamente fazer gestos com os olhos para a irmã se calar, só conseguindo que essa ficasse mais ousada como a desafiar a irmã de parar o que ela pretendia fazer ou dizer — só não conseguiu disfarçar que se derretia de amor pela irmã caçula, puxou Ágata para um abraço e falou só para ela. — É bom conhecer você, se a Demon está nervosa assim, é um bom sinal, bem-vinda à família!
— Obrigado, espero que esteja certa — Ágata falou de forma confiante e segura por fora, porque por dentro estava tremendo. As gêmeas tinham um olhar malicioso que a deixava despida, era como se ousassem ler sua alma descobrindo seus segredos.
— Ah, eu gostei de você, cunhadinha! Já chegou marcando terreno. Tá vendo, Ivi, a ch*pada que ela deu no pescoço da demom? — Eve puxou o pescoço de Marcela para mostrar à irmã a marca por baixo da jaqueta, soltando uma risada gostosa. Ágata ficou vermelha como um tomate, não sabia onde enfiar a cara.
Dona Montserrat veio em sua salvação, empurrou as filhas para o lado com um carinho que só uma mãe tem e pegou no braço de Ágata.
— Venha cá, minha filha. Acho que você não teve oportunidade de conhecer essas loucas que disseram na maternidade serem minhas filhas, quando vinha com seu pai passar os fins de semana, não é mesmo? — Sob protesto divertido das gêmeas, afastou-as para o lado.
— Não, senhora. Quando eu vinha com o papai, elas já eram casadas e com filhos pequenos, eu ficava mais distante com as crianças, mas às vezes eu via a Marcela entrando e saindo sempre com uma garota que não estava no fim de semana seguinte.
Marcela se encolheu toda com o comentário, um riso sem graça escapando. Suas irmãs, ao perceber seu constrangimento, aproveitaram para dar mais uma alfinetada, como todo irmão sem noção que se preze.
— Verdade! É por isso que nosso irmão a apelidou de demônio das garotas, mas ela nunca apresentou ninguém como namorada. Ela só dizia que era sua amiga ou irmã de fulano. Nem mesmo dizia que elas tinham um lance, aliás ela… — Marcela empurrou a irmã, afastando-a de Ágata para que ela não continuasse o que ia dizer.
A outra gêmea, que estava mais distante, continuou explicando a vida amorosa da namorada de Ágata sem que essa pudesse calar sua boca. Quando uma irmã levava um chute, a outra continuava.
— Eve, pelo amor de Deus! Assim ela me deixa agora mesmo! — Marcela implorou, os olhos arregalados de desespero e diversão.
Todas riram da maneira como Marcela implorou para a irmã se calar, mas uma coisinha dentro de Ágata acordou, abrindo os olhos. Ela não sabia muito o que era, mas teve a impressão de que Eve ia dizer mais quando Marcela a interrompeu bruscamente. Esse gesto só despertou a curiosidade de Ágata: essa juíza seria a mesma que ela falou que teve um lance sem importância? Se não tinha importância, como suas irmãs sabiam da sua existência?
Dona Montserrat tratou logo de acabar com a brincadeira, o que Ágata agradeceu mentalmente. Antes de ouvir coisas de outras pessoas, queria ouvir o que Marcela tinha a dizer.
— Deixem a irmã de vocês em paz! Filha, eu já arrumei tudo, o quarto da Ágata é aquele ao lado do quarto da Marina, o que fica vizinho ao quarto da Beatriz está em reforma.
Ágata não sabia quem eram essas pessoas, mas supôs que fossem netas porque filhos Dona Montserrat só tinha quatro.
— Não, mãe, mande levar nossas coisas para o meu quarto! — Marcela disparou, sua voz firme e cheia de convicção.
A surpresa nos olhos de todos não passou despercebida por Ágata, no entanto, o olhar severo da mãe fez com que as filhas permanecessem caladas sem brincadeirinhas, como Ágata viu que Eve ia fazer.
— Jacinto chegou cedo e está no escritório, vá falar com ele. Pode deixar que vou aproveitar esse tempo para matar a saudade da filha do meu amigo querido. — Dona Montserrat deu os primeiros passos para o interior da casa, com o braço entrelaçado no braço esquerdo de Ágata e no outro braço, Eve fazia o mesmo, um sorriso cúmplice no rosto. Um rapaz veio correndo, pegou as bolsas e entrou, desaparecendo em seguida.
— Mãe! — Ágata ouviu a voz firme de Marcela bem atrás delas. Ela se virou automaticamente, seguida pela mãe e irmã. — Chiara vem junto.
— Não, filha, melhor não. É a chance que eu tenho de saber tudo sobre meu amigo e mostrar a casa a Ágata. — Dona Montserrat parecia preocupada, como se quisesse afastar Ágata do escritório. Mas por quê?
— Mamãe, não tem nada que eu vá falar ou ouvir que ela já não saiba.
— Marcela, vá andando na frente, depois liberamos nossa cunhadinha. Ninguém aqui vai sequestrar sua namorada, criatura! — Eve falou, já andando com urgência para tirar Ágata dali, um sorriso maroto nos lábios. Marcela, no entanto, as alcançou e segurou a mão de Ágata com possessividade carinhosa.
— Chiara vai participar da conversa no escritório. Não tem nada que ela não saiba.
— Certo, enquanto isso vou pedir à Sebastiana para adiantar o almoço, devem estar mortas de fome. — Já ia puxando as filhas quando acrescentou. — Mãe, o Chicão falou que Alex está no rio pescando, quando chegar avise que estou no escritório, estou morrendo de saudade do meu toquinho de gente!
Dona Montserrat se desmanchou em sorrisos, ela também se derretia toda pelo pedacinho de jambo de Marcela.
— Acho que não será preciso avisar, no momento em que ela pôr os pés aqui na sede e vir sua moto, vai entrar abrindo todas as portas antes de perguntar por você, e como o escritório é praticamente na entrada… — A voz de Dona Montserrat soava com uma ternura inegável, evidenciando o amor incondicional que a família tinha por Marcela e, especialmente, pela pequena Alex.
Ágata sorriu imaginando Alex impaciente abrindo as portas e deixando um rastro de água pelo caminho. Sua mãe deve ter pensado o mesmo, pois colocou a mão no peito em pesar, respirando de forma exagerada.
— Ágata, você já conhece a filha da Demon? — Eve parecia estar louca para deixar Ágata em maus lençóis, seu olhar de criança dissimulada não negava.
— Conheço, sim, ela já foi no Gregório’s com o Jacinto, nos demos bem, gosto de crianças e o papai então nem se fala, se fosse por ele eu e meu irmão Greg já teríamos dez filhos cada um.
— Mãe, antes da reunião, vou tomar um banho e trocar de roupa, peça ao Jacinto que aguarde mais um pouquinho, estou pregada de poeira. — Marcela foi falando e entrando de mãos dadas, um brilho nos olhos. Ela sabia que atrás dela tinha uma plateia admirada e louca para fazer piadinhas ao ver que ela estava de mãos dadas. Ao contrário de se zangar, Marcela estava nas nuvens, tal qual uma adolescente. Talvez essa fosse a sensação de quem está apaixonada; outros diriam que era crise da meia-idade, afinal Marcela tem trinta e cinco anos enquanto Ágata só tem vinte e quatro, mas se for uma crise, Marcela está amando o que sente por essa marrenta, algo que nunca sentiu por ninguém.
tra mulher beijar minha namorada.
Fim do capítulo
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