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O Peso do Azul por asuna

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Palavras: 4306
Acessos: 404   |  Postado em: 23/03/2025

Capítulo 8

 

Petrificada. Foi assim que fiquei. O bater do meu coração ecoava-me nos ouvidos, abafando todos os sons à minha volta, como se o mundo tivesse mergulhado de repente debaixo de água. O rasto da sua presença ainda queimava o ar, e os seus passos, despreocupados, quase preguiçosos, pareciam ressoar dentro de mim como uma força incomum.

Era esse o seu talento, não era? Entrar em cena, desarmar, e sair como se nada fosse. Como se não soubesse o caos que deixara para trás. Mas sabia. Deus, ela sabia.

Não sei quanto tempo passou. As vozes à minha volta tornaram-se ecos distantes, de um lugar onde eu já não estava. O meu corpo parecia mover-se por conta própria, guiado por um impulso que me escapara. Quando dei por mim, caminhava em direção à saída, como se seguir os seus passos fosse inevitável, como se a minha pele ainda procurasse vestígios da sua presença. E havia. O seu perfume. Intenso, envolvente. Marcante o suficiente para se entranhar na memória. Como se um pedaço dela ainda pairasse no ar, à minha espera.

Quando finalmente atravessei a porta e senti o vento do entardecer na pele, a luz dourada tocava as superfícies com aquele tom melancólico de fim de tarde. Os meus olhos varreram o parque de estacionamento com uma urgência silenciosa. Nada. Nenhum sinal dela. Nenhuma silhueta familiar. Era como se o momento tivesse sido uma miragem. Como se eu o tivesse sonhado.

E depois, algo familiar surgiu no meu campo de visão. Um carro conhecido. Um sorriso acolhedor. Amanda.

Suspirei, numa tentativa falhada de me recompor. O nó na minha garganta apertava-se mais a cada passo. Quando abri a porta do carro, o cheiro a lavanda envolveu-me. Amanda sorriu com aquele seu jeito tranquilo e caloroso que sempre carregava. Contudo eu não consegui retribuir o sorriso. Apenas assenti, sentando-me no banco do passageiro com os ombros tensos, a respiração instável.

— Está tudo bem? — perguntou, a voz baixa, suave.

Voltei a assentir. Mentindo. Aliviada por esta não insistir.

O silêncio dentro do automóvel parecia espelhar o que havia dentro de mim. Denso, inquebrável, carregado de perguntas que eu não sabia formular. Era como se todas as certezas frágeis que eu andara a construir tivessem ruído naquele instante. Algo dentro de mim tinha-se partido. Mas eu ainda não sabia o quê.

Amanda arrancou, e o mundo deslizou pelas janelas como um filme silencioso. Todavia, eu continuava ali, presa naquele momento. Na questão que ela deixara no ar. Naquele olhar. Na forma como a sua presença me desarmava sem sequer me tocar.

E, pela primeira vez em muito tempo, senti algo perigoso tomar conta de mim.

A vontade de não fugir. A vontade de ficar. De ficar naquele instante. Nela.

Mas e se isso não fosse fé? E se fosse só entrega? Ou pior... e se fosse a verdade?

A estrada seguia à nossa frente, mas tudo em mim recuava.

Era o princípio de uma queda. Uma queda interior, lenta, irreversível.

Agradeci a Amanda ao sair do carro, num sussurro apressado que nem eu própria conseguiria repetir. Ela retribuiu com um sorriso gentil, no entanto o olhar prolongado que me lançou denunciou que algo nela hesitava. Uma sombra de preocupação atravessou-lhe o rosto. Ela sabia. Ou, pelo menos, intuía. E isso fez-me encolher por dentro.

Subitamente, senti-me transparente demais. Quebrada demais.

Sem permitir mais perguntas, subi as escadas com passos apressados. No topo do corredor, cruzei-me com Piper. A ruiva abriu a boca, talvez para uma provocação, talvez para perguntar se eu estava bem. No entanto eu não quis ouvir. Não consegui.

Ignorei-a.

Segui. Um passo apressado após o outro. Quase tropeçando na urgência de chegar ao quarto. Fechei a porta com mais força do que pretendia. O clique seco da fechadura soou como uma tentativa desesperada de me manter inteira.

Permaneci ali, de costas contra a porta. A respiração trémula. A luz fraca filtrava-se pelas cortinas, espalhando sombras pelo comodo.

O silêncio era espesso.

Sem forças, deslizei até ao chão.

Os joelhos apertados contra o peito. A madeira fria. A vontade de chorar silenciosa, traiçoeira, cheia de razões que eu já conhecia bem. Era como se, finalmente, o peso daquele dia se deixasse cair sobre mim. Camada por camada. Implacável.

O seu sussurro ainda percorria a minha espinha. A presença. O toque quase ausente, mas absolutamente devastador.

E aquela pergunta. Aquela maldita pergunta.

Curioso porque não combina comigo... ou porque não combina com a ideia que tu tens de mim?

As palavras repetiam-se dentro de mim como um refrão cruel. Ecoavam com nitidez cortante.

Por que razão aquilo me afetava tanto?

Por que ela era tão importante?

Era irracional. Eu sabia. Mas ali estava eu. A desmoronar por dentro por causa de uma pergunta, um olhar, um momento que nem devia significar nada. Mas significava. E era isso que me assustava.

Não a intensidade. Mas o reconhecimento.

A questão funcionou como uma chave. Precisa. Silenciosa. Desbloqueando algo que eu pensava ter enterrado. Uma defesa antiga, um reflexo instintivo, uma proteção que eu julgava ainda precisar.

Eu colocara Chloe dentro de uma caixa. Uma ideia fácil de entender, quase segura: a garota provocadora, inconveniente, insolente. Com tempo, tornar-se-ia previsível. Eu acreditava nisso porque precisava acreditar. Se ela fosse apenas ruído, eu podia continuar a ignorar o que sentia. Reduzir tudo a desconforto. A distração.

Contudo hoje.

Hoje ela transbordou.

Ela foi ternura disfarçada de ironia. Lucidez em forma de provocação. Presença onde eu esperava distância. E isso desarmou-me. Por mais que tentasse, não consegui desviar o olhar. Porque ela deixou de ser controlável. E comigo, a ilusão de que isto não passava de um jogo também se desfez.

Agora, só restava a queda.

As lágrimas vieram sem aviso. Quentes. Trémulas. Sem soluços. Apenas escorregando. Como se finalmente eu estivesse a permitir que o que estava cá dentro se tornasse visível. A dor não tinha nome. Era o acúmulo de todas as perguntas, de todos os silêncios, de todas as partes de mim que se calavam há tempo demais.

A minha cabeça latej*v*. Mais uma vez eu cruzara uma linha invisível. Aquela que separava o certo do proibido. O que Deus aceita do que se condena em silêncio.

Segundo tudo o que aprendi, isto era desvio. Era tentação. Era erro. Era pecado.

Havia algo de familiar naquele conflito. Uma inquietação antiga que eu reconhecia, embora tivesse preferido ignorar.

Mas como podia ser erro algo que me fazia sentir viva? Como podia ser pecado sentir-me aquecida por um gesto? Por um olhar? Por uma voz?

Eu queria resistir.

Porém, pela primeira vez, eu não sabia como.

Fiquei ali, no chão, como quem se deixa afundar porque sabe que já não dá para fingir que se está a flutuar.

E, por mais assustador que fosse admitir, talvez fosse esse o princípio de alguma coisa.

Não sabia de quê.

Porém sentia que era importante.

Porque, pela primeira vez, eu não estava a fugir. Estava a sentir. Estava a colapsar. Mas também a começar.

Naquela noite, não dormi.

Fechei os olhos dezenas de vezes, contudo o corpo recusava-se a obedecer. A mente, então, era um campo de batalha. Cada vez que tentava empurrar os pensamentos para longe, eles regressavam com mais força, mais presença, mais peso. O eco da sua voz. O calor daquele olhar.

Não faço ideia de quanto tempo permaneci naquele chão.

Em algum momento, arrastei-me até à cama, todavia o frio dos lençóis parecia zombar da agitação sob a minha pele. Virei-me de lado. Depois para o outro. A almofada tornara-se um espaço estreito demais para conter tudo o que me atravessava por dentro.

Foi então que ouvi a voz suave de Amanda, do outro lado da porta.

— Maya, querida, o jantar está pronto.

Fiquei quieta. Presa entre o impulso de responder e a urgência de desaparecer. Cada músculo do meu corpo bloqueado por um silêncio denso, tenso. Esperei que os seus passos se afastassem, mas esses permaneceram ali. Por fim, abri a porta apenas o suficiente para deixar escapar a minha voz, baixa, arrastada, sem força.

— Amanda desculpa. Não estou com fome. Acho que vou só descansar um pouco. Dói-me a cabeça.

Do outro lado, fez-se uma pausa longa demais. Quase silenciosa. Esta não insistiu.

— Está bem, querida. Se precisares de alguma coisa, chama-me, sim?

Esperei. Só quando o corredor voltou a mergulhar no silêncio me permiti sair.

Desloquei-me com passos contidos, quase fantasmas. A casa estava mergulhada numa penumbra acolhedora, cortada apenas pelas vozes baixas que ecoavam da sala de jantar. Desviei-me delas como quem evita um espelho. Fui direta para a casa de banho, o coração a bater com uma urgência desproporcional, como se fosse apanhada a fugir de algo que ninguém suspeitava.

Lavei o rosto. A água fria mordeu-me a pele, num choque momentâneo, como se tentasse apagar os vestígios visíveis do que se tinha desfeito dentro de mim. Evitei o espelho. Não queria encarar o que os meus olhos pudessem denunciar. Voltei para o quarto sem me cruzar com ninguém.

Fechei a porta devagar. O clique da fechadura pareceu mais alto do que devia. Um som seco. Definitivo.

E, finalmente, deitei-me.

Só adormeci quando o céu começara a clarear. Quando a cidade adormecida lá fora se preparava para acordar. E mesmo assim, acordar foi um choque.

Nos dois dias seguintes, continuei a evitá-la.

Com uma precisão quase cirúrgica, coreografava os meus movimentos pela casa como se pisasse um terreno minado. Aprendi, com alguma rapidez, que as manhãs eram mais fáceis. Chloe tinha uma tendência quase crónica de se demorar no quarto ou na cozinha com Piper. Essa demora permitia-me sair mais cedo, antes que o caos dela se espalhasse pelo corredor, pelas escadas, pelo ar.

Até no carro, enquanto esperava por elas na companhia de Jayden que permanecia no banco da frente, aprendi a esconder-me no silêncio. Ele falava muito, falava sempre sobre as aulas, os jogos, séries que eu não assistia, contudo eu deixava-o preencher os espaços por mim. Limitava-me a assentir, a sorrir de forma automática. Ele não parecia notar. Talvez porque, de todas as pessoas ali, fosse o que menos esperava que eu dissesse alguma coisa.

A verdade é que, naquele lugar entre o silêncio e o ruído do motor, eu sentia-me a salvo. Não de Chloe, mas de mim. Do que o meu corpo fazia quando ela estava por perto. Da forma como o meu coração acelerava mesmo antes de a ver. Como se a sua presença fosse anunciada por uma alteração impercetível no ar. Um leve calor. Um murmúrio sob a pele.

Porém mesmo nos dias em que conseguia evitá-la fisicamente, havia algo que escapava ao meu controlo.

Ela continuava a existir em mim.

Nos pequenos gestos. No espaço entre as palavras. Na forma como os meus olhos a procuravam mesmo quando eu dizia a mim mesma que não o fariam. Como se um reflexo antigo e inconsciente tivesse criado nela um ponto de referência silencioso. Um norte que me desorientava.

E o pior de tudo era que o corpo sabia antes da mente. Bastava ouvir uma gargalhada ao longe, uma tao característica, rouca e inesperada, para o meu estômago se contrair. Bastava vê-la de relance, encostada com despreocupação a um batente qualquer, e o meu peito tornava-se pequeno demais para conter o que não queria nomear.

Chloe não me procurava. No entanto também não se escondia. Pairava nos espaços como quem sabe que não precisa de forçar presença para ser notada. Às vezes, parecia até que me deixava esse espaço, a distância, como se, de alguma forma, tivesse compreendido que era o que eu necessitava. E eu agradecia. Ou, pelo menos, tentava convencer-me disso.

Decidi procurar refúgio na biblioteca, naquele dia, quando entrei, desejei encontrá-lo vazio. No entanto, para minha frustração, todas as mesas pareciam ocupadas. Estudantes empoleirados sobre livros e laptops, vozes sussurradas, cadeiras puxadas. Varri o espaço com o olhar, já a ponderar desistir, quando o vi.

Sentado sozinho, quase camuflado entre pilhas de livros, estava um rapaz de olhar concentrado, corpo inclinado para a frente, como se o mundo se limitasse às páginas que lia. Reconheci-o de imediato. Ethan. Lembrava-me dele no refeitório, uns dias antes, ao lado de Piper, Noah e Amber, presente, contudo nunca no centro da conversa. E da aula de Literatura, onde se mantinha discreto, quase invisível, como se preferisse observar o mundo em vez de participar ativamente nele.

Aproximei-me da sua mesa com alguma hesitação. Não queria interromper, mas também não queria voltar para o barulho lá de fora.

— Posso sentar aqui? — perguntei, num tom baixo, cuidadoso.

Este ergueu o olhar de forma quase automática, e por um instante pareceu não me ver. Depois, como se o cérebro tivesse processado o pedido com um ligeiro atraso, baixou os olhos e voltou a levantá-los de novo. Havia uma sombra de surpresa na sua expressão, não desconforto, apenas surpresa que se dissipou rapidamente. De forma algo atrapalhada, começou a arrumar os livros, empilhando-os num canto, libertando espaço à sua frente.

— Claro! — respondeu num murmúrio, com um pequeno sorriso sem ostentação.

Agradeci com um aceno breve e sentei-me. Abri devagar o livro que trazia, pousando-o sobre a mesa, tentando focar-me nas palavras. Ao meu lado, Ethan voltava à sua leitura, os olhos absorvidos, a respiração tranquila.

Ficámos ali assim, em silêncio. Cada um imerso no seu mundo, partilhando apenas o espaço e o leve ruído das páginas a virar.

E, estranhamente, aquilo bastou-me.

Na tarde do segundo dia, enquanto virava um dos corredores da escola, fui colhida por uma figura apressada que passou a correr sem prestar atenção a nada nem a ninguém. O embate foi seco, rápido, no entanto suficiente para me desequilibrar ligeiramente e ver os meus pertences espalharem-se pelo chão.

Suspirei, exasperada, ajoelhando-me com pressa para recolher tudo. Ao longe, ouvi uma “desculpa!” gritada por cima do ombro, apressada, distante. Tão vago quanto a própria colisão. Revirei os olhos, tentando conter a irritação crescente, mas antes que pudesse juntar o que faltava, uma sombra surgiu do meu lado.

E com ela, o perfume.

Inconfundível. Familiar. Quente.

Aquele aroma que me perseguia nos silêncios, que impregnava o ar em memórias não resolvidas que pertenciam só a ela. Chloe.

Mais uma vez o meu corpo soube antes da minha mente aceitar. Os sentidos reagiram como se tivessem vida própria. A minha respiração suspendeu-se num instante demasiado longo, e os dedos vacilaram a meio do gesto. Levantei os olhos.

E os nossos olhares colidiram.

Não foi um simples cruzar de vistas. Foi uma retenção. Um tempo que parou só ali, só entre nós. O suficiente para que algo se agitasse no peito. A fisgada quente na base da garganta. O tremor subtil nas mãos. Como se aquele olhar carregasse tudo o que eu tentava esquecer. Tudo o que eu ainda não sabia como sentir.

Ela ajoelhou-se do meu lado, sem dizer nada, os movimentos calmos, quase cuidadosos. As suas mãos tocaram brevemente numa das minhas folhas soltas, num gesto tão banal, tão simples, que se tornou insuportavelmente íntimo.

— Foi um encontrão e tanto — murmurou, sem me olhar diretamente.

A sua voz, aquele timbre arrastado, carregado de uma calma que me feria mais do que qualquer provocação, espalhou-se dentro de mim como uma nota prolongada. A mais dolorosa era a ausência de malícia. Como se estivesse mesmo só a tentar ajudar. Como se fosse normal.

Como se eu também fosse.

Pisquei rápido, tentando recompor-me, tentando obrigar o corpo a obedecer à mente, porém era tarde demais. O meu mundo interior já tremia, desalinhado. E naquele instante, em silêncio, compreendi o que me esgotava mais do que tudo nestes últimos dias.

Era isto. Era este tipo de proximidade involuntária. Os momentos que não se podiam prever, nem evitar. Os encontros que não se planeavam. Aquilo que escapava do meu autodomínio, que me forçava a estar presente quando o que eu mais queria era desaparecer.

Recolhi o último caderno com pressa e forcei um meio sorriso tenso, como quem agradece por obrigação e não por vontade.

— Obrigada — disse, sem conseguir sustentar o contato visual por mais de um segundo.

Ela acenou com a cabeça, e o silêncio entre nós instalou-se como uma pausa contida, cheia de palavras que nenhuma das duas sabia como expressar.

Mas então, enquanto já se levantava, esta deixou cair, como quem abandona uma peça final num tabuleiro de xadrez, a sua última jogada.

— Engraçado como o universo insiste em ser inconvenientemente poético — começou ajeitando o cabelo atrás da orelha com aquela leveza premeditada. — Dás voltas à casa, evitas horários, redesenhas rotas e acabas literalmente aos meus pés.

O seu olhar voltou a encontrar o meu. Íntimo. Cruelmente lúcido.

— Admiro o esforço, a sério. Mas já devias saber que fugir de mim tem tanto sucesso quanto tentar escapar de uma metáfora mal construída num livro de autoajuda.

Fez uma pausa breve, deixando as palavras assentar.

— E não te esqueças — declarou, já se afastando — ainda temos um projeto para terminar. Vais ter de me tolerar mais cedo ou mais tarde. Provavelmente mais cedo. E de muito perto.

O sorriso que lançou por cima do ombro foi um corte fino. Um sussurro disfarçado de desafio. Um aviso para quem souber ler nas entrelinhas.

Assim que desapareceu no fim do corredor, levantei-me devagar, como se os meus ossos tivessem envelhecido vinte anos. O corpo reagia, contudo, a mente, essa estava a milhas. Como se uma parte de mim tivesse ficado ali, no chão, no espaço onde a sua fragrância ainda pairava.

Empurrei a porta da casa de banho com um gesto rápido, quase brusco. Fechei-me lá dentro. Tranquei a fechadura. E só então respirei de verdade.

O silêncio caiu como uma cortina pesada.

Apoiei as mãos na borda fria do lavatório e encarei o espelho. Os meus olhos pareciam de outra pessoa. Havia algo no olhar, algo nu, incontrolável. Um reconhecimento que me envergonhava e me revoltava ao mesmo tempo. Chloe tinha-me visto. Mas não só isso. Tinha-me lido. Como quem folheia um livro já sublinhado, já gasto.

Endireitei-me, puxando o celular do bolso, como quem procura um escape imediato, uma distração qualquer. No entanto ao olhar a tela apagada, percebi que não queria ouvir música. Não queria escrever. Não queria mensagens. O impulso que me restava era mais antigo. Mais primitivo.

Queria orar.

Queria encontrar Deus no meio daquela turbulência. Queria ouvir aquela voz suave que tantas vezes me acalmara em noites inquietas. Fechei os olhos. Juntei as mãos. Tentei alinhar o pensamento. Uma frase simples. Um pedido. Uma âncora.

Porém nada.

As palavras não vinham.

Ou melhor vinham, todavia não encontravam eco. Cada tentativa soava oca. Falsa. Como se já não me pertencessem. O silêncio não era reconfortante como antes. Era pesado. Acusador. Frio.

“Senhor, ajuda-me a entender isto. A afastar isto.”

Mesmo ao pensar, soava falso. Porque parte de mim não queria afastar. Parte de mim lembrava-se do seu tom de voz, da forma como disse metáfora mal construída num livro de autoajuda, eu queria rir. Queria responder-lhe. Queria ficar.

Abri os olhos. Encarei o espelho de novo.

— Isto não devia estar a acontecer. – Sussurrei para o meu reflexo.

No entanto estava.

Abri a torneira com mais força do que o necessário e passei a água fria pelo rosto, numa tentativa quase desesperada de apagar as emoções que me marcavam a pele. Contudo havia coisas que a água não levava. Quando saí da casa de banho, os corredores pareceram-me demasiado iluminados, quase agressivos na sua normalidade. A escola inteira transformara-se num palco onde cada pessoa parecia saber exatamente o seu lugar menos eu. Eu era a figura descompassada no fundo da cena. O erro de continuidade numa história que já não sabia como seguir.

Continuei o resto do dia como uma sombra. O corpo presente. A alma algures entre o cansaço e a negação. Tudo o que fazia parecia mecânico, desconectado. As vozes à minha volta tornaram-se ruído. Os rostos, vultos. E eu, apenas ali. A existir por inércia.

Nessa noite, nem tentei rezar.

Não porque tivesse perdido a fé. Mas porque já não sabia se queria ouvir qualquer coisa ou apenas o vazio confortável do silêncio. Fingir que ainda era possível não sentir.

***

O domingo amanheceu com uma calma quase violenta. O tipo de serenidade que, noutros tempos, me teria aquecido o peito, porém que agora apenas me incomodava. O aroma do café recém-passado misturava-se com o cheiro quente do pão que Amanda preparava com gestos suaves, quase musicais. A cozinha dos Walsh irradiava aquela paz habitual dos fins de semana em família.

E eu sentia-me uma intrusa dentro dela.

Sentei-me à mesa com o peso de uma noite mal dormida colado ao corpo. Os olhos ainda nublados, os ombros tensos, como se carregassem algo que não se via. Piper já estava desperta, vibrante, a deslizar os dedos pelo celular com a fluidez de quem não carrega nada. Paul folheava o jornal com a concentração habitual, isolado no seu próprio mundo. E Amanda movia-se entre o fogão e a mesa com aquela naturalidade gentil que lhe era tão típica, como se a casa respirasse com ela.

Todos estavam ali. Presentes. Alinhados.

Enquanto eu?

Eu continuava a cair. Silenciosamente. Sem ruído, todavia, com tudo a abalar por dentro.

Foi então que Amanda falou. Sem aviso. Sem preâmbulo. Sem saber que, só por abrir aquela porta, me estava a expor a um reflexo do que eu já não conseguia alcançar.

— Maya, falei com alguns colegas e encontrei uma igreja aqui perto. Se quiseres, posso ir contigo hoje.

O som da sua voz bateu em mim como um toque inesperado num lugar que ainda doía.

Ergui o olhar, surpreendida. A colher parou a meio do caminho até à caneca. O peito apertou-se com algo que eu não soube nomear. Gratidão, talvez. Ou culpa. Ou apenas a sensação de ser vista num momento em que tudo em mim queria passar despercebido.

Ela iria comigo.

As palavras dela foram um gesto simples, quase casual. Todavia o que ouvi, o que senti, foi uma ternura desarmante. Uma mão estendida quando eu já nem sabia se queria ser puxada de volta.

Não consegui responder. Porque, no fundo, não sabia se queria ir. A fé, que outrora me servira de abrigo, agora parecia uma casa demasiado distante para regressar sem medo. E a ideia de me sentar num banco de igreja, rodeada de certezas que já não reconhecia como minhas, deixava-me ainda mais confusa.

O silêncio instalou-se por um momento entre nós, leve, porém espesso. Quase reverente. E então Piper, sempre atenta às entrelinhas, quebrou o momento com a sua ironia afiada, disfarçada de curiosidade inocente.

— Espera. O quê? — arqueou uma sobrancelha, o tom seco, contudo sem agressividade. — Tu vais à igreja?

O seu espanto arrancou um leve sorriso a Paul, que espreitou por cima do jornal com aquele ar de quem não queria interromper, mas também não resistia à cena. Amanda, por sua vez, manteve-se impassível, como se aquela pergunta estivesse há muito prevista no guião da manhã.

— Vou — disse com naturalidade. Como quem diz que vai ao mercado. Ou dar um passeio.

Eu continuei ali, a respirar devagar, tentando não mostrar que aquela oferta me tinha apanhado desprevenida.

Piper piscou, confusa. Pousou o celular cruzando os braços, vi o seu corpo assumir uma certa postura de debate.

— Certo. Estou a precisar de contexto. Como é que uma historiadora ateia, que passou anos a dissecar a influência da religião nas estruturas sociais, decide agora acompanhar alguém até uma igreja?

Amanda riu. Não parecia ofendida. Nem sequer desconfortável. Voltou ao pão com um gesto calmo, como se aquilo fosse apenas mais um ponto de conversa entre tantos.

— Já estive em muitas igrejas por motivos de pesquisa. Acho que consigo lidar com isso.

— Isso é um novo experimento sociológico, ou estás genuinamente a tentar converter-te? — insistiu a ruiva, num tom que oscilava entre o escárnio e a provocação fraternal.

Amanda balançou a cabeça, serena.

— Nenhuma das duas — respondeu com aquela suavidade que, nela, tinha mais peso do que qualquer afirmação categórica. — Mas sei que a fé faz parte da vida da Maya. Só me pareceu certo estar presente numa parte da vida dela que tem significado.

A colher na minha mão estremeceu ligeiramente, e o som que fez ao pousá-la no pires pareceu demasiado alto. Um silêncio novo tomou conta da cozinha. Paul baixou o jornal com um meio sorriso, como quem assiste a algo que não compreende totalmente, contudo que respeita. Piper, depois de mais um suspiro teatral, voltou a agarrar a caneca com as duas mãos.

E eu?

Eu sentia-me a encolher por dentro.

Como se Amanda, naquele momento, tivesse conseguido ver algo em mim que nem eu própria sabia nomear. Algo frágil, exposto, a pulsar sob a superfície. E, em vez de desviar o olhar, tivesse decidido sentar-se do meu lado. Segurar parte do peso. Sem cobranças. Sem explicações.

Esse gesto, tão simples, quase invisível desarmou-me.

E, paradoxalmente, assustou-me.

Porque a ideia de voltar à igreja, aquele espaço onde cresci, onde me construí, onde acreditei que havia uma forma certa de ser, parecia agora tanto uma segurança como uma ameaça. Parte de mim queria voltar. Não para procurar respostas, mas para encontrar silêncio. Ordem. Qualquer coisa que parecesse casa.

No entanto outra parte sabia que aquele regresso já não seria o mesmo. Porque eu já não era a mesma.

E se Deus ainda estivesse lá?

Ou se não estivesse?

Eu não sabia.

Porém naquele instante, ali sentada àquela mesa, cercada por tranquilidade e rotinas, percebi que aquele domingo marcaria algo.

Um ponto de viragem. Mais um.

Não apenas com Deus.

Mas com o passado. Com tudo o que ainda carregava em silêncio.

E, sobretudo comigo.

 

Fim do capítulo

Notas finais:

Chloe deixou de ser apenas provocação. Tornou-se presença. Tornou-se inevitável.

Há silêncios que pesam mais do que palavras, e escolhas que não se fazem com os lábios, mas com o coração em suspensão.

Talvez crescer seja isso: reconhecer as contradições, suportar o desconforto e continuar, mesmo sem garantias.

Afinal, como saber se estamos a perder ou a encontrar algo quando o que está em jogo é, precisamente, quem somos?

Até ao próximo capítulo! ;)


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Comentários para 9 - Capítulo 8:
thays_
thays_

Em: 24/03/2025

Mais um capítulo excelente! Adoro as interações entre Maya e Chloe, sempre deixa um gostinho de quero mais. Como leitora que está completamente imersa nessa história agradeço por estar atualizando com frequencia, pois a ansiedade grita por aqui rsrs

Minha questão é, e Chloe? Como ela está em relação a tudo isso? Será que Maya também lhe causa o mesmo efeito? Na sua outra história Even if we are not friends houveram alguns pedidos para que tivesse um capítulo sobre o ponto de vista da outra personagem, nessa eu não sei se caberia também um do ponto de vista de Chloe, mas seria interessante saber em algum momento como ela também tem lidado com tudo isso.

Acho muito interessante a forma sutil com que Maya começa a se dar conta de seus sentimentos, como ela mesma fala "uma inquietação antiga que eu reconhecia, embora tivesse preferido ignorar."

Mal posso esperar pelo próximo!


asuna

asuna Em: 25/03/2025 Autora da história
Realmente é muito bom saber o quão imersa te sentes na história, isso significa muito :)

Curioso levantares a questão sobre a Chloe, porque é precisamente aí que estou agora... tenho refletido sobre ela, tentado escutá-la, entender como elaborar esse lado de forma honesta e coerente com tudo o que ainda virá.
Já considerei trazer um capítulo do ponto de vista dela, mas, como o foco da narrativa é outro, provavelmente não irá acontecer. Mas eu já tenho algumas ideias que, espero, consigam responder a essa curiosidade de forma satisfatória. ;)

Essa frase da Maya resume tanto, não é? Aquele tipo de sentimento que não grita mas insiste. Que cresce em silêncio, até que se torna impossível ignorar.

Agradeço imenso o teu feedback contínuo, faz mesmo diferença.
O próximo capítulo vem aí logo logo!


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