Durante a coletiva de imprensa organizada pelo Secretário de Segurança Pública, todos os maiores veículos de jornalismo aguardavam a chegada da delegada Dara Leocádio. A comoção e curiosidade sobre o Caso da Maria Navalha, como ficou conhecido, era incomum. 

Repentinamente, um burburinho se formou e escalou pela ampla sala. Era a chegada de um grupo da Polícia Civil e Dara entre eles. Organizaram a equipe em semicírculo e Rui Rodrigues, o Secretário, iniciou as falas. 

-Boa tarde a todos! Depois de muitas investigações, a delegada Dara Leocádio e sua equipe conseguiram, com todo aparato fornecido pelo Estado, entender o funcionamento do complexo mecanismo que envolvia as mortes similares. Ela irá partilhar com vocês.

Durante pouco mais de trinta minutos foi o tempo da coletiva. Rui, em todo momento que podia e conseguia, dava a entender que as investigações só avançaram devido a benevolência do Estado em fornecer qualquer coisa, quando, na verdade, se não fossem os policiais implicados em seu trabalho, estariam sem respostas.

Enquanto dirigia seu Audi A3 preto atravessando a orla de Salvador de Ondina até Itapuã, Dara e Fernando, seu braço direito na delegacia e amigo pessoal, conversavam sobre a coletiva de imprensa e a politicagem nos bastidores.

-Esse ano é eleitoral. O secretário deve tentar uma vaga para Deputado Estadual. A situação é favorável.

-Com certeza! Ainda mais que “ele, na figura de representante do Governador do Estado da Bahia, parabeniza o esforço da nossa força de polícia” e blá blá blá. - Fernando caçoou da situação.

-Cara pé no saco. Ainda bem que não tenho. - Dara gracejou. - Sim, diga qual foi o resultado do IML que já vou te largar na DP e curtir o descanso.

-Se livrou da delegacia por 15 dias. Tá certa! Então… O laudo diz que as múltiplas perfurações fizeram com que a moça perdesse muito sangue. Pelos cálculos lá, ela já tinha perdido mais de 1 litro quando chegamos, mas a causa mortis foi uma perfuração de lâmina na altura do coração que transpassou o órgão. Não é a mesma utilizada para os outros cortes, pois o buraco que ficou devia ter uns 30 centímetros ou mais. Como a mulher não tem parentes vivos, a namorada é quem vai reconhecer e retirar o corpo.

-Certo. Anexe essas informações ao processo antes de arquivar.

-Sim, chefe. Agradeço a carona. - Fernando já havia aberto a porta do carro quando lembrou de um detalhe. - Como é o nome daquelas adagas que a personagem da Jennifer Garner utiliza no filme Elektra?

-Sai. Adaga Sai. Por que?

-Parece com as que você mantém no seu quadro de armas. Tchau, delega. Te vejo em duas semanas.

Em casa, olhava as diversas adagas estrangeiras, punhais personalizados e espadas que mantinha organizadas por tamanho, segurando uma taça de Bridão Merlot Tinto. Dara estava tão imersa nos acordes do piano e voz penetrante de Yseult que se perdeu em meio a memórias. 

Seu devaneio foi encerrado com a mensagem de seu braço direito via aplicativo de comunicação no celular.

- Conseguimos rastrear o aparelho e a senhora não vai acreditar.

-Onde?

-Dark Room.

-Quantos a caminho? - questionou enquanto se vestia e colocava um colete a prova de balas.

-Nenhum. 

-Ótimo! Tenho 15 minutos.

-Positivo. Nada mais do que isso.

Leu a mensagem com o capacete de uma Yamaha Crosser 150s preta na mão. Passou no escritório e pegou o que faltava. Retirou a placa e cobriu a identificação lateral da moto, vestiu a roupa de chuva com capuz e montou nela. Cortou as avenidas e ruas como se não houvesse amanhã. Semáforos e radares eram ignorados deliberadamente. Ao chegar em frente a casa noturna, Dara entrou por uma porta lateral que era usada para serviço.

As câmeras do ambiente estavam desligadas, visto que a casa havia sido fechada permanentemente. Com passos precisos, desceu as escadas que ficavam atrás da cozinha em direção ao depósito. Empurrou a porta e, antes mesmo de vê-la, foi recebida por líquidos no chão. Retirou um par de luvas cirúrgicas do bolso e as vestiu. tocou no chão e ao aproximar a mão rosto confirmou que era sangue.

Carla estava amarrada em hastes de ferro. Seu corpo desnudo e ensanguentado tremia. Uma mordaça a silenciava e a venda nos olhos a impedia de ter qualquer visão. Dara se aproximou lentamente. Arma engatilhada a frente do corpo em busca de vestígios de pessoas no local. Nada. Olhou a mulher naquela posição enquanto um flash passou diante de seus olhos.

-Enfim nos encontramos, Luciana Castro. Ou deveria te chamar de Carla Almodena.

A mulher reconheceu aquela voz e passou a tentar se debater enquanto lançava grunhidos. Conhecia a delegada o suficiente para saber que se não escutou sirenes, ela estava sozinha. Não era um bom sinal.

-Eu te avisei sobre mentir para mim. Tentar me enganar… E roubar bens meus e, ainda assim, você o fez. Só que, de tudo isso, o pior foi me apaixonar por você. E mais… Me desesperei quando você sumiu porque eu não conseguia raciocinar um meio de te rastrear. Até que a sua namorada relatou um desaparecimento e levou um retrato seu. A reconheci imediatamente. O tempo não foi generoso contigo,mas esses olhos e sorriso traiçoeiro eram impossíveis de esquecer. E agora que finalmente a encontrei… Não sei. Já quis te prender, te machucar, retirar o que você tivesse de mais precioso por ter me condenado a estar presa nessa obsessão que um dia achei ser sentimento. - uma lágrima solitária desceu pela face de Dara - Pelo que vejo, não lhe resta muito tempo de vida. Irei te deixar refletindo suas ações enquanto seu corpo desfalece lentamente. Tem algo a me dizer? - Dara retirou a mordaça e se afastou asim que a outra começou a tossir.

-Já que… estou morrendo…nunca… gostei… você… só dinheiro… outras também…

-Bom saber! 

Retirou uma adaga em aço de sua bota e a cravou no peito de Carla enquanto olhava nos olhos. Puxou como se fosse retirá-la e cravou novamente em seu peito, girando-a. As sirenes e o som do giroflex a tiraram daquele torpor. Saiu rapidamente e se escondeu atrás de um food truck. Viu toda a movimentação da policia para a retirada do corpo. Era hora de ir para casa.

Três Meses Depois…

Dara despertou com seu telefone tocando insistentemente. Olhou o número e não o reconheceu. Atendeu a ligação formalmente.

-Dara Leocádio na escuta.

-Aqui é a Delegada Luciana Castro, da cidade de Riachão do Jacuípe, e gostaria de seu auxílio. Crimes muito similares ao Caso da Maria Navalha estão ocorrendo aqui. Desculpe-me acordá-la, mas…

-Luciana, estarei saindo de licença no final do dia. Posso retornar para esse número?

-Claro! Aguardarei seu retorno.

Ambas ainda demoraram um pouco antes de encerrarem a ligação. Com a sensação de que havia algo no ar.

Fim do capítulo